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A repercussão geral como novo requisito de admissibilidade do recurso extraordinário

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Agenda 18/03/2008 às 00:00

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo apresentar um estudo sobre o instituto da Repercussão Geral, como instrumento de efetividade dos Princípios Constitucionais de Acesso à Justiça e Razoável Duração do Processo. A Repercussão Geral foi concebida com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004, que introduziu o parágrafo terceiro ao artigo 102 da Constituição da República Federativa do Brasil, o qual foi regulamentado pela Lei nº 11.418/2006 e pelo Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. A partir desta regulamentação, o Supremo Tribunal Federal passou a analisar, de forma exclusiva, a existência de Repercussão Geral na questão discutida em sede de Recurso Extraordinário, como requisito de admissibilidade para o julgamento do mérito recursal, verificando a relevância e a transcendência do tema casuisticamente. Neste artigo, será analisada a conjuntura da introdução da Repercussão Geral no ordenamento jurídico, sua compatibilidade com princípios constitucionais fundamentais, a finalidade do instituto, sua relevância, as conseqüências decorrentes da inovação, bem como os aspectos procedimentais que envolvem o tema em questão. Busca-se, ademais, examinar as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal ao apreciar a Repercussão Geral no exame de admissibilidade dos Recursos Extraordinários.

PALAVRAS-CHAVE: Repercussão Geral. Requisito de admissibilidade. Recurso Extraordinário. Razoável duração do processo. Emenda Constitucional nº 45/2004. Lei nº 11.418/2006. Finalidade. Inovações. Casos concretos.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O Recurso Extraordinário e a Repercussão Geral. 2.1 A finalidade do novel requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário. 2.2 As inovações geradas pela introdução da Repercussão Geral. 2.3 A Repercussão Geral no Supremo Tribunal Federal. 3. Considerações Finais. Referências


1.INTRODUÇÃO:

O presente artigo jurídico enfocará as inovações trazidas ao ordenamento jurídico pátrio com a introdução de um requisito adicional ao juízo de admissibilidade do Recurso Extraordinário: a Repercussão Geral.

A Emenda Constitucional nº 45/2004 alterou o dispositivo relativo ao Recurso Extraordinário, inserindo o parágrafo terceiro ao art. 102 da Constituição da República Federativa do Brasil, passando a exigir que o Supremo Tribunal Federal analise a Repercussão Geral da matéria ventilada, como pressuposto para apreciação do referido recurso.

Recentemente, foi editada a Lei nº 11.418, de 19/12/2006, acrescentando os artigos nº 543-A e 543-B ao Código de Processo Civil, a fim de regulamentar a matéria. Ademais, o Supremo Tribunal Federal incluiu novos dispositivos em seu Regimento Interno, através da Emenda Regimental nº 21/2007, complementando as normas procedimentais sobre o tema.

A introdução da Repercussão Geral se coaduna com os princípios constitucionais de Acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da CF) e Razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII da CF), eis que sua aplicação atua como filtro redutor do volume de Recursos Extraordinários a serem analisados pela Suprema Corte, na tentativa de resgatar a efetividade da função precípua da Corte Maior do país: a guarda da Constituição.

Neste trabalho serão analisadas as peculiaridades da Repercussão Geral, a amplitude de seu conceito aberto, o novo procedimento adotado, os efeitos da admissibilidade ou não do Recurso, as finalidades e as conseqüências da inovação implementada, com estudo, inclusive, dos casos concretos recebidos pelo Supremo Tribunal Federal.


2.O RECURSO EXTRAORDINÁRIO E A REPERCUSSÃO GERAL

Objetivando uma verdadeira filtragem recursal, na medida em que implica numa escolha de casos a serem apreciados pelo Supremo Tribunal Federal, a Repercussão Geral consiste em novo requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que acrescentou o parágrafo 3º ao art. 102 da Constituição Federal, o qual foi regulamentado pela Lei nº 11.418/2006, que acrescentou os arts. 543-A e 543-B ao Código de Processo Civil.

O Recurso Extraordinário tem como finalidade precípua assegurar o regime federativo, por meio de controle da aplicação da Constituição Federal nos casos concretos. A Carta Magna deverá ser aplicada de forma igual em todo o território nacional e para todas as causas, por todos os juízos e tribunais, exercendo o Recurso Extraordinário esta função controladora sobre a correta aplicação do direito objetivo no caso concreto.

Por esta razão, o Recurso Extraordinário só poderá versar sobre questões de direito, não sendo possível a discussão sobre matéria fática, de acordo com o Enunciado nº 279 da Súmula do STF e nº 07 da Súmula do STJ.

As hipóteses de cabimento do Recurso em questão estão delimitadas pelo art. 102, III, da Constituição Federal, que confere competência, para julgamento, ao Supremo Tribunal Federal, o verdadeiro guardião da Constituição. Será cabível o Recurso Extraordinário quando, em causas decididas em única ou última instância, com o esgotamento dos recursos ordinários, a decisão recorrida: contrariar dispositivo da Constituição Federal; declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição Federal ou quando julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

O Supremo Tribunal Federal cumpre o papel de verdadeira Corte Constitucional, cabendo-lhe controlar, na via principal e direta (Ação Direta de Inconstitucionalidade e Constitucionalidade) ou na via incidental e casuística (através do Recurso Extraordinário, em última instância), o adequado manejo das regras da Constituição Federal.

A Corte Constitucional deverá observar a presença dos requisitos de admissibilidade do Recurso Extraordinário, antes de julgar seu meritum causae. Ou seja, terá que realizar um juízo de admissibilidade do recurso, constatando ou não a presença de pressupostos preliminares necessários a conferir regularidade ao mesmo. Na verdade, o juízo de admissibilidade do Recurso Extraordinário divide-se em dois momentos: o primeiro deles ocorre ainda no órgão jurisdicional de origem, sendo exercido pelo presidente do Tribunal recorrido, que poderá delegar ao vice-presidente ou a algum deles, onde houver mais de um (art. 541 do CPC) e o segundo no Supremo Tribunal Federal, de forma definitiva [01].

Tais requisitos de admissibilidade se dividem em genéricos - quando inerentes a todos os recursos, e específicos, quando se referirem a um ou mais recursos.

Os requisitos genéricos podem ser classificados de forma análoga às condições da ação e aos pressupostos processuais, uma vez tratar-se de ato processual especial do exercício do poder de ação [02]. Serão, pois, divididos em condições dos recursos e pressupostos recursais, sem que se olvide dos impedimentos recursais, análogos aos impedimentos processuais.

Quanto aos primeiros, para que um recurso seja admitido, é fundamental que haja legitimidade das partes do processo para recorrer, nos termos do art. 499 do Código de Processo Civil. Tais legitimados deverão ter interesse em recorrer, de forma que o resultado almejado com o julgamento do recurso seja útil ao recorrente, ou seja: deve ser o único meio existente para que se obtenha a reforma ou anulação da decisão (necessidade) e o recurso adequado para rever a decisão recorrida (adequação). Por fim, deve-se observar a possibilidade jurídica do recurso, ou seja, o mesmo deverá ter previsão legal.

Com relação aos pressupostos recursais, necessários para tornar o recurso existente e válido, devem estar presentes: órgão ad quem investido de jurisdição, ou seja, competente para apreciar o pedido; recorrente com capacidade processual, a qual deverá estar presente desde o início da demanda e regularidade formal do recurso, consubstanciada em forma escrita (regra), fundamentação, tempestividade (art. 508 CPC) e preparo (art. 511 do CPC).

Ademais, não podem estar presentes fatos impeditivos do exercício do poder de recorrer, os impedimentos recursais, como a renúncia e a desistência do recurso.

A Repercussão Geral foi inserida na legislação pátria como um requisito específico adicional para a admissibilidade do Recurso Extraordinário. A lei já impunha a necessidade de outro requisito específico: o prequestionamento, ou seja, a questão constitucional deverá figurar na decisão recorrida, ainda que não tenha ocorrido menção expressa aos dispositivos constitucionais pertinentes [03]. Existe, portanto, a exigência de que a decisão recorrida tenha ventilado a questão constitucional que seja objeto de apreciação do Recurso Extraordinário.

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Destarte, o Recurso Extraordinário somente deverá ser admitido quando presentes os requisitos genéricos dos recursos e, cumulativamente, uma das quatro hipóteses do art. 102, III, da Constituição Federal, o prequestionamento da matéria constitucional e existência de Repercussão Geral do tema discutido, novidade esta introduzida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, a qual será analisada neste trabalho.

A Repercussão Geral consiste em um conceito jurídico indeterminado em que se concede ao intérprete o poder de adequar o instituto ao caso concreto, de acordo com as diretrizes e princípios traçados pelo ordenamento jurídico. Tal técnica se demonstra bastante freqüente na atualidade, em virtude de o legislador não ser capaz de prever, e conseqüentemente delimitar, todas as hipóteses do mundo dos fatos.

De acordo com os ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero [04], consoante o pensamento de Karl Engisch, os conceitos jurídicos indeterminados são compostos por um "núcleo conceitual" (certeza do que é ou não é) e por um "halo conceitual" (dúvida do que pode ser). Quanto à Repercussão Geral, esta lacuna jamais poderá ser preenchida pelo intérprete de forma discricionária, devendo empreender grande esforço na objetivação valorativa nesta adequação.

Quem possui legitimidade para aferir a existência de questão relevante para a sociedade, constatando a Repercussão Geral na matéria constitucional tratada no Recurso Extraordinário, é o Supremo Tribunal Federal, de forma exclusiva, nos termos do art. 102, parágrafo 3º da CF e do art. 543-A, caput e parágrafo 2º, do CPC. Ademais, uma vez constatada a Repercussão Geral da questão discutida, tem Supremo o dever de admitir o recurso e apreciá-lo no mérito.

Como afirmado anteriormente, em se tratando de conceito jurídico indeterminado, o Supremo deverá utilizar a legislação vigente e os princípios norteadores do sistema jurídico para identificar as causas mais relevantes que merecem ser conhecidas e ao final, julgadas. Com esta finalidade, o art. 543-A do CPC, introduzido pela Lei 11.418/2006, dispõe em seu parágrafo 1º que só devem ser admitidos os recursos que versem sobre questões relevantes, sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico e que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. O próprio Supremo Tribunal Federal alterou o seu Regimento Interno para inserir a referida diretriz em seu art. 322, parágrafo único.

Cumpre destacar, pois, que a própria lei exige, além da relevância da matéria discutida, a existência da transcendência da questão discutida em sede de Recurso Extraordinário. Pode-se afirmar, portanto, que o "nosso legislador lançou mão de uma fórmula que conjuga relevância e transcendência (Repercussão Geral = relevância + transcendência)" [05].

Isso significa que a relevância do tema também deve contribuir para a unidade do Direito no Estado Constitucional brasileiro, compatibilizando e/ou desenvolvendo soluções de ordem constitucional, refletindo em toda a sociedade e não somente às partes envolvidas no litígio.

A relevância terá que ser observada casuisticamente, devendo atingir uma questão econômica, social, política ou jurídica. Vale lembrar que não há necessidade de que a questão repercuta em todas essas esferas, mas basta a caracterização da relevância em apenas uma das perspectivas elencadas pela lei.

Quanto à transcendência, pode-se afirmar desde logo que algumas questões por si só já ultrapassam o interesse subjetivo das partes, como a violação de direitos fundamentais, materiais ou processuais, por consistirem em uma "tábua mínima de valores de determinada sociedade em dado contexto histórico, cujo respeito interessa a todos" [06].

Fundamental esclarecer que a norma regulamentadora impôs a presunção de Repercussão Geral quando a decisão recorrida contrariar súmula ou jurisprudência no âmbito do próprio Supremo Tribunal Federal (art. 543-A, parágrafo 3º do CPC).

Assim, a conceituação da Repercussão Geral será elaborada pelo intérprete ao longo da solução de conflitos concretos. O Supremo deverá avaliar a relevância e transcendência da questão constitucional discutida, a fim de admitir o Recurso Extraordinário, à luz do ordenamento jurídico vigente, sendo vedada sua atuação de forma discricionária, contrária às diretrizes legais. Nesse sentido, a Corte Suprema lançou, em dezembro de 2007, um estudo sobre a Repercussão Geral, disponibilizando em seu site na internet uma listagem sobre as matérias que possuem ou não Repercussão Geral, como se verá adiante.

Por fim, cumpre lembrar que o novel instituto se diferencia da extinta argüição de relevância da questão federal, existente no regime constitucional anterior, uma vez que esta possuía caráter político e era decidida em sessão administrativa secreta, com ausência de fundamentação, características que são vedadas pela Constituição vigente, pelos Princípios da fundamentação das decisões judiciais e da publicidade (art. 93, IX e 5º, LX, ambos da CF). A argüição de relevância funcionava como um requisito de admissibilidade de um Recurso Extraordinário a priori incabível (característica inclusiva), enquanto a Repercussão Geral visa a exclusão do julgamento, pela Suprema Corte, de recursos que não sejam relevantes e transcendentes.

2.1.A FINALIDADE DO NOVEL REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

De acordo com os ensinamentos de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero [07], com o advento da Repercussão Geral resguardam-se, a um só tempo, dois interesses: o interesse das partes na realização de processos jurisdicionais em tempo justo e o interesse da Justiça no exame de casos pelo Supremo Tribunal Federal apenas quando essa apreciação mostrar-se imprescindível para realização dos fins a que se dedica a alcançar a sociedade brasileira.

Em sendo o Supremo Tribunal Federal responsável pela preservação dos valores fundamentais existentes na Constituição Federal, a denominada guarda da Constituição, ao aplicar o novo requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário, estará cumprindo o papel unificador do Direito no Estado Constitucional. Ou seja, ao analisar as questões relevantes e transcendentes para a sociedade, mediante a aplicação do conceito indeterminado da Repercussão Geral, a Suprema Corte poderá alcançar a compatibilização das decisões à Constituição da República Federativa do Brasil e desenvolver novas soluções aos problemas sociais.

Logicamente, tais questões não poderão ser analisadas de forma adequada se todos os litígios existentes forem levados ao Supremo, sem que haja uma seleção das causas que gerarão maior impacto para a sociedade, que contribuirão efetivamente para a unidade do Direito.

Lembre-se de que a Repercussão Geral não viola o direito fundamental de Acesso à Justiça, uma vez que este se distingue do direito ao acesso aos Tribunais, conforme lição de Luiz Roberto Barroso, em palestra proferida na EMERJ [08]. A jurisdição extraordinária realiza outros interesses, que não o Acesso à Justiça: objetiva a guarda da Constituição, pelo Supremo Tribunal Federal e a uniformização de leis federais, pelo Superior Tribunal de Justiça.

Ademais, diante do crescimento progressivo de demandas no Supremo Tribunal Federal e o conseqüente desvio de sua função precípua, criou-se o requisito da Repercussão Geral com a finalidade de desafogar o trabalho confiado ao Supremo Tribunal Federal, exigindo-se que a matéria objeto do Recurso Extraordinário revele-se importante em termos gerais, não se limitando à solução do litígio intersubjetivo [09].

Trata-se de verdadeiro mecanismo de racionalização do volume de trabalho que chega à Corte, o qual já começa a surtir resultados práticos, conforme recente estudo realizado pelo Supremo Tribunal Federal, publicado em dezembro de 2007 em seu site na internet [10]. Observa-se no citado estudo que a tendência é a diminuição do quantitativo de Recursos Extraordinários e Agravos de Instrumento (interpostos quando inadmitido o Recurso Extraordinário) sem preliminar acerca da Repercussão Geral e o aumento dos recursos contendo a preliminar em questão, na medida em que se demonstra a eficácia do novo instituto na efetivação do Acesso à Justiça.

Com efeito, a partir de uma paulatina e natural formação de catálogo de casos pelos julgamentos do Supremo Tribunal Federal (o que já está ocorrendo, como se verá adiante) permite-se o controle em face da própria atividade jurisdicional da Corte, objetivando-se cada vez mais o manejo dos conceitos de relevância e transcendência ínsitos à idéia de Repercussão Geral [11].

Segundo estatística fornecida pelo jornal O Globo [12], a Corte Suprema brasileira recebeu em 2007 (até 20/11), a quantidade de cento e quarenta mil e quinhentos processos, havendo julgado cento e oito mil, oitocentas e vinte e sete demandas, desviando-se completamente de sua função precípua de controle da correta aplicação e interpretação da Constituição Federal. Ao se ocupar com questões irrelevantes, o Supremo deixa de resolver casos fundamentais para a sociedade, como o direito de aborto para mulheres grávidas de fetos anencéfalos.

A numerosa demanda de processos na Suprema Corte prejudica o tempo para reflexão, estudo e maturação de idéias, sobretudo nas matérias complexas e polêmicas, de acordo com Luís Roberto Barroso, em declaração realizada na referida reportagem, sendo necessária a implementação de mecanismos efetivos de filtragem, como a Repercussão Geral e a Súmula Vinculante, introduzidos pela Reforma do Judiciário.

2.2 AS INOVAÇÕES GERADAS PELA INTRODUÇÃO DA REPERCUSSÃO GERAL

A Lei nº 11.418/2006 regulamentou o art. 102, parágrafo 3º da Constituição Federal, introduzindo os artigos 543-A e 543-B ao Código de Processo Civil. Além disso, o Supremo Tribunal Federal alterou o seu Regimento Interno, no Capítulo V, através da Emenda Regimental nº 21/2007, para dispor sobre as peculiaridades do procedimento pertinente à Repercussão Geral no Recurso Extraordinário.

Inicialmente, é fundamental que o recorrente demonstre em preliminar do Recurso Extraordinário a existência da Repercussão Geral, que será analisada exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal (art. 543-A, parágrafo 2º), sob pena de ter negado seu seguimento. Eventual intromissão indevida na aferição da Repercussão Geral, enseja Reclamação ao próprio Supremo Tribunal Federal. Contudo, os demais requisitos de interposição do recurso (cabimento, interesse recursal, legitimidade para recorrer, inexistência de fato extintivo e impeditivo do direito de recorrer, regularidade formal, tempestividade, preparo e questão constitucional violada) deverão ser analisados pelo Tribunal de origem.

Ressalte-se que o Supremo já formou entendimento de que se faz necessária a existência de preliminar expressa indicando os fundamentos da Repercussão Geral, como requisito formal à sua admissibilidade, em estudo realizado em dezembro de 2007 [13].

Ademais, é ônus do recorrente demonstrar a Repercussão Geral da matéria discutida, sob pena de inadmissibilidade do Recurso Extraordinário. Contudo, a fundamentação aduzida não vincula o julgamento pelo Supremo Tribunal, ocorrendo a transcendência dos motivos determinantes, como traço de objetivação do controle difuso de constitucionalidade, entendimento consolidado na jurisprudência da própria Corte, nas Ações Diretas de Constitucionalidade e Inconstitucionalidade.

Quanto à decisão acerca da existência ou não de Repercussão Geral, deverão ser respeitados os princípios constitucionais de publicidade e motivação, impostos pelo art. 93, IX, da CF.

Cumpre esclarecer que a decisão do Supremo Tribunal Federal que não conhecer o Recurso Extraordinário, quando a questão discutida não oferecer Repercussão Geral, é irrecorrível (art. 543-A, caput do CPC). Todavia, deve-se afastar da incidência da norma o cabimento de embargos de declaração, dada a finalidade de integração do ato decisório [14]. Tal decisão tem efeito perante todos os recursos de matéria idêntica (eficácia erga omnes), que serão indeferidos liminarmente, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (art. 543-A, parágrafo 5º do CPC). Trata-se de verdadeiro efeito pan-processual, eis que a decisão reflete em causas diversas da qual foi proferida, desde que versem sobre a mesma controvérsia.

Haverá Repercussão Geral, contudo, quando a Turma decidir por sua existência, desde que haja, no mínimo, quatro votos favoráveis (art. 543-A, parágrafo 4º do CPC). A contrario sensu, somente por oito votos (2/3) o Supremo poderá negar Repercussão Geral a um caso, o que deverá ser decidido pelo Plenário. Com a regulamentação feita pelo Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, é possível a discussão sobre a existência de Repercussão Geral através de meio eletrônico, a fim de que não haja necessidade de se reunir todos os Ministros no Tribunal Pleno, dando maior celeridade às decisões (art. 323 do RISTF). Nesta hipótese, ultrapassado o exame de admissibilidade, terá o Supremo que decidir acerca do mérito do recurso.

A lei nº 11.418/2006 permitiu a participação do chamado amicus curiae na defesa da existência ou não da Repercussão Geral, desde que autorizada pelo relator do Recurso Extraordinário no Supremo Tribunal Federal (art. 543-A, parágrafo 6º do CPC). Trata-se da participação de terceiro interessado no resultado da demanda, que traz informações e subsídios relevantes para a causa, sem, contudo, se tornar parte.

A admissão de terceiro interessado nesta condição, para a defesa ou não da existência de Repercussão Geral, consiste na efetivação do ideal de que a sociedade está aberta aos intérpretes da Constituição, contribuindo para a legitimação do Supremo Tribunal como Corte Constitucional.

A figura do amicus curiae foi importada da lei nº 9868/1999 (art. 7º, parágrafo 2º), que disciplina o controle concentrado de constitucionalidade, via ação direta e pode ser considerada mais um reflexo da tendência atual de objetivação do controle difuso de constitucionalidade.

Em respeitável estudo sobre a transformação do Recurso Extraordinário [15], Fredie Didier Jr. enumera vários precedentes na Suprema Corte que denotam a mencionada objetivação, como o julgamento sobre a progressão de regime em crimes hediondos (HC nº 82.959) e medidas efetivas, na mesma linha, como a criação da Súmula Vinculante e da Repercussão Geral. Ademais, na Emenda nº 12 ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, publicada em 17/12/2003, o Recurso Extraordinário deixou de ter caráter marcadamente subjetivo ou de defesa de interesse das partes, para assumir, de forma decisiva, a função de defesa da ordem constitucional objetiva.

Quanto aos demais recursos que versem sobre o mesmo assunto (processos múltiplos, sobre conflito de massa), dispõe o novel art. 543-B do CPC, que caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo (parágrafo 1º), deixando os demais sobrestados, aguardando o julgamento definitivo. Tal decisão é irrecorrível e não enseja direito da parte à escolha de seu Recurso Extraordinário para remessa à Suprema Corte, uma vez que o exame da Repercussão Geral se dará por amostragem, através de um ou mais recursos representativos da controvérsia.

Haverá a projeção dos efeitos da decisão sobre a existência ou não de Repercussão Geral aos recursos que discutem matéria idêntica, pois uma vez negada a Repercussão, os recursos sobrestados serão automaticamente não-admitidos (parágrafo 2º). Em caso de reconhecimento da Repercussão Geral, os recursos sobrestados serão apreciados pelo juízo a quo, que poderá declará-los prejudicados ou retratar-se (parágrafo 3º). Somente se mantida a decisão originária o Recurso Extraordinário será remetido para apreciação no Supremo Tribunal Federal.

Por fim, quanto ao termo inicial para a aplicação da Repercussão Geral, em que pese o disposto no art. 4º da Lei 11.418/2006, que impõe a aplicação do novo requisito somente aos recursos interpostos a partir do primeiro dia útil de sua vigência, o Supremo Tribunal Federal adotou entendimento diverso, impondo a aplicação da Repercussão Geral somente ao recursos interpostos a partir de 03/05/2007, data em que entraram em vigor as alterações de seu Regimento Interno, através da Emenda Regimental nº 21/2007. Tal posicionamento foi adotado a partir de decisão proferida em questão de ordem pelo Plenário do Supremo (AI QO664567/RS), como se observa em estudo realizado em dezembro de 2007 [16].

Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero defendem, de forma diversa, que não deveria ser considerado o momento de interposição do recurso, mas a ocasião em que teve início o prazo para a interposição do recurso [17], sob pena de violação de um direito processual adquirido.

2.3 A REPERCUSSÃO GERAL NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O Supremo Tribunal Federal vem apreciando a questão da Repercussão Geral em diversos momentos, fazendo-se necessária uma análise mais aprofundada de alguns precedentes.

No julgamento do Agravo de Instrumento nº AI-QO664567/RS, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal decidiu que o requisito constitucional da Repercussão Geral (CF, art. 102, § 3º, com redação dada pela EC 45/2004), regulamentado pela Lei nº 11.418/06 e as normas regimentais necessárias à sua execução, aplica-se aos Recursos Extraordinários em geral, e, em conseqüência, às causas criminais.

Decidiu-se, ainda, que a verificação da existência de demonstração formal e fundamentada da Repercussão Geral das questões discutidas no Recurso Extraordinário, pode ser feita tanto no juízo a quo quanto no Supremo Tribunal Federal, cabendo a este, exclusivamente, a decisão sobre sua presença. Fundamental ressaltar que, ao entendimento da Suprema Corte, a questão só foi plenamente regulamentada com a publicação da Emenda Regimental nº 21, de 03/05/2007, que alterou o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, só podendo ser exigido tal requisito de admissibilidade a partir desta data.

Questionando a constitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei 8213/91, que tutelam a prescrição e decadência de contribuições previdenciárias, em face do art. 146, III, b, da CF/88 e do art. 5º, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 1569/77, em face do art. 18, parágrafo 1º, da CF/67, foram interpostos os Recursos Extraordinários nº RE 556664/RS, RE 559882/RS, RE 560626/RS, todos relatados pelo Ministro Gilmar Mendes. A decisão proferida foi no sentido de reconhecer a Repercussão Geral da questão e devolver os demais recursos para os Tribunais de origem, os quais deverão ser comunicados da decisão e promover o sobrestamento das impugnações sobre o tema.

Ainda em matéria tributária (ICMS), o Plenário do Supremo Tribunal Federal constatou a existência de Repercussão Geral, ao analisar os requisitos de admissibilidade do Recurso Extraordinário nº 559607 QO/SC, relatado pelo Ministro Marco Aurélio Bezerra de Mello, em 26/09/2007. Determinou, destarte, a devolução à origem de todos os demais recursos idênticos, que tenham sido interpostos na vigência do sistema da Repercussão Geral e a comunicação aos Tribunais de origem, para que suspendam o envio de recursos ao Supremo Tribunal, que versem sobre a mesma matéria (constitucionalidade do art. 7º, I, da Lei 10.865/2004, em face do art. 149, parágrafo 2º, inciso III, letra a, da CF).

Ademais, em dezembro de 2007 foi publicado no site do Supremo Tribunal Federal um estudo produzido pelo Gabinete Extraordinário de Assuntos Institucionais sobre a Repercussão Geral, contendo a uniformização de alguns entendimentos, fruto das decisões proferidas pela Corte.

De acordo com o referido estudo, restou pacificada a aplicabilidade aos Recursos Extraordinários em matéria criminal, uma vez que a Repercussão Geral tem natureza de requisito de admissibilidade de todos os Recursos Extraordinários. Apesar da nova lei ter alterado dispositivos do Código de Processo Civil, as modificações tem caráter de norma geral.

Quanto à formalidade, entendeu o Supremo que é necessária a existência de preliminar expressa de Repercussão, sob pena de inadmissibilidade do Recurso Extraordinário, devendo a análise da existência de preliminar ser feita pelo Tribunal de origem ou pelo próprio Supremo. Contudo, a aferição sobre o seu teor somente pode ser realizada pela Suprema Corte, de forma exclusiva.

Por fim, conforme mencionado anteriormente, o Supremo definiu o termo inicial para a aplicação do instituto como sendo a data em que a Emenda Regimental nº 21/2007 do Regimento Interno do STF entrou em vigor (03/05/2007), pois somente neste momento a norma constitucional foi plenamente regulamentada.

No referido site pode-se encontrar, inclusive, uma relação sobre temas que possuem ou não Repercussão Geral, de acordo com as recentes decisões proferidas pela Corte Máxima, em Recursos Extraordinários (RE), conforme exposto a seguir [18]:

MATÉRIAS COM REPERCUSSÃO

ASSUNTO

CLASSE

NÚMERO

Prescrição/Execução Fiscal/ Contribuição Previdenciária

RE

559943

Repetição de Indébito/Imposto de Renda de Pessoa Física-IR

RE

561908

Lucro de exportação/contribuição social/incidência

RE

564413

Fornecimento de medicamento/ordem social/saúde

RE

566471

Responsabilidade/redirecionamento/sócio de empresa/ execução fiscal/contribuição previdenciária

RE

567932

MATÉRIAS SEM REPERCUSSÃO

ASSUNTO

CLASSE

NÚMERO

Multa diária/Processo Civil/liquidação de sentença

RE

556385

Dano Moral/responsabilidade civil/indenização

RE

565138

Sobre a autora
Taissa Souza Medeiros

servidora pública do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no Rio de Janeiro (RJ).bacharela em direito pela UFRJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Taissa Souza. A repercussão geral como novo requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1721, 18 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11056. Acesso em: 23 dez. 2024.

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