4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Paulo Bonavides resume numa frase o fenômeno da constitucionalização do direito: “Ontem, os Códigos; hoje, as Constituições”.
A revolução provocada pelo constitucionalismo contemporâneo, a partir da constitucionalização do direito civil e do direito administrativo, consagrou o reconhecimento da horizontalidade dos direitos fundamentais, o que implica, necessariamente, na defesa de um sistema de garantias de preservação e realização de políticas públicas e de direitos fundamentais da coletividade, inclusive no âmbito das relações particulares (FACCHINI, 2012; SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017, p. 229).
No entanto, o Estado vem enfrentando novos desafios na concretização de direitos e na promoção de políticas públicas fundamentais, em razão das dificuldades na execução de obras de infraestrutura e no desenvolvimento de novas tecnologias, cujos setores são fundamentais para a economia nacional, além da prestação de serviços públicos considerados indispensáveis para uma vida digna em sociedade, havendo a necessidade de estabelecer novos vínculos horizontais de cooperação com atores privados.
Defendeu-se, neste artigo, que a crise ética e econômica, hoje existentes, devido ao estado atual de elevada corrupção política e econômica, atreladas ao estado de instabilidade e insegurança das empresas estatais e das sociedades empresárias no mercado, justificam a necessidade do marco regulatório editado para o fortalecimento das estatais e do setor privado no desempenho das atividades econômicas e da prestação de serviços públicos.
Ademais, argumentou-se favoravelmente à edição do Estatuto Jurídico das Estatais que institui novos deveres de probidade, transparência e governança corporativa no intuito de aproximar as empresas estatais dos métodos tradicionais de gestão empresarial privada (ARANHA, 2017, p. 43-66).
A Lei de Responsabilidade das Estatais tem como objetivo a profissionalização da gestão das estatais, o combate à corrupção e os casos de má gestão nas estatais, na medida em que visa contribuir para a formação de estatais e empresas cidadãs e resistentes à prática da corrupção.
Constatou-se que o direito público, após a Constituição Federal de 1988, é direito constitucional; enquanto que as relações públicas, assim como as relações privadas, devem observar um conjunto de garantias individuais, mesmo quando os impactos, as consequências jurídicas, para o Estado custem caro.
É essa a conquista dos direitos fundamentais: O direito público não é um direito autoritário, mas o oposto: um conjunto de normas cuja finalidade primordial é limitar o poder e proteger os indivíduos e os bens jurídicos coletivos (em especial, a probidade administrativa e empresarial do Estado).
A conclusão final é a de que o desenvolvimento do direito e a sua permanente reforma “em busca de modelos institucionais novos, que rompam a separação do estatal com o mundo não estatal” (SUNDFELD, 2017c, p. 36-43) são as marcas indeléveis da contemporaneidade.
Parafraseando Odete Medauar (2003), o que existe e permanece atualmente, é um direito público (administrativo) em evolução. Essa perspectiva permite compreender as constantes mutações (MOREIRA NETO, 2007) do direito público e do direito privado, a inexistência de divisão rígida entre o direito público e o direito privado, além da mudança permanente dos paradigmas da publicização do direito privado e da privatização do direito público.
REFERÊNCIAS
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