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O novo perfil da greve de servidores públicos.

Análise da Lei nº 7.783/89 à luz dos acórdãos proferidos pelo STF no julgamento dos Mandados de Injunção nº 670/ES, 708/DF e 712/PA

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Agenda 19/03/2008 às 00:00

OS MANDADOS DE INJUNÇÃO Nº 670/ES, 708/PB E 712/DF. POSSÍVEIS CONSEQÜÊNCIAS DA APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI Nº 7.783/89.

Anteriormente à análise individual dos dispositivos da Lei n. 7.783/89 e das possíveis conseqüências de sua aplicação nas greves deflagradas por servidores públicos, cumpre indagar acerca do substrato principiológico que subjaz ao referido diploma legal e cujos matizes influenciarão, por evidente, a integração normativa imposta pelo Supremo Tribunal Federal nos Mandados de Injunção n, 670/ES, 708/PB e 712/DF.

Com efeito, a Lei n. 7.783/89, editada um ano após a promulgação da Constituição Federal de 1988, teve por escopo, justamente, adequar o instituto da greve ao novel art. 9º da Carta Magna, cuja redação suplantou os estritos limites estabelecidos nos artigos 157, § 7º e 162 da Constituição de 1967/69, bem como na Lei n. 4.330/64 e no Decreto-Lei nº 1.632/78, adequando o direito em apreço aos ideais democráticos e pluralistas subjacentes à nova ordem contitucional. [18]

Sendo este, portanto, o substrato principiológico a servir de arrimo para a Lei n. 7.783/89, tem-se, por via de conseqüência, que a aplicação do referido diploma legal aos movimentos paredistas titularizados pelos servidores públicos deverá ser norteada por este mesmo espírito. [19]

Quer isto dizer, em português claro, que a decisão lavrada pelo Supremo Tribunal Federal nos Mandados de Injunção n. 670/ES, 708/PB e 712/DF não poderá ser utilizada como pretexto para dificultar o exercício do direito de greve assegurado expressamente pelo art. 37, VII para além do estritamente necessário, seja pela ampliação desmesurada do conceito de "serviços essenciais", ou pela extensão indevida de requisitos previstos na Lei n. 7.783/89 que se afiguram inaplicáveis aos funcionários do Estado ante as características peculiares do serviço público.

Diante disso, faz-se necessário intentar estabelecer em que medida os dispositivos da Lei n. 7.783/89 se aplicam aos servidores públicos, tendo-se sempre em mente que o escopo do diploma legal em referência, bem como do art, 37, VII, da Constituição Federal, aponta para a efetiva materialização da garantia do direito de greve, cuja limitação afigurar-se-á razoável tão-somente quando o real interesse público assim determinar.

Destaque-se, por oportuno, que o verdadeiro interesse coletivo aqui mencionado diz respeito às demandas inadiáveis da população em relação aos serviços públicos, não se confundindo, pois, com as necessidades funcionais do Estado.

Tendo por norte tais premissas, as próximas linhas se ocuparão da análise individual dos dispositivos da Lei n. 7.783/89, intentando-se estabelecer a justa medida de aplicação de cada um deles aos movimentos paredistas deflagrados por servidores públicos, tal como determinado pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento dos Mandados de Injunção n. 670/ES, 708/PB e 712/DF.

LEI N. 7.783, DE 28 DE JUNHO DE 1989.

(...)

Art. 1º E assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

Parágrafo único. O direito de greve será exercido na forma estabelecida nesta Lei.

Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação de serviços a empregador.

O art. 1º da Lei n. 7.783/89 assegura à generalidade dos trabalhadores o direito de greve, definindo que os motivos do movimento são de escolha exclusiva dos obreiros. Em seguida, o art. 2º aplica ao instituto em apreço o conceito clássico atinente à paralisação temporária e pacífica do labor, com vistas à consecução de alguma finalidade em face dos empregadores.

Da leitura dos dispositivos em estudo, não subsistem dúvidas de que o conceito geral de greve, a compreender, nas palavras de Mario de La Cueva " la suspensión concertada del trabajo, llevada a cabo para imponer y hacer cumplir condiciones de trabajo, que respondan a la idea de justicia social" [20] alcança os movimentos paredistas titularizados pelos servidores públicos.

Ora, ao cessarem a prestação de seu labor mediante a deflagração de movimentos organizados, os servidores públicos não perseguem, em regra, outro fim senão a melhoria de suas condições de trabalho. A diferença entre os funcionários estatais e os trabalhadores privados, nesse tocante, cinge-se exclusivamente ao ente tomador dos serviços.

Não por outra razão, Ronald Amorim e Souza acentua que "a noção de Poder Público, de serviço público, concerne ao Direito Administrativo, mas a presença do trabalhador aqui qualificado como servidor ou funcionário, em nada difere daquela do empregado na iniciativa privada: efetividade de um labor." [21]

Havendo, portanto, identidade entre os conceitos e as finalidades concernentes às greves deflagradas por trabalhadores privados e por servidores públicos, tem-se que as definições inseridas nos artigos 1º e 2º da Lei nº 7.783/89 aplicam-se plenamente aos movimentos titularizados por estes últimos.

Art. 3º Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho.

Parágrafo único. A entidade patronal correspondente ou os empregadores diretamente interessados serão notificados, com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas, da paralisação.

No art. 3ºda Lei no 7.783/89 exige-se como instância prévia à deflagração da greve no âmbito privado, a realização de negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores ou o recurso ao arbitramento das condições laborais por um terceiro desinteressado. Somente após frustrados tais intentos, poderão os movimentos paredistas ser implementados.

Cumpre-nos indagar, portanto, se a tentativa prévia de negociação coletiva ou de arbitramento das condições laborais configuram condições imprescindíveis para a deflagração de movimentos grevistas por parte dos servidores públicos, tal como ocorre com os trabalhadores do setor privado.

Antes disto, todavia, importa recordar que o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 492/DF, em meados de 1993, posicionou-se pela impossibilidade quanto à realização de negociação coletiva no serviço público, sob o entendimento de que esta última afigurar-se-ia incompatível com o regime estatutário consagrado nos artigos 37 e 39 da Constituição Federal, a compreender a fixação unilateral, por parte do Estado, das condições de trabalho. Prevaleceu, nesse tocante, o entendimento consagrado no voto proferido à ocasião pelo Ministro Carlos Velloso:

"A negociação coletiva tem por escopo, basicamente, a alteração da remuneração. Ora, a remuneração dos servidores públicos decorre de lei e a sua revisão geral, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data. (...) Toda a sistemática de vencimentos e vantagens dos servidores públicos assenta-se na lei, estabelecendo a Constituição Federal isonomia salarial entre os servidores dos três poderes (...), a proibição de vinculação e equiparação de vencimentos e que a lei assegurará, aos servidores da administração direta, isonomia de vencimentos para cargos de atribuções iguais ou assemelhadas.

Quer dizer, a sistemática dos servidores públicos, regime jurídico, vencimentos e remuneração, assentam-se na lei, mesmo porque legalidade constitui princípio a que a Administração Pública deve obediência rigorosa.

(...)

Não sendo Possível, portanto, à Administração Pública transigir no que diz respeito à matéria reservada à lei, segue-se a impossibilidade de a lei assegurar ao servidor público o direito à negociação coletiva, que compreende acordo entre sindicatos e empregadores e de empregados, ou entre sindicatos de empregados e empresas e, malogrado o acordo, o direito de ajuizar o dissídio coletivo."

De fato, não pode a Administração Pública transigir a respeito das matérias já previstas em lei. Nesse sentido, se a Constituição Federal estabelece que cabe ao legislador ordinário definir as condições de trabalho dos servidores públicos, não se faculta à Administração Pública e as entidades de servidores estabelecerem acordos em sentido contrario às determinações legais.

No entanto, isto não quer dizer que as entidades representativas dos servidores públicos e a Administração encontram-se impossibilitadas de transigir a respeito das matérias que constarão dos projetos de lei a serem submetidos à análise do Poder Legislativo. Nisso consiste, exatamente, a negociação coletiva no setor estatal!

Em outras palavras, no âmbito do serviço público, a negociação coletiva não tem o condão de revogar as disposições legais. Todavia, seria materialmente possível assegurar aos servidores e a Administração Pública o direito à transação prévia a respeito do conteúdo dos projetos de lei a serem enviados ao Congresso Nacional com vistas à determinação das condições de trabalho na esfera do funcionalismo, em estrita obediência aos dispositivos constitucionais a versarem sobre o processo legislativo e à elaboração orçamentária.

A propósito, o Ministro Marco Aurélio, no julgamento da ADI nº 492/DF, chegou a admitir, em voto divergente, que "ainda que se diga que nem mesmo no campo coletivo (...) o Estado não pode transigir objetivando modificar as condições reinantes, tornando-se titular de direitos e obrigações, isto em face às peias do art. 169, impossível é deixar de admitir que a negociação coletiva pode visar ao afastamento do impasse, do conflito seguido de greve, mediante a iniciativa, exclusiva do Executivo, de encaminhar projeto objetivando a transformação em lei do que acordado na mesa de negociações."

Nesse mesmo sentido, Pedro Gomez Caballero, ao comentar a Lei n. 9/1987, da Espanha (Lei de Órgãos de Representação), assinala que "el ordenamiento jurídico reconoce facultades para negociar a órganos de las Administraciones Públicas, que pueden hacerlo dentro del ambito de sus competencias". E complementa o referido autor ibérico salientando que "por ello, el juego del principio de reserva de ley hay que contemplarlo desde una doble vertiente: de un lado, la (...) de que solo por ley se pueden regular las matérias a ella reservadas; y de otro, que en las matérias afectadas por la reserva de ley, la negociación solo vincula, a quien adquiere compromisos acerca de las matérias reservadas, a la presentación de un proyecto de ley." [22]

Uma vez constatada a possibilidade material quanto à negociação coletiva no serviço público, ao contrario do entendimento consagrado na ADI nº 492/DF, cumpre perquirir se o ordenamento jurídico brasileiro consagra o referido instrumento, a fim de vislumbrar, ao cabo, a aplicabilidade ou não do art. 3º da Lei no 7.783/89 ao funcionalismo estatal.

Pois bem, a análise do arcabouço legislativo pátrio denota a inexistência de dispositivos de lei em sentido estrito a preverem expressamente a negociação coletiva no âmbito do setor público. [23] Recorde-se, a propósito, que a redação original do art. 240, "d", da Lei nº 8.112/90 assegurava aos funcionários estatais tal mecanismo, tendo sido, contudo, declarada inconstitucional e, portanto, afastada do ordenamento jurídico quando do julgamento da ADI nº 492/DF pelo Supremo Tribunal Federal.

Desse modo, não havendo previsão legal em torno dos mecanismos e formas de negociação coletiva no setor público, não se pode estender aos servidores a exigência constante do art. 3º da Lei nº 7.783/89, por força do princípio da legalidade insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal. O mesmo pode-se dizer a respeito da arbitragem por terceiros desinteressados, cuja implementação igualmente não encontra autorização em lei.

Nunca é demais recordar, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, que "ao contrario dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize", pois "administrar é prover aos interesses públicos, assim caracterizados em lei, fazendo-o na conformidade dos meios e formas nela estabelecidos ou particularizados segundo suas disposições." [24]

Nesse diapasão, se a lei não autoriza expressamente a Administração Pública a realizar procedimentos de negociação coletiva ou de arbitragem com seus servidores, por força do princípio da legalidade, não podem estes últimos serem obrigados a implementar tais mecanismos anteriormente à deflagração de suas greves.

Nem se diga, outrossim, que a instituição da chamada "Mesa Nacional de Negociação Permanente" no âmbito do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão teria o condão de tornar aplicável o artigo da Lei no 7.783/89 ora em comento aos servidores federais.

Tal assertiva se constata na medida em que a sobredita instância foi instituída, originariamente, por ato regulamentar editado pelo Ministro do Planejamento Orçamento e Gestão, intitulado "Regulamento Institucional da Mesa Nacional de Negociação Permanente", sem que houvesse, para tanto, previsão ou autorização legal anterior e, portanto, em frontal violação às competências ministeriais insculpidas no art. 87, Parágrafo único, II, da Constituição Federal. [25]

Outrossim, ainda que se cogitasse na constitucionalidade da chamada "Mesa Nacional de Negociação Permanente" - o que se admite a titulo meramente argumentativo - o referido foro não se revestiria de instância obrigatória para a discussão de todos litígios coletivos titularizados pela Administração Pública Federal e seus funcionários.

Pelo contrário, o Regulamento Institucional da instância em referência deixa claro em sua cláusula segunda que a adesão à estrutura da Mesa e a submissão de suas demandas a esta última por parte das entidades sindicais representativas dos servidores públicos federais são facultativas:

"Cláusula Segunda. A Mesa Nacional de Negociação Permanente –

MNNP é constituída por duas bancadas, designadas Bancada

Governamental e Bancada Sindical.

Parágrafo Primeiro. Integram a Bancada Governamental no

órgão central da MNNP um representante de cada um dos

seguintes órgãos:

1) Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;

2) Casa Civil da Presidência da República;

3) Ministério da Fazenda;

4) Ministério da Previdência Social;

5) Ministério do Trabalho e Emprego;

6) Secretaria Geral da Presidência da República;

Parágrafo Segundo. A Bancada Sindical é constituída por um número máximo de 18 entidades de classe de âmbito nacional do funcionalismo público federal, indicadas por seus pares, na base de um representante e um observador para cada entidade, assegurada a participação das entidades já subscritoras do "Protocolo para instituição formal da MNNP", listadas a seguir:

1) ANDES/SN – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições

de Ensino Superior;

2) ASSIBGE – Sindicato Nacional dos Trabalhadores em

Fundações Públicas Federais de Geografia e Estatística;

3) CNTSS – Confederação Nacional dos Trabalhadores em

Seguridade Social;

4) CONDSEF – Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público

Federal;

5) CUT – Central Única dos Trabalhadores;

6) FASUBRA SINDICAL – Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras;

7) FENAFISP – Federação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social;

8) FENAJUFE – Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União;

9) FENASPS – Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social;

10)SINASEFE – Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica e Profissional;

11)SINDILEGIS – Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do TCU;

12)UNAFISCO SINDICAL – Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal.

Parágrafo Terceiro. Demais entidades sindicais, de âmbito nacional, do funcionalismo público federal que venham a subscrever o Protocolo poderão integrar a MNNP.

Parágrafo Quarto. A qualquer tempo, qualquer entidade de âmbito nacional do funcionalismo público federal poderá pleitear a subscrição ao Protocolo e a sua participação nas Mesas Setoriais ou Comissões Temáticas, competindo à MNNP decidir sobre o pleito.

Parágrafo Quinto. De comum acordo, as partes poderão permitir a participação de representantes de outros órgãos do governo federal e/ou de outras entidades sindicais como observadores.

Parágrafo Sexto. Decorrido o período de 6 (seis) meses da publicação do presente Regimento, os critérios de representação estabelecidos na presente cláusula serão avaliados e, se for o caso, revistos pela MNNP." (Destacou-se)

Portanto, acaso a chamada "Mesa Nacional de Negociação Permanente" fosse revestida de constitucionalidade, ainda assim a provocação do referido foro em momento anterior à deflagração da greve por parte das entidades representativas de servidores públicos não se revestiria de imprescindibilidade, pois não se-lhes poderia tornar obrigatório aquilo que o próprio Regimento Institucional reputa como facultativo.

Ainda num cenário de hipotética validade da "Mesa Nacional de Negociação Permanente", poder-se-ia cogitar da aludida obrigatoriedade apenas para as entidades que aderiram à referida instância e se comprometeram a cumprir o Regimento Institucional, como decorrência do princípio geral de boa-fé.

Em que pese tal possibilidade formulada no campo hipotético, a flagrante inconstitucionalidade subjacente à criação da "Mesa Nacional de Negociação Permanente" nos permite concluir que a existência desta última no plano material não tem o condão de tornar aplicável às greves deflagradas por servidores públicos federais a exigência constante do art. 3º da Lei nº 7.783/89.

Tem-se, portanto, que muito embora a negociação coletiva e a arbitragem protagonizadas pelos servidores públicos e pela Administração se afigurem materialmente possíveis, não há como submeter a deflagração de movimentos paredistas no âmbito do funcionalismo estatal à prévia passagem por aquelas instâncias, haja vista a ausência de dispositivos de lei em sentido estrito que as preveja. Do contrário, estar-se-ia a exigir dos grevistas algo que sequer existe.

No que tange, contudo, ao parágrafo único do art. 3º, da Lei nº 7.783/89, a exigência de comunicação prévia a respeito da deflagração da greve, com 48 (quarenta e oito) horas de antecedência, afigura-se, a nosso ver, plenamente aplicável.

Assim, uma vez aprovada na assembléia-geral do sindicato a deliberação em torno da deflagração de greve, a entidade terá o prazo de 48 (quarenta e oito) horas para notificar o respectivo ente da Administração Pública a respeito da paralisação iminente, salvo em se tratando de atividades essenciais, quando o lapso temporal ora mencionado será de 72 (setenta e duas) horas, conforme se verá mais adiante.

Art. 4º Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, assembléia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços.

§ 1º O estatuto da entidade sindical deverá prever as formalidades de convocação e o quorum para a deliberação, tanto da deflagração

quanto da cessação da greve.

§ 2º Na falta de entidade sindical, a assembléia geral dos trabalhadores interessados deliberará para os fins previstos no "caput", constituindo comissão de negociação.

Tal como as entidades representativas dos trabalhadores comuns, os sindicatos de servidores públicos constituem-se sob a forma de pessoas jurídicas de direito privado e, como tal, são titulares dos direitos à liberdade e à autonomia sindical, com a conseqüente faculdade de se organizarem internamente da maneira que melhor lhes convém para consecução de suas finalidades.

Não por outra razão, Robertônio Santos Pessoa assinala que "os sindicatos de servidores públicos civis, tanto os estatutários quanto os empregados públicos das agências econômicas, possuem autonomia para se organizarem ao seu alvedrio, de forma espontânea, fixando as regras internas, formais e de fundo, para regular a vida sindical, tendo em vista a defesa e promoção dos interesses coletivos da categoria que representam." [26]

Sendo assim, a aplicabilidade do dispositivo em comento às greves deflagradas por servidores públicos se constata sem maiores dificuldades. Assegurando o ordenamento constitucional o direito à sindicalização por parte da referida categoria e, por conseguinte, as garantias da liberdade e da autonomia sindical, tem-se que as respectivas entidades dispõem de amplo espaço para estabelecerem em seus estatutos as formas de convocação das instâncias deliberativas e o quórum de aprovação para o início e cessação do movimento paredista que melhor lhes convém.

Há de se ressaltar, contudo, que existem no âmbito da ampla categoria dos servidores públicos, entidades sindicais de primeiro grau organizadas em bases interestaduais e mesmo nacionais, cujas estruturas internas têm por instância deliberativa máxima Congressos ou Conselhos de Representantes, em lugar da assembléia-geral explicitada no caput do art. 4º da Lei nº 7.783/89.

Em tais casos, parece-nos recomendável que a interpretação do dispositivo em apreço possibilite a deliberação em torno do início e da cessação das greves por parte dos Congressos e Conselhos, desde que estes últimos se organizem democraticamente, ao invés de se exigir, de forma abstrata, geral e irrestrita, a convocação de assembléia-geral, independentemente da forma de organização da entidade. [27]

A solução ora aventada logra conciliar plenamente o espírito subjacente ao art. 4º, caput, da Lei nº 7.783/89 e o princípio da autonomia sindical, pois, ao mesmo tempo em que se aloca a deliberação em torno da deflagração e do término da greve para a instância máxima da entidade sindical, resguarda-se a esta última o direito de se organizar internamente da forma que melhor convém aos seus interesses.

Quanto à convocação da assembléia geral dos trabalhadores e da formação de comissão de negociação, no caso de inexistência de sindicato organizado, afigura-nos plenamente possível a aplicação do § 2º do artigo em comento, porquanto a o direito à greve é assegurado pelo art. 37, VII, da Constituição Federal aos servidores públicos, e não às entidades sindicais da referida categoria. [28]

Não há, portanto, obstáculos no ordenamento jurídico pátrio que impeçam a deflagração de greve pela assembléia-geral dos servidores destituídos de sindicato representativo, bem como a constituição da respectiva comissão de negociação, que servirá de interlocutor da categoria junto à Administração Pública.

Art. 5º A entidade sindical ou comissão especialmente eleita representará os interesses dos trabalhadores nas negociações ou na Justiça do Trabalho.

O art. 37, VI, da Constituição Federal assegurou expressamente o direito à sindicalização dos servidores públicos, a compreender a faculdade conferida aos referidos funcionários de se organizarem e constituírem entidades voltadas para a defesa de seus interesses corporativos.

Desse modo, a sindicalização dos servidores públicos compreende, por evidente, o direito de seus sindicatos os representarem em juízo ou fora dele nas demandas coletivas em que se discutem os interesses da categoria, cuja defesa, aliás, é o objetivo precípuo a que se dedicam as entidades.

Nesse tocante, o artigo em apreço afigura-se plenamente aplicável aos servidores públicos, pois o direito de substituição processual assegurado às entidades sindicais no art. 8º, III, da Constituição Federal [29] abarca os organismos criados para a defesa dos interesses da referida categoria.

Evidentemente, o órgão judicial competente para processar e julgar as demandas em apreço não será a Justiça do Trabalho, tal como estabelece a parte final do art. 5º da Lei nº 7.783/89, pois a referida instância não possui em seu cabedal de competências o julgamento de questões a envolverem os entes públicos, mesmo quando se trata de matérias atinentes ao pessoal destes últimos, tal como decidiu o Supremo Tribunal Federal na ADI nº 492/DF e, mais recentemente, na ADIMC nº 3.395/DF. [30]

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Havendo, portanto, demandas judiciais a versarem sobre a legalidade dos movimentos paredistas deflagrados por servidores públicos, as entidades sindicais da referida categoria a substituirão perante o Superior Tribunal de Justiça, a Justiça Federal ou a Justiça Estadual, conforme o caso. Mais adiante, nos comentários apostos ao art. 8º da Lei nº 7.783/89, ver-se-á como o Supremo Tribunal Federal se posicionou a respeito da matéria quando do julgamento dos Mandados de Injunção nº 670/ES, 708/PB e 712/DF.

No que concerne à atuação da comissão de negociação como representante dos servidores públicos não organizados em sindicato, cumpre ressaltar, mais uma vez, que a titularidade do direito de greve pertence aos integrantes da referida categoria e não à entidade. [31] Sendo assim, na ausência desta última, a coalizão instituída pelos funcionários estatais diretamente envolvidos poderá representar o grupo em juízo ou fora dele, tal como o faria o ente representativo, acaso existente.

Se assim não fosse, estar-se-ia mitigando consideravelmente o poder de ação dos servidores públicos não organizados em sindicato, que se veriam, portanto, impossibilitados de defenderem coletivamente em juízo o movimento deflagrado. Tal vicissitude acabaria por prejudicar a plena fruição do direito de greve assegurado expressamente no art. 37, VII, da Constituição Federal.

Tem-se, portanto, que o art. 5º da Lei nº 7.783/89 aplica-se aos movimentos paredistas deflagrados pelos servidores públicos, exceto quanto ao foro competente para o julgamento dos eventuais dissídios, que, nesse caso, será o Superior Tribunal de Justiça, a Justiça Federal ou a Justiça Estadual, a depender do território afetado pela greve.

Art. 6º São assegurados aos grevistas, dentre outros direitos:

I - o emprego de meios pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem à greve;

II - a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento.

§ 1º Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem.

§ 2º É vedado às empresas adotar meios para constranger o empregado ao comparecimento ao trabalho, bem como capazes de frustrar a divulgação do movimento.

§ 3º As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa.

As garantias enumeradas nos incisos I e II do artigo em análise constituem mecanismos essenciais para a realização de qualquer greve. Com efeito, sem a possibilidade de persuardir os colegas de trabalho, de angariar fundos para a sustentação da causa e de divulgá-la, inviabilizar-se-ia por completo as chances de sucesso do movimento.

Acaso se negasse os três direitos ora mencionados aos servidores públicos, estar-se-ia, em verdade, impossibilitando o pleno exercício da garantia insculpida no art. 37, VII, da Constituição Federal. Não restam dúvidas, portanto, que os incisos em apreço aplicam-se integralmente às greves deflagradas no âmbito do funcionalismo estatal.

O direito de greve e seus consectários ora analisados não são, contudo, absolutos. A aliciação dos colegas de trabalho, bem como a divulgação do movimento perante a categoria não pode malferir garantias basilares conferidas aos cidadãos pela Constituição Federal, tais como a integridade física, a liberdade de consciência, a propriedade privada, o direito de ir e vir, entre outros.

Assim, a concordância prática entre os sobreditos direitos fundamentais e o direito à greve – ambos de patamar constitucional – somente ocorrerá conquanto a divulgação do movimento e a persuasão dos demais integrantes da categoria sejam operados por meios pacíficos que logrem, ao mesmo tempo, chamar a atenção para a causa defendida e preservar os bens jurídicos titularizados pelos indivíduos potencialmente afetados. [32]

Por tais razões, aplicam-se plenamente às greves deflagradas pelos servidores públicos os direitos e as limitações elencados no art. 6º da Lei nº 7.783/89.

Art. 7º Observadas as condições previstas nesta Lei, a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.

Ao ser investido em cargo público, o servidor não discute com a Administração as condições em que será prestado o labor, não estabelecendo com aquela, portanto, contrato de trabalho. Ao se habilitar para o ingresso nas carreiras de Estado, o agente adere ao estatuto que rege o funcionalismo, submetendo-se integralmente às suas diretrizes. [33]

Sendo assim, as situações funcionais passíveis de serem experimentadas pelos servidores públicos são aquelas que constam expressamente da legislação que rege suas relações laborais com a Administração. Portanto, se um determinado instituto não integra o regime jurídico dos funcionários estatais, não há como aplicá-lo a estes últimos. [34]

É exatamente isto o que ocorre com a figura da "suspensão do contrato de trabalho " mencionada no art. 7º, caput, da Lei nº 7.783/89. O conjunto das normas que regem os servidores públicos não prevê a extensão de tal instituto para a referida categoria e nem tampouco estabelece figura análoga hábil a possibilitar a "suspensão" do vínculo estatutário, não havendo, portanto, como aplicar o dispositivo em referência aos movimentos paredistas deflagrados com arrimo no art. 7º, VII, da Constituição Federal.

Nesse mesmo sentido, Juan José Diéz Sanches, ao estudar a questão formulada já há algum tempo no âmbito do direito espanhol, concluiu que "si no existe cobertura o soporte legal alguno que permita a la Administración formalizar la suspensión de la relación, por cuanto esta potestad no se encaja en ninguna de las situaciones legales previstas, esta consecuencia del ejercício del derecho de huelga no és de aplicación en este caso." [35]

Quanto à regulamentação das relações obrigacionais por intermédio de convenção, acordo, laudo arbitral ou decisão judicial durante a vigência do movimento, importa reiterar que o ordenamento jurídico pátrio desconhece as figuras da negociação coletiva e da arbitragem a serem entabuladas entre os servidores públicos e a Administração com vistas ao estabelecimento de condições de trabalho, conforme exaustivamente visto nos comentários ao art. 3º da Lei nº 7.783/89. Por tal razão, o dispositivo em comento afigura-se inaplicável às greves deflagradas pelos funcionários estatais também nesse tocante.

Tal como a figura da "suspensão" do vínculo estatutário, o regime jurídico dos servidores públicos não prevê os descontos remuneratórios referentes aos dias não trabalhados como conseqüência automática e imediata da deflagração do movimento grevista.

Os descontos em apreço configuram decorrência natural da suspensão dos contratos laborais firmados entre os trabalhadores privados e seus respectivos empregadores, [36] de modo que todo arcabouço deontológico a servir-lhes de suporte tem por fundamento as teorias desenvolvidas no campo do direito individual do trabalho. Não havendo, portanto, no regime jurídico dos funcionários estatais a referida figura, descabe falar em sua aplicação no âmbito do funcionalismo estatal.

Nesse particular, cumpre fazer menção à interessante decisão proferida pelo Tribunal Constitucional da Espanha em sua Sentença nº 90/1984, anteriormente à edição da lei permissiva dos descontos remuneratórios em decorrência da participação do servidor em movimentos paredistas (Lei nº 30/1984) [37].

No referido julgado, a Corte máxima daquele país ibérico reconheceu que o direito de greve, assegurado de maneira genérica pelo art. 28.2 da Constituição de 1978 [38], não tinha como consectário lógico o direito subjetivo da Administração Pública de proceder ao desconto dos dias parados em caso de greves protagonizadas por seus servidores. O Tribunal asseverou, outrossim, que o princípio da isonomia, de hierarquia igualmente constitucional, não conferia respaldo à tese de que trabalhadores do setor privado e os funcionários do Estado envolvidos em movimentos paredistas deveriam ter o mesmo tratamento no tocante à retenção dos salários:

"Aunque la huelga pueda conllevar la pérdida de la retribución correspondiente al período de su duración, ello no supone que exista un derecho constitucional del sujeto pasivo a deducir o impagar tal retribución, haciendo descender a ese aspecto el art, 28.2 de la Constitución, ya que, en uno u otro caso -con deducción o sin ella-, lo verdaderamente trascendente es la garantía del ejercicio del derecho, y éste queda siempre asegurado.

El ente local es algo bien distinto a aquellos otros elementos subjetivos que se ponen en parangón para colegir que se ha dispensado un tratamiento diverso a algo que es similar o equivalente, esto es, trabajadores y funcionarios, de lo que se infiere que carece de la necesaria titularidad permisiva de una eficaz invocación del derecho a la igualdad, de cuyo contenido esencial no puede -a lo menos en el estado actual de toda la normativa rectora en la materia construirse un derecho constitucional del Ayuntamiento a tratar a sus funcionarios en forma igual a como los empresarios tratan a sus trabajadores." [39]

A nosso ver, a situação dos descontos remuneratórios no Brasil se assemelha ao cenário vigente na Espanha anteriormente à edição da retromencionada Lei nº 30/1984. Ou seja, a Constituição Federal de 1988 assegura o direito à greve por parte dos servidores públicos sem que o ordenamento jurídico estabeleça qualquer vinculação entre o exercício do direito em referência e a glosa dos salários correspondentes ao período de duração do movimento.

Poder-se-ia, contudo, rebater a conclusão ora engendrada mediante a assertiva de que os artigos 44 e 117, I, da Lei nº 8.112, de 11.12.1990 [40], referentes às faltas funcionais, aplicar-se-ia aos servidores envolvidos em movimentos grevistas, enquanto não promulgada lei a versar sobre a matéria, tal como pretendeu o Decreto nº 1.480, de 3.5.1995 no âmbito federal.

Contudo, a solução simplória encontrada pelo sobredito decreto ignora o fato incontestável de que as ausências ao serviço decorrentes da participação do funcionário público em greves têm natureza totalmente distinta das faltas funcionais. Com efeito, enquanto aquelas têm por causa a adesão do agente a um movimento reivindicatório de caráter coletivo, cujo exercício é assegurado expressamente pela Constituição Federal, estas últimas se materializam, em geral, quando o servidor deixa de cumprir sua jornada regular para atender a interesses particulares não respaldados no respectivo estatuto.

Em síntese, a única semelhança entre os institutos da "falta funcional" e da "greve" reside no efeito material comum a ambos: a ausência ao serviço. As causas subjacentes às duas figuras, contudo, são completamente distintas, não havendo, portanto, como equipará-las para efeito de perda da remuneração, aplicando-se aos servidores em greve o disposto no art. 44 da Lei nº 8.112/90, com arrimo em uma pretensa "interpretação analógica".

Neste ponto, calha a lição de Carlos Maximiliano, a preconizar que "funda-se a analogia (...) no princípio de verdadeira justiça, de igualdade jurídica, o qual exige que as espécies semelhantes sejam reguladas por normas semelhantes". Ainda segundo o referido autor, tal identidade consiste "no fato de se encontrar, num e noutro caso, o mesmo princípio básico e de ser uma só a idéia geradora, tanto da regra existente como da que se busca." [41]

Tem-se, portanto, que o art. 7º, caput, da Lei nº 7.783/89 não se afigura aplicável às greves deflagradas pelos servidores públicos, seja porque a figura da "suspensão do contrato de trabalho" e seus consectários, tais como o corte do ponto e a retenção da remuneração, não encontram guarida no regime estatutário, ou porque a negociação coletiva e o arbitramento com vistas à regulação das obrigações laborais pertinentes ao período de duração do movimento igualmente não possuem previsão legal.

Parágrafo único. É vedada a rescisão de contrato de trabalho durante a greve, bem como a contratação de trabalhadores substitutos, exceto na ocorrência das hipóteses previstas nos arts. 9º e 14.

Conforme visto alhures, os servidores públicos não se vinculam à Administração por intermédio de contrato de trabalho, mas sim pela adesão ao estatuto regente do funcionalismo. Justamente por isso, a "rescisão" mencionada no parágrafo único do art. 7º da Lei nº 7.783/89, cuja definição tem pertinência com o direito individual do trabalho, não serve para expressar a ruptura do liame jurídico existente entre o Estado e seus funcionários.

A desvinculação do servidor público com a Administração durante o exercício do cargo tem por denominação o termo "demissão", que, no caso do funcionalismo estatal, configura pena pela prática das irregularidades previstas no estatuto da categoria - mais especificamente, nos art. 132 da Lei n. 8.112/90 -, cuja aplicação não prescinde da observância aos procedimentos traçados no referido diploma legal.

Tal circunstância, contudo, não afasta a possibilidade de que se materializem, no âmbito do serviço público, demissões tendo por causa a participação de servidores em movimentos grevistas. Nesse sentido, poder-se-ia imaginar, sem maiores dificuldades de abstração, hipóteses em que se imputem aos funcionários a prática de determinadas infrações, em sede de processo administrativo disciplinar, com vistas a mascarar eventuais represálias. [42]

É justamente com vistas a resguardar o pleno exercício do direito constitucional à greve, que o dispositivo ora apreciado tem aplicação no âmbito do funcionalismo estatal, combatendo-se, nesse particular, as demissões motivadas pela participação dos servidores públicos em movimentos paredistas, que configuram, ao fim e ao cabo, atos anti-sindicais. [43]

Verificando-se, portanto, nos casos concretos, que as eventuais demissões aplicadas pelas autoridades administrativas, ainda que formalmente válidas em face dos procedimentos legais pertinentes, tiveram por real motivo a participação dos servidores em greve, deve-se afastar as respectivas penalidades do mundo jurídico, seja porque a aplicação destas últimas terá por efeito o tolhimento em absoluto do direito assegurado expressamente no art. 37, VII, da Constituição Federal, ou porque a deflagração e a adesão a movimento paredista não configura tipo disciplinar punível nos termos da Lei nº 8.112/90. [44]

No que concerne às possibilidades legais de contratação temporária de trabalhadores para assegurar a prestação de serviços públicos, tratar-se-á da questão nos comentários apostos ao art. 9º da Lei nº 7.783/89.

"Art. 8º. A Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, decidirá sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações, cumprindo ao Tribunal publicar, de imediato, o competente acórdão."

O dispositivo em apreço trata do julgamento das demandas coletivas subjacentes à deflagração da greve que, nos movimentos protagonizados por trabalhadores privados, podem ter por objeto a própria fixação das condições de trabalho (dissídios de natureza econômica), a interpretação de dispositivos legais/cláusulas convencionais ou a indeclaração de abusividade/ilegalidade da parede (dissídios de natureza jurídica).

Viu-se ao longo dos comentários apostos nos artigos anteriores, que as condições de trabalho dos servidores públicos são fixadas, exclusivamente, por lei aprovada pelo Poder Legislativo, cuja proposição cabe à autoridade máxima do Poder Executivo federal, estadual ou municipal, conforme o caso. Justamente por tal razão, não há como submeter ao Poder Judiciário dissídio coletivo de natureza econômica com vistas ao estabelecimento de cláusulas voltadas para a regência das relações entre Administração e funcionários, tal como ocorre com os trabalhadores privados. [45]

Em outras palavras, se as relações entre a Administração Pública e seus servidores têm por parâmetro legal exclusivo o estatuto do funcionalismo, não há como impor àquela a observância de alterações nas condições de trabalho fixadas em sentença normativa, cuja lavratura é absolutamente estranha ao processo legislativo imposto pelo art. 61, § 1º, "c" c/c os artigos 64 a 66 da Constituição Federal para tal fim.

Em que pese, contudo, tal impossibilidade, há uma espécie de dissídio coletivo cujo conhecimento por parte do Poder Judiciário afigura-se viável, por não versar sobre a fixação de condições sociais e econômicas de trabalho. Trata-se dos dissídios de natureza jurídica, ou seja, aqueles ajuizados com vistas à interpretação de determinados dispositivos legais ou com vistas à declaração de abusividade ou ilegalidade da greve. [46]

Nestas hipóteses, o acórdão a ser lavrado pelo Poder Judiciário não tem natureza constitutiva, tal como ocorre nos dissídios de natureza econômica, senão meramente declaratória, limitando-se a fixar qual a interpretação correta a ser dada a determinado(s) dispositivo(s) das leis que regem o funcionalismo público ou a se manifestar a respeito da ilegalidade/abusividade da greve deflagrada por uma determinada parcela da categoria.

Uma vez verificada a possibilidade quanto ao ajuízamento de dissídios de natureza jurídica no curso de movimentos reivindicatórios protagonizados por servidores públicos, indaga-se: quais seriam os órgãos judiciais competentes para o processamento e o julgamento de tais demandas?

Viu-se no curso dos comentários apostos ao art. 5º da Lei nº 7.783/89 que a Justiça do Trabalho não detém competência para conhecer das causas protagonizadas pela Administração Pública e por seus servidores e que tal entendimento foi expressamente acolhido pelo Supremo Tribunal Federal em duas ocasiões distintas, quando do julgamento da ADI nº 492/DF e, mais recentemente, da ADIMC nº 3.395/DF.

A resposta à sobredita indagação, portanto, aponta para a seguinte conclusão: os dissídios de natureza jurídica ajuizados pelos sindicatos de servidores públicos, pela Administração Pública ou pelo Ministério Público Federal no curso da greve serão processados e julgados pela Justiça Comum.

Resta, contudo, em aberto a questão a respeito de quais órgãos do Poder Judiciário deterão a competência interna para conhecer dos dissídios de natureza jurídica ajuizados ao longo das greves de servidores públicos. Sobre tal problemática, o Ministro Gilmar Mendes manifestou-se expressamente na conclusão de seus votos proferidos quando do julgamento dos Mandados de Injunção nº 670/ES, 708/PB e 712/DF, sendo acompanhado pela maioria dos integrantes do Pretório Excelso nesse tocante.

Com efeito, ao abordar a problemática em apreço, o Ministro Gilmar Mendes vislumbrou a possibilidade de aplicação subsidiária da Lei nº 7.701, de 21.12.1988, a dispor sobre a "especialização de Turmas dos Tribunais do Trabalho em processos coletivos." Desse modo, reconheu-se ao Superior Tribunal de Justiça, aos Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais de Justiça dos Estados (órgãos de segunda instância) a "competência implícita complementar" para processar e julgar os sobreditos dissídios coletivos de greve. Transcreve-se, por oportuno, os trechos pertinentes do voto em comento:

"Sob pena de injustificada e inadmissível negativa de prestação jurisdicional nos âmbitos federal, estadual e municipal, é necessário que, na decisão deste MI, fixemos os parâmetros institucionais e constitucionais de definição da competência, provisória e ampliativa, para a apreciação de dissídios de greve entre o Poder Público e os servidores com vínculo estatutário.

(...)

A esse respeito, no plano procedimental, vislumbro a possibilidade de aplicação da Lei nº 7.701/1988 (que cuida da especialização das turmas dos Tribunais do Trabalho em processos coletivos), no que tange à competência para apreciar e julgar eventuais conflitos judiciais referentes à greve de servidores públicos que sejam suscitados até o momento de colmatação legislativa da lacuna ora declarada.

Ao desenvolver mecanismos para a apreciação dessa proposta constitucional para a omissão legislativa, creio não ser possível argumentar pela impossibilidade de se proceder a uma interpretação ampliativa do texto constitucional nesta seara, pois é certo que, antes de se cogitar de uma interpretação restritiva ou ampliativa da Constituição, é dever do intérprete verificar se, mediante fórmulas pretensamente alternativas, não se está a violar a própria decisão fundamental do constituinte. No caso em questão, estou convencido de que não se está a afrontar qualquer opção constituinte, mas, muito pelo contrário, se está a engendrar esforços em busca de uma maior efetividade da Constituição como um todo.

(...)

Vê-se, pois, que o sistema constitucional não repudia a idéia de competências implícitas complementares, desde que necessárias para colmatar lacunas constitucionais evidentes. Por isso, considero viável a possibilidade de aplicação das regras de competência insculpidas na Lei nº 7.701/88 para garantir efetividade a uma prestação jurisdicional efetiva na área de conflitos paredistas instaurados entre o Poder Público e os servidores públicos estatutários (CF, art. 5º, XXXV e 93, IX).

Nesse contexto, é imprescindível que este Plenário densifique as situações provisórias de competência constitucional para a apreciação desses dissídios no contexto nacional, regional, estadual e municipal.

Assim, nas condições acima especificadas, se a paralisação for de âmbito nacional, ou abranger mais de uma Região da Justiça Federal, ou ainda, abranger mais de uma unidade da federação, entendo que a competência para o dissídio de greve será do Superior Tribunal de Justiça (por aplicação analógica do art. 2º, I, ´a´, da Lei nº 7.701/1988).

Ainda no âmbito federal, se a controvérsia estiver adstrita a uma única Região da Justiça Federal, a competência será dos Tribunais Regionais Federais (aplicação analógica do art. 6º, da Lei nº 7.701/1988).

Para o caso da jurisdição no contexto estadual ou municipal, se a controvpersia estiver adstrita a uma Unidade da Federação, a competência será do respectivo Tribunal de Justiça (também, por aplicação analógica, do art. 6º, da Lei nº 7.701/1988)." [47]

No entanto, a aplicação subsidiária dos artigos 2º, I, "a" e 6º da Lei nº 7.701/88 aos dissídios coletivos de natureza jurídica ajuizados no curso de greves de servidores públicos suscita indagações acerca de sua aplicabilidade imediata, mormente porque os dispositivos ora mencioonados pressupõem, em suas respectivas redações, a existência de órgãos especializados nos Tribunais para a apreciação daquelas demandas, senão veja-se:

"Art. 2º – Compete à seção especializada em dissídios coletivos, ou seção normativa:    

I – originariamente:

a) conciliar e julgar os dissídios coletivos que excedam a jurisdição dos Tribunais Regionais do Trabalho e estender ou rever suas próprias sentenças normativas, nos casos previstos em lei."

(...)

"Art. 6º – Os Tribunais Regionais do Trabalho que funcionarem divididos em Grupos de Turmas promoverão a especialização de um deles com a competência exclusiva para a conciliação e julgamento de dissídios coletivos, na forma prevista no ´caput´do Art. 1º desta Lei."

Pelo menos até o presente momento, nem o Superior Tribunal de Justiça, nem os Tribunais Regionais Federais e tampouco os Tribunais de Justiça dos Estados promoveram alterações em seus respectivos regimentos internos com vistas à criação ou à definição das Seções ou Grupos de Turmas competentes para o processamento dos dissídios de natureza jurídica decorrentes de greves deflagradas por servidores públicos.

Sem tal definição, a depender dos sobreditos Regimentos Internos, não há como proceder à aplicação subsidiária da Lei nº 7.701/88, na forma estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento dos Mandados de Injunção nº 670/ES, 708/PB e 712/DF. Nesse particular, o comando das referidas decisões equivale, em termos práticos, às chamadas "disposições constitucionais de eficácia limitada", pois sua aplicabilidade dependerá de atos ulteriores emanados dos Tribunais a definirem ou criarem os órgãos fracionários competentes para o julgamento daqueles dissídios. [48]

Enquanto o Superior Tribunal de Justiça, os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça dos Estados não procederem às alterações regimentais exigidas para a aplicação plena das decisões proferidas nos Mandados de Injunção nº 670/ES, 708/PB e 712/DF, caberá às Varas Federais e às Varas Estaduais de Fazenda Pública, conforme o caso, conhecerem das ações declaratórias voltadas para a abusividade/ilegalidade das greves de servidores públicos ou para a interpretação de dispositivo da legislação regente do funcionalismo estatal.

Do exposto nas presentes linhas, observa-se que a aplicação do art. 8º da Lei nº 7.783/89 às greves deflagradas por servidores públicos afigura-se parcial, haja vista a impossibilidade de ajuizamento de dissídios coletivos de natureza econômica em se tratando de funcionários estatutários, bem como condicionada a determinadas providências regulamentares incumbidas ao Superior Tribunal de Justiça, aos Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais de Justiça Estaduais.

"Art. 9º Durante a greve, o sindicato ou a comissão de negociação, mediante acordo com a entidade patronal ou diretamente com o empregador, manterá em atividade equipes de empregados com o propósito de assegurar os serviços cuja paralisação resultem em prejuízo irreparável, pela deterioração irreversível de bens, máquinas e equipamentos, bem como a manutenção daqueles essenciais à retomada das atividades da empresa quando da cessação do movimento."

Anteriormente à análise em torno da aplicabilidade ou não do dispositivo em apreço, cumpre ressaltar que o "acordo" mencionado em sua redação não se confunde com os acordos (ou convenções) resultantes de negociação coletiva. Com efeito, aquele tem por objeto a manutenção dos serviços cuja prestação constante afigura-se essencial para a integridade dos bens de produção da empresa, bem como de suas atividades, enquanto estes últimos versam sobre as condições de trabalho que as partes deverão observar em um período de tempo determinado.

Conforme viu-se exaustivamente ao longo dos comentários anteriores, não há espaço para a negociação coletiva no serviço público, pelo menos até o presente momento, haja vista a inexistência de dispositovos legais que estabeleçam a forma, os procedimentos e o conteúdo te tal instituto.

Já o "acordo" mencionado no art. 6º, caput, da Lei nº 7.789/89, por ter seu objeto e suas hipóteses de estabelecimento definidas no próprio corpo do dispositivo em apreço e, principalmente, por não se confundir com as avenças coletivas decorrentes da negociação coletiva, pode ser firmado entre a Administração Pública e os sindicatos representativos dos servidores enquanto não dissolvido o movimento paredista.

Resta saber, contudo, quais serão os serviços públicos cuja paralisação terá o condão de prejudicar as estruturas físicas imprescindíveis para sua regular prestação e colocará em risco a retomada ulterior de seu oferecimento à coletividade. Ressalte-se, desde já, que apenas em tais situações o art. 9º da Lei nº 7.783/89 permite o estabelecimento do aludido "acordo", não podendo ele ser travado indiscriminadamente nas hipóteses em que as autoridades evoquem vagas e imprecisas ameaças de "dano ao interesse público" ou mesmo "à continuidade na prestação do serviço".

Tal assertiva se justifica na medida em que os dispositivos limitadores do exercício do direito à greve, especialmente aqueles voltados para a manutenção de serviços mínimos, devem ser interpretados restritivamente, no fito de evitar-se a ampliação desmesurada de tais restrições e, por conseguinte, o comprometimento daquela garantia tão cara aos trabalhadores, conforme estabelece o Verbete nº 611 do Comitê de Liberdade Sindical da OIT:

"611. El Comité há insistido en la importancia de que las disposiciones relativas a los servicios mínimos a aplicar en caso de huelga em un servicio esencial se determinen em forma clara, se apliquen estrictamente y sean conocidas a su debido tiempo por los interesados" [49]

Ainda assim, a definição das hipóteses em que o acordo previsto no artigo ora estudado terá ou não aplicação dependerá da análise dos casos concretos, não se podendo afirmar, em abstrato, quais os serviços públicos que necessitam de um contingente mínimo de funcionários para assegurar os elementos materiais necessários à sua prestação, bem como o seu regular oferecimento ao cabo da greve.

Feitas tais ressalvas, conclui-se que o art. 9º, caput, da Lei nº 7.883/89 aplica-se às greves deflagradas por servidores públicos, observando-se, nesse sentido, as estritas condições necessárias para a formulação do acordo ali previsto, sob pena de se entabularem restrições indevidas ao exercício do direito à greve.

"Parágrafo único. Não havendo acordo, é assegurado ao empregador, enquanto perdurar a greve, o direito de contratar diretamente os serviços necessários a que se refere este artigo."

As hipóteses mencionadas no caput do artigo em referência remetem a situações em que a continuidade quanto ao oferecimento do serviço público encontra-se em risco. Com efeito, comprometidos os meios materiais de prestação de tais atividades e impossibilitada sua retomada em razão da greve, os prejuízos à coletividade serão irreversíveis.

Recorde-se, por oportuno, que o direito à greve não se reveste de caráter absoluto. Em situações como aquelas elencadas no caput do art. 9o da Lei no 7.783/89, não só o princípio da continuidade na prestação dos serviços públicos será comprometida, como também haverá prejuízos a direitos fundamentais assegurados aos cidadãos pela Constituição Federal. [50]

A titulo exemplificativo, poder-se-ia imaginar a paralisação de servidores responsáveis pela reposição dos estoques e da conservação de medicamentos e sangue nos postos de saúde e hospitais da rede pública. A depender da duração do movimento, operar-se-á o perecimento dos referidos gêneros, de modo a causar prejuízos severíssimos à população e a causar danos evidentes às garantias da integridade física e da própria vida.

Em tais condições, a concordância prática entre os dispositivos constitucionais assecuratórios das garantias de greve dos servidores públicos e dos bens jurídicos titularizados pela população impõe como solução o reconhecimento do direito à paralisação concertada dos funcionários responsáveis por aqueles serviços e, paralelamente a isto, a existência de pessoal apto a zelar pela manutenção dos meios materiais necessários ao atendimento da coletividade. [51]

Justamente por tal razão, a interpretação ora formulada, escoimada no princípio hermenêutico da concordância prática, impõe a aplicação do dispositivo em comento em se constatando as situações elencadas no caput do art. 9° da Lei n° 7.783/89.

Contudo, em se materializando tais hipóteses, a Administração Pública, ao proceder à arregimentação de mão-de-obra substituta, deverá observar as diretrizes constantes das leis editadas nas esferas federal, estadual e municipal a versarem sobre a contratação de trabalhadores temporários. No caso dos entes vinculados à União, tal diploma consiste na Lei no 8.745, de 9.12.1993.

"Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:

I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II - assistência médica e hospitalar;

III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV - funerários;

V - transporte coletivo;

VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII - telecomunicações;

VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X - controle de tráfego aéreo;

XI compensação bancária."

"Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população."

"Art. 12. No caso de inobservância do disposto no artigo anterior, o Poder Público assegurará a prestação dos serviços indispensáveis."

A listagem estabelecida no artigo 10, da Lei nº 7.783/89, muito embora contenha alguns serviços públicos ora prestados por concessionários (tratamento/distribuição de água, energia elétrica e gás, transporte coletivo rodoviário/ferroviário, coleta de esgoto e lixo, telecomunicações), ora diretamente pelo Poder Público (controle de tráfego aéreo), foi elaborada com vistas à regulamentação da greve no setor privado, mesmo porque este é o escopo da Lei nº 7.783/89. [52]

Dentre os serviços públicos típicos de carreiras de Estado prestados por funcionários estatutários existem atividades cuja paralisação total compromete significativamente a coletividade em níveis iguais ou maiores do que a cessação das atividades arroladas nos dispositivos em apreço, e cuja menção em uma lei voltada para a regulamentação da greve no setor privado afigurava-se inoportuna.

Justamente por tal razão, a aplicação dos dispositivos em apreço às greves deflagradas pelos sobreditos servidores deve ser condicionada ao esclarecimento de dois pontos importantes: 1) quais os serviços prestados diretamente pelo Poder Público, mediante o emprego de funcionários estatutários, que se revestem de essencialidade e 2) quais os critérios a serem utilizados para se classificar uma determinada atividade como tal.

Já de antemão é imprescindível deixar assente que nem todo serviço público afigura-se essencial a ponto de impor a manutenção de um contingente mínimo de servidores nos respectivos órgãos. As duas noções (serviço público e serviço essencial) não se confundem, de modo que apenas nesse último caso as restrições ao direito de greve ora mencionadas terão lugar, conforme bem assinalam Juan José Díez Sanchez e Salvador Del Rey Guanter:

"La continuidad y La regularidad es el elemento o nota conceptual de esa categoria jurídica (servicio público), que ha permanecido siempre y la ha caracterizado, ya implícita, ya explícitamente, provocando históricamente el rechazo de La huelga de los funcionarios públicos.

Sin embargo, no es esa exatamente la categoria jurídica que constitucionalmente limita el derecho a la huelga, sino la de servicio esencial. Obviamente, ambas expresiones no son sinonimas ni equivalentes.

(...)

Cremos posible, pues, mantener que los servicios públicos no son per se esenciales. Y que, en consecuencia, solo aquellos servicios públicos que posean esa característica han de ser garantizados en base a la limitación constitucional." [53]

(...)

"Se ha considerado que un importante numero de funcionarios públicos realiza un trabajo que afecta de una forma más o menos acentuada al interes de un mayor número de miembros de la comunidad, todo ello en relación a los trabajadores del sectos laboral. Por supuesto, es totalmente correcto que (...) seria ilógico calificar a todos los trabajos desarrollados por los funcionarios públicos como esenciales, y que, de igual forma, hay que estimar que existen grupos de trabajadores en el sector laboral que ejercen trabajos mucho más esenciales que aquellos desarrollados por muchos funcionarios públicos. De esta forma, no sería acertado defender que la transcendencia del servicio prestado por los funcionarios públicos es argumento suficiente para la supresión total de su derecho a la huelga" [54]

Acaso a aplicação dos dispositivos em comento partisse da premissa de que todo serviço público é essencial, estar-se-ia restringindo demasiadamente o exercício do direito à greve assegurado aos servidores públicos pelo art. 37, VII, da Constituição Federal, em franca afronta ao princípio da proporcionalidade, a exigir que as limitações legais em abstrato aos direitos fundamentais sejam adequadas, necessárias e não impliquem no sacrifício desmesurado de um bem jurídico em nome de outro(s). [55]

Nesse sentido, a limitação indiscriminada do direito à greve por parte dos servidores públicos não só seria inadequada à finalidade vislumbrada pela imposição de serviços mínimos (assegurar a prestação das atividades realmente essenciais para a comunidade), como também desnecessária – já que atividades não essenciais acabariam sendo restringidas – e desproporcional, pois a garantia insculpida no art. 37, VII, da Constituição Federal estaria sendo esvaziada para além do razoável em nome da pretensa tutela de direitos fundamentais dos cidadãos.

A fim de evitar tal resultado, faz-se necessário estabelecer critérios em abstrato com vistas à classificação dos serviços públicos essenciais. Já se adianta, contudo, que a conceituação a ser obtida, embora auxilie na visualização daquelas funções imprescindíveis para a coletividade, não resolverá em definitivo a questão, pois apenas da análise concreta das situações poder-se-á antever a essencialidade ou não de uma determinada atividade. [56]

Pois bem, como critérios voltados para a definição das atividades essenciais presentes no serviço público, poder-se-ia utilizar as definições traçadas pelo Comitê de Liberdade Sindical da OIT ao apreciar casos concretos levados a seu conhecimento por entidades sindicais dos mais diversos países.

Da análise dos verbetes lavrados pela sobredita instância internacional, observa-se que a classificação de um serviço público como essencial depende de duas condições alternativas, quais sejam, seu exercício por funcionários investidos do poder de exercer autoridade em nome do Estado ou a potencial lesão à vida, à saúde e à segurança da população em decorrência de sua interrupção:

"573. El Comité admitió que el derecho de huelga puede ser objeto de restricciones, incluso de prohibiciones, cuando se trate de La función pública o de servicios esenciales, en La medida que La huelga pudiere causar graves perjuicios a La colectividad nacional y a condición de que estas restricciones vayan acompañadas de ciertas garantías compensatórias." [57]

"574. El derecho de huelga puede limitarse o prohibirse en La función pública solo en caso de los funcionarios que ejercen funciones de autoridade en nombre del Estado. [58]

(...)

"576. El derecho de huelga puede limitarse o prohibirse: 1) en La función pública solo en caso de funcionários que ejercen funciones de autoridade en nombre del Estado, o 2) en los servicios esenciales en el sentido estricto del termino (ES decir, aquellos servicios cuya interrupción podría poner en peligro La vida, La seguridad o La salud de la persona en toda o parte de la población)." [59]

No entanto, em que pese a definição constante dos verbetes em apreço, faz-se necessário perquirir quais seriam os servidores " exercentes de autoridade em nome do Estado" cujo direito de greve estaria sujeito a limitações, haja vista a notória vagueza da expressão talhada pelo Comitê de Liberdade Sindical.

Nesse sentido, poder-se-ia iniciar a busca em torno de tal definição a partir do conceito de "autoridade" formulado por De Plácido e Silva, a compreender " o poder de comando de uma pessoa, o poder de jurisdição ou o direito que se assegura a outrem para praticar determinados atos relativos a pessoas, coisas ou atos." [60]

Assim, quando a pessoa em referência é um servidor investido da potestade para praticar determinados atos em nome do Estado, diz-se que aquele titulariza autoridade pública. Indaga-se, contudo: quais seriam tais poderes cuja detenção por certos funcionários dá ensejo à limitação do direito à greve?

Independentemente das tarefas arrogadas pelo Estado e de seu tamanho, a razão histórica e prática para a existência do referido ente consiste em velar pela observância do direito, através do manejo de seus poderes, impondo certos limites à liberdade dos cidadãos necessários à vida em coletividade.

Nesse sentido, Karl Loewenstein assinala que "dentro del marco de la sociedad, el Estado se presenta como la forma exclusiva o preponderante (...) de la organización sociopolítica", de modo que "en la sociedad estatal, el poder político aparece como el ejercício de un efectivo control social de los detentadores del poder sobre los destinatários del poder." [61]

E, ainda segundo Loewenstein, o controle social exercido pelos detentores do poder emanado do Estado tem por conceito, justamente, "la función de tomar o determinar una decisión, así como la capacidad de los detentadores del poder de obligar a los destinatários del poder a obedecer dicha decisión." [62]

Para lograr tal finalidade, o Estado dispõe de um corpo amplo de servidores treinados e habilitados para atuarem junto aos cidadãos, impondo-lhes diretamente a observância às normas jurídicas ou exercendo atividades de fiscalização.

Tendo em vista tais noções, a resposta à indagação formulada alhures pode ser formulada do seguinte modo: as funções de autoridade pública exercidas pelos servidores em nome do Estado e mencionadas nos verbetes do Comitê de Liberdade Sindical da OIT são aquelas que exigem legalmente dos funcionários o contato direto com os cidadãos, impondo-lhes diretamente a prática de determinadas condutas em consonância com o direito ou a fiscalizando suas atividades privadas.

As espécies mais comuns de atribuições enquadráveis nesse gênero são aquelas que envolvem, em um rol não exaustivo, o poder de policia (fiscalização tributária, sanitária, veterinária, aduaneira, etc.) [63], a prevenção e repressão de delitos (polícias civis, federal e rodoviária federal), bem como a atividade judicial.

Por outro lado, as atividades que não envolvem o exercício de autoridade em nome do Estado englobam aquelas voltadas, precipuamente, para dar suporte às sobreditas funções (vg. técnicos e analistas judiciais/tributários), bem como aquelas em que há a prestação de um serviço público sem que haja o exercício de poder de polícia ou a imposição de obrigações aos cidadãos (vg. docentes).

Importa ressaltar, nesse diapasão, que o Comitê de Liberdade Sindical da OIT, em oportunidades concretas, manifestou-se expressamente a respeito da essencialidade ou não de determinadas atividades exercidas por servidores públicos seja por conta da presença de exercício de autoridade em nome do Estado ou em razão da eminente ameaça de danos à vida, à saúde e à segurança da população.

Foram configuradas como atividades essenciais para fins de exigência de serviços mínimos a fiscalização aduaneira [64], a fiscalização veterinária no curso de epidemias [65], os correios [66], os transportes metroviário e ferroviário [67], os serviços hospitalares, a polícia, as forças armadas, os bombeiros, a vigilância penitenciária, o fornecimento de merenda escolar e material de limpeza para os estabelecimentos educacionais, o controle de tráfego aéreo [68], bem como a direção e a coordenação das escolas. [69]

De outro turno, o Comitê de Liberdade Sindical da OIT declarou expressamente que, dentre os serviços prestados por funcionários do Estado, não se revestem de essencialidade, para fins de limitação do direito à greve, as atividades pertinentes às emissoras de rádio e televisão, ao suporte de informática para a arrecadação de taxas e impostos, à confecção de moedas, à imprensa oficial [70], bem como ao ministério de aulas em escolas públicas. [71]

Importa ressaltar, por oportuno, que a manutenção de um contingente mínimo de servidores nas funções públicas essenciais, em caso de greve, somente se afigurará lícita conquanto sejam adotadas medidas compensatórias, tais como a instituição de instâncias idôneas de arbitragem ou mediação, a fim de se evitar o esvaziamento da parede, conforme assevera o Comitê de Liberdade Sindical da OIT em seu verbete nº 596:

"596. En cuanto a la índole de las <<garantías apropiadas>> em caso de restricción del derecho de huelga em los servicios esenciales y em la función pública, la limitación de la huelga debe ir acompañada por procedimientos de conciliación y arbitraje adecuados, imparciales y rápidos em que los interesados puedan participar em todas las etapas, y em que los laudos dictados deberían ser aplicados por completo y rapidamente." [72]

Em que pese, todavia, os intentos ora formulados em torno da fixação do conceito de "funções de autoridade em nome do Estado", bem como a expressa manifestação por parte do Comitê de Liberdade Sindical da OIT a respeito de algumas situações específicas a envolverem potenciais ameaças à vida, à saúde ou à segurança da população, a definição em torno do caráter essencial ou não das inúmeras atividades exercidas por servidores públicos não prescindirá da análise individual dos casos concretos e das circunstâncias subjacentes a estes últimos. [73]

Nesse sentido, o próprio Ministro Gilmar Mendes, quando do julgamento do Mandado de Injunção nº 708/PB deixou assente na conclusão de seu voto condutor que "em razão dos imperativos da continuidade dos serviços públicos, não estou a afastar que, de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto e mediante a solicitação de órgão competente, seja facultado ao juízo competente impor a observância a regime de greve mais severo em razão de se tratarem de ´serviços ou atividades essenciais´, nos termos dos já mencionados arts. 9º e 11 da Lei nº 7.783/1989."

Tal análise a ser efetivada pelo Poder Judiciário deve procurar buscar, em cada situação específica, o conteúdo do direito à greve dos servidores públicos (art. 37, VII, da Constituição Federal), bem como dos direitos fundamentais dos cidadãos eventualmente afetados, a fim de delimitar a justa medida de cada um na hipótese concreta posta à sua apreciação, conforme bem assinala Gustavo Zagrebelsky em sua célebre compreensão do direito por princípios:

"Las reglas nos proporcionan el criterio de nuestras acciones, nos dicen cómo debemos, no debemos, podemos actuar em determinadas situaciones específicas previstas por las reglas mismas; los principios, directamente, no nos dicen nada a este respecto, pero nos proporcionan criterios para tomar posición ante situaciones concretas pero que ´a priori´ aparecen indeterminadas. Los principios generan actitudes favorables o contrarias, de adhesión y apoyo o de disenso y repulsa hacia todo lo que puede estar implicado em su salvaguarda en cada caso concreto. Puesto que carecen de <<supuesto de hecho>>, a los principios, a diferencia de lo que sucede com las reglas, sólo se les puede dar algún significado operativo haciéndoles <<reaccionar>> a algun caso concreto. Su significado no puede determinarse en abstracto, sino sólo en los casos concretos, y sólo en los casos concretos se puede entender su alcance.

(...)

La importancia de esta temática resulta evidente em todos los problemas relativos a la validez de las normas jurídicas. Si el derecho debe volver a la realidad, es decir, si debe operar en cada caso concreto conforme al valor que los principios asignan a la realidad, no se puede controlar la validez teniendo en cuenta exclusivamente lo que ésta dice. No basta considerar el <<derecho de los libros>>, es preciso tener en cuenta <<el derecho em acción>>;no basta una validez lógica, es necesaria una <<validez práctica>> ¿Cuántas veces el significado en abstracto de una norma es diferente de su significado en el caso concreto?, ¿cuántas veces las condiciones reales de funcionamiento de una norma tuercen su sentido, en ocasiones invertiendo la intención del legislador? Siempre que se produce esta desviación, el <<derecho viviente>>, o sea, el derecho que efectivamente rige, no es el que está escrito en los textos, sino el que resulta del impacto de la norma en abstracto y sus condiciones reales de funcionamiento." [74]

Do exposto nos comentários ora formulados, tem-se que a limitação ao direito de greve por intermédio da manutenção de contingentes mínimos em determinadas atividades tidas por essenciais, a constar dos artigos 10, 11 e 12 da Lei nº 7.783/89, aplica-se aos movimentos deflagrados por servidores públicos, observadas as peculiaridades inerentes à função estatal.

E o atendimento a tais peculiaridades não prescinde da análise em torno das circunstâncias subjacentes ao caso concreto, mais especificamente no que concerne à natureza das atividades cumpridas pelos servidores em greve, a medida de autoridade exercida por estes últimos em nome do Estado, a relevância da função para a segurança, a saúde e a vida dos cidadãos, bem como os potenciais impactos das eventuais limitações no exercício do direito de greve por parte daqueles funcionários.

Somente assim, será possível lograr a concordância prática entre o direito de greve assegurado expressamente no art. 37, VII, da Constituição Federal e as demais garantias fundamentais dos cidadãos, sem que haja a prevalência desmesurada de um bem jurídico em relação a outro.

"Art. 13. Na greve, em serviços ou atividades essenciais, ficam as entidades sindicais ou os trabalhadores, conforme o caso, obrigados a comunicar a decisão aos empregadores e aos usuários com antecedência mínima de 72 (setenta e duas) horas da paralisação."

A compreensão do dispositivo em apreço no que concerne às greves deflagradas pelos trabalhadores privados não apresenta maiores dificuldades. Estando a atividade elencada no rol do art. 10 da Lei nº 7.783/89, as entidades sindicais ou a comissão de trabalhadores deverá comunicar a decisão tomada em assembléia-geral aos empregadores e aos usuários dos serviços com 3 (três) dias de antecedência.

O mesmo não se pode dizer, contudo, com relação aos movimentos paredistas protagonizados por servidores públicos, pois, conforme visto alhures, as atividades constantes do art. 10 da Lei nº 7.783/89 foram ali inseridas tendo em vista a regulamentação da greve no setor privado, de modo que a aplicação subsidiária do referido diploma legal não permite vislumbrar, de antemão, os misteres essenciais exercidos pelos funcionários estatutários.

Diante disso, a aplicação do dispositivo em apreço às greves de servidores públicos, a nosso ver, encontra-se condicionada à definição em concreto das atividades essenciais desempenhadas no âmbito do serviço público, a ser formulada pelo Poder Judiciário quando da análise dos casos particulares postos à sua apreciação.

Existem, contudo, no amplo universo das tarefas assumidas pelo Estado, atividades prestadas por servidores públicos cuja relevância social é manifesta, haja vista sua imprescindibilidade para a manutenção da vida, da integridade física e da segurança da população, tais como aquelas desempenhadas pelos médicos e profissionais da área de saúde, bem como pelos policiais e agentes da Defesa Civil. Em tais casos, parece-nos que a regra constante do art. 13 da Lei nº 7.784/89 é aplicável de imediato, sem que haja a necessidade de prévia manifestação do Poder Judiciário em torno do caráter essencial ou não das referidas funções.

Nos demais casos, havendo incerteza quanto à essencialidade ou não do serviço público a ser paralisado, a prudência recomenda que o prazo de 72 (setenta e duas) horas estabelecido no dispositivo em comento seja observado pelas entidades sindicais, com vistas a se evitarem eventuais declarações de abusividade do movimento por parte dos Tribunais competentes para o julgamento dos dissídios de greve.

Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.

Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que:

I - tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição;

II - seja motivada pela superveniência de fatos novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho.

Acaso algum dos procedimentos estabelecidos na Lei nº 7.783/89 seja inobservado pelo sindicato de servidores no que concerne às formalidades de convocação (art. 4º), ao resguardo dos direitos de terceiros (art. 6º), ou à manutenção de atividades mínimas nas hipóteses legais (artigos 9º a 12), a greve será abusiva, cabendo tal declaração ao Superior Tribunal de Justiça, aos Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais de Justiça do Estado, a depender da abrangência territorial do movimento, conforme visto nos comentários ao art. 8º.

Observa-se, diante disso, que a primeira frase a constar do caput do artigo em comento tem plena aplicabilidade às greves deflagradas por servidores públicos. O mesmo não se pode dizer a respeito do abuso decorrente da manutenção do movimento após a celebração de acordo ou convenção coletiva, pela simples razão de que tais figuras inexistem no âmbito da Administração Pública, conforme já visto alhures.

Em que pese, contudo, a inexistência de negociação coletiva no setor público, constata-se com razoável freqüência o estabelecimetno de compromissos entre a Administração e determinadas categorias de servidores, pelos quais aquela se propõe a tomar as medidas cabíveis para atender às reivindicações de seus funcionários, enquanto estes últimos se comprometem a permanecer em atividade.

Nessas hipóteses, a nosso ver, o inciso I do parágrafo único do dispositivo reforça a legalidade dos movimentos deflagrados por servidores em se constatando o descumprimento daqueles compromissos por parte da Administração Pública.

Tal assertiva decorre logicamente do postulado da proteção à confiança, subjacente ao princípio da moralidade (art. 37, caput, da Constituição Federal), a preconizar que as manifestações propaladas pelos entes estatais, por incutirem em seus destinatários expectativas razoáveis em torno de sua concreção, vinculam o órgão emissor e conferem aos administrados o direito subjetivo à observância dos compromissos firmados. [75]

Afigura-se oportuno recordar, neste momento, que, o art. 7º, parágrafo único, da Lei nº 7.783/89 autoriza a contratação temporária de trabalhadores nas hipóteses de continuidade da paralisação após a declaração de abusividade da greve. Poder-se-ia indagar a respeito da aplicação de tal dispositivo aos movimentos deflagrados por servidores públicos.

A nosso ver, a possibilidade de contratação temporária de servidores públicos em decorrência da abusividade dos movimentos paredistas declarada pelo Poder Judiciário encontra-se autorizada pelo sobredito dispositivo. Com efeito, uma vez constatada a ilegalidade da greve, o direito ao exercício desta última torna-se insubsistente, não havendo mais como contrapô-lo às garantias fundamentais titularizadas pelos cidadãos passíveis de serem afetadas pela paralisação de uma determinada atividade.

Aplicam-se, portanto, as mesmas razões aduzidas nos comentários ao parágrafo único do art. 9º para autorizar a contratação temporária de servidores públicos após a declaração de abusividade da greve. Ressalte-se, mais uma vez, que a arregimentação de trabalhadores a ser efetivada pela Administração Pública deverá obedecer os procedimentos constantes da Lei nº 8.475/93, na seara federal, e das legislações congêneres nos Estados, Municípios e no Distrito Federal.

Tem-se, portanto, que o dispositivo em apreço é plenamente aplicável aos servidores públicos quando reputa ilícita a greve iniciada e conduzida em inobservância às formalidades constantes da Lei nº 7.783/89, não se podendo dizer o mesmo quanto à abusividade decorrente de movimento deflagrado no curso de negociação ou acordo coletivo, haja vista a inexistência de tais figuras no setor público.

Não obstante, o teor do art. 14, parágrafo único, I, da Lei nº 7.783/89 tem o condão de reforçar a licitude das greves deflagradas por servidores públicos em razão da inobservância, por parte da Administração Pública, de compromissos firmados anteriormente com a categoria.

Art. 15 A responsabilidade pelos atos praticados, ilícitos ou crimes cometidos, no curso da greve, será apurada, conforme o caso, segundo a legislação trabalhista, civil ou penal.

Parágrafo único. Deverá o Ministério Público, de ofício, requisitar a abertura do competente inquérito e oferecer denúncia quando houver indício da prática de delito.

Se, eventualmente, no curso da greve, integrantes do movimento causarem danos à propriedade pública ou privada, à integridade física de terceiros, à vida ou outros bens jurídicos tutelados pelo direito criminal, caberá às autoridades policiais e do Ministério Público procederem à apuração do ocorrido e promoverem, conforme suas competências, as medidas adequadas para o ajuizamento da correspondente ação penal.

Paralelamente a isto, os eventuais prejudicados poderão ingressar com ações cíveis com vistas à reparação dos danos morais e/ou materiais decorrentes das condutas ilícitas perpetradas pelos servidores no curso da greve.

É, portanto, a legislação cível e penal plenamente aplicável aos servidores públicos que, durante as atividades ligadas ao movimento paredista, vierem a danificar bens jurídicos por elas tutelados. Nesse tocante, o artigo em comento incide em sua plenitude sobre as greves deflagradas por funcionários estatutários.

Ocorre, todavia, que determinadas condutas perpetradas por servidores no curso da greve podem vir a caracterizar faltas funcionais previstas em lei. Nesse caso, caberá à Administração Pública instaurar sindicância, ou processo disciplinar, conforme o caso, com vistas à apurar a punibilidade do funcionário, observando-se, para tanto, os procedimentos constantes do Título V da Lei nº 8.112/90.

Art. 16. Para os fins previstos no art. 37, inciso VII, da Constituição, lei complementar definirá os termos e os limites em que o direito de greve poderá ser exercido.

Conforme visto alhures, a Emenda Constitucional nº 19/98 alterou a redação originária do art. 37, VII, da Carta Magna, ponto termo à exigência de lei complementar a ser editada pelo Congresso Nacional com vistas à regulamentação das greves deflagradas por servidores públicos.

Tal alteração, a permitir que a sobredita garantia fundamental pudesse vir a ser regulamentada em lei ordinária, possibilitou ao Supremo Tribunal Federal elocubrar as conclusões traçadas quando do julgamento dos Mandados de Injunção nº 670/ES, 708/PB e 712/DF, no sentido de impor a aplicação subsidiária da Lei nº 7.783/89 às greves de servidores públicos, enquanto não editado diploma legal específico.

Desse modo, com o advento da Emenda Constitucional nº 19/98, bem como dos acórdãos em referência lavrados pelo Supremo Tribunal Federal, o dispositivo em comento tornou-se caduco.

Art. 17. Fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout).

Parágrafo único. A prática referida no caput assegura aos trabalhadores o direito à percepção dos salários durante o período de paralisação.

A figura do lockout mencionada no artigo em estudo, configura uma espécie da abuso do direito de propriedade e do poder diretivo titularizados pelos empregadores que tem como ambiente típico as relações de trabalho no setor privado. O referido termo caracteriza a paralisação patronal das atividades, acompanhada da cessação do pagamento de salários, no fito de dificultar ou mesmo impedir o prosseguimento de negociação coletiva em curso ou criar empecilhos à formulçação de reivindicações por parte dos trabalhadores. [76]

Justamente em razão da natureza eminentemente laboral e privada do lockout, o referido instituto não encontra conceituação no âmbito da Administração Pública, não existindo nessa seara nem sequer situação equivalente ou semelhante, de modo que sua visualização em tais hipóteses, mesmo em abstrato, beira o surrealismo.

Ainda assim, poder-se-ia imaginar situação hipotética em que o diretor de um órgão público da Administração direta, ou o presidente de uma autarquia, por exemplo, invoque falsos motivos para reduzir ou suspender o serviço público prestado, bem como para retardar a elaboração e o envio da folha de pagamento aos órgãos processantes, mascarando, com isto, a real intenção de a prejudicar a mobilização de seus subordinados.

Nessas hipóteses, o administrador não só estará praticando ato manifestamente atentatório ao princípio da legalidade (art. 37, caput, da Constituição Federal), como também incidirá em desvio de finalidade e improbidade administrativa, podendo até, conforme o caso, ser enquadrado no crime de prevaricação, nos termos do art. 2º, "e" e parágrafo único, "e", da Lei nº 4.717, de 29.6.1965 (Lei da Ação Popular), do art. 11, I e II, da Lei nº 8.429, de 2.6.1992, bem como do art. 319 do Código Penal:

"Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:

(...)

e) desvio de finalidade.

Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:

(...)

e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência."

(...)

"Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Administração Pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdadeàs instituições, e notadamente:

I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício."

(...)

"Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa."

Se a autoridade que determinou a paralisação dos serviços públicos ora cogitada for o Presidente da República, Ministro de Estado, Governador ou Secretário Estadual a conduta pode vir a configurar crime de responsabilidade punível nos termos dos artigos 2º, 7º, V e 9º, IV, da Lei nº 1.079, de 10.4.1950 [77].

Tem-se, diante disso, que a figura do lockout prevista e punida no dispositivo em comento não serve para caracterizar eventuais condutas análogas perpetradas no âmbito da Administração Pública, haja vista que sua definição jurídica tem por pano de fundo as relações laborais vislumbradas exclusivamente no setor privado.

Em se materializando as hipóteses delineadas nas linhas acima, os abusos cometidos pelos administradores serão punidos na forma dos artigos 12, III, da Lei nº 8.429/92 e 369 do Código Penal, bem como das Leis nº 4.717/65 e 1.079/50, e não pelo artigo em referência, que, por isso mesmo, afigura-se inaplicável ao serviço público.

Art. 18. Ficam revogados a Lei nº 4.330, de 1º de junho de 1964, o Decreto-Lei nº 1.632, de 4 de agosto de 1978, e demais disposições em contrário.

Art. 19 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 28 de junho de 1989; 168º da Independência e 101º da República.

Sobre o autor
Paulo Roberto Lemgruber Ebert

Advogado. Doutorando em Direito do Trabalho e da Seguridade Social na Universidade de São Paulo-USP. Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília - UnB. Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário de Brasília - UniCEUB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EBERT, Paulo Roberto Lemgruber. O novo perfil da greve de servidores públicos.: Análise da Lei nº 7.783/89 à luz dos acórdãos proferidos pelo STF no julgamento dos Mandados de Injunção nº 670/ES, 708/DF e 712/PA. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1722, 19 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11066. Acesso em: 23 nov. 2024.

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