8. Argumento oportunista ou garantia de acesso à prestação jurisdicional?
Finalmente, sob o título "argumento oportunista", a Procuradoria da OAB/RJ criticou os Agravados, pelo fato de já terem feito o Exame de Ordem e porque estão buscando, na Justiça, a proteção do seu direito fundamental ao exercício da advocacia, para a qual estão qualificados, de acordo com o diploma, de uma Instituição de Ensino Superior, autorizada, fiscalizada e avaliada pelo Estado Brasileiro.
É preciso ressaltar que muitos dos que já realizaram o Exame e foram aprovados estão unidos aos "poucos aspirantes à advocacia" – mais de dois milhões, de acordo com os próprios dirigentes da OAB -, para combater esse Exame inconstitucional, que denigre uma instituição séria e respeitável, porque alguns de seus dirigentes o utilizam como um mecanismo de reserva de mercado, ou para ampliar a sua influência e o seu poder nas instituições de ensino superior, ou para a realização de cursinhos preparatórios, alguns deles nas próprias Seccionais da OAB, ou até mesmo – existem denúncias, que estão sendo apuradas, em Goiás, DF, SP -, para as fraudes e a venda da aprovação, no Exame da OAB.
É preciso ressaltar, também, que inúmeros advogados não compactuam com esse Exame, e mesmo aqueles que não questionam a sua inconstitucionalidade reconhecem que, apesar de toda a sua experiência profissional, seriam incapazes de obter aprovação no Exame da OAB, e que esse Exame não se presta, na realidade, a avaliar a qualificação profissional do advogado e deveria ter, no mínimo, alguma transparência, porque ele é controlado, apenas, pela OAB, sem qualquer fiscalização externa, por exemplo, do Judiciário, do Ministério Público, do MEC, ou das próprias instituições de ensino superior, que são diretamente interessadas nos resultados do Exame de Ordem.
Ao contrário, absurdamente, quando se trata de concursos públicos, da magistratura ou do Ministério Público, por exemplo, a OAB envia representantes, para a fiscalização da lisura desses certames...
É verdade que os dirigentes da OAB são, presumivelmente, honestos e extraordinariamente éticos, mas um pouco de cautela e de fiscalização externa poderia servir, com certeza, na melhor das hipóteses, para resguardar a própria credibilidade da OAB.
9. Considerações finais
O Exame da OAB precisa acabar, porque é inconstitucional. Os dirigentes da OAB devem rever a sua posição, de defesa intransigente desse Exame, que só tem contribuído para o descrédito dessa instituição, que é, ou deveria ser, um dos baluartes do Estado democrático de Direito e um dos maiores guardiões de nossa Lei Fundamental.
Não é o Exame da OAB que deve ser considerado necessário, como a única saída para evitar a mercantilização do ensino e a proliferação dos cursos jurídicos de baixa qualidade. O Exame da OAB não é a solução, para que se possa garantir a boa qualificação profissional da advocacia.
Com o término do Exame, não deverá haver um caos no Judiciário, absolutamente, como afirmam os dirigentes da OAB. Ao que se saiba, apesar de nenhuma outra profissão liberal ter conseguido, até esta data, a aprovação de uma lei, criando um Exame semelhante, para "filtrar os profissionais desqualificados", não está ocorrendo, no Brasil, nenhum transtorno especial, nessas profissões, além dos que poderiam ser considerados normais, em face de nossa realidade sócio-econômica. Não existe nenhum caos especial, na Engenharia, que não faz nenhum Exame, para barrar 90% dos bacharéis diplomados pelas Instituições de Ensino Superior, nem na Administração, nem na Medicina, etc...
Se a população não conta, por exemplo, com um nível ao menos decente de assistência à saúde, o que seria um direito constitucional fundamental, que o Estado Brasileiro deveria efetivar, isso não está ocorrendo, é claro, porque os médicos tenham uma qualificação profissional deficiente, mas por falta de investimentos nessa área.
O mesmo acontece em relação à Justiça, que também é extremamente deficiente, cara e elitista. A crise no Judiciário já era discutida nos anos 60, quando não existia o Exame da OAB, e as coisas não melhoraram muito. O Brasil continua sendo um País extremamente desigual, especialmente na questão do acesso à Justiça. Se os pobres não têm acesso à Justiça, até hoje, mesmo depois da Constituição Federal de 1.988, que criou as Defensorias Públicas, isso acontece pela falta de decisões políticas e de investimentos públicos, também, nessa área. As Defensorias Públicas não têm condições de atender a enorme demanda, e os dirigentes da OAB, sob a alegação de que é preciso garantir aos carentes o acesso à Justiça, preferem assinar convênios com Estados e Municípios – SP, SC, etc. -, para dar emprego, remunerado pelos cofres públicos, sem concurso, a milhares de advogados, pertencentes a seus quadros.
Existem diversos interesses conflitantes, nesta questão do ensino superior, do Exame de Ordem da OAB e do mercado de trabalho: os interesses do Estado Brasileiro, que precisa ampliar o acesso ao ensino superior, para que seja possível o desenvolvimento do País; os interesses da sociedade, que tem o acesso a um diploma como uma oportunidade de ascensão social; os interesses de determinadas faculdades, que visam em primeiro lugar o lucro, sem se preocuparem com a qualidade do ensino; os interesses dos cursinhos preparatórios do Exame de Ordem; os interesses das instituições contratadas para a realização do Exame; os interesses das Editoras, que produzem e vendem o material relacionado com o Exame; os interesses corporativos, que visam a proteção do mercado de trabalho dos profissionais filiados; e os interesses individuais de todas as pessoas envolvidas nesse processo, ou sejam, os dirigentes e funcionários do MEC, os professores contratados pelo MEC para o processo de avaliação das instituições de ensino superior, os bacharéis e as famílias dos bacharéis, os advogados e as famílias dos advogados, os dirigentes e os professores das instituições de ensino superior e dos cursinhos preparatórios, os donos das instituições que realizam o Exame e das Editoras que vendem livros sobre o Exame de Ordem, e finalmente os dirigentes da OAB, além dos professores que prestam serviços, eventualmente, a essa instituição. Não devem ser esquecidos, também, os políticos, cuja atuação parlamentar poderá beneficiar ou prejudicar todas essas pessoas, acima referidas. Muitos desses políticos, aliás, são donos de faculdades...
É preciso, portanto, que se encontre uma solução urgente, razoável e justa, para todos os envolvidos, para que se consiga resolver esse conflito.
Não é possível entregar todo o poder, discricionário, evidentemente, a uma só das partes envolvidas no processo, ou seja, à OAB, permitindo que ela decida quem pode ou não pode advogar, como está sendo feito. Isso é tão evidente, que qualquer pessoa de mediana inteligência deveria ter a maior facilidade de compreender. Esse é um poder muito grande, para ser entregue a uma só pessoa, ou a uma só instituição. Como já dizia Montesquieu, é preciso dividir o poder, para que se evitem os abusos e a tirania...
Entregar à OAB uma "carta em branco", para regulamentar o Exame de Ordem, como foi feito pelo Estatuto da OAB, em seu art. 8º, §1º, e permitir que esse Exame seja feito, sem qualquer controle externo, é o mesmo que contratar a mucura para tomar conta do galinheiro. A conseqüência, péssima para a OAB, foram as recentes denúncias de fraudes no Exame – Goiás, DF, SP -, que causaram até mesmo o afastamento de alguns dirigentes da OAB.
Por outro lado, também não é possível deixar todo o poder nas mãos das universidades e faculdades, para que elas possam, livremente, decidir quem deve ser diplomado, mesmo que não tenha o mínimo razoável de qualificação profissional. Teríamos, assim, certamente, a proliferação das "fábricas de diplomas".
Também não se pode deixar todas as decisões nas mãos dos dirigentes e servidores do MEC, porque isso também poderia gerar os abusos que sempre se espera, quando ocorre a concentração excessiva de poderes nas mãos de uma só pessoa, ou de um só órgão.
Evidentemente, como as instituições são formadas por seres humanos, precisamos considerar, sempre, a possibilidade da existência de fraudes – não estou dizendo que elas aconteceram -, como, por exemplo, na venda da aprovação no Exame de Ordem, por integrantes da própria OAB, ou na possível venda de diplomas, por professores ou dirigentes das instituições de ensino superior, ou no recebimento de propinas, por dirigentes e servidores do MEC, para a abertura ou para a aprovação de cursos superiores.
Enfim, o que deve prevalecer é o interesse social, ou seja: o Brasil precisa ampliar o acesso ao ensino superior, mas é preciso resguardar a qualidade do ensino. Esses profissionais, com boa qualificação técnica, serão essenciais para o desenvolvimento do País. Em outra vertente, esse processo deve permitir, também, a ascensão social de uma grande parcela de nossa população, que até hoje se encontra excluída da sociedade. É preciso reduzir as desigualdades sociais, e esse é um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (Constituição Federal, art. 3º, III)
Deve ser ressaltado, também, que não é possível cobrar qualidade, apenas, das instituições privadas de ensino superior, e cobrar, também, exageradamente, apenas das faculdades de Direito, devido às pressões da OAB.
As deficiências do ensino existem em todos os níveis, o que faz com que um grande percentual dos concluintes chegue aos bancos universitários sem a bagagem mínima necessária para a continuação de seus estudos, com qualidade. Os concluintes do ensino médio vão disputar as poucas vagas, gratuitas, das universidades federais. Em conseqüência, selecionados rigorosamente, à razão de até uma vaga para setenta candidatos, como, por exemplo, no vestibular para Direito, de janeiro de 2007, na UNB, de Brasília, esses acadêmicos deverão ter, muito provavelmente, um melhor rendimento escolar. Posteriormente, terão melhores resultados, em concursos, ou no Exame de Ordem, e as conclusões serão inevitáveis: o curso da UNB é um dos melhores. Evidentemente, isso pode não ser verdade, se considerarmos a melhor qualidade, presumível, desses acadêmicos. No caso, excelente não teria sido o curso jurídico, mas o material humano que ele recebe, para trabalhar.
Quanto ao ensino superior privado, ele responde, hoje, por algo em torno de 90% das vagas. As mensalidades são muito altas, e acima das possibilidades da maioria das famílias brasileiras. Por essa razão, em muitos casos, a oferta de vagas poderá ser maior do que a demanda, o que possibilitará, evidentemente, o ingresso de acadêmicos que tenham uma formação muito deficiente, dificultando, ou até inviabilizando, a continuação de seus estudos e a formação de profissionais realmente qualificados. Os professores universitários não podem fazer milagres...
Portanto, é preciso cobrar a qualidade, também, do ensino médio e do ensino fundamental. O Governo precisa investir na educação e precisa melhorar as condições de trabalho, o salário e a qualificação dos professores. Sem isso, é hipocrisia cobrar, apenas, do ensino superior.
Mas o Exame da OAB precisa acabar, porque é inconstitucional.
Isso não significa, porém, que as Instituições de Ensino Superior deverão ficar inteiramente livres, para que funcionem como "fábricas de diplomas", conforme já foi dito anteriormente. O Movimento Nacional de Bacharéis em Direito (MNBD) já apresentou ao Congresso Nacional um anteprojeto, que deveria sofrer uma ampla discussão, com a participação de todos os interessados.
É preciso que seja criado um novo instrumento de avaliação, que respeite a Constituição Federal, que se aplique a todos os cursos superiores, e que seja feito pelo MEC, que tem competência constitucional, exatamente, para fiscalizar e avaliar o ensino, o que não ocorre com a OAB.
É preciso, também, que esse instrumento de avaliação se aplique aos acadêmicos, e não aos bacharéis já diplomados. É um absurdo que os bacharéis recebam os seus diplomas, das instituições de ensino superior, autorizadas, fiscalizadas e avaliadas pelo Estado Brasileiro, através do MEC, e depois esses diplomas possam ser anulados, para 90% desses bacharéis, como acontece, hoje, com o Exame da OAB.
É preciso, finalmente, que esse instrumento de avaliação seja aplicado com transparência, e que seja fiscalizado por todas as partes envolvidas: a sociedade, as faculdades, as corporações profissionais, etc.