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Como o lawfare sabota a democracia em Goiás

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5. LAWFARE PARA MINAR PROCESSOS POLÍTICOS EMERGENTES

O Papa Francisco aponta o desafio de detectar e neutralizar o lawfare para impedir o uso do poder judicial com fins de perseguição política, pois, tal prática, combinada com operações multimidiáticas, tem por objetivo minar processos políticos emergentes e de sufocar a democracia dos países 1 .

A Rede Lawfare Nunca Mais lançou o projeto “Lawfare Nunca Mais” com a finalidade de detectar e neutralizar o lawfare, divulgar casos emblemáticos de lawfare, promover o engajamento de pessoas e de organizações da sociedade civil na busca da prevenção de tal prática.

Nesse sentido, são colacionados dois casos, envolvendo os secretários das pastas de meio ambiente e da saúde de governos progressistas em Goiás, vitimados pelo lawfare, evidenciando a instrumentalização da atividade judicial para minar políticas públicas emergentes de natureza democrática e inclusiva.

Segundo Kirchheimer (1961), o uso do processo judicial com finalidade política não é novidade enquanto prática acobertada pelo manto da aparência da legalidade. A contemporaneidade desse fenômeno reside na complexidade tridimensional do uso estratégico do direito combinado à escolha arbitrária da jurisdição, ao uso da lei e da mídia como arma para atingir alvos adredemente escolhidos, dentro de um contexto de ativismo judicial de ingerência sobre o poder executivo.

A persecução desencadeada contra as administrações de Darci Accorsi, Pedro Wilson e Paulo Garcia na Prefeitura de Goiânia visou minar lideranças políticas de centro-esquerda e corromper o legado deixado pelas suas administrações.

Adotando-se a definição de Zanin Martins et al. (2019), de que o lawfare é o uso estratégico do Direito para fins de deslegitimar, prejudicar ou aniquilar o inimigo, constata-se que a instrumentalização da norma jurídica contra Darci Accorsi contém todos os elementos seminais característicos de uma guerra jurídica. Contra ele e sua administração foi utilizado um cabedal estratégico de instrumentos de destruição do inimigo por meios aparentemente legais como sindicâncias, inquéritos, ações civis públicas, leis e demais normas jurídicas.

O aplicador desse arsenal, ocupante do sistema de justiça – seja do órgão jurisdicional seja do órgão administrativo – deflagrou a persecução contra o polo passivo da relação processual, o seu elo mais fraco, representado pela pessoa física do Prefeito ou auxiliares diretos previamente escolhidos como alvos.

O caráter deletério das demandas instauradas se expressa no conteúdo extremamente negativo das mesmas, sempre vinculando o investigado ou acusado à fatos desqualificadores de direitos universais personalíssimos da pessoa humana, com ampla repercussão na opinião pública.

Outra característica das demandas aqui analisadas reside no uso da mídia opressiva para formar a presunção de culpa do investigado e com isso interferir no julgamento dos processos instaurados, ferindo de morte princípios e fundamentos basilares e norteadores da justiça.

5.1. Lawfare na Área do Meio Ambiente

O biólogo Osmar Pires Martins Junior foi titular da pasta ambiental nas gestões do prefeito Darci Accorsi em Goiânia (1993-96) e do governador Marconi Perillo no estado de Goiás (2003-06), tendo exercido, neste interim, a função de perito ambiental do Ministério Público do Estado de Goiás - MP-GO (1997-2002).

Como agente político, titular das pastas do Meio Ambiente em duas esferas de Poder – o Municipal de Goiânia e o Estadual de Goiás – o mencionado biólogo implementou políticas públicas ambientais inovadoras, democráticas e inclusivas nas respectivas esferas de atuação. Em decorrência, tornou-se alvo da persecução seletiva por parte de agentes tutores da lei. Vejamos.

5.1.1. Gestão Ambiental em Goiânia

Darci Accorsi, como dito alhures, realizou uma administração de centro-esquerda na Prefeitura de Goiânia que alcançou elevadíssimos níveis de aprovação entre todos os segmentos da sociedade. O sucessor de Darci Accorsi à frente da capital do estado de Goiás foi Nion Albernaz, eleito em 15/11/1996 numa disputa acirrada contra o candidato do PT. Tão logo assumiu o cargo, o gabinete do Prefeito instaurou, em janeiro de 1997, o Processo n°10886732 determinando a “apuração de malversação de dinheiro público na construção dos parques da cidade”, por meio de auditorias na modalidade de sindicância nas obras realizadas no Jardim Botânico e nos Parques Vaca Brava, Botafogo, Areião, Liberdade e Carmo Bernardes.

O Município de Goiânia na gestão Darci Accorsi implementou, dentre outros, o Programa de Recuperação e Implantação dos Parques e Áreas Verdes constantes do Plano Original da Cidade, criados pelo Decreto-Lei n° 90-A de 30/07/1938 e decretos de loteamentos subsequentes. As obras de cada Unidade de Conservação Municipal foram planejadas e executadas segundo diretrizes elaboradas pelos setores técnicos competentes da Secretaria Municipal do Meio Ambiente - SEMMA.

Para implantação de tais obras e serviços foi necessário um trabalho de parceria entre a SEMMA, a Procuradoria-Geral do Município, o Instituto de Planejamento Municipal, o Ministério Público; instaurando-se inquéritos civis; foram firmados ajustes de conduta com a finalidade de obter sentenças judiciais favoráveis à recuperação do domínio público sobre as áreas verdes, intensamente usurpadas por apropriadores ilegais do patrimônio público.

Tratando-se de um programa interinstitucional, de extrema importância para a cidade, as obras projetadas foram rigorosamente acompanhadas e controladas pela Coordenadoria de Desenvolvimento Ambiental da SEMMA que monitorou a recuperação das áreas verdes pelos respectivos órgãos executores da Prefeitura de Goiânia.

No intento de demonstrar a suposta malversação do dinheiro público na implantação dos parques durante a gestão do Prefeito Darci Accorsi, a Administração Nion Albernaz produziu, em 14 de novembro de 1997, o relatório de auditoria da execução das obras, da lavra dos auditores Hamilton de Sousa Ferreira, Luiz Carlos Cardoso da Silva e Luz Carlos Rabelo Naves.

Com base neste relatório, o Coordenador de Execução de Auditoria - COEXA da Auditoria Geral do Município de Goiânia – AGM, advogado Umbelino Lopes de Oliveira emitiu parecer conclusivo, verbis: “Pelo que consta do referido relatório, os contratos e execução das obras foram todos concluídos e quanto aos preços praticados, estão dentro dos parâmetros compatíveis com o mercado.” (Parecer nº 35-COEXA, de 17.11.1997 - Processo AGM n° 10886732/97)

Apesar da conclusão supra transcrita, por ordem de Nion Albernaz, um representante do Prefeito de Goiânia noticiou. em 11 de abril de 2000, ao MP-GO, uma denúncia estapafúrdia, fundada no mencionado processo, instaurado em 1997. O denunciante esperou 3 longos anos para, alegando “estado de abandono” do Jardim Botânico, apontar a inexistência de qualquer vestígio de reflorestamento ou mesmo ajardinamento do projeto de implantação do Jardim Botânico. O denunciante alegou um suposto conluio entre a contratada – a empresa CONFLORA e o contratante – o Senhor Secretário da SEMMA, da gestão anterior (sic).

Em conclusão estapafúrdia, o denunciante pretendeu a condenação do ex-Secretário à pena de ressarcimento ao erário municipal de um suposto dano, correspondente ao valor do contrato firmado pelo Município de Goiânia, na gestão Darci Accorsi, a fundo perdido, em 19/03/1993, junto ao Ministério do Meio Ambiente/Fundo Nacional do Meio Ambiente, de 200 mil dólares, para a recuperação do Jardim Botânico de Goiânia.

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Protocolada e recebida a malfadada denúncia, em 11 de abril de 2000, na qual se pretendeu induzir o Parquet a instaurar Inquérito Civil Público - ICP por improbidade administrativa, o titular da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público do MP-GO, promotor de Justiça Abrão Amisy Neto, instaurou o Procedimento n° 039/2000 e, por meio do Ofício n° 112/2000, notificou o ex-secretário do Meio Ambiente de Goiânia, biólogo Osmar Pires Martins Junior.

Em 24 de abril de 2000, o técnico notificado apresentou sua defesa e juntou documentos. O Parquet realizou vistoria in loco e constatou a improcedência da acusação. Assim, a denúncia foi denegada pelo Promotor do Patrimônio Público, cujo voto foi seguido pela unanimidade dos membros do Conselho Superior do MP – CSMP, que, em instância final, arquivou a denúncia.

Dessa maneira, o Prefeito Nion Albernaz, frustrado no seu intento de uso estratégico de uma sindicância para fins de perseguição política, logrou, a contragosto, o contrário do pretendido. Na verdade, demonstrou que o ex-Prefeito Darci Accorsi implementou políticas públicas ambientais inovadoras e ainda que, incontestavelmente, o seu antecessor praticou conduta administrativa correta, tendo aplicado, honestamente, o dinheiro público na construção dos parques da cidade de Goiânia.

5.1.2. Elementos do Lawfare Seminal

Os dois casos, a seguir discutidos, são evidenciadores dos elementos germinais característicos do uso estratégico das normas jurídicas para fins de perseguição, deslegitimação ou aniquilação do inimigo político, adredemente selecionado, qual seja, o responsável pela pasta ambiental na Administração Darci Accorsi (1993-96).

5.1.2.1. O lawfare seminal no Procedimento nº 0063/96

A Promotora de Justiça Eleitoral Eliane Ferreira Fávaro do MP-GO representou, em 11 de junho de 1996, contra o titular da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Goiânia – SEMMA, por transgressão à Lei 8.429/92 que dispõe sobre dispõe sobre as sanções aplicáveis em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, juntando provas fotográficas do alegado, verbis:

[...] no dia 03/06/96, constatei, quando a carreata promovida pelo Partido dos Trabalhadores (PT) transitava pela Av. Anhanguera, no Centro de Goiânia, na altura do Jóquei Clube, a presença de veículos permissionários de serviços da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, conforme provas em anexo. Como tal fato caracteriza transgressão à Lei 8.429/92, determino ao órgão ministerial competente as medidas necessárias à sua apuração [...]. (Eliane Ferreira Fávaro – promotora de justiça).

Antes de sequer ouvir o outro lado, a Promotora Eleitoral Eliane Fávaro deu ampla publicidade à estapafúrdia denúncia, fazendo-se divulgar na mídia, como se verdadeira fosse, a denúncia contra o titular da SEMMA, obrigando-o a se defender da pecha de desonestidade na administração pública, verbis:

O secretário Municipal do Meio Ambiente - Semma, Osmar Pires, justificou ontem o porquê da presença de veículos identificados com a logomarca da Semma, acompanhando a passeata que antecedeu a passeata do PT, dia 3 de junho. Conforme denúncia da promotora de justiça Eliane Fávaro, o fato é caracterizado como transgressão à lei [de improbidade administrativa]. Osmar explicou que os 4 veículos localizados entre os manifestantes e seus respectivos condutores não têm qualquer relação com a Prefeitura. Cerca de 200 veículos particulares são cadastrados hoje pela Semma para trabalhos de divulgação e propaganda com alto-falantes. As empresas ou profissionais autônomos regularizam-se junto à Semma e identificam o automóvel com adesivo do órgão para o exercício da função [...]. “Os cadastrados trabalham para quem eles quiserem, seja para um comerciante ou para um candidato a vereador, por exemplo”, explicou o secretário. Ele informou que foi assinado no dia 29 de agosto do ano passado um termo de compromisso regulamentando a utilização de carros de som em Goiânia, envolvendo a Prefeitura e o Ministério Público [e que] a medida tem trazido muitos benefícios para a cidade. Só nos últimos cinco meses, conforme afirmou, foram arrecadados R$ 118 mil com esse serviço (O Popular, 1996, p. 4A).

Notificado pela 50ª Promotoria de Justiça da Capital, em 14 de outubro de 1996, o titular da Semma apresentou a sua defesa, juntou os Termos de Compromisso atinentes ao caso, assinados em duas ocasiões: a primeira, com a participação do MP-GO, em 29/08/1995, durante solenidade especial na Câmara Municipal de Goiânia e, a segunda, em 05/09/1995, assinada pelo Prefeito Darci Accorsi, o Procurador Geral do Município Ronaldo de Moraes Jardim, o Secretário Municipal do Meio Ambiente e o Representante da Comissão dos Prestadores de Serviços de Som Ambulante Donizete Oliveira dos Santos.

Assim, em 15/10/1996, o Centro de Apoio Operacional de Defesa do Patrimônio Público e a 50ª Promotoria de Justiça do MP-GO levaram a termo a representação da Promotora de Justiça Eliane Fávaro e arquivou a improcedente denúncia.

5.1.2.2. O lawfare seminal nos Autos n° 106/96

Com base nos autos n° 106/96 de investigação judicial requerida pela Coligação Trabalho e Cidadania, liderada pelo candidato Nion Albernaz, inimigo político de Darci Accorsi, o Ministério Público Eleitoral, por meio da Promotora de Justiça Eliane Fávaro, ofereceu denúncia em desfavor de Osmar Pires Martins Junior. Referida denúncia foi amplamente divulgada pela mídia, verbis:

[...] Candidato do PSDB acusa secretaria municipal de fazer campanha para o PMDB. O candidato Nion Albernaz anunciou que a assessoria jurídica da sua campanha vai entrar com ação na Justiça, contra o uso de fax e papel da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, para emitir convites aos vereadores a comparecerem à inauguração do Comitê pró-Ambientalista do candidato do PMDB, Luiz Bittencourt. [...] “Então espero que a Justiça, que tem tido tanto desempenho, apresente o processo contra maus dirigentes da administração, que têm usado aquilo que a lei condena, que é o uso da máquina do poder público em favor deste ou daquele candidato”, explicou. [...] (Diário da Manhã, 1º nov. 1996. p. 5).

A denúncia eleitoral, protocolada no Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Goiás, foi processado sob o nº 106, em novembro de 1996, na 1ª Zona do Juizado Eleitoral da Comarca de Goiânia. Notificado para a audiência da oitiva das testemunhas arroladas pela acusação e defesa, o ex-secretário do Meio Ambiente da Administração Darci Accorsi compareceu acompanhado de advogado e das testemunhas de defesa, mas a acusação não compareceu, até que, após sucessivas notificações, a parte autora compareceu à audiência de inquirição de testemunha arrolada na denúncia, realizada em 10/02/1998, 14:30, para testemunhar que nada tinha a declarar, pois não se lembrava mais dos episódios narrados na denúncia. Sendo assim, a Juíza Eleitoral Sandra Regina Teodoro Reis da 1ª Zona proferiu sua decisão, determinou o arquivamento do processo e encerrou o caso.

5.1.3. Gestão Ambiental em Goiás

A utilização estratégica da norma jurídica para fins de perseguição política, visando deslegitimar, destruir ou interromper política pública inovadora na área do meio ambiente, prosseguiu em Goiás. Desta feita, o alvo da persecução visou aniquilar a gestão de Osmar Pires Martins Junior à frente da Agência Ambiental de Goiás, durante o segundo mandato de Marconi Perillo no Governo do Estado de Goiás (2003 a 2006).

À época, o Brasil era presidido pelo primeiro metalúrgico da história, Luiz Inácio Lula da Silva, que liderou uma inédita coligação de centro-esquerda e incomodou a elite econômica do país que, durante décadas, implantou e dirigiu um estado policialesco. Nesse período de gestação da operação lavajato, a inquietação da elite encontrou ambiente fértil no ativismo judicial. Parte expressiva do sistema de justiça se posicionou acima dos demais poderes da República e assumiu a missão salvadora da pátria no combate à “corrupção sistêmica no governo federal a partir de 2003”.

Nesse contexto, enquanto executivo da política estadual do Meio Ambiente do Estado de Goiás, Osmar Pires Martins Junior foi alvo de 50 (cinquenta) processos movidos pelo MP-GO, além de inúmeras investigações abertas em diversos órgãos de controle como Tribunais de Contas e Receita Federal, que resultaram, ainda hoje, restrições pessoais em processos, muitas vezes, julgados à revelia.

No caso, dos 50 processos propostos pelo Parquet, quarenta e oito (48) já foram arquivados e 2 (dois) continuam em tramitação, na fase de execução da sentença condenatória proferida pelo mesmo magistrado. Tem-se que nestas duas ações, o acusado foi condenado à revelia, sem ao menos ter tido direito à ampla defesa e ao contraditório. Em razão de tais condenações, inobstante a impenhorabilidade das verbas de natureza salarial, o acusado enfrentou, repetidas vezes, o bloqueio draconiano dos seus vencimentos ou proventos, após a aposentadoria, tendo que mover recursos judiciais para o desbloqueio das verbas alimentícias. Até mesmo a residência onde mora com a família desde 1993, sofreu constrição ilegal, posteriormente revogada, a bem da justiça.

Anteriormente à presidência da Agência Ambiental de Goiás, o biólogo Osmar Pires foi perito ambiental do MP-GO, e havia sido secretário de Meio Ambiente do Município de Goiânia, na gestão do então prefeito Darci Accorsi, tendo, à época, implantado o Programa de Recuperação dos Parques Municipais, realizado por meio do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). A sua expertise no modelo de TAC, moderno à época, também foi utilizada quando esteve à frente da Agência Goiana de Meio Ambiente, para implantar no Estado de Goiás, dentre outros, o Parque Estadual da Mata Atlântica, no município de Água Limpa.

O Parque Estadual da Mata Atlântica em Goiás foi resultado do embargo à usina de Cachoeira Dourada S.A. – CDSA, desde então administrada pela ENDESA, uma multinacional com sede em Bilbao (Espanha). A interdição da CDSA colocou em xeque o sistema integrado de energia do país, levando a ministra de Minas e Energia do Governo Federal à época, Dilma Roussef e o próprio dono da ENDESA, Francisco Bugalho, à negociação direta com a Agência Ambiental de Goiás para a resolução do impasse, por meio do Termo de Ajusta de Conduta (TAC).

O TAC convencionou a conversão da multa ambiental pela ENDESA na aquisição das terras e na implantação completa do Parque da Mata Atlântica com a imediata transferência do seu domínio ao Estado de Goiás. O ajuste negociado entre o órgão ambiental e a empresa infratora – previsto na Lei dos Crimes Ambientais, regulamentado pelo IBAMA e pela Agência Ambiental – foi justamente a saída encontrada por Osmar Pires para que a empresa multinacional pagasse a compensação devida ao erário público, de forma que tal compensação, de fato, fosse proveitosa para a população, para o meio ambiente e para o Estado. Osmar implantou a conversão de multas em prestação de serviços de preservação, recuperação e melhoria da qualidade ambiental forma inequivocamente brilhante e moderna à época.

No anseio de avocar para si a exclusividade da utilização do TAC, ainda que na esfera administrativa, o MP-GO massacrou Osmar e o excluiu da vida pública, utilizando, para tanto, uma atuação articulada entre os agentes aliados dos órgãos do sistema de justiça no Estado de Goiás. Importante papel persecutório coube ao poder midiático, promovido pelo MP-GO junto à grande mídia tradicional regional. O Parquet gerou intensa campanha negativa, com matérias televisivas, radiofônicas, impressas e, em parte, nas redes sociais, com o intuito de formar na opinião pública a presunção da culpa do alvo da persecução.

A estratégia midiática logrou êxito no juízo condenatório do acusado em duas ações civis públicas por improbidade administrativa, inobstante, tratarem-se de ações claramente improcedentes, desprovidas de justa causa, uma vez inexistente o dolo, o dano ao erário e o enriquecimento ilícito. Em razão destas duas ações, Osmar está sendo executado na justiça cível, a título de suposta reparação do prejuízo causado à administração pública, pela assinatura dos mencionados TACs, na verba exorbitante de R$ 10 milhões.

Nestes casos, as sentenças condenatórias proferidas por pretensa falta de honestidade para com a coisa pública, consideram imputações insuficientes para a condenação da reparação de suposto prejuízo ao erário, uma vez ausente o dolo, o dano ao erário e o consequente enriquecimento ilícito, nos termos na vigente Lei de Improbidade Administrativa – Lei n.º 14.230/2021.

5.2. Lawfare na Área da Saúde Pública

Um caso paradigmático, objeto de estudo por parte de especialistas garantistas e destacado pela Rede Lawfare Nunca Mais, se relaciona ao nome de Elias Rassi Neto, médico, professor de saúde pública da Faculdade de Medicina da UFG, ex-secretário de saúde do Município de Goiânia, ex-vereador e ex-presidente da Câmara Municipal de Goiânia. Segundo matéria publicada na Revista Veja, o caso do ex-gestor goiano que acumula 1.426 ações judiciais e extrajudiciais contra ele, virou tema de estudos nacionais sobre perseguição política por meios judiciais (Veja, on-line, 2022).

Elias Rassi Neto exerceu o cargo de secretário de Saúde de Goiânia em dois momentos: em 1997 até 2000, com o prefeito Nion Albernaz, então do PMDB e posteriormente no PSDB, e em 2011-2012 com o prefeito Paulo Garcia, do Partido dos Trabalhadores, à época Vice-Prefeito com numa aliança PMDB e PT, com o prefeito Iris Rezende, que deixou a Prefeitura para se candidatar a governador (ABJD, 20 abr. 2023).

Os dois anos em que esteve à frente da Secretaria de Saúde na gestão do Prefeito Paulo Garcia, geraram a Elias 25 (vinte e cinco) sindicâncias no Conselho Regional de Medicina. Elias alega que teve alguns atritos com alguns procuradores do Ministério Público do Estado de Goiás, e que não sabe dizer se, em função disso, sofreu uma quantidade enorme de processos primeiro no Tribunal de Contas dos Municípios.

Ao todo somam 1.426 processos judiciais e extrajudiciais. Só no Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás (TCM-GO) foram abertos mais de 1.200 processos, que geraram oitenta multas. Foi condenado a devolver o valor integral da reforma da Maternidade Dona Íris, R$ 18.000.000,00. Somando-se todos os processos, os valores corrigidos alcançam a casa dos R$ 200.000.000,00.

Do total mencionado, só não foram arquivados, até o momento, 11 (onze) processos, sendo um criminal e dez de improbidade administrativa. Os objetos das ações vão desde desvio de dinheiro a utilização do nome de pessoa na identificação de bem público, o que é vedado pela legislação municipal.

No período de um ano e meio, como Secretário de Saúde, recebeu 2.834 ofícios do Ministério Público de Goiás, configurando uma média diária de oito notificações que o órgão exigia fossem respondidas.

O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do MP-GO (Gaeco), chegou a fazer uma operação de busca e apreensão na Secretaria de Saúde à época em que Elias era secretário. Foram com metralhadoras buscar documentos que já haviam sido comprovadamente entregues ao órgão, um mês antes da realização da grotesca operação. O Gaeco sequer se desculpou do erro que cometeram.

Dois Inquéritos Civis Públicos (ICPs) foram instaurados no Ministério Público Federal de Goiás (MPF/GO). Outros setenta (70) ICPs no Ministério Público de Goiás (MP-GO). Um desses inquéritos, apesar de arquivado pelo Conselho Superior do MP/GO, gerou um processo judicial para cobrança de valor de 36 milhões, ação de execução fiscal na Vara da Fazenda Pública Municipal.

Um dos inquéritos no MPF se iniciou com uma denúncia assinada por uma pessoa que não existia, com um CPF falso. O método usado pelas autoridades acusadores do Parquet foi, claramente, atacar sempre e de qualquer forma. Se de um jeito não era possível atacar Elias, buscava-se outra maneira. No caso, se um inquérito fosse considerado improcedente e, assim, arquivado, os promotores voltavam à carga com outra denúncia, repetindo os mesmos objetos e fundamentos para abrir processos judiciais de cobrança.

O MP ajuizou dez (10) processos judiciais na Justiça Estadual de Goiás contra Elias Rassi. Entre eles, uma ação de cobrança do valor de R$ 12.900.000,00; uma ação civil no valor de mais de R$ 35.000.000,00; outra no valor de R$ 24.000.000,00. Nessa última, o pedido de ressarcimento ao erário é o valor equivalente a seis vezes o valor do contrato que estava sub judice e que se referia à manutenção de ambulâncias.

Além dos processos de cobrança de valores nas varas da Fazenda Pública Municipal da Comarca de Goiânia; dos processos cíveis na Justiça Federal de Goiás, Elias teve que enfrentar ações penais: uma na Justiça Estadual de Goiás e doze no Juizado Especial. Embora todas as ações penais tenham sido julgadas e arquivadas, o que chama a atenção é a quantidade de processos movidos contra sua pessoa.

Elias foi acusado de improbidade porque se recusou a mudar o nome da Maternidade “Dona Íris”. Esse nome era usado há cinquenta anos. A lei usada como arma da acusação, no caso: a improbidade, implica desonestidade, pressupõe agir de má fé, com dolo e usar o recurso público para enriquecimento próprio ou de terceiros. Inaugurar uma maternidade com o nome de “Dona Íris” não poderia jamais significar que o acusado teria que devolver R$ 18.000.000,0 aos cofres públicos.

A perseguição judicial não se contenta em massacrar as pessoas somente no papel, somente nos autos. O lawfare conta com a mídia para transformar o pretenso inimigo de um em inimigo de todos, de toda a sociedade.

No caso de Elias, foram publicadas mais de duzentas matérias, quase todas originadas em declarações e releases fornecidos pelos membros do Ministério Público de Goiás. Ou seja, Elias foi exposto para a sociedade, como “inimigo” que é a versão estabelecida pelo promotor que, dentro de seu gabinete, ameaçou Elias de perseguição.

Elias, que estava cursando o doutorado, teve que abandonar o curso. Atualmente, é obrigado a acompanhar, diariamente, os quinze processos que ainda estão ativos. Foi obrigado a deixar de pagar as parcelas das multas impostas pelo TCM no valor de R$ 5.000,00, pois tal valor equivale ao valor líquido do salário que recebe como professor universitário.

Cabe ressaltar, aqui, que após anos isolado do serviço público em decorrência dos processos sofridos, Elias em 2023 recebeu convite do Deputado Estadual Mauro Rubem, para ser seu assessor parlamentar, cargo que exerce no presente momento.

Em síntese, com base em Martins Junior et al. (2020), os inquéritos, processos e ações instauradas contra o prof. Elias Rassi Neto são característicos de uma guerra jurídica, evidenciada por denúncias anônimas, indiciamentos e acusações sem materialidade, manipulação do sistema legal para fins políticos, abuso de poder, cerceamento de defesa e uso da mídia opressiva para formar a presunção de culpa e facilitar a condenação judicial de alvo político previamente selecionado.

Sobre os autores
Camilo Bueno Rodovalho

Advogado, Pós-Graduado em Direito Empresarial pela – FGV Direito SP, Assessor Parlamentar na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, Membro do Colegiado Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e Coordenador do Núcleo Goiás da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – ABJD-GO).

Fernanda Santos

Bacharela em Direito, Especialista latu sensu em Direito do Consumidor pela Universidade Federal de Goiás – UFG e Coordenadora do Núcleo Goiás da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD-GO).

Osmar Pires Martins Junior

Bacharel em Direito pela Universidade Paulista - UNIP, Mestre em Ecologia pela UFG, Doutor em Ciências Ambientais pela UFG, Professor pós-doc associado ao Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa, Ensino e Extensão em Direitos Humanos da UFG (NIPEE-DH – UFG).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODOVALHO, Camilo Bueno; SANTOS, Fernanda et al. Como o lawfare sabota a democracia em Goiás. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7628, 20 mai. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109375. Acesso em: 22 dez. 2024.

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