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Questões práticas em torno dos efeitos da Súmula nº 343 do Superior Tribunal de Justiça sobre o processo administrativo disciplinar e a sindicância

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Agenda 05/05/2008 às 00:00

É indispensável participação de advogado inscrito na OAB, constituído pelo acusado ou nomeado pela Administração Pública, o qual poderá ser servidor ou defensor público.

Sumário: 1. Súmula n. 343, do Superior Tribunal de Justiça. 2. Designação de defensor dativo para o acusado revel no processo administrativo disciplinar ou na sindicância. 3. Requisitos para o exercício da função de defensor dativo. 4. Obrigatoriedade de desempenho da função de defensor dativo pelo servidor nomeado. 5. Desvio de função e desempenho do ofício de defensor dativo. Inocorrência. 6. Incompatibilidade para o exercício da função de defensor dativo. Impedimento para o exercício da advocacia contra a Fazenda Pública que remunera o servidor. Não-incidência. 7. Pressupostos subjetivos exigidos do defensor dativo indicado.


1. Introdução

Com o advento da Súmula nº 343, do egrégio Superior Tribunal de Justiça, a qual preceitua que "é obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar", consolidou-se o entendimento de que é indispensável a participação de advogado inscrito na OAB, constituído como procurador pelo acusado, ou nomeado como defensor dativo designado pela Administração Pública, o qual poderá ser servidor inscrito na OAB, ou defensor público.

Em virtude do verbete sumular, o procurador constituído, o defensor dativo ou o defensor público devem participar de toda a atividade de instrução do processo administrativo disciplinar e da sindicância punitiva, desde o início da fase de coleta de provas, e não mais somente depois da indiciação (não mais para meramente apresentar defesa escrita, depois de exauridos os atos instrutórios, como era previsto na redação do art. 161, § 1º, da Lei federal n. 8.112/1990), prezando-se, assim, pela estrita observância dos princípios da ampla defesa e do contraditório, consagrados constitucionalmente, inclusive no âmbito do processo administrativo, no que concerne à exigência de defesa técnica.

Com efeito, é mister que os órgãos administrativos e corregedorias procedam em estrita observância da novel jurisprudência sumulada do colendo Superior Tribunal de Justiça, visando a afastar posterior alegação de nulidade processual pelos servidores acusados, com fundamento em vício procedimental à luz do enunciado sumular em testilha, o que poderia, inclusive, inviabilizar a pretensão punitiva da Administração Pública pelo transcurso de prazo prescricional, na hipótese de anulação dos feitos sancionadores por via judicial e reabertura tardia de novel processo apenador.


2. Problemas práticos decorrentes da aplicação da Súmula n. 343, do colendo Superior Tribunal de Justiça

Em virtude da edição da súmula n. 343, do colendo Superior Tribunal de Justiça, surgiu uma série de questões práticas que merecem apreciação pelos órgãos administrativos:

a) quem pode ser designado defensor dativo do acusado revel no processo administrativo disciplinar ou na sindicância?

b) leigo ou mero bacharel em direito pode atuar como defensor dativo do acusado?

c) o servidor público com inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, nomeado como defensor dativo do acusado, pode recusar-se a desempenhar a função especial?

d) Em caso de recusa do encargo, quais as conseqüências jurídicas decorrentes para o servidor nomeado como defensor dativo?

e) constitui desvio de função a indicação de servidor para desempenhar o ofício especial, se o cargo efetivo em que investido o funcionário nomeado como defensor dativo não compreende atribuições de natureza jurídica?

f) quais servidores estão impedidos de exercer a função de defensor dativo, ainda que possuam inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil?

g) o servidor indicado como defensor dativo exerce advocacia contra a Administração Pública que o remunera?

h) quais são os requisitos subjetivos do servidor nomeado como defensor dativo do acusado revel em processo administrativo disciplinar ou sindicância?


3. A exigência de defesa técnica no processo administrativo disciplinar

De início, afigura-se irreparável a conclusão de que é obrigatória a atuação de advogado, regularmente inscrito na OAB, como procurador constituído do servidor acusado, ou como defensor dativo nomeado pela Administração Pública, além de ser possível a atuação substitutiva de defensor público na atividade defensória, nos termos da Súmula n. 343, do Superior Tribunal de Justiça.

Na verdade, o processo administrativo disciplinar, por força da visão principiológica constitucional e do garantismo que lhe é pertinente, agora com respaldo em entendimento jurisprudencial dos Tribunais Superiores pátrios, passou a reclamar a observância da intervenção da defesa técnica como pressuposto do contraditório e da ampla defesa, da mesma forma que o processo penal.

Sobre a essencialidade da defesa técnica no processo administrativo disciplinar, calha trazer a doutrina do professor Dr. Romeu Felipe Bacellar Filho:

A Administração Pública no exercício de seu poder disciplinar, não tem direito de, legitimamente, impor sanções punitivas aos agentes públicos, sem propiciar-lhes, primeiramente, a possibilidade de audiência sobre a imputação que lhes é feita (nemo inauditus damnari debet) e, segundo, o ensejo de participação crítica e ativa no procedimento probatório. A defesa técnica, notadamente a partir da Constituição Federal de 1988 e o núcleo processual comum que implementou, torna-se obrigatório componente da ampla defesa com os meios e recursos inerentes (art. 5º, LV, CF). Só aquele que efetivamente conhece o processo em sua complexidade (prescrição, juiz natural, devido processo legal, contraditório e ampla defesa) – o advogado – haverá de desempenhar um trabalho que homenageie os direitos fundamentais. [01]

Em igual diapasão, ensina o Procurador Regional da República e reconhecido professor de direito processual penal, Dr. Eugênio Pacelli de Oliveira:

A característica do interrogatório como meio de defesa impunha ao Estado o dever de nomeação de um defensor para a prática do aludido ato. Pois bem. A partir da Lei nº 10.792/03, que alterou diversos dispositivos do Código de Processo Penal, não há mais margem a dúvidas. Nos termos do novo art. 185 do CPP, o interrogatório do acusado será feito na presença de seu defensor, constituído ou nomeado (dativo ou ad hoc). A nulidade, pela não-observância do referido dispositivo, então, será absoluta, e não mais relativa, como nos parecia. Pensávamos tratar-se de nulidade relativa em razão de não haver - antes da Lei nº 10.792/03 – a possibilidade de intervenção da defesa no curso do interrogatório. Agora, como, além de garantida essa participação, condicionada unicamente ao exame da pertinência e relevância das perguntas (art. 188, CPP), é também assegurado o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor (art. 185, § 2º, CPP), parece irrecusável a nulidade absoluta do processo, por violação ao princípio da ampla defesa – participação da defesa técnica – explicitado nos dispositivos anteriormente mencionados. Assim, embora não se imponha ao réu o compromisso com a verdade durante o interrogatório, com o que se poderia alegar que o prejuízo decorrente da ausência de defensor técnico exigiria demonstração do prejuízo, a depender da valoração concreta do depoimento na sentença, o fato é que, estando garantidas a possibilidade de participação – perguntas – e a audiência prévia entre acusado e defensor, a violação à amplitude da defesa parece-nos evidente, salvo de qualquer especulação pragmática. [02]

Infere-se que não poderá ser nomeado, na condição de defensor dativo do acusado revel em processo administrativo disciplinar ou sindicância punitiva, nem leigo, nem ainda mero bacharel em direito, mas somente advogado, pessoa regularmente inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil (art. 3º, caput, Lei federal n. 8.906/1994).

De fato, a questão da indispensabilidade do advogado em todas as etapas do processo administrativo disciplinar se constituiu como postulado de validade dos feitos sancionadores desenvolvidos pela Administração Pública, questão em torno da qual abordamos em livro de nossa autoria, em vias de publicação pela editora Fortium (CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da administração pública. Brasília: Fortium, 2008, cerca de 1200 páginas, inédito), em que enfatizamos a questão com minúcia a importância do advogado.

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3.1 Importância do advogado no processo administrativo disciplinar

A Constituição Federal de 1988 estatui que "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei" (art. 133).

A figura do advogado, como profissional do direito que proporcionará seu talento e conhecimento à administração da justiça na seara disciplinar, empenhando-se por representar o acusado de forma técnica, com os instrumentos previstos no ordenamento jurídico, é decisiva para o bom e correto exercício do poder punitivo da Administração Pública, haja vista que sua presença confere prestígio aos atos processuais e concorre para o respeito às garantias do servidor processado pelos órgãos administrativos processantes e julgadores.

A presença do advogado em audiências, em outros atos de coleta de prova, como diligências e inspeções, na inquirição do denunciante, no oferecimento de defesa escrita, chamando a atenção para os consectários do devido processo legal, criticando interpretações de fatos e provas pelo órgão instrutor ou julgador, apresentando sua visão jurídica do quadro fático, tudo termina por enobrecer a atividade processual e aprimorar os procedimentos disciplinares realizados pela Administração Pública, sempre em defesa da figura do funcionário acusado.

Paulo Luiz Netto Lobo confirma:

Em face do litígio, a administração da justiça pressupõe a paridade de armas, mediante a representação e defesa dos interesses das partes por profissionais com idênticas habilitação e capacidade técnica. O acesso igualitário à justiça e a assistência jurídica adequada são direitos invioláveis do cidadão (Constituição, artigo 5º, XXXV e LXXIV). [03]

Rui Barbosa traz a lume notável lição sobre a distinta figura do advogado: "O primeiro advogado foi o primeiro homem que, com a influência da razão e da palavra, defendeu o seu semelhante contra a injustiça, a violência e a fraude." [04] Eduardo Couture também colaciona escrito antigo sobre os advogados: "Confiados na força de sua gloriosa palavra, defendem a esperança, a vida e a descendência dos que sofrem." [05]

Fere a beleza e o conceito áulico da advocacia, enquanto profissão de defesa inalienável do cidadão contra a tirania e a injustiça, quadro como o descrito no filme "Uma mulher contra Hitler", que narra a história real de Sophie Scholl, uma jovem universitária protestante de 20 anos, presa política julgada de forma arbitrária e injusta por uma Corte judicial submissa ao regime nazista, presidida por juiz parcial e que condenou sumariamente a acusada à morte. Na película cinematográfica, dada a palavra ao advogado constituído para representar a ré, o causídico, covarde e negligente, nem uma só razão oral ofereceu perante o Tribunal, entregando sua cliente à desdita e à execução capital.

Rui Barbosa molda outro retrato da advocacia:

Profissão, que, entrelaçada pelas relações mais íntimas ao sacerdócio da justiça, impõe ao advogado a missão da luta pelo direito contra o poder, em amparo dos indefesos, dos proscritos, das vítimas da opressão, tanto mais recomendáveis à proteção da lei, quanto mais formidável for o arbítrio, que os esmague, quanto mais sensível for o vazio, que a ignorância, a covardia de uns, o desalento de outros, a letargia geral abrirem de redor dos perseguidos. [06]

Não é possível se tolerar o tratamento aviltante ministrado aos advogados, fruto, na verdade, do verdadeiro desapreço e intolerância pelo exercício do direito de defesa, referido por Kafka, o qual destaca o menosprezo pelo tribunal tcheco aos causídicos ao destinar-lhes, na Corte, como sala própria, cômodo cheio de fuligem e mal iluminado, com grande buraco ao chão, situado no segundo sótão, tudo com um propósito: "Mas também esse tratamento dado aos advogados tem sua justificativa. O que se quer é excluir o mais possível a defesa, tudo deve recair sobre o próprio acusado." [07]

O desapreço ao advogado é o desrespeito à justiça, à própria garantia constitucional e legal de defesa técnica (art. 3º, IV, L. 9.784/99).

Paulo Luiz Netto Lobo comenta:

Os atos e manifestações do advogado, no exercício profissional, não podem ficar vulneráveis e sujeitos permanentemente ao crivo da tipificação penal comum. O advogado é o mediador técnico dos conflitos humanos e, às vezes, depara-se com abusos de autoridades, prepotências, exacerbações de ânimos. O que, em situações leigas, possa considerar-se uma afronta, no ambiente do litígio ou do ardor da defesa devem ser tolerados os excessos, que transbordem dos limites admitidos pelo Código de Ética e Disciplina e pelo Estatuto, serão punidos disciplinarmente pela OAB. (sic) [08]

Ana Lucia Sabadell lembra que a advocacia é atividade de interesse público e que "o advogado desenvolve uma importante função no processo de aplicação do direito." [09]

3.2 Exclusividade do advogado para atuar na defesa do acusado no processo administrativo disciplinar

Somente poderá atuar, como procurador constituído pelo processado, advogado regularmente inscrito no Conselho Seccional próprio da OAB, vedando-se a leigos exercer função indispensável para a boa administração da justiça (art. 133, Constituição Federal de 1988; art. 2º, caput, Lei Federal 8.906/94), porquanto, "no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social" (art. 2º, § 1º, L. 8.906/94) e "contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público" (art. 2º, § 2º, L. 8.906/94). O exercício da atividade de advocacia e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (art. 3º, caput, L. 8.906/94).

Firmou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região que "ao administrado é facultada a defesa pessoal em processo administrativo disciplinar. Optando por defesa técnica, é obrigatória a constituição de um advogado devidamente inscrito na OAB (Lei n. 9.784/99, art. 3º, IV)." [10] Saliente-se, todavia, que o entendimento pela possibilidade de autodefesa restou superado pelo advento da Súmula n. 343, do Superior Tribunal de Justiça: "É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar".

Em decisão monocrática, julgou o relator de recurso no Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

Conjugadamente, diviso a presença da plausibilidade jurídica da alegação reproduzida na presente apelação, conferindo relevância na fundamentação desfiada pelo recorrente.Deveras, o processo administrativo disciplinar tem o propósito de elucidar, apurar e, confirmando-se as imputações, apenar os agentes públicos que protagonizaram os desvios de conduta identificados. Para exercício da atividade repressora e punitiva, a Administração Pública deve zelar pela observância dos princípios constitucionais informadores da tarefa, notadamente aqueles que garantem ao servidor público a ampla defesa e o contraditório, promessas elevadas ao patamar constitucional (art. 5º, LV). Esta positiva maximização do direito à ampla defesa e ao contraditório, consagrado no plano constitucional, aconselha que no âmbito da sua concretização o servidor público disponha de defesa técnica, vale dizer, assistência de profissional habilitado a tanto, até porque, o advogado recebeu status de figura indispensável à administração da justiça (art. 133), entendendo-se esta sob o ponto de vista axiológico, de aspiração da sociedade. Justiça, com tal matiz, é bom que se diga, faz-se também no âmbito da Administração Pública, mesmo que a sua função institucional predominante seja de realização de atos concretos com objetivo de alcance do interesse público primário, ou seja, aquele da coletividade.[...] In casu, revela-se que, no curso do processo administrativo, até o pedido de reconsideração da pena aplicada pelo Superintendente Regional do Departamento da Polícia Federal, o apelante não recebeu assessoramento de advogado para a elaboração da sua defesa. Molda-se, assim, espectro a mangrar de nulidade o processo administrativo disciplinar, ao menos sob pronto exame.Em vista do exposto, defiro a antecipação da pretensão recursal, para determinar a sustação dos efeitos do apenamento administrativo, principalmente os obstativos da progressão funcional, bem como da redução vencimental correspondente.Intime-se a União. [11]

Silvio Ximenes de Azevedo corrobora que somente poderá atuar como procurador do acusado, no processo administrativo disciplinar, advogado regularmente inscrito no Conselho Seccional da OAB [12], opinião compartilhada por Egberto Maia Luz, o qual consigna que a defesa "deve ser ampla, sagrada e deferida a quem tem competência jurídica para o seu adequado exercício." [13]

Ora, a defesa técnica é essencial para a representação dos interesses do servidor público no processo administrativo disciplinar, haja vista que o advogado, profissional do direito, tem melhores condições de desempenhar a atividade defensória de modo eficaz e amplo, abrangendo não somente a natural discussão do mérito e da inocência do acusado, mas ainda aspectos formais quanto ao rito executado, ao respeito a prazos legais para a coleta de provas, à argüição de impedimentos e suspeição de autoridades processantes e julgadoras ou de órgãos de opinamento jurídico, à contradita de testemunhas, à invocação de prazos prescricionais extintivos do direito de punir a infração disciplinar, teses em torno da individualização da pena, da proporcionalidade, de desrespeito a garantias formais de defesa ampla empenhadas ao acusado, vícios nos atos de instauração, de instrução, de comunicação e julgamento processual, como a incompetência dos agentes públicos, dentre múltiplas possibilidades de ações e reações processuais que somente o jurista tem qualificação para visualizar e opor perante a Administração Pública.

Seria um risco tremendo que o servidor público assumiria, caso fosse possível (a autodefesa ficou prejudicada pela Súmula n. 343/STJ), ao simplesmente achar que o processo administrativo disciplinar "não vai dar em nada", relegando sua defesa a meramente elaborar sucinta peça escrita em torno apenas do mérito do processo, muitas vezes sem sequer tomar o cuidado de zelar por uma participação efetiva e controle ativo e passivo quando da coleta das provas que fundamentarão o ato decisório final.

O funcionário não elaboraria um memorial de defesa, não conferiria os termos do relatório final da comissão processante, nem apresentaria petição criticando a peça, se pertinente, não procuraria ofertar suas razões perante o órgão de consultoria ou assessoramento jurídico incumbido de apreciar o feito e de se pronunciar sobre o julgamento respectivo.

Enfim, o acusado incorreria na inércia, deixando sua sorte entregue ao léu, somente despertando depois de ver a publicação do seu ato de demissão ou de cassação de sua aposentadoria, ou de imposição de outras penalidades, quando então elaborará recursos administrativos, pedidos de revisão, de reconsideração, agora sim por meio de advogado, porém amiúde de forma tardia, porque a Administração Pública possivelmente resistirá em reapreciar todo o conteúdo de centenas ou milhares de folhas dos autos de um processo disciplinar já decidido e encerrado: poderá não haver sequer elementos para se abrir um feito revisional.

De outra banda, a via judicial pode restar prejudicada por uma decisão judicial de tendência mais conservadora e retrógrada (hoje felizmente sendo superada nos acórdãos do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais), que evite incursionar no exame dos motivos da punição disciplinar, na chamada discricionariedade administrativa, ou ainda devido à escolha de via processual inadequada à produção de novas provas (mandado de segurança), dificuldade de que as decisões proferidas pelas instâncias ordinárias subam em sede de recursos constitucionais extraordinários para o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, consumando-se uma injustiça em caráter peremptório, nas esferas administrativa e judicial, tudo porque o servidor julgou que não deveria confiar sua defesa, desde o início do feito administrativo, a advogado.

Inaceitável que terceiro, leigo, ainda que nomeado defensor dativo pela Administração Pública para o indiciado revel (mesmo assim deve ser advogado, não apenas bacharel em direito), assuma o exercício de atos de advocacia e represente os interesses do servidor no processo administrativo disciplinar.

O pai, irmão, esposa, amigo ou parente do acusado, leigo não inscrito regularmente na Ordem dos Advogados do Brasil, não pode funcionar como procurador constituído, nem defensor dativo, ainda que apenas ad hoc, para defender o funcionário processado, não somente pelo impedimento legal para exercer atribuições profissionais advocatícias, mas pelos inconvenientes práticos de o desforço defensório ser insatisfatoriamente manejado, sem o conhecimento técnico-jurídico essencial para a correta administração da justiça na instância administrativa.

Basta lembrar que existem julgados do Superior Tribunal de Justiça no sentido da anulação do processo administrativo disciplinar em caso de insuficiência da defesa, razão bastante para rechaçar a nomeação de leigo ou até mero bacharel em direito como defensor dativo.

Aliás, só o advogado tem o direito de retirar os autos da repartição pública nos prazos legais, ter vista na repartição e obter cópias das peças que entender, segundo o confirma o Superior Tribunal de Justiça. [14]

Calha referir que o Supremo Tribunal Federal empenhou ao advogado do acusado em processo administrativo disciplinar, sob pena de cerceamento à defesa, o direito de ter vista dos autos na repartição ou de retirá-los pelo prazo legal. [15] Daí que fundamental a presença do advogado no processo administrativo disciplinar.

Odete Medauar segue a mesma linha jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça:

"No processo disciplinar exige-se defesa técnica. Por isso, o indiciado deve constituir advogado para assisti-lo no processo; se não o fizer, a Administração é obrigada a indicar advogado dativo, sob pena de anulação do processo." [16]

Em face da súmula n. 343, do Superior Tribunal de Justiça, portanto, exige-se defesa técnica no processo administrativo disciplinar, do quanto segue que os órgãos administrativos, por intermédio das comissões processantes nomeadas e das autoridades instauradoras e julgadoras dos feitos disciplinares, devem observar os seguintes procedimentos:

1) nomear defensor dativo eventual, servidor público com inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, já no ato de instauração de processo administrativo disciplinar ou de sindicância em cujo final se pretenda impor punição ao acusado (dispensa-se a exigência no caso do procedimento sindicante investigativo, previsto no art. 145, III, da Lei nº 8.112/1990, que não finda com a aplicação de pena ao sindicado);

2) na hipótese de o servidor acusado em sindicância punitiva ou processo administrativo disciplinar, após sua citação inicial (notificação) para tomar conhecimento da abertura do feito sancionador e dele participar ativa e passivamente, no exercício das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa em todas as etapas processuais, inclusive durante a coleta de provas, deixar de nomear advogado regularmente inscrito na OAB para patrocinar os interesses do funcionário processado, deve ser nomeado defensor dativo para intervir em todos os atos processuais e, notadamente, na fase de instrução, intimando-o, observado o prazo de 3 (três) dias úteis de antecedência, para comparecer às audiências de oitiva de testemunhas, para elaborar quesitos da prova pericial, dentre outros atos instrutórios porventura realizados;

3) mesmo que o acusado possua procurador constituído regularmente, deverá ser nomeado defensor dativo ad hoc para ato processual de coleta de provas a que o advogado e/ou o servidor processado não compareça(m), desde que tenha sido formalizada intimação regular prévia, com o prazo legal de antecedência de 3 (três) dias úteis, e, ainda assim, tenha se verificado ausência sem justa causa;

4) nomear também defensor dativo ad hoc para prosseguimento do ato processual já iniciado, na hipótese de retirada do procurador nomeado pelo acusado ou ambos, ainda na pendência do mesmo ato de coleta de provas;

5) em face, portanto, do advento da Súmula 343 do STJ, restou afastado o exclusivo exercício da defesa pelo próprio acusado, o qual, ainda que mantenha a prerrogativa de exercer o desforço defensório em todas as fases do processo administrativo disciplinar e da sindicância punitiva, deverá ter nomeado para si defensor dativo inscrito na OAB ou defensor público, inclusive durante toda a etapa de instrução processual, e não mais somente depois do término da coleta de provas, após elaborada indiciação, apenas excepcionada a hipótese de o agente público processado ser também advogado sem impedimento para atuação profissional, hipótese em que poderá atuar em causa própria, nos termos da Lei federal n. 8.906/1994.

O respeito às presentes recomendações visa a prevenir a decretação, em sede de controle interno administrativo, ou jurisdicional posterior, da nulidade dos feitos apenadores e das respectivas punições aplicadas, inclusive com a possível repercussão financeira desfavorável ao erário, por exemplo, nos casos de reintegração de servidor demitido com fulcro em processo administrativo disciplinar eivado de nulidade procedimental, por afronta ao teor da Súmula nº 343, do Superior Tribunal de Justiça.

Por isso, mister que as autoridades administrativas competentes orientem seus subordinados e as comissões especiais ou permanentes (estas se previstas em lei), de sindicância ou processo administrativo disciplinar, para observarem rigorosamente as formalidades ora recomendadas, sob pena de grave comprometimento do interesse público e possível anulação pelo controle administrativo ou judicial dos feitos.

3.3. Inviabilidade de a defesa ser exercida pelo próprio acusado

Não mais existe a prerrogativa de o próprio acusado efetivar sua defesa pessoalmente, se não for advogado, a despeito do capitulado no art. 3º, IV, Lei Federal 9.784/99, o qual, quando muito, poderá ser aplicado, quiçá, nos feitos não acusatórios, mas não incide no processo administrativo disciplinar ou na sindicância, segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

De fato, apesar de o Superior Tribunal de Justiça ter inicialmente sublinhado em contrário ("O princípio da ampla defesa aplica-se ao processo administrativo, mas isso não significa que o acusado deve, necessariamente, ser defendido por advogado. Ele mesmo pode elaborar sua defesa, desde que assim queira" [17]), a Corte terminou consolidando sua jurisprudência nos termos da Súmula n. 343: "É obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar".

Ainda que fosse legalmente possível, o que não mais se tolera, os inconvenientes se multiplicariam na hipótese de autodefesa, haja vista que a defesa técnica pode ser decisiva para obstar o exercício da pretensão punitiva da Administração Pública quanto a questões formais, pertinentes a cerceamento de defesa, violações ao devido processo legal, aos pressupostos para demonstrar a incorreta tipificação legal da conduta, o reconhecimento dos casos de prescrição, de excludentes de ilicitude. Ademais, a participação defensória nos atos de instrução pode ficar prejudicada por motivos de comprometimento emocional do acusado, capazes de interferir na capacidade de reinquirir testemunhas e denunciante, de propor contraprovas, dentre outras razões intuitivas, as quais recomendam a confiança do mister a profissional inscrito na OAB, sobretudo os especializados na matéria disciplinar e penal.

3.4 Defensor dativo

A Lei n. 8.112/1990 enuncia que será considerado revel o indiciado que, regularmente citado, não apresentar defesa no prazo legal (art. 164, caput). A revelia será declarada, por termo, nos autos do processo e devolverá o prazo para a defesa (art. 164, § 1º).

Para defender o indiciado revel, a autoridade instauradora do processo designará um servidor como defensor dativo, ocupante de cargo de nível igual ou superior, ou de nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado (art. 164, § 2º, Lei n. 8.112/1990, com a redação dada pela Lei n. 9.527, de 10.12.1997), necessariamente advogado com inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil.

O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o acusado deverá contar, obrigatoriamente, sob pena de nulidade, durante a instrução do processo administrativo disciplinar, com a presença de advogado constituído ou defensor dativo [18] [19], ainda que deixe de comparecer ao ato processual depois de regularmente intimado, o que enfatiza a imperatividade de coletar todas as provas, em caso de revelia ou ausência de comparecimento do processado, por meio da designação de defensor ad hoc para o ato processual, e não somente, como costumeiro nos colegiados constituídos pela Administração Pública, para o servidor revel, depois de citado acerca do teor da indiciação, sem procurador eleito nos autos.

Acentua José Cretella Júnior:

Processo administrativo sem defesa do indiciado é nulo de pleno direito por vício de forma, porque o princípio da ampla defesa foi postergado. Por isso, a lei faculta ao funcionário defender-se, em tempo hábil, das imputações que lhe forem feitas, mas não o obriga a fazê-lo pessoalmente, tanto que, ocorrida ou pressentindo a revelia do indiciado, a autoridade administrativa, que ordenou a instauração do inquérito, determina que a defesa seja produzida ex officio, por funcionário público do quadro, designado como defensor ad hoc. [20]

3.5 Designação de defensor dativo em caso de prática de atos processuais depois da apresentação de defesa escrita pelo acusado

Conquanto a Lei n. 8.112/1990 somente preveja a designação de defensor dativo para o indiciado revel (art. 164, § 2º), nada mais afinado com a garantia de contraditório e ampla defesa que, se houver a posterior coleta de informações e provas após esse momento processual, a autoridade julgadora nomeie novamente defensor para o servidor, sob pena de possível alegação de cerceamento de atividade defensória e de falta de contraditório, como fatores determinantes da nulidade do processo administrativo disciplinar e da eventual pena imposta.

Léo da Silva Alves ensina que, se depois de apresentada defesa pelo indiciado, novos elementos probatórios são produzidos ou juntados aos autos, mas o servidor deixa de acompanhar esses atos processuais, deve ser designado defensor dativo para o acusado. [21]

Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Questões práticas em torno dos efeitos da Súmula nº 343 do Superior Tribunal de Justiça sobre o processo administrativo disciplinar e a sindicância. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1769, 5 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11222. Acesso em: 18 nov. 2024.

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