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As dificuldades enfrentadas pela mulher oficiala de justiça da primeira instância do TJMG e do TJMMG

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Agenda 23/07/2024 às 17:52

Apresenta-se a realidade do trabalho de oficialas de justiça a partir de pesquisa conduzida com 326 entrevistadas no Estado de Minas Gerais.

Resumo: O artigo objetiva analisar a realidade e as dificuldades enfrentadas pelas Oficialas de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais e do Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, no exercício de suas funções. Para subsidiar esta pesquisa foi utilizado levantamento bibliográfico e documental, além da realização da pesquisa de campo. A pesquisa obteve como resultado que houve uma evolução nas atribuições dos oficiais de justiça no decorrer dos anos com a modificação e inovações trazidas pelas normas que tratam da profissão. Foi possível verificar quem foi a primeira mulher oficiala de justiça aprovada em concurso público no Brasil, e que teve sua atuação no Tribunal de Justiça de São Paulo. A pesquisa possibilitou compreender que vários são os desafios enfrentados pela mulher no mercado de trabalho, tanto no setor público como no privado, o que também se observa nos cargos gerenciais e estratégicos. No tocante ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, foi possível aferir que não há igualdade entre oficiais e oficialas de justiça. No Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, os cargos são ocupados na sua integralidade por mulheres. A pesquisa demonstrou que as oficialas de justiça dos referidos tribunais enfrentam vários desafios no exercício de sua profissão, tais como: atuar em áreas de criminalidade, situações de machismo, desrespeito, acidentes, assédio em suas diversas formas e ainda são vítimas de crime.

Palavras-chave: dificuldades enfrentadas pela mulher; oficiala de justiça; mulher oficial de justiça; profissão de risco.


1. Introdução

O presente estudo visa analisar as dificuldades enfrentadas pelas mulheres Oficialas de Justiça no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – TJMG e do Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais – TJMMG.

A problemática central da pesquisa é apurar se as mulheres realmente enfrentam dificuldades no exercício da profissão e quais são os principais problemas vividos por elas.

Dessa forma, objetiva-se analisar a realidade e as dificuldades enfrentadas pelas Oficialas de Justiça do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e do Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais no exercício de suas funções. E, para tanto, têm-se como objetivos específicos: apurar o quantitativo; região de atuação; época em que ingressaram no TJMG; a idade; a qualificação e se têm filhos; verificar se atuam em zonas rurais e regiões com alto índice de criminalidade; se pensam ou já pensaram em realizar outro concurso; se a polícia militar dá apoio na realização de diligências; se já se depararam com situações de machismo; se já foram desrespeitadas; se estão sujeitas a violência e se foram vítimas de crimes; se já foram vítimas de assédio; se já tiveram o veículo danificado pela parte e se já sofreram acidente automobilístico quando cumpriram ordens judiciais; se acham necessários cursos de defesa pessoal e/ou treinamento para lidar com situações adversas.

A metodologia utilizada é a bibliográfica, documental e pesquisa de campo.


2. Evolução do trabalho de oficial de justiça no brasil e a mulher oficiala de justiça

Essencial fazer um breve estudo sobre o contexto histórico e evolução da profissão do oficial de justiça no Brasil, e também verificar quem foi a primeira mulher concursada e em que momento a mulher ganhou seu destaque na profissão ao ingressar por concurso público.

2.1. Evolução histórica

Sabe-se que a função do Oficial de Justiça é muito antiga, e há registros bíblicos que mencionam em suas traduções o Oficial de Justiça, como em Mateus, capítulo 5, versículo 25: “Procura reconciliar-te com teu adversário, enquanto ele caminha contigo para o tribunal. Senão o adversário te entregará ao juiz, o juiz te entregará ao oficial de justiça, e tu será jogado na prisão.” (BIBLIA SAGRADA, 2011, p.1206).

Quando se pesquisa sobre onde surgiu a função do Oficial de Justiça, há dificuldades de encontrar dados sobre a história de uma função tão importante.

Sobre a origem da profissão Carmo e Silva falam sobre tema (2014):

Segundo historiadores, a origem da profissão do oficial de justiça se deu no antigo Direito Hebraico. Os juízes de paz possuíam para a efetivação de suas decisões, nessa época, alguns oficiais encarregados de executarem as ordens que lhes eram confiadas, embora as suas funções não estivessem claramente especificadas na legislação processual. Sabe-se que eles eram os executores da sentença proferida no processo penal. Munidos de um longo bastão, era de suas competências prenderem o acusado, assim que prolatada a sentença condenatória. (CARMO; SILVA, 2014, np).

Quando se fala que os oficiais estavam munidos de um longo bastão, ou bastão do Império, significa dizer que eles tinham a função de prender os criminosos e os que já tinham sido sentenciados pelos juízes, realizando assim, uma atribuição que hoje é exercida pela polícia judiciária (FREITAS; BATISTA JÚNIOR, 2023. p. 18).

No Brasil, apesar da profissão somente ter sido regulamentada no Código de Processo Criminal de 1832, os oficiais de justiça surgiram em 1534, no Brasil Colônia, na época da Capitania de Pernambuco, que por nomeação do capitão-mor com suas prerrogativas de auxiliarem os juízes, os oficiais efetuavam diligências ou prisões. Todavia, a função somente fora incluída em uma lei após a independência do Brasil, ou seja, foi codificada em 1832. (CARMO; SILVA, 2014, np).

O Código de Processo Criminal de Primeira Instância de 1832, em seu artigo 20, diz que os oficiais de justiça eram nomeados pelos Juízes de Paz. Já o art. 21 trouxe como atribuições dos Oficiais, a realização de forma pessoal das citações, as prisões e mais diligências, além de executar todas as ordens do seus Juízes (BRASIL, 1932, np).

Nessa época os oficiais de justiça tinham, além da função de realizar citações e outras diligências que são realizadas atualmente por oficiais de justiça, a função de executarem atos que hoje são realizadas pelas forças de segurança, como as prisões criminais.

Sobre o tema, Freitas e Batista Júnior (2023) dizem que:

Como a estrutura do Judiciário englobava também as funções de polícia e o juiz era também o chefe de polícia, os Oficiais, como seus auxiliares, exerciam também funções de segurança pública, tendo o dever de prender crimonsos ex-officio. Mais tarde, com a constituição das forças policiais, essas funções foram mitigadas e os Oficiais concentraram-se em funções judiciárias processuais, passando do uso das armas e da força para o uso do papel e da pena, refinando sua função, mas mantendo uma atuação prática como aplicador da lei (FREITAS; BATISTA JÚNIOR, 2023. p. 19).

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Os oficiais de justiça realizavam prisões no âmbito criminal, tendo em vista que o Judiciário também abarcava funções de polícia judiciária. Com o passar dos anos foram realizadas alterações legislativas, que modificaram as suas funções, como o Decreto nº 737/1850, o Código de Processo Civil de 1939 e o Código de Processo Penal de 1941, em que as atribuições dos oficiais de justiça ainda eram menciondas de forma aleatória, mas vinculadas ao cumprimento de ordens judiciais. Já no Código de Processo Civil de 1973, os oficiais tiveram suas atribuições enumeradas em um artigo específico, o que se manteve com o novo Código de Processo Civil de 2015 (PRADO, 2023. p. 45).

Necessário se faz mencionar o art. 154 do Código de Processo Civil de 2015, que enumera as atribuições dos oficiais de justiça:

Art. 154. Incumbe ao oficial de justiça:

I-fazer pessoalmente citações, prisões, penhora, arrestos e demais diligências próprias de seu ofício, sempre que possível na presença de 2 (duas) testemunhas, certificando no mandado o ocorrido, com menção ao lugar, ao dia e a hora;

II-executar as ordens do juiz a que estiver subordinado;

III-entregar o mandado em cartório após seu cumprimento;

IV-auxiliar o juiz na manutenção da ordem;

V-efetuar avaliações, quando for o caso;

VI-certificar, em mandado, proposta de autocomposição apresentada por qualquer das partes, na ocasião de ato de comunicação que lhe couber.

Parágrafo único. Cerificada a proposta de autocomposição prevista no inciso VI, o juiz ordenará a intimação da parte conntrária para manifestar-se, no prazo de 5 (cinco) dias, sem prejuízo do andamento regular do processo, entendendo-se o silêncio como recusa. (BRASIL, 2015, np).

O Código de Processo Civil de 2015 delimitou as atribuições dos oficiais de justiça de forma muito clara. Além disso, trouxe um tópico ainda não mencionado em outras legislações, que foi a possibilidade de certificar proposta de autocomposição apresentada pela parte no momento do cumprimento da diligência, mostrando-se notório que os oficiais de justiça são auxiliares extremamente relevantes da justiça, como se observa em suas atribuições especificadas no artigo 154 do CPC de 2015, transcrito acima, evidenciando-se que é na forma externa que se realiza grande parte do seu trabalho, cuja análise será feita de forma aprofundada no próximo capítulo.

Nesse sentido, Prado traz considerações sobre a proposta de autocomposição, prevista no inciso VI, do artigo 154, do CPC 2015:

A alteração mais inovadora do CPC de 2015, foi a do inciso VI, do referido artigo, o qual passou a exigir que o oficial de justiça certificasse a proposta de autocomposição apresentada pelas partes. Essa inovação demonstra não só a primazia do CPC/2015 às formas consensuais de resolução de conflitos, como também uma inédita atribuição frente aos conflitos (PRADO, 2023, p. 45).

Importante destacar que essa atribuição é realmente inovadora, tendo em vista que busca a celeridade processual e formas consensuais de resolução de conflitos. Assim, quando o oficial realizar uma citação e a parte apresentar uma proposta de acordo, se a outra parte aceitar a proposta e o juiz homologar o acordo, é uma forma de finalizar o processo sem ter a necessidade de realização de audiências e outros atos. Em um caso como esse, o Estado Juiz não precisou atuar de forma incisiva, pois as partes chegaram a uma resolução de forma consensual.

Ainda, sobre as atribuições dos oficiais de justiça, Souza e Pires (2023):

Os oficiais de justiça são auxiliares de justiça que desempenham funções essencialmente externas, além de funções internas, que englobam redigir certidões e demais autos, bem como avaliar bens e lavrar laudos de avaliação, que se complementam em atuações internas e externas como agente de execução, e ainda eventualmente acompanhar audiências. Além de muitas outras diligências que se desdobram em atuações complexas e requerem dos servidores um comprometimento e atuação diligente para dirimir as questões que surgem no ato de cada diligência (SOUZA; PIRES, 2023. p. 14).

A função do oficial de justiça engloba vários atos de extrema relevância e complexidade, que são essenciais para que o processo seja concluído.

Diante do exposto, observa-se que a profissão do oficial de justiça é muito antiga e extremamente relevante. Várias foram as mudanças e inovações na legislação no decorrer dos anos, o que demonstra que os oficiais executam e dão efetividade às ordens judiciais, sendo indispensáveis ao Poder Judiciário.

2.2. A mulher oficiala de justiça

Outro ponto as ser destacado é em que momento, no Brasil, a mulher atuou como oficiala de justiça, uma profissão vista pela sociedade como uma atividade normalmente exercida por homens, talvez pelo cárater de execução de atos coercitivos.

Quando se pesquisa sobre quem foi a primeira mulher a exercer a função de oficiala de justiça no Brasil, não há dados disponíveis, mas há registrado quem foi a primeira oficiala concursada do país, Nadir Melo Rodrigues, que “foi a primeira mulher do Brasil aprovada em concurso público para oficial de justiça, no ano de 1960, no Tribunal de Justiça de São Paulo”. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, 2015, np):

Nadir não teve moleza. Foi lotada na Vara do Júri, que na época ficava no histórico prédio do Palácio da Justiça, hoje sede do TJSP. O trabalho não era fácil. Muitos réus e testemunhas para intimar em lugares distantes da cidade, algumas vezes, áreas hostis. Mas ela se saiu muito bem. Trabalhou até 1981 na mesma unidade e só mudou de prédio quando a vara foi transferida para o fórum do Jabaquara. “Nunca pedi ajuda da polícia para fazer uma intimação. Chegava cedo nos lugares, falava com calma, explicava direitinho porque a pessoa precisava ir até a vara e elas sempre compareciam”, diz orgulhosa da paciência e atenção que dispensava a cada um dos “intimados”.

Ao falar sobre seu trabalho e visitar o Palácio da Justiça fica visivelmente emocionada. Os olhos marejados. Mas também demonstra tanta vitalidade que parece, se fosse possível, pegaria uma pilha de intimações e sairia pela imensa São Paulo para ajudar a desafogar o Judiciário hoje tão demandado. “Eu acordava 4 da manhã e trabalhava até a hora que dava. Não tinha medo. Sou religiosa, orava antes de sair de casa e Deus colocava os anjos na minha frente. Depois de alguns meses botei o serviço em dia. O juiz e o promotor diziam: ‘faltava uma mulher valente aqui para colocar a casa em ordem’”, conta.

(...)

Dona Nadir gostava tanto do trabalho, fazia tudo com tanto amor, que convenceu o filho João Rodrigues e o melhor amigo dele, Tadashi Yamada, a prestarem um concurso e seguirem seus passos. Os dois são oficiais de Justiça em São Paulo. Orgulhosa, conta que criou os três filhos – João, Suzana e Solange – graças ao trabalho. O marido morreu cedo com por problemas no coração. Também ajudou a criar os netos, que, ressalta, já estão formados, e tem dois bisnetos. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, 2015, np).

Nadir, uma mulher respeitada e lutadora, que exercia seu mister com muito amor e competência, sendo uma oficiala que acordava cedo, sem medo, criando estratégias para realizar seu trabalho sem necessidade de solicitar ajuda, bem como mostrando seu valor e sua capacidade. Nadir é um exemplo e um marco para as mulheres oficialas de justiça no concurso público brasileiro.


3. Desafios enfrentados pela mulher no mercado de trabalho brasileiro, especialmente em cargos públicos

Para analisar os desafios enfrentados pelas mulheres no mercado de trabalho brasileiro é necessário verificar em que momento a mulher começou a ganhar espaço nesse meio.

Sobre a inserção ferminina no mercado de trabalho, Miltersteiner citando Melo e Thomé destacam a Revolução Industrial como relevante marco:

Um marco importante no processo de inserção feminina no mercado de trabalho é a Revolução Industrial (séculos XVIII e XIX). As condições de trabalho eram precárias, sobretudo para as mulheres e crianças. No entanto, mal sabiam que a partir do século XX portas se abririam para reivindicações de posições na esfera política, organizacional e educacional (MILTERSTEINER; ET AL. APUD MELO; THOMÉ, 2020, np).

Foi a partir da revolução industrial que as mulheres foram inseridas no mercado de trabalho, enfrentando vários desafios e dificuldades, tendo em vista que as condições de trabalho da época eram muito precárias.

Ainda, a mesma autora, citando Oliveira (2020), traz que

Apesar dos direitos conquistados na esfera das relações de trabalho, da crescente defesa em torno da empregabilidade feminina, bem como da melhoria dos seus níveis de qualificacão, as mulheres iniciam o século XX em condicão de inferioridade em comparação com trabalhadores homens (MILTERSTEINER; ET AL. APUD OLIVEIRA, 2020, np).

Somente com o passar dos anos e com as lutas é que as mulheres foram ganhando mais espaço no mercado de trabalho e as condições de trabalho também foram melhorando. Mas como ressaltou a autora, no início do século XX, a mulher ainda estava em posição de inferioridade em relação aos homens. Isso se devia a uma vinculação das mulheres ao âmbito familiar, que seria cuidar da casa, do marido e dos filhos, o que, nitidamente, tem mudado com o passar do tempo, especialmente nos dias atuais:

A figura de uma mulher ligada exclusivamente ao lar, aos cuidados com os filhos, familiares e assuntos domésticos já não corresponde à sua imagem no século XXI. Elas estão cada vez mais atuantes nos espaços até então ocupados pelos homens. (BARROS; MOURÃO APUD BERTOLINI, 2018, p.3).

No entanto, em que pese as mulheres terem ganhado espaço no mercado de trarbalho e atuarem em empregos anteriormente ocupados por homens, ainda há uma discrepância entre homens e mulheres no mercado de trabalho, e vários são os fatores que influenciam nessa diferença. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2021):

Indicadores tradicionais de monitoramento do mercado de trabalho desagregados por sexo revelam desigualdades expressivas entre homens e mulheres. A Taxa de participação (CMIG 3), que tem como objetivo medir a parcela da população em idade de trabalhar (PIT) que está na força de trabalho, ou seja, trabalhando ou procurando trabalho e disponível para trabalhar, aponta a maior dificuldade de inserção das mulheres no mercado de trabalho. Em 2019, a taxa de participação das mulheres com 15 anos ou mais de idade foi de 54,5%, enquanto entre os homens esta medida chegou a 73,7%, uma diferença de 19,2 pontos percentuais. O patamar elevado de desigualdade se manteve ao longo da série histórica e se manifestou tanto entre mulheres e homens brancos, quanto entre mulheres e homens pretos ou pardos (IBGE, 2021. p. 2-3).

Esses são dados que demonstram que não há igualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho e ainda uma dificuldade nessa inserção.

Da pesquisa realizada (IBGE, 2021. p.3), no tocante ao nível de ocupação, observa-se que as mulheres, de 25 a 45 anos, que possuem crianças de até três anos em sua casa e sob seus cuidados, o nível de ocupação é menor que as que as mulheres que não se encontram nessa situação. E se analisar os homens, o nível de ocupação é superior ao das mulheres em ambas as situações.

No tocante as horas semanais dedicados aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos, no ano de 2019, a pesquisa demonstrou que as mulheres dedicaram o dobro de tempo a essas atividades quando comparado aos homens (IBGE, 2021. p.3), demonstrando que as mulheres têm que se dedicar ao trabalho remunerado e não remunerado, verificando-se a famosa dupla jornada:

Mesmo para as mulheres que se enocntram ocupadas, o seu maior envolvimento em atividades de cuidados e/ou afazeres domésticos tende a impactar na forma de inserção delas no mercado de trabalho, que é marcada pela necessidade de conciliação da dupla jornada entre trabalho remunerado e não-remunerado (IBGE, 2021. p.4).

Além das dificuldades para ingressar no mercado de trabalho, também é necessário analisar a questão salarial. Em relação ao salário, ainda de acordo como o IBGE (2021. p.4), “em 2019, as mulheres receberam 77,7% ou pouco mais de ¾ do rendimento dos homens.”

Como podem as mulheres trabalharem nos mesmos empregos e ganharem menos que os homens por serem mulheres? Tal situação não pode permanecer nos dias de hoje. Mulheres muitas vezes são mais qualificadas que os homens e mesmo assim têm dificuldade de ingressar no mercado de trabalho e, quando ingressam, ainda ganham menos.

Sobre o tema, os indicadores sociais apresentados pelo IBGE (2021) demonstram:

As menores remunerações e maiores dificuldades enfrentadadas pelas mulheres no mercado de trabalho não poderm ser atribuídas à educação. Pelo contrário, os dados disponíveis apontam que as mulheres brasileiras são em média mais instruídas que os homens.

A PNDA Contínua 2019 revelou que, entre a população com 25 anos ou mais, 40,4% dos homens não tinham instrução ou possuíam apenas fundamental incompleto, proporção que era de 37,1% entre as mulheres. Já a proporção de pessoa com nível superior completo foi de 15,1% entre os homens e 19,4% entre as mulheres. (IBGE, 2021. p.5).

Como pode ser observado, as mulheres encontram muitas dificuldades para serem inseridas no mercado de trabalho, mas possuem a qualificação melhor. Logo, não é por falta de qualificação que surgem essas difiguldades.

Não só em empregos comuns que as mulheres têm dificuldades, mas também em cargos de estratégia e gestão: as mulheres buscam atuar em cargos estratégicos, visto que possuem a qualificação necessária e muitas das vezes mais elevadas, mas encontram muitos obstáculos devido ao tipo de liderança exercida por homens (MILTERSTEINER; ET AL, 2020, np).

De acordo com os mesmos autores (MILTERSTEINER; ET AL, 2020, np),

Na medida em que, no entanto, a sociedade passa a se pautar, pelo menos no nível do discurso, na maior importância da subjetividade humana - desejo, inovação, criatividade, “brilho nos olhos” -, no processo produtivo, discussões em torno de um estilo “feminino de liderança” ganham espaço. Na prática, porém, não é simples para a mulher gestora seguir um estilo de liderança feminino. Elas, comumente, esbarram em preconceitos, estereótipos de gênero e nas formas de agir e de avaliação das organizações (MILTERSTEINER; ET AL, 2020, np).

Assim, em que pese as mulheres terem a formação adequada e necessária ela esbarraria no estilo de liderança. A mulher teria um estilo diferente e até mais efetivo, mas depara-se com os preconceitos e estereótipos de gênero.

As dificuldades enfrentadas pelas mulheres não param por aí. Além de enfrentarem obstáculos com o tipo de liderança, há dificuldade em ingressar em cargos gerenciais, tanto no setor privado como no público, conforme demonstram os Indicadores Sociais do IBGE (2021):

O indicador Participação das mulheres nos cargos gerenciais (CMIG 45) aborda a inserção das mulheres em posições de liderença tanto no sertor público - como, por exemplo, diretoras de órgãos governamentais-, quanto no sertor privado – como em cargos de diretorias ou gerenciais de empresas privadas. No setor público, vale lembrar que muitos dos cargos gerenciais são providos sem concurso público ou seleção interna, mas com discricionariedade pela administração pública. Trata-se de um indicador que, além de endereçar a questão da participação das mulheres na vida pública e tomada de decisão e fazer parte da Agenda 2030, colabora com a compreensão de certas características do mercado de trabalho, como a desigualdade de rendimentos entre homens e mulheres.

No Brasil, 62,6% dos cargos gerenciais eram ocupados por homens e 37,4% pelas mulheres, em 2019. (IBGE, 2021, p.9).

Da análise dos dados, verifica-se que em relação à participação de mulheres em cargos gerenciais, tanto no setor público quanto no privado, a atuação feminina é baixa. Menos de 40% das mulheres atuam em cargos gerenciais. Observa-se que a presença masculina nos cargos gerenciais e estratégicos é maior em todos os setores:

Nas grandes organizações e nos serviços públicos o número de mulheres é ainda pequeno em funções estratégicas; o que predomina é a gestão masculina. Também não é diferente na política, embora exista cota preestabelecida para a participação da mulher nos partidos. Então, não se pode dizer que está consolidada na cultura das organizações uma relação de gênero, pois vale ressaltar que é na administração pública o lócus onde as mulheres têm oportunidades de disputar um posto de trabalho de forma mais equilibrada, uma vez que o estado disponibiliza para a comunidade serviços que são realizados tradicionalmente por mulheres no recinto familiar, tais como providências e assistência social, educação, serviços médicos e paramédicos. Destaca-se nesta conjuntura outro fator relevante, pois o estado promove concursos de provas e título para o ingresso. Isso reduz a desigualdade entre o gênero (FARIAS FILHO, 2007, p.48-49).

Da mesma forma, a gestão masculina ainda prevalece nas grandes organizações e nos cargos estratégicos nos serviço público. Conforme os autores mencionados, as mulheres teriam menos obstáculos em atividades voltadas para atividades de assistência social, educação, serviços médicos e paramédicos; mas em atividades de tomada de decisões prevalece a gestão masculina.

Nota-se que muitos são os desafios enfrentados pelas mulheres no mercado de trabalho. Apesar de terem ganhando espaço e atuarem em cargos antes ocupados por homens, ainda não há igualdade entre homens e mulheres, e isso ocorre tanto no setor privado como no público, e também em trabalhos comuns e nos cargos estratégicos e gerenciais.

Sobre a autora
Elaine Mancilha Santos

Especialista em Direito Processual Civil (Anhanguera – Uniderp); Especialista em Direito Constitucional (Universidade Cândido Mendes); Especialista em Perícias de Avaliação Patrimonial de Bens e Direitos (Faculdade Unyleya). Oficiala de Justiça no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – TJMG.︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Elaine Mancilha. As dificuldades enfrentadas pela mulher oficiala de justiça da primeira instância do TJMG e do TJMMG. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7692, 23 jul. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109965. Acesso em: 4 dez. 2024.

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