Artigo Destaque dos editores

Questões práticas em torno dos efeitos da Súmula nº 343 do Superior Tribunal de Justiça sobre o processo administrativo disciplinar e a sindicância

Exibindo página 2 de 4
Leia nesta página:

4. Quem pode ser nomeado defensor dativo do servidor acusado revel?

No que concerne à nomeação de servidor, como defensor dativo do indiciado revel no processo administrativo disciplinar, conforme previsto no art. 164, § 2º, da Lei n. 8.112/1990, por força dos efeitos da Súmula n. 343, do colendo Superior Tribunal de Justiça, merece, contudo, ponderação o fato de que se deve proceder a uma interpretação da norma legal em testilha em conformidade com a Constituição Federal de 1988, no que respeita à exigência de defesa técnica como corolário da garantia constitucional de ampla defesa e contraditório no processo administrativo disciplinar.

O efeito decorrente disso é que a nomeação de defensor dativo para o indiciado revel deverá recair em servidor que ostente a qualidade de advogado, regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, não em meros bacharéis em direito, ou menos ainda em leigos em direito, ainda que sejam funcionários de nível hierárquico igual ou superior ao acusado incurso em revelia, ou até com maior grau de escolaridade.

Mas não se endossa o entendimento de que os servidores da Administração Pública direta ou indireta das entidades federadas estariam incursos em impedimento de atuação como defensores dativos em processo administrativo disciplinar, data maxima venia.

A Lei n. 8.112/1990 capitula:

Art.164........

§ 2º Para defender o indiciado revel, a autoridade instauradora do processo designará um servidor como defensor dativo, ocupante de cargo de nível igual ou superior ao do indiciado.

O antigo Estatuto dos Servidores Públicos da União (Lei federal n. 1.711/1952), precedente à Lei n. 8.112/1990, rezava:

Art. 223. Será designado ex-officio, sempre que possível, funcionário da mesma classe e categoria para defender o indiciado revel.

O vetusto Regime Jurídico dos Servidores Públicos Federais (Decreto-lei n. 1.713/1939), anterior à Lei federal n. 1.711/1952, ditava:

Art. 255. No caso de revelia, será designado "ex-officio", pela autoridade, um funcionário para acompanhar o processo e se incumbir da defesa.

Nota-se, pois, que a nomeação de servidor público, para atuar como defensor dativo do acusado revel em processo administrativo disciplinar, é tradicional no nosso direito, não havendo qualquer tipo de embaraço para a intervenção do funcionário como patrono designado dos desforços defensórios em proveito do indiciado incurso em revelia.

A ratio essendi da providência legal em comento radica no imperativo de efetiva intervenção da defesa no processo administrativo disciplinar, pressuposto inarredável para a validade do feito punitivo na Administração Pública.

Seria imprestável, para fins de motivar a imposição de penalidade ao servidor, processo administrativo sancionador no qual não houvesse atuação defensória em favor do acusado revel.

A interpretação atualmente escorreita do disposto no art. 164, § 2º, da Lei federal n. 8.112/1990, em consonância com a Súmula n. 343, do Superior Tribunal de Justiça, e com a Constituição Federal, reside no preceito de que a nomeação de defensor dativo para o indiciado revel, nos autos de processo administrativo disciplinar, deve recair em servidor com inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, além de suceder desde o início do feito e ao longo de toda a fase de instrução processual, e não somente após a indiciação, como decorreria da interpretação gramatical do texto legal em alusão, salvo se, até o momento da indiciação, o funcionário processado contar com advogado como seu procurador constituído, que posteriormente abdica da atuação profissional, ou se o servidor acusado for advogado atuante em causa próprio até aquele momento.

4.1 Servidores incompatibilizados para o exercício da função de defensor dativo

Sobre os impedimentos e incompatibilidades para o exercício da advocacia, a matéria é disciplinada pelo Estatuto da OAB (Lei federal n. 8.906/1994):

Art. 27. A incompatibilidade determina a proibição total, e o impedimento, a proibição parcial do exercício da advocacia.

Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:

I - chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder Legislativo e seus substitutos legais;

II - membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta;

III - ocupantes de cargos ou funções de direção em Órgãos da Administração Pública direta ou indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias de serviço público;

IV - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro;

V - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza;

VI - militares de qualquer natureza, na ativa;

VII - ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais;

VIII - ocupantes de funções de direção e gerência em instituições financeiras, inclusive privadas.

§ 1º A incompatibilidade permanece mesmo que o ocupante do cargo ou função deixe de exercê-lo temporariamente.

§ 2º Não se incluem nas hipóteses do inciso III os que não detenham poder de decisão relevante sobre interesses de terceiro, a juízo do conselho competente da OAB, bem como a administração acadêmica diretamente relacionada ao magistério jurídico.

Art. 29. Os Procuradores Gerais, Advogados Gerais, Defensores Gerais e dirigentes de órgãos jurídicos da Administração Pública direta, indireta e fundacional são exclusivamente legitimados para o exercício da advocacia vinculada à função que exerçam, durante o período da investidura.

Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia:

I - os servidores da administração direta, indireta e fundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora;

II - os membros do Poder Legislativo, em seus diferentes níveis, contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais ou empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público.

Parágrafo único. Não se incluem nas hipóteses do inciso I os docentes dos cursos jurídicos.

Em virtude das regras legais citadas, estão incompatibilizados e, portanto, absolutamente proibidos de exercer a advocacia, não podendo sequer serem defensores dativos designados em processo administrativo disciplinar ou sindicância, os seguintes agentes públicos distritais: I - chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder Legislativo e seus substitutos legais; Conselheiros do Tribunal de Contas; membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas; os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta; os presidentes das autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista, Secretários de Estado, Procurador-Geral do Estado, do Distrito Federal ou Advogado-Geral da União (fora o exercício institucional); policiais civis e bombeiros e policiais militares em atividade; os ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais, como auditores e fiscais tributários e congêneres.


5. Há obrigatoriedade do desempenho da função de defensor dativo pelo servidor nomeado?

A atuação como defensor dativo do indiciado revel é múnus funcional que incide sobre os servidores e que há décadas tem sido aplicado no direito administrativo brasileiro, sem qualquer censura

à sua observância como pressuposto procedimental necessário à validade do processo disciplinar da Administração Pública.

Na verdade, o servidor público amiúde é chamado para desempenhar atribuições extraordinárias eventuais, episódicas, paralelamente ao estrito cumprimento das funções inerentes a seu cargo, como participar de conselhos administrativos, de grupos de estudo ou de trabalho, comissões de licitação, de inventário de bens patrimoniais e de consumo administrativos, de tomada de contas especial, até como membro de comissões de sindicância ou de processo administrativo disciplinar, sem que nisso resida qualquer ilegalidade ou desvio de função, mas estrito cumprimento do dever legal, no sentido de que o agente administrativo deve se desincumbir das tarefas que lhe são legitimamente determinadas por seus superiores hierárquicos.

Ora, o fundamento legal de o servidor público ser obrigado a atuar como membro de comissão de processo administrativo disciplinar ou de sindicância é o preceituado expressamente no direito positivo distrital, nos termos da redação original da Lei federal n. 8.112/1990, c.c. Lei distrital n. 197/1991 (art. 5º):

Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.

.................................................................................................................

Art. 149. O processo disciplinar será conduzido por comissão composta de 3 (três) servidores estáveis designados pela autoridade competente, que indicará, dentre eles, o Presidente.

§ 1° A comissão terá como Secretário servidor designado pelo seu Presidente, podendo a indicação recair em um de seus membros.

§ 2° Não poderá participar de comissão de sindicância ou de inquérito, cônjuge, companheiro ou parente do acusado, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau.

Ora, se o Estatuto dos Servidores Públicos do Distrito Federal capitula que, na hipótese da ocorrência de irregularidades administrativas, será obrigatória a instauração imediata de sindicância ou de processo administrativo disciplinar, processados por comissão composta de servidores designados pela autoridade administrativa superior competente, implicaria incontornável lesão aos princípios da legalidade, moralidade e interesse público e eficiência, se acaso o Estado não pudesse punir, quiçá demitir servidores corruptos ou transgressores, tão-somente porque os agentes públicos indicados, aos quais incumbiria atuar como integrantes de colegiado processante ou inquisitorial, simplesmente se recusassem a participar dos trabalhos apuratórios ou processuais respectivos, sob o argumento de que aquele ofício não se incluiria em suas atribuições funcionais específicas.

Segundo a hermenêutica do direito, as normas jurídicas devem ser interpretadas de forma que produzam seus efeitos esperados, que sejam eficazes.

Na hipótese, significa dizer que, ao prever que o processo disciplinar e a sindicância seriam processados por servidores indicados, a Lei n. 8.112/1990 obrigou os servidores nomeados pelo hierarca administrativo superior a exercerem o papel eventual de membros de comissão sindicante ou processante, sob pena de a norma legal tornar-se letra morta e a impunidade e o descalabro dos transgressores se perpetuarem na esfera administrativa, se porventura se entendesse que os funcionários indicados pudessem, sem justa causa, declinar do múnus funcional em referência.

Ensina a hermenêutica jurídica: "Quando a lei faculta, ou prescreve um fim, presumem-se autorizados os meios necessários para o conseguir, contanto que sejam justos e honestos". [22] Se a finalidade da lei é que as infrações disciplinares sejam apuradas – e dentro de prazos sujeitos

à prescrição do direito de punir – por servidores indicados, impende interpretar a Lei n. 8.112/1990 no sentido de que é obrigatório o desempenho do ofício especial apuratório e processante pelos servidores indicados como membros da comissão, sob pena de se fazer sucumbir o poder punitivo administrativo, pela mera desídia ou ilegítima recusa dos funcionários obrigados a agir em nome do interesse público. Calham as notas de Carlos Maximiliano: "Prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés do que os reduza à inutilidade." [23]

Por igual raciocínio e pelos mesmos motivos, quando a Lei n. 8.112/1990 estipulou (art. 164, § 2º) que a autoridade administrativa superior competente deveria, para defender o indiciado revel, designar um servidor como defensor dativo, ocupante de cargo de nível igual ou superior ao do indiciado, a regra legal em testilha não pode ser interpretada como disposição inócua, mas sim com o efeito inerente de obrigar o servidor, quando designado pelo seu superior hierárquico, a funcionar como defensor dativo do indiciado revel em processo administrativo disciplinar.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Há, portanto, obrigatoriedade, "ex vi legis", de o servidor público, quando nomeado pela autoridade administrativa competente, de exercer o múnus funcional de defensor dativo do indiciado revel em processo administrativo disciplinar.

É mister consignar que, ao tomar posse em cargo público de provimento efetivo, o servidor manifesta sua aquiescência com o estatuto que veicula as normas instituidoras de um regime jurídico funcional, daí a denominação de regime estatutário.

Vale dizer, o servidor público adere a um conjunto de regras legais, que disciplinam sua atuação e criam direitos e obrigações para o agente administrativo.

No regime estatutário, não há margem para manifestação de vontade do servidor público quanto à escolha das normas que disciplinarão seus direitos e obrigações. Não existe liberdade contratual ou convencional, como no regime celetista dos empregados particulares.

A única esfera da apreciação do nomeado para tomar posse em cargo público de provimento efetivo é quanto à aceitação, ou não, do cargo. Uma vez manifestada sua volição quanto à assunção do vínculo jurídico de natureza institucional com a Administração Pública, as normas disciplinadoras dos deveres do agente público decorrem, automaticamente, "ipso facto et ipso iure", do regime jurídico legal previamente em vigor, conforme disponha o estatuto geral dos servidores públicos.

Nesse sentido, é pertinente a cátedra de José dos Santos Carvalho Filho:

A posse é o ato da investidura pelo qual ficam atribuídos ao servidor as prerrogativas, os direitos e os deveres do cargo. É o ato de posse que completa a investidura, espelhando uma verdadeira conditio iuris para o exercício da função pública. É o momento em que o servidor assume o compromisso do fiel cumprimento dos deveres e atribuições [...] Com a posse, completa-se também a relação estatutária da qual fazem parte o Estado, de um lado, e o servidor, de outro. [...] Essa relação não tem natureza contratual, ou seja, inexiste contrato entre o Poder Público e o servidor estatutário. Tratando-se de relação própria do direito público, não pode ser enquadrada no sistema dos negócios jurídicos bilaterais de direito privado. Nesse tipo de relação jurídica mão-contratual, a conjugação de vontades que conduz à execução da função pública leva em conta outros fatores tipicamente de direito público, como o provimento do cargo, a nomeação, a posse e outros do gênero. [...] A conclusão, pois, é a de que o regime estatutário, como tem em vista regular a relação jurídica estatutária, não pode incluir normas que denunciem a existência de negócio contratual. Servidores públicos estatutários são aqueles cuja relação jurídica de trabalho é disciplinada por diplomas legais específicos, denominados de estatutos. Nos estatutos estão inscritas todas as regras que incidem sobre a relação jurídica, razão por que nelas se enumeram os direitos e deveres dos servidores e do Estado. [24]

Idêntica é a lição de José Cretella Júnior:

Mediante a posse, que é o importante ato simbólico, formal e solene, que fixa o escolhido em suas funções, tornando-o funcionário, concretiza-se a aceitação, completa-se a nomeação a nomeação, perfaz-se o vínculo que liga a pessoa jurídica do Estado à pessoa física do funcionário, dando como conseqüência imediata o aparecimento, para ambas as partes, de direitos e obrigações prescritos nas leis e regulamentos vigentes. Pela posse, que é seguida usualmente do compromisso "de bem servir" e, em alguns casos, do juramento, está o funcionário apto para entrar no exercício efetivo do cargo (...). O funcionário público obrigar-se-á, por compromisso formal no ato de posse, ao desempenho de seus deveres legais. [25]

Assinale-se que, dentre os deveres decorrentes do regime estatutário regrado pela Lei n. 8.112/1990, disciplinadora da atuação dos servidores públicos distritais, encontra-se a previsão do múnus funcional estabelecido pelo art. 164, § 2º, do Estatuto: todo servidor, quando designado pela autoridade administrativa competente, deverá, obrigatoriamente, funcionar como defensor dativo do indiciado revel em processo administrativo disciplinar.

Daí que é obrigatório que o servidor, quando designado, exerça a função de defensor dativo, sob pena de deixar de observar norma legal, de descumprir ordem superior da autoridade que o designou, de terminar por manter conduta incompatível com a moralidade administrativa (a qual requer a punição dos infratores e que tem como pressuposto fundamental que os funcionários nomeados como membros de comissões disciplinares ou defensores dativos cumpram o mister funcional), de opor resistência injustificada ao andamento de processo administrativo disciplinar, incidindo em descumprimento de deveres e proibições funcionais (art. 116, III, IV, IX; art. 117, IV, todos da Lei n. 8.112/1990), sujeitando-se às punições funcionais aplicáveis, desde advertência ou suspensão de até 90 dias.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Questões práticas em torno dos efeitos da Súmula nº 343 do Superior Tribunal de Justiça sobre o processo administrativo disciplinar e a sindicância. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1769, 5 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11222. Acesso em: 24 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos