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Princípios constitucionais da administração pública e a Lei nº 9.784/1999.

A nacionalização da legislação de regência do processo administrativo brasileiro

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Agenda 20/01/2008 às 00:00

4.A NACIONALIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO

De plano, cumpre-nos ressaltar que a abordagem da presente temática feita nos capítulos anteriores, escudada em abalizados entendimentos doutrinários e nas normas constitucionais e legais pertinentes, serviu como supedâneo para as manifestações em prol da nacionalização dos princípios e normas gerais de regência do processo administrativo brasileiro.

Com efeito, não se vislumbram muitas alternativas jurídicas, tampouco "fórmulas mágicas" para se atingir tal finalidade, como ficará demonstrado. Antes, porém, torna-se necessário trazer à colação manifestações de juristas renomados sobre o assunto, que defendem, há muito tempo, a nacionalização das normas fundamentais atinentes ao processo administrativo. Tais consensos visam convalidar e corroborar as inferências aqui exaradas, acerca dessa importante temática.

Em sua obra, Meirelles (2000, p. 642) procurou formular a "teoria geral do processo administrativo brasileiro". O objetivo do autor era demonstrar que todas as espécies de processos administrativos devem ser subordinadas a princípios gerais, nos quais se encontram inseridas, e enquadrarem-se nas "modalidades adequadas" às suas diversas finalidades, o que não tem ocorrido pela omissão da doutrina publicista e da deficiência da legislação administrativa.

Para o mencionado autor:

A verdade é que, entre nós, o processo administrativo não tem merecido os estudos teóricos necessários à sua compreensão doutrinária e à sistematização metodológica, que, naturalmente, informariam a legislação e aprimoraria os julgamentos internos da Administração. Certo é que o processo administrativo não pode ser unificado pela legislação federal para todas as entidades estatais, em respeito à autonomia dos seus serviços. Mas a teoria geral incumbir-se-á dessa unificação, com real vantagem para a jurisdição e para os jurisdicionados, sabido que tais processos sujeitam-se a princípios universais, desenvolvem-se por fases [grifo do autor] autônomas e diversificam-se em modalidades [grifo do autor] adequadas à consecução de seus objetivos [grifos nossos] (MEIRELLES, 2000, p. 630).

De outro lado, Gasparini (1995, p. 19-20) afirma que a discussão sobre a codificação do direito administrativo dividiu os estudiosos do tema entre aqueles que defendem a não-codificação, a codificação parcial e a codificação plena. Os primeiros são contrários porque o direito administrativo é um ramo jurídico novo e em constante elaboração, e se acaso codificado correria o risco de ficar imobilizado, comprometendo a sua evolução. Além disso, entendem ser impossível essa codificação em países federados em face da grande diversidade da legislação dos entes federativos que os compõem. Os segundos defendem a codificação parcial apenas de normas que disciplinam algumas matérias reguladas pelo direito administrativo, propugnando a reunião somente de normas que disciplinam algumas das matérias tratadas por esse ramo do direito. O terceiro grupo de estudiosos, ao qual se filia Gasparini, entende possível e defende a codificação plena, sobretudo, em razão das vantagens advindas para a Administração Pública e para os administrados. Ainda, alegam que facilita a compreensão e a aplicação das normas assim reunidas.

Gasparini (1995, p. 20) comenta ainda que os mais destacados doutrinadores brasileiros defendem a codificação do direito administrativo, pois já se teria superado o estágio da codificação parcial, com a edição de diversos códigos de conteúdo deste ramo do Direito. Sobre o tema, indica os trabalhos de José Cretella Júnior, editado em 1951, pela Revista dos Tribunais, "Da codificação do direito administrativo"; "A codificação do direito administrativo", de Carlos S. de Barros Júnior, RT, 179:5 e "Procedimento administrativo – proposta para uma codificação", de Ana Lúcia Amaral et al., RDP, 97:186. Referencia também o estudo sobre a codificação do processo administrativo de A. B. Cotrim Neto, "Código de processo administrativo", RDP, 80:34. Dada a sua pertinência com o presente tema, a seguir se fará uma abordagem parcial sobre o estudo desse último doutrinador.

Segundo Cotrim Neto (1986, p. 37-38), é anseio dos cultores do direito administrativo a edição de um código capaz de compilar as normas do processo administrativo, desde que Themistocles Cavalcanti tornou-se o patriarca dessa disciplina, a quem coube o encargo de elaborar um anteprojeto a respeito, em cuja exposição de motivos apresentou importantes considerações, consoante a seguinte transcrição:

Na Exposição de Motivos antecedente do seu trabalho, escreveu Cavalcanti, entre muitas eruditas considerações: ‘As manifestações da atividade da administração são multiformes, e daí a variedade (impossível de limitar e de classificar) dos processos administrativos. Ora ela tem por fim atender aos interesses dos funcionários, em suas relações com o Estado; ora se apresenta como reguladora dos direitos de terceiros, ora, finalmente, visa à proteção dos interesses fiscais, patrimoniais do Estado, em relação a todos quantos com ele se acham em situação de dependência. A codificação das normas do processo administrativo deve ter, por isso mesmo, uma generalidade que permita a sua aplicação aos casos especiais, por meio de disposições supletivas a serem criadas em leis, regulamentos e portarias. A técnica legislativa moderna, aliás, orienta-se neste sentido. A lei geral traça as grandes linhas, as normas fundamentais, os princípios que devem orientar a elaboração dos regulamentos. Na lei geral encontra o poder regulamentar apenas as diretivas, os tipos essenciais a que deve obedecer na elaboração dos regulamentos administrativos. Ao poder regulamentador cabe prover a maneira de executar a lei, de atender aos casos particulares, às peculiaridades das diferentes organizações administrativas. Como vimos acima, a preocupação máxima deve consistir em simplificar e uniformizar as normas de processo, não somente em benefício dos interessados e para o perfeito esclarecimento da verdade, mas ainda por uma razão de economia, que deve sempre ser levada em consideração’ [grifos do autor].

Cotrim Neto (1986, p. 43-44) conclui seu estudo com as seguintes palavras:

Vistas as considerações supradesenvolvidas sobre as leis algures promulgadas, para ordenar a Administração Pública no contemporâneo ‘Estado Social de Direito’ – uma Administração pletórica de encargos e funções – e organizá-la em condições de fazê-la segura no concernente ao resguardo do interesse público que lhe compete perseguir, mediante justa aplicação do Direito Objetivo, tanto quanto ao respeito dos interesses dos Administrados, pelo correto atendimento de seus Direito Subjetivos, cabe a nós concluir: no momento histórico que vive a Nação brasileira, empolgada de anseios democráticos e de culto aos Direitos do Homem, é oportuno que cuidemos da elaboração de uma Lei, um Código, ou que nome se lhe atribua, para coartar o exercício abusivo, autoritário ou arbitrário dos poderes administrativos [grifos nossos].

Portanto, como visto, uma parcela da doutrina defende a codificação parcial do direito administrativo. Em rigor, defende-se tal corrente pelas mesmas razões doutrinárias propugnadas. Porém, entende-se que no caso do processo administrativo, a codificação não é necessariamente o meio mais apropriado, tendo em vista que, em geral, reserva-se a edição dessa modalidade de norma legiferante para abordar matérias que por sua grande complexidade e extensão devem ser compiladas em uma única lei, "um código", cuja definição, de acordo com Gasparini (1995, p. 19) significa reunir em um conjunto metódico, sistemático e harmônico as normas legais que regem determinada matéria e institutos jurídicos de um ramo do direito.

A edição da Lei Federal nº 9.784/99 bem demonstra, por seu conteúdo e sua relativa concisão (setenta artigos), que não é preciso valer-se, a priori, de um código de processo administrativo. O que importa, pois, é a sua compilação, simplificação e padronização, em nível nacional, da respectiva legislação de regência, a fim de que os princípios constitucionais fundamentais e as normas gerais aplicáveis à espécie sejam justos, igualitários e efetivamente aplicados, e que seja possível assegurar o efetivo e pleno exercício dos correlatos direitos e garantias fundamentais do cidadão, quando este valer-se ou estiver envolvido com essa modalidade de processo.

Possibilidade de alteração constitucional para a nacionalização dos princípios e normas gerais de regência do processo administrativo brasileiro em substituição à Lei Federal nº 9.784/99

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No segundo capítulo deste trabalho, demonstrou-se a distinção entre processo e procedimento, inclusive, sua previsão em artigos diversos da CRFB/88, em especial, com relação à competência para legislar dos entes federados. Também foi mencionado que não é esse tratamento heterogêneo que a doutrina e a ordem jurídico-constitucional vigente propugnam para o processo e para o procedimento, o que pode dificultar ou obstar a possibilidade de compilação, uniformização e nacionalização dos princípios e normas gerais norteadores do processo administrativo.

A par dessa heterogeneidade terminológica e de posição no texto constitucional, o que importa, em rigor, é o fato de que deve ser levada necessariamente em consideração, para se alcançar o objetivo proposto, a questão da competência constitucional para legislar da União, dos estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios.

Dessarte, é fundamental indagar sobre a viabilidade para tal e quais alterações constitucionais devem ser efetivadas. Mais ainda. Se constitucionalmente possíveis tais mudanças, deverão elas ocorrer no âmbito da competência privativa da União, no âmbito da competência concorrente, e/ou, ainda, no da competência suplementar dos municípios?

Para responder a essas indagações, explicitar-se-á, inicialmente, de forma sucinta, a atual repartição da competência legislativa prevista em na CRFB/88, com estribo no preciso resumo elaborado por Alexandre Moraes, a saber:

Quadro geral de repartição de competência legislativa.

a)Competência privativa da União (CF, art. 2).

b)Possibilidade de delegação de competência da União para os Estados (CF, art. 22, parágrafo único).

c)Competência concorrente União/Estado/Distrito Federal (CF art. 24).

d)Competência remanescente (reservada) do Estado (CF, art. 25, § 1º).

e)Competência exclusiva do município (CF art. 30, I).

f)Competência suplementar do município (CF art. 30, II).

g)Competência reservada do Distrito Federal (CF art. 32, § 1º) (MORAES, 2003, p. 292).

Esse, portanto, é o plexo normativo que deve ser considerado para os propósitos desta pesquisa.

Uma vez que se pretende chegar à demonstração da possibilidade de nacionalização da legislação de regência do processo administrativo, tem-se que a alteração constitucional proposta não passa pelas regras constitucionais que tratam da competência dos estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios para legislar. Portanto, tal alteração constitucional fica restrita ao âmbito da competência privativa da União, ou ao âmbito da competência concorrente, na qual a União define os princípios e normas gerais sobre determinada matéria e os demais entes federados as complementam ou suplementam, conforme o caso, sem, no entanto, poder contrariá-las.

A seguir se expõem algumas considerações acerca da competência privativa da União e da competência concorrente, seguidas das alternativas pelas quais se entende possível alcançar a finalidade proposta neste trabalho.

Segundo Moraes (2003), a CRFB/88, em seu art. 22, estabelece as matérias de competência privativa da União, que definem os preceitos declaratórios e autorizativos da competência geral na legislação federal, o que demonstra evidente posição de supremacia com relação aos demais entes federados, frente à relevância das suas disposições.

Para o mencionado autor, essa privatividade para legislar tem como característica a possibilidade de transferência de poder aos estados-membros para legislar mediante delegação expressa (parágrafo único do art. 22, da CRFB/88), desde que satisfeitos três requisitos: (i) delegação por meio de lei complementar (requisito formal); (ii) delegação que deve referir-se a um ponto específico de uma das matérias relacionadas no art. 22 da CRFB/88, em razão do caráter de especificidade da delegação (requisito material); e (iii) proibição de criação de preferências entre quaisquer dos entes federados por meio dessa delegação, em face das disposições do art. 19, do texto originário, sob pena de impactar o "princípio" da igualdade federativa (requisito implícito).

Afonso da Silva (2000, p. 504) ensina que toda matéria que compete à União é passível de ser regulamentada por meio de lei, com exceção do disposto nos artigos 49, 51 e 52, segundo prevê o art. 48, da CRFB/88. Por seu turno, os artigos 22 e 24 definem sua esfera de atuação legislativa, que considera em dois grupos: privativa e concorrente.

A competência privativa, por sua vez, é dividida em legislativa exclusiva sobre "direito administrativo", sobre "direito material não administrativo" e sobre "direito processual".

Quanto às regras constitucionais relativas à competência concorrente, a Carta Política em vigor adotou a "competência concorrente não-cumulativa ou vertical", pela qual à União fica reservada a definição de normas gerais, e aos estados-membros e Distrito Federal a competência para especificá-las, diante da "competência suplementar" que lhes confere o art. 24, § 2º (MORAES, 2003, p. 298).

A doutrina divide ainda a "competência suplementar" dos estados-membros e do Distrito Federal em "complementar", que depende da prévia existência de lei federal a ser especificada; e "suplementar", quando ocorrer a inércia legislativa da União, hipótese em que estados-membros e Distrito Federal, temporariamente, terão "competência plena" para editar normas de caráter geral, com normas específicas, a teor do disposto no art. 24, §§ 3º e 4º, da CRFB/88 (MORAES, 2003, p. 298).

Sobre as normas que tratam da competência concorrente para legislar, cumpre destacar o comentário de Afonso da Silva (2000), segundo o qual a atual Carta Magna foi, por vezes, redundante e até mesmo omissa, quando atribuiu à União competência privativa para legislar sobre "normas gerais" para certas matérias e não o fez com relação a outras. Aos estados-membros e ao Distrito Federal coube também legislar sobre as matérias que foram omitidas no art. 24, pois são da competência administrativa comum (art. 23) da União, dos estados-membros e do Distrito Federal. Já quanto à competência concorrente da União para legislar sobre "normas gerais" o autor afirma que não exclui, mas sim pressupõe, a competência "suplementar" dos demais entes federados.

Afonso da Silva (2000) observa ainda que a CRFB/88 não incluiu, em seu artigo 24, os municípios no âmbito da competência constitucional concorrente para legislar, porém, conferiu-lhes competência legiferante para "suplementar a legislação federal e a estadual no que couber". Dessa maneira, possibilitou-lhes dispor, especificamente, sobre as matérias contidas de forma taxativa no referido dispositivo constitucional, acerca das quais, como dito, reconheceu-se à União somente sua normatividade geral.

Sobre esse tema, é preciso tecer mais algumas considerações para melhor compreensão e definição da sua relação com os fins a que se propõe o presente trabalho.

Dessa feita, consoante definição de Moraes (2003), no quadro geral de repartição de competência legislativa prevista na CRFB/88, apresentado anteriormente, cabe aos estados-membros da federação a competência remanescente (reservada), estabelecida no art. 25, § 1º. Em outras palavras, os estados-membros poderão legislar sobre todas as matérias que não lhes sejam vedadas pela Lei Maior, de forma implícita ou explícita. As vedações implícitas são aquelas em que a competência para legislar pertence privativamente à União (art. 22) e aos municípios (art. 30), diferentemente das explícitas que são as normas que os estados-membros devem observar obrigatoriamente na organização e normatização próprias.

Quanto aos municípios, sua competência legislativa tem como principais características: (i) a possibilidade de auto-organização por meio da respectiva Lei Orgânica, o que não ocorria na ordem constitucional anterior; e (ii) o princípio da predominância do "interesse local" (art. 30, I, da CRFB/88).

Por outro lado, o art. 30, II, do texto constitucional preceitua que cabe aos municípios suplementar a legislação federal e estadual, no que couber. Essa realidade jurídica também não existia na Carta Magna anterior de 1967.

Assim, a CRFB/88 conferiu aos municípios, basicamente, competência para suplementar as normas legais da União e dos estados-membros, com o intuito de adequá-las às peculiaridades locais, sem, no entanto, poder contrariá-las e sem que se perca de vista o requisito formal que determina a sua competência constitucional para legislar, qual seja, o "interesse local" (MORAES, 2003, p. 303).

Ao Distrito Federal basta dizer que lhe foi atribuída, em especial, as competências legislativas reservadas aos estados-membros e aos municípios, a teor do disposto no art. 32, § 1º, da CRFB/88.

Convém asseverar que essas considerações sobre a repartição da competência constitucional para legislar (da União, dos estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios) foram realizadas em respeito, também, ao princípio da autonomia dos entes federados, previsto no artigo 18 da Carta Política em vigor, de modo a se auto-organizarem política e administrativamente. Tal competência inclui, entre outras, a autonomia para editar a própria legislação, observadas tão-somente as ressalvas constitucionais a respeito, como apresentado alhures.

Por outro lado, não se deixou de considerar a hipótese de viabilidade de alteração da parte puramente administrativa da principiologia instrumental contida no Capítulo VII, "Da Administração Pública" (art. 37 e 39 e seguintes), do Título III, da CRFB/88, que se infere, não levaria à concretização da presente tese qual seja a de nacionalização da legislação de regência do processo administrativo.

Em suma, observa-se que o capítulo do disciplinamento normativo, para ensejar a viabilidade legislativa consubstanciada na cláusula do art. 5º, inc. LV, da CRFB/88, encontra-se no Título III, "Da Organização do Estado", isto é, no Capítulo II, mais precisamente, art. 22 ou art. 24.

Diante dessas considerações, a primeira alternativa de nacionalização da legislação que rege o processo administrativo, que se avalia como a mais adequada, consistente e com caráter de definitividade, requer necessariamente a alteração do conteúdo normativo da CRFB/88.

Não obstante a costumeira e própria demora na tramitação do processo de reforma do texto constitucional, tal alteração, como pretendida, pode ocorrer por duas vertentes, a saber: (i) modificação do texto do art. 22, inciso I, ou, então, (ii) acréscimo de um inciso a este mesmo art. 22, com teor semelhante ao inciso XXVII, em conjunto com a alteração da redação do art. 24, XI. Além disso, serão necessárias as correspondentes adaptações no corpo da Lei Federal nº 9.784/99, de acordo com a sistemática que se sugere a seguir.

A primeira vertente proposta, como dito, prevê nova redação ao inciso I do art. 22, da CRFB/88, dispositivo este que estabelece a "competência privativa" da União para legislar sobre:

"I – direito civil, comercial, penal, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial, do trabalho e processual, inclusive, processual administrativo"

.

Em conseqüência, as alterações necessárias na Lei Federal nº 9.784/99 teriam que ocorrer em sua ementa e no art. 1º, da seguinte forma:

"Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública da União, dos estados-Membros, do Distrito Federal e dos municípios [...]"

.

"Art. 1º Esta Lei regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública direta e indireta da União, dos estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração".

Além dessas alterações, necessária seria a revogação do art. 69, da Lei Federal nº 9.784/99, que trata da aplicação subsidiária aos processos específicos e, provavelmente, o acréscimo de outros artigos para maior abragência das normas processuais administrativas, em razão das particularidades das distintas espécies de processos administrativos.

Com as modificações propostas na primeira vertente, uma opção mais rígida e consistente, pode-se obter a nacionalização dos princípios e das normas gerais que tratam do processo administrativo, pois praticamente não se deixaria margem para os demais entes federados legislarem a respeito, salvo nas hipóteses de delegação prevista no art. 22, parágrafo único, aos estados-membros e ao Distrito Federal, por força do art. 32, § 1º, da CRFB/88, bem como da "competência genérica" dos municípios, observado o "princípio do interesse local".

Com efeito, esta seria, na prática, a opção mais viável para se elaborar um "Código de Processo Administrativo", como defendem alguns expertos doutrinadores do direito administrativo, a exemplo do caminho que resultou nas edições dos Códigos de Processo Civil e de Processo Penal.

A segunda vertente, por seu turno, defende o acréscimo do inciso XXX, ao art. 22, em combinação (para o reforço da sua mudança) com a alteração do inciso XI, do art. 24, que dispõe sobre a "competência concorrente" da União, dos estados-membros e do Distrito Federal, ambos da CRFB/88, com as seguintes redações:

"Art. 22 [...]

XXX – Princípios e normas gerais de direito processual administrativo, em todas as suas modalidades, para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, estados-membros, Distrito Federal e municípios, observado o disposto no art. 37, "caput" e 39 a 41, no que couber, para o fim do disposto nos arts. 18 e 19. [...]

Art. 24 [...]

XI – procedimentos em matéria processual, inclusive, processual administrativa"

.

As alterações decorrentes na Lei Federal nº 9.784/99 se efetivariam em sua ementa e nos artigos 1º e 69, na forma seguinte:

"Regula os princípios e normas gerais do processo administrativo no âmbito da Administração Pública da União, dos estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios. [...]

Art. 1º Esta lei estabelece princípios fundamentais e normas gerais sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública direta e indireta da União, dos estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração. [...]

Art. 69 As normas específicas dos processos administrativos em geral dos entes federados continuam a reger-se, subsidiariamente, por lei própria, desde que não colidentes com as normas desta Lei, quando esta for omissa ou quando contiver disposições comuns com aquelas".

Em resumo, pode-se vislumbrar que essa vertente é mais flexível do que a anterior, pois a nacionalização das normas de regência do processo administrativo ocorreria apenas em relação aos seus princípios fundamentais e normas gerais. Entende-se, de outra banda, que tal opção é mais consentânea, na prática, com as particularidades existentes nas várias espécies de processos administrativos.

Dessa maneira, as normas específicas continuariam em pleno vigor, desde que não conflitantes com a norma hierarquicamente maior, decorrente da autonomia político-administrativa dos demais entes federados, dentre outras, para legislar sobre assuntos de interesse local. Ainda, devem ser obrigatoriamente observados, neste caso, por força constitucional, somente os princípios fundamentais e as normas gerais inseridos na legislação federal, a exemplo do que ocorre com a legislação acerca das licitações e contratos (Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993), salvo exceções expressas quanto à sua aplicação a casos específicos, como ocorre na pré-citada lei, em seus arts. 115 a 124.

Na hipótese de aplicação da segunda vertente poder-se-ia indagar acerca da observância da nova realidade jurídica pelos municípios, uma vez que estes não foram abrangidos no âmbito da competência concorrente. No entanto, é importante asseverar, que a própria Carta Magna em vigor responde tal indagação ao fazer previsão expressa de que cabe aos municípios "legislar sobre assuntos de interesse local", bem como "suplementar a legislação federal e a estadual no que couber" (art. 30, incisos I e II da CRFB/88) (BRASIL, 2005, p. 29).

Com efeito, registra-se que não é tarefa deste estudo definir, de maneira incontroversa, qual das opções de modificação constitucional e legislativa, acima apresentadas, seria a mais viável para a nacionalização da legislação de regência do processo administrativo, pois somente a vontade popular, externada por meio de ampla discussão dos seus representantes no Congresso Nacional, própria de um Estado Democrático de Direito, poderá fazê-lo.

4.2 Aplicação subsidiária alternativa da Lei Federal nº 9.784/99 pela Administração Pública dos estados-membros, do Distrito Federal e dos municípios, na ausência de alteração constitucional.

A segunda alternativa para se poder alcançar a nacionalização das normas diretivas do processo administrativo, afigura-se paliativa, provisória e sem o alcance que se pretende obter; seria a aplicação subsidiária, pelos estados-membros, Distrito Federal e municípios em suas pertinentes legislações, das normas contidas na Lei Federal nº 9.784/99, ou até mesmo de forma principal, se essa for a vontade do legislador local.

Em outras palavras, significa dizer, por exemplo, que no regime jurídico dos servidores públicos de determinado estado-membro ou município, a lei local poderia ser alterada para prever a aplicação das normas gerais que regem o processo administrativo federal quando houver identidade entre a norma federal e a local, na omissão da legislação local, porém contida na federal e quando essa não for colidente com aquela.

Por outro lado, como dito, também pode haver a aplicação de forma integral e principal das normas da lei federal à legislação local de regência do processo administrativo para todas ou para algumas das suas espécies. Nesses casos sugere-se a seguinte redação:

"Art. Aplicam-se subsidiariamente às normas deste Capítulo (acerca do processo administrativo em gênero ou em espécie) as disposições da Lei Federal nº 9.784/99 e suas alterações posteriores, reconhecidamente comuns ou omissas"

.

Ou então:

"Art. Aplicam-se as disposições da Lei Federal nº 9.784/99, e suas alterações posteriores, aos processos administrativos em geral (e/ou apenas aos específicos), regidos por esta Lei. (inserir no capítulo que trata do processo administrativo em gênero ou em espécie)"

.

Na avaliação de Ferreira (2004, p. 16), o conteúdo principiológico da Lei Federal nº 9.784/99 "enseja a possibilidade de que, na ausência de elaboração normativa própria, Estados, Municípios e Distrito Federal sirvam-se de seus critérios gerais para colmatação das lacunas na solução de conflitos internos".

Na mesma linha de pensamento, Moreira (2003, p. 275), aduz que: "A aplicação subsidiária significa um âmbito de incidência limitado aos planos normativos não regulados pelas leis relativas a processos administrativos específicos".

De qualquer forma, no caso de adoção da lei federal que rege o processo administrativo pela legislação local, dado o elevado grau de discricionariedade que envolve tal medida, é preciso, antes de tudo, despertar a conscientização do legislador local para a sua importância, já que esta é uma maneira, muito mais célere do que aquela que envolve toda a complexidade do processo legislativo de tramitação tendente a uma alteração constitucional, conforme a alternativa prevista na seção anterior.

Sobre o autor
Adriano da Luz

Delegado de Polícia Civil no Estado de Santa Catarina. Especialista em Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUZ, Adriano. Princípios constitucionais da administração pública e a Lei nº 9.784/1999.: A nacionalização da legislação de regência do processo administrativo brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1663, 20 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10871. Acesso em: 19 mai. 2024.

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