4. DA AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DAS EMPRESAS DE CAPITALIZAÇÃO PELAS INFORMAÇÕES PRESTADAS PELO CORRETOR
Conforme já esclarecido, os títulos de capitalização são comercializados mediante a intervenção de corretores, que tem por obrigação mediar para seu cliente a contratação de determinado negócio jurídico, informando-o, de forma clara e precisa, todas as condições do pacto, bem como seus riscos.
Para sua atuação, o corretor deve estar devidamente registrado junto ao Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalização (D.N.S.P.C), conforme determina o artigo 2º do Decreto 56.903 de 24 de setembro de 1965. A inscrição do corretor junto ao D.N.S.P.C é realizada pela empresa de capitalização no prazo de 90 dias, contados do início da atividades do mesmo, precedida de declaração de que o corretor recebeu as devidas instruções e encontra-se habilitado para a o exercício da atividade.
Nesse sentido dispõe o art.4º do Decreto 56.903 de 24 de setembro de 1965:
Art. 4º A inscrição do profissional no D.N.S.P.C., a que se refere o art. 2º será promovida pela sociedade de seguros ou de capitalização, dentro do prazo de 90 (noventa) dias contados do inicio da atividade, precedida declaração de que o Corretor recebeu as devidas instruções e se encontra tècnicamente habilitado a exercer a profissão.
O disposto no artigo supra pode levar ao entendimento de que, sendo registrado junto ao D.N.S.P.C pela empresa de capitalização, o corretor de seguros seria seu representante ou preposto junto ao mercado consumidor, no entanto, acredito que tal entendimento esteja equivocado.
Faz-se, portanto, necessário definir quem é o cliente do corretor, ou seja, quem é o comitente.
Acredito que o corretor seja o meio pelo qual o mercado consumidor chegue à empresa de capitalização, e não o contrário. Observe-se que quando da contratação do título de capitalização, o consumidor procura um corretor e firma um contrato de corretagem, sendo portanto o comitente.
Não há contrato de corretagem ou representação entre a empresa de capitalização e os corretores. As empresas de capitalização apenas efetua a inscrição do corretor no D.N.S.P.C., visto que é a única forma de entrar no mercado. Afirmar que os corretores são prepostos ou representantes das empresas de capitalização é inverter equivocadamente a relação negocial, visto os corretores são contratados pelo consumidores e não o contrário.
Maior evidência de que não há contrato de corretagem entre a empresa de capitalização e os corretores, é que os corretores oferecem ao consumidores títulos de capitalização de várias empresas, ficando à livre escolha do consumidor contratar qualquer dos que lhe foi apresentado. Ora, não seria admissível que uma empresa contratasse uma corretora e permitisse que ela intermediasse negócios para sua concorrente.
Observe-se que antes de adquirir o título de capitalização é o consumidor que firma com o corretor, ainda que verbalmente, um contrato de corretagem. Evidencia-se, ainda, que foi firmado um contrato de corretagem entre o consumidor e corretor pelo pagamento, pelo consumidor, da taxa de corretagem, que é a remuneração do corretor. Conforme dispõe o art. 724 do Código Civil, o corretor contratado faz jus a uma remuneração pelo serviço prestado e, obviamente, essa remuneração é devida por aquele que contratou os serviços de corretagem. Esse é o ensinamento de Maria Helena Diniz [11]:
"Quem, usualmente, paga a remuneração é a pessoa que contratou o corretor."
Esse também é o ensinamento do festejado professor Silvio de Salvo Venosa [12]. Vejamos:
"Quem usualmente paga a correção é o comitente, na corretagem de índole civil. Dicção contratual que disponha diferentemente deve ser livremente aceita pelo terceiro. A comissão constitui obrigação a cargo de quem contratou a corretagem."
Resta, portanto, evidente que o corretor é contratado pelo consumidor, não havendo que se falar em contrato de corretagem entre as empresas de capitalização e o corretor, tampouco representação, preposição ou mandato.
Ademais, a despeito do disposto no art. 9º do Decreto 56.903 de 24 de setembro de 1965, há impossibilidade jurídica do corretor ser representante, empregado, mandatário, enfim, ter qualquer relação direta com a empresa de capitalização, conforme disposto no referido dispositivo legal. Vejamos:
Art. 9º É vedado ao Corretor de Seguros de Vida ou de Capitalização, ser diretor, sócio administrador, procurador, despachante, ou empregado de empresa de Seguros ou Capitalização.
Parágrafo único. O impedimento previsto neste artigo é extensivo aos sócios e diretores de empresa de corretagem de Seguros ou Capitalização.
No mesmo sentido dispõe o art. 125 do Decreto-Lei 73 de 21 de novembro de 1966. Vejamos:
Art 125. É vedado aos corretores e seus prepostos:
a) aceitar ou exercer emprêgo de pessoa jurídica de Direito Público;
b) manter relação de emprêgo ou de direção com Sociedade Seguradora.
Parágrafo único. Os impedimentos dêste artigo aplicam-se também aos Sócios e Diretores de Emprêsas de corretagem.
Este também é o entendimento do Mestre Bruno Lemos Rodrigues [13]. Senão vejamos:
"A legislação também garante a independência do corretor, vedando a manutenção da relação de emprego ou direção com sociedade seguradora, o mesmo se aplicando ao sócio ou diretor da empresa de corretagem, mesmo que este não seja corretor (art. 125 do DL 73/1966). É dizer que o corretor é o intermediário. Não é empregado nem consumidor da seguradora, atuando de forma autônoma, no interesse de angariar contratos para ser remunerado através das comissões de corretagem (art. 124/ do DL 73/1966)."
Em perfeita consonância com a tese ora defendida, no que diz respeito à independência da atividade do corretor, o Mestre Sílvio de Salvo Venosa [14] ensina:
"Conforme o art. 123 do Decreto-lei nº 73/66, o exercício da profissão de corretor de seguros depende de prévia habilitação e registro na Susep. É intermediário legalmente habilitado para angariar e promover a contratação de seguros. Não é um preposto da seguradora."
Esta autonomia da atividade do corretor recebeu destaque no Novo Código Civil, Lei nº 10.406 de 10.01.2002, que regulamenta a corretagem nos artigos 722 a 729. Diz o artigo 722:
"Art. 724. Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas."
O artigo 723, por sua vez, dispõe que:
"Art. 723. O corretor é obrigado a executar a mediação com a diligência e prudência que o negócio requer, prestando ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento dos negócios ; deve, ainda, sob pena de responder por perdas e danos, prestar ao cliente todos os esclarecimentos que estiverem ao seu alcance, acerca da segurança ou do risco do negócio,das alterações de valores e do mais que possa influir nos resultados da incumbência".
Evidente, ainda, a independência da responsabilidade do corretor. É nesse sentido que dispõe o art. 10 do Decreto 56.903 de 24 de setembro de 1965:
Art. 10. O Corretor de Seguros de Vida ou de Capitalização responderá profissional e civilmente, pelos atos que praticar, independentemente das sanções que forem cabíveis a outros responsáveis pela infração.
Da mesma forma dispõe o art. 126 do Decreto-Lei 73/66:
Art 126. O corretor de seguros responderá civilmente perante os segurados e as Sociedades Seguradoras pelos prejuízos que causar, por omissão, imperícia ou negligência no exercício da profissão.
Destaque-se, ainda, que para que fosse considerado preposto, o corretor deveria estar subordinado e fiscalizado pela empresa de capitalização. No entanto, conforme próprio conceito de corretor dado pelo artigo 722 do Código Civil, este não está ligado ao comitente por qualquer relação de dependência, não podendo, portanto ser considerado preposto.
Essa é a lição de Maria Helena Diniz [15]. Vejamos:
"O preposto ou empregado é o dependente, isto é, aquele que recebe ordens, sob o poder de direção de outrem, que exerce sobre ele vigilância a título mais ou menos permanente."
Resta, portanto, arrematado que os corretores atuam de forma totalmente autônoma, não havendo qualquer relação jurídica que vincule os corretores à empresa de capitalização, sobretudo relações de subordinação, pelo que não se pode atribuir a esta a responsabilidade pelos atos daqueles.
4.2. Da ausência de pressupostos para responsabilização da empresa de capitalização pelos atos do corretor
Como já se viu anteriormente, na comercialização dos títulos de capitalização, alguns corretores podem proferir publicidade enganosa, fazendo promessas e desvirtuando o contrato, o que pode causar danos de natureza moral e patrimonial aos consumidores. Este tópico demonstrará que as empresas de capitalização não podem ser responsabilizada pelos atos dos corretores por ausência de pressupostos legais.
Pela a Teoria da Responsabilidade Civil, aquele que por ação ou omissão ilícita, ou lícita nos casos previstos em lei, cause dano a outrem, ou ainda aquele a quem a lei atribuir responsabilidade pelo dano causado por outro, é obrigado a repará-lo.
Maria Helena Diniz [16] ensina que:
"poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva.)".
No mesmo sentido leciona o professor Silvio Neves Baptista [17]:
"Podemos definir a responsabilidade civil como a relação obrigacional decorrente do fato jurídico dano, na qual o sujeito de direito ao ressarcimento é o prejudicado, e o sujeito do dever o agente causador ou o terceiro a quem a norma imputa a obrigação."
Na legislação brasileira, a responsabilidade civil é prevista desde a Constituição, em seu art. 5º, inc. V, senão vejamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
É expressa, ainda, no Código Civil, o art. 927, combinado com o art. 186:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Nesse sentido, pode-se dizer que são requisitos essenciais à responsabilidade civil: a) fato juridicamente relevante; b) dano a bem alheio; c) nexo de causalidade entre o fato e o dano; d) obrigação de reparar.
No mundo há uma infinidade de atos possíveis, no entanto, apenas alguns importam ao mundo do direito, são os chamados fatos jurídicos. Apenas fatos que tragam conseqüência para o direito é que lhe importam. Nesse quadro, como pressuposto da responsabilidade civil é necessária a ocorrência de um fato que produza um dano. No caso do presente trabalho, acredito que a publicidade enganosa proferia pelo corretor seja suficiente para causar dano ao consumidor, tendo em vista a não concretização da promessa formulada, a perda patrimonial decorrente o investimento realizado sem o retorno que lhe fora prometido, entre outros vários.
Alguns autores entendem que é necessária a ilicitude do fato causador do dano para que se configure a hipótese da reparação civil. No entanto, cumpre registrar em que há danos que, ainda que decorrentes de atos lícitos, devem ser reparados pelo agente. Exemplo maior do dano lícito dá quando o indivíduo, nada obstante estar em estado de necessidade, procurando afastar lesão grave e iminente de bem seu ou de outrem, causa dano a um terceiro, é obrigado a reparar estes danos causados, conforme determinam os artigos 929 do Código Civil.
Isto posto, pode-se concluir que a ilicitude do ato não é pressuposto essencial à obrigação de reparar o dano. Registre-se, entretanto, que a obrigatoriedade de reparar dano decorrente de ato lícito é exceção à regra, oponível apenas em caso de previsão expressa em lei.
Importante, ainda, verificar se o fato ofensivo é decorrente de culpa ou não. Nada obstante ser exceção, há situações em que a legislação impõe a obrigação de reparar o dano ainda que não exista culpa. Por exemplo, independentemente de culpa, existe responsabilidade do fornecedor para como o consumidor em caso de vício no produto ou serviço, do patrão frente ao empregado em caso de acidente de trabalho, do Estado frente à população, entre outros. Destaque-se, no entanto, que a responsabilidade é objetiva apenas em caso de previsão expressa de lei.
Corrobora a tese ora defendida o ensinamento do mestre Silvio Venosa [18] :
"A responsabilidade objetiva, ou responsabilidade sem culpa, somente pode ser aplicada quando existe lei expressa que autorize. Portanto, na ausência de lei expressa, a responsabilidade pelo ato ilícito será subjetiva, pois esta é a regra geral no direito brasileiro. Em casos excepcionais, levando em conta os aspectos da nova lei, o juiz poderá concluir pela responsabilidade objetiva no caso que examina. No entanto, advirta-se, o dispositivo questionado explica que somente pode ser definida como objetiva a responsabilidade do causador do dano quando este decorrer de ‘atividade normalmente desenvolvida'''' por ele."
No mesmo sentido ensina a professora Maria Helena Diniz [19]:
"O dever ressarcitório, estabelecido por lei, ocorre sempre que se positivar a autoria de um fato lesivo, sem necessidade de se indagar se contrariou ou não a norma predeterminada, ou melhor, se houve ou não erro na conduta. Com a apuração do dano, o ofensor ou seu proponente deverá indenizá-lo. Mas, como não há que se falar em imputabilidade da conduta, tal responsabilidade só terá cabimento nos casos expressamente previstos em lei."
Além do fato gravoso, da ocorrência do dano, para a responsabilização civil é necessário o nexo de causalidade entre os dois. Ou seja, deve haver uma relação de causa e conseqüência entre o fato do ofensor e o dano suportado pelo ofendido.
Não há que se falar em nexo de causalidade quando o dano decorre de ato praticado pela vítima ou por terceiro, caso fortuito ou força maior, havendo, portanto, causa excludente de responsabilidade civil.
Esse é o ensinamento do professor Silvio de Salvo Venosa [20]:
"São excludentes de responsabilidade, que impedem que se concretizem nexo causal, a culpa da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior e, no campo contratual, a cláusula de não indenizar."
Nesse quadro, pode-se afirmar que não pode a empresa de capitalização ser responsabilizada pela publicidade enganosa proferida pelo corretor, visto que, conforme já inequivocamente demonstrado, não há qualquer relação entre a empresa de capitalização e o corretor, sendo, portanto, terceiro. Estando toda a publicidade da empresa de capitalização de acordo com o contrato a ser celebrado e a legislação aplicável, esta não cometeu qualquer ato que ilícito, tampouco causou dano ao consumidor. A sociedade capitalizadora apenas poderia ser responsabilizada se a publicidade que praticara fosse enganosa, ou a publicidade proferida pelo corretores fossem autorizadas por elas.
Observe-se, ainda, que não se trata de caso de vício do serviço oferecido pela empresa de capitalização. Destaque-se que os contratos de títulos de capitalização, antes de comercializados, são devidamente autorizados pela SUSEP, obedecendo todas as exigências deste órgão.
Os danos suportados pelo consumidor decorrem da má prestação do serviço de corretagem contratado, relação jurídica da qual não faz parte a empresa de capitalização, não podendo, portanto ser responsabilizada por qualquer vício na prestação do serviço. A empresa de capitalização só poderia ser responsabilizada se o dano suportado pelo consumidor decorresse publicidade que fosse proferida por ela mesma, ou por vício do serviço prestado.
Nesse sentido já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
Sessão de Julgamento: 23/05/2007 - Íntegra do Acórdão
Decisão Monocrática: 09/05/2007
2007.001.24174 - APELACAO CIVEL
DES. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO - Julgamento: 22/05/2007 - QUINTA CAMARA CIVEL
AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE QUANTIAS PAGAS E INDENIZÇÃO POR DANOS MORAIS.CONTRATO DE TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO.ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ARTIGO 6º II E III DO CDC- DIREITO DE INFORMAÇÃO. INOCORRÊNCIA.CONTRATO QUE POSSUI INFORMAÇÕES CLARAS À RESPEITO DE SUA NATUREZA E DAS CONDIÇÕES DE RESGATE.NÃO CONFIGURADA A FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO.DESPROVIMENTO DO RECURSO.
Sessão de Julgamento: 09/05/2007
2007.001.20586 - APELACAO CIVEL
DES. JESSE TORRES - Julgamento: 09/05/2007 - SEGUNDA CAMARA CIVEL
APELAÇÃO. Dano moral decorrente de contrato de aquisição de título de capitalização, que o consumidor supunha traduzir financiamento para a compra direta de carro. Contrato redigido com clareza e objetividade, configurando negócio jurídico habitual no mercado, não constitui propaganda enganosa. Adquirente do título, que dele desiste, não é vítima de dano moral, fazendo jus apenas ao resgate da quantia correspondente à capitalização, no valor de R$ 303,50, acrescido dos consectários de estilo, posto que pagou apenas cinco das 60 parcelas do preço, tal como se extrai de tabela de índices percentuais, que acompanhava o contrato. Recurso desprovido.
Sessão de Julgamento: 08/05/2007
2007.001.09406 - APELACAO CIVEL
DES. CHERUBIN HELCIAS SCHWARTZ - Julgamento: 26/04/2007 - DECIMA QUARTA CAMARA CIVEL
APELAÇÃO CÍVEL. TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO. ALEGAÇÃO DE ERRO. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. Estando o contrato em perfeita conformidade com o que determina as regras consumeristas, principalmente, respeitando o dever de transparência, descabe a alegação de induzimento ao erro. Sentença de improcedência que se mantém. Recurso improvido.
Sessão de Julgamento: 07/03/2007
2006.001.53767 - APELACAO CIVEL
DES. FERDINALDO DO NASCIMENTO - Julgamento: 07/03/2007 - DECIMA QUARTA CAMARA CIVEL
TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO COM GARANTIA DE DESCONTO NA AQUISIÇÃO DE AUTOMÓVEL. CLÁUSULAS CONTRATUAIS CLARAS E PRECISAS. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. Autor e réu realizaram contrato de aquisição de título de capitalização com garantia de desconto na aquisição de veículo, não existindo menção em seu bojo sobre a celebração de contrato de financiamento. O citado título é contrato por adesão se submetendo ao CDC. Não é um contrato de financiamento de bens. Da leitura desse pacto firmado, nota-se que o mesmo foi redigido de maneira clara e inequívoca, com letras grandes e legíveis, na forma do que preconiza o art. 54, § 3º, a Lei 8.072/90. Não há que se falar em propaganda enganosa, nem em descumprimento do contrato, pois o título de capitalização não gera a obrigação de entrega do veículo, mas sim o reembolso das parcelas pagas, se o subscritor não for sorteado, ou um desconto na aquisição de um automóvel. Quanto ao dano moral, vislumbra-se que o réu agiu no exercício regular de um direito reconhecido, vindo a restituir o autor das quantias que este faria jus, devidamente corrigidos, aplicando-se como índice de correção a TR, prevista contratualmente, fls. 24v (RESGATE), e não pelo IPC. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA REFORMAR A SENTENÇA E JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO.
Corroborando a tese ora defendida, ensina Bruno Lemos Rodrigues [21]:
"Vê-se, assim, que, diante desse aspecto apresentado, deve-se diferenciar entre a informação pré-contratual decorrente da publicidade de seguradora e da atuação do corretor. Como o corretor atua de maneira autônoma, a seguradora não tem o poder legal e fiscalizá-la ou lhe impor sanções. O corretor responde perante a seguradora pelos prejuízos que aquele causar a esta, mas a seguradora não pode interferir no livre exercício da profissão do corretor.
Desta forma, se o corretor presta informação falsa ou patrocina publicidade, sua atuação não pode vincular as seguradoras, salvo se for demonstrado conluio entre eles. Evidente que o conluio não se presume, deve ser demonstrado, mas, ao revés do que afirma a doutrina, a nosso ver não deve incidir o art. 34 do CDC."
Aplicável, portanto, a excludente de responsabilidade prevista no inciso II do § 3º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. Vejamos o disposto no referido dispositivo:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro
Observe-se que, nada obstante a existência de danos causados aos consumidores por informações insuficientes e inadequadas sobre o serviço, não se deve responsabilizar a empresa de capitalização, visto que o dano foi causado por ato do corretor, ou seja, por terceiro, não havendo, portanto, nexo de causalidade.
Destaque-se os contratos na maioria das vezes são redigidos de forma clara, bem como as empresas de capitalização disponibilizam aos consumidores cartilhas com as respostas para as principais dúvidas sobre títulos de capitalização. No entanto, os consumidores têm por costume assinar contratos sem lê-los, ou seja, são negligentes, o que pode ser excludente de responsabilidade.
Ainda como pressuposto essencial à responsabilidade civil está a obrigatoriedade de reparar o dano. Em regra a legislação impõe ao praticante do ato a obrigação de reparar o dano, no entanto, há exceções para tal regra.
A responsabilidade transubjetiva decorre de presunção de direito de culpa por atos praticados por outrem. Cumpre registrar que a responsabilidade civil transubjetiva decorre expressamente de lei.
Nesse sentido leciona Silvio de Salvo Venosa [22]:
"No estudo da responsabilidade por fato de outrem, é necessário partir de diferentes pressupostos, que não coincidem com os da responsabilidade por fato próprio. De qualquer modo, somente ex-surge a responsabilidade de terceiro, moralmente justificável, nas situações descritas em lei."
No ordenamento jurídico pátrio, a responsabilidade transubjetiva está imposta nos artigos 932 do Código Civil. Vejamos o disposto no referido dispositivo legal:
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.
Para o caso das empresas de capitalização e os corretores, importa destacar a não incidência do disposto no inciso III do art. 932 do Código Civil.
Nesse quadro, não cometendo a empresa de capitalização qualquer ato que cause dano ao consumidor, apenas responderia pelo ato danoso praticado pelo corretor caso houvesse na legislação algum dispositivo que atribuísse a ela tal responsabilidade, no entanto não há, pelo que não há que responsabilizá-la.
Nesse sentido ensina Maria Helena Diniz [23]:
"Na responsabilidade por fato alheio alguém responderá, indiretamente, por prejuízo resultante de prática de um ato ilícito por outra pessoa, em razão de se encontrar ligado a ela, por disposição legal."
Não há que se argumentar que a previsão do art. 34 do Código de Defesa do Consumidor atribui tal responsabilidade à sociedade de capitalização. Dispõe o art. 34 do CDC:
Art. 34. O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos.
Conforme já amplamente demonstrando, o corretor não é preposto da empresa de capitalização, não possuindo qualquer relação de representação, mandato, vinculo empregatício a despeito da impossibilidade jurídica decorrente do disposto no art. 9º do Decreto 56.903 de 24 de setembro de 1965.
Sobre esse assunto segue o ensinamento de Bruno Lemos Rodrigues [24]:
"O art. 34 do CDC prevê que o fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos. Ora, o corretor não é preposto da seguradora por vedação legal, com ela não pode manter relação que não seja a obrigação de a empresa lhe pagar as comissões de corretagem em razão da intermediação de contratos de seguro.
Tampouco pode-se dizer que o corretor é representante autônomo da seguradora. Corretor não representa nenhuma empresa, ainda que afixe a marca da seguradora em seu estabelecimento, que o faz tão somente para atrair a clientela, visando intermediar mais contratos e valendo-se da confiabilidade que a seguradora conquistou perante seus clientes e o mercado, sendo certo que as seguradoras podem até mesmo proibir o uso de sua marca, o que certamente e a princípio não farão, já que dependem bastante do corretor para ser contratada pelos consumidores.
A nosso ver também não incide o art. 775 do CC/2002, que está assim redigido: "Os agentes autorizados do segurador presumem-se seus representantes para todos os atos relativos aos contratos que agenciarem."
Como foi afirmado, corretor intermédia contrato de seguro, ou melhor, angaria qualquer contrato de seguro disponível no mercado. A seguradora não escolhe qual o corretor que angaria seu serviço, não pode proibir nenhum corretor de intermediar contrato seu, motivo pelo qual não se pode enquadrar corretor como preposto ou representante ou agente autorizado.
Se é bem verdade que a publicidade vincula e que "A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre as suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, em como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores", incidindo as garantias do CDC, devemos fazer ressalvas quanto ao art. 34 deste código, bem como ao art. 775 do CC/2002, já que o corretor não é preposto, agente autorizado, nem representante autônomo, diferenciando a informação pré-contratual prestada pela seguradora da que foi prestada pelo corretor, vinculando aquela por ela prestada, e responsabilizando este quando por ele prestada incorretamente e que causa prejuízos."
A imposição da responsabilidade ao empregador ou comitente pelos atos dos empregados ou prepostos decorre do poder de direção empregador em relação ao empregado. Ocorre que no caso estudado, conforme já amplamente demonstrado, não existe qualquer relação de subordinação entre as empresas de capitalização ante o próprio conceito de corretor dado pelo art. 722 do Código Civil, bem como em função da impossibilidade jurídica determinada pelo art. 9º do Decreto 56.903 de 24 de setembro de 1965.
Ante todo o exposto, pode-se concluir que para a imputação da responsabilidade civil faz-se necessária a ocorrência de um fato em conseqüência do qual resulte dano a ser reparado por aquele a quem a lei impute a responsabilidade. Ausente qualquer desses pressupostos não há que se falar em responsabilidade civil. Foi o que se pretendeu demonstrar, e sinceramente acredita-se tenha conseguido, ao longo do presente trabalho, utilizando o como pano de fundo a ausência da responsabilidade e vinculação das empresas de capitalização em razão dos atos lesivos praticados pelos corretores em razão de inexistência de previsão legal que impute tal responsabilidade.