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O mundo do trabalho ante a globalização

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Agenda 01/09/2000 às 00:00

1. Intróito

O presente trabalho visa a perquirir, ainda que de forma lacônica, alguns fenômenos cujas conseqüências parecem não ter explicação. Isso porque não se pode desconhecer as profundas modificações pelas quais passam as relações de trabalho. Portanto, mais do que dar respostas, o principal objetivo do presente estudo é trazer a lume algumas reflexões.

Assim, a primeira indagação é: Teria o povo brasileiro a capacidade para escrever e não apenas ler as leis a que é imposto a obedecer em face da volatilidade do capital alienígena em detrimento das relações de trabalho, ante as transformações socioeconômicas no III milênio?

Ora, na medida em que se aceita o fenômeno da globalização – uma nova edição do laissez-faire – e do neoliberalismo como uma fatalidade(1), a resposta é não. A passividade do povo em nada obstará a crescente e ilimitada concentração de riquezas de um lado, e, de outro, diametralmente oposto, a desumana face da exclusão social. Mas, se a sociedade deixar de assistir atônita ao jogo do "livre mercado", haverá, sim, uma chance de escrever a sua própria história, as suas próprias leis. Prova disso são as recentes mobilizações de ONGs em face das reuniões da OMC, seja àquela ocorrida em dezembro de 1999, na cidade de Seattle(2), nos Estados Unidos – que não teve êxito do ponto de vista dos interesses capitalistas –, ou aquela que posteriormente ocorreu em Davos, na Suíça.

Indubitavelmente a propalada "aldeia global" é um discurso retórico porque, em vez de globalizar a cidadania, privilegia o cassino mundial a que foram lançados os países subdesenvolvidos. E o Brasil é um deles, ou alguém ousaria dizer que ainda é o país do futuro?(3) Se assim o for, exsurge outra indagação: Para o futuro de quem?

Vem a corroborar o que há pouco se falou o fato de que o ganho (mais-valia) capitalista deixou de centrar-se na exploração da força de trabalho e migrou para o ganho fácil do cassino financeiro internacional.

A título de esclarecimento, convém lembrar que, "nas transações internacionais, os fluxos financeiros são 50 vezes maiores do que os fluxos de mercadorias, bens e serviços"(4). Poder-se-ia asseverar que essa situação caótica para os países periféricos é um corolário do reinado da moeda americana no âmbito da economia mundial, que teve início com a assinatura do Tratado de Bretton-Woods, em julho de 1944, nos EUA. Afinal, foi a partir desse momento histórico que se institui o "dólar americano como meio de pagamento internacional, substituindo o ouro"(5). Tiveram sua gênese à época dos acordos de Bretton-Woods o FMI e o Banco Mundial (BIRD).

Nesse diapasão, a nova roupagem do Liberalismo Clássico – neoliberalismo –, impõe uma nova ordem global sobre os homens. Um novo paradigma surge. De tal sorte que o próprio direito à vida passa inexoravelmente pelo dever de trabalhar. Sem trabalho, o que não significa necessariamente estar empregado, o homem sucumbe às mazelas e às migalhas que lhe sobram do mundo economicamente globalizado.(6) E, em se falando de globalização, é consentâneo que se registre que o ideário neoliberal posto em prática pelo Governo Federal é iníquo à soberania nacional e, por conseguinte, à maioria da sociedade brasileira. Isso porque há alguns poucos brasileiros – políticos ou empresários –, circunscritos em seus feudos oligárquicos, que se locupletam às custas dos seus concidadãos. Há quem sustente que para este III milênio os países periféricos estarão às margens de um neofeudalismo.(7)

O ideário neoliberal (8), proposto por Friedrich Hayek (9), quando da publicação, em 1944, de sua obra O caminho da servidão, tinha por mira combater o Estado do Welfare State, ou seja, o Estado do Bem-Estar Social.

Esse ideário funesto, que deve ser repelido, é bem entendido quando Hayke (economista austríaco inspirador do Estado mínimo) declarou em entrevista concedida ao jornal chileno "El Mercurio" que, "se tivesse que escolher entre uma economia de livre mercado com um governo ditatorial ou uma economia com controles e regulações mas com um Estado democrático, escolheria sem dúvida o primeiro"(10).

O que se pretende é sucintamente e, em certa medida, de forma fragmentária, relacionar a implantação do Estado neoliberal com suas conseqüências iníquas para a esmagadora maioria dos povos do mundo. Nesse diapasão, é perspícua a relação entre a causa – precarização do mundo do trabalho (desemprego, reduções salariais, etc.) – e seu efeito – o aumento da pobreza e, por conseguinte, da marginalidade.


2. Forças produtivas e relações de produção

Não caberia adentrar pormenorizadamente no pensamento marxista, bastando, todavia, deixar assente que a clássica divisão do trabalho foi um consectário do desenvolvimento das forças produtivas, que teve início com os grosseiros e primitivos instrumentos de pedra, passando pelo surgimento dos ofícios e culminando nas manufaturas. Estas com elevado grau de importância, pois nele se verificou a divisão do trabalho (11) com o fito de promover a produção em larga escala, e de um só produto.

Nos primórdios da humanidade, o homem, animal gregário, lutou contra a natureza em comum. Pois, se assim não fosse, encontrar-se-ia isoladamente em desvantagem e, portanto, passível de sucumbir diante da natureza. Desse pensamento infere-se que a produção é sempre uma produção social, pois foi a sociedade que fez do homem o que ele é, foi a produção social que o arrancou da animalidade.

Se a produção tem sempre caráter social, é inevitável que, por ocasião da produção e no interior dela, se estabeleçam certas relações entre os homens. Portanto, além das relações do homem com a natureza, forças produtivas, há também as relações dos homens entre si no processo da produção. É o que os marxistas denominam de relações de produção.


3. As classes e as lutas de classes

A originalidade de Marx não foi a descoberta das classes sociais, mas sim o campo em que se davam essas lutas, uma vez que os fisiocratas David Ricardo e Adam Smith já haviam descoberto a relação do valor e do trabalho (12), assim como das classes sociais.

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Consoante o método dialético de Marx – tudo se relaciona –, não se pode compreender nenhum fenômeno natural ou social se o encararmos isoladamente, ou seja, fora dos fenômenos circundantes.

O materialismo histórico dialético fundamenta a luta de classes diante das relações de trabalho e destaca as contradições entre a classe dos exploradores e a classe dos explorados, evoluindo para uma concepção mais organizada na luta sindical.

A história do mundo registrou através da Revolução Francesa um exemplo claro da luta política entre classes, que resultou na tomada do poder político por aqueles que detinham somente o poder econômico, a burguesia.

No pensamento marxista nada existe além da natureza e do homem, entretanto, se analisados separadamente, não se pode explicar o desenvolvimento das sociedades.

Como já aludido, e aqui se faz uma ratificação do pensamento marxista, o substrato da evolução das sociedades ocorreu por meio do trabalho e da produção, sem os quais a sociedade não poderia se desenvolver.

O Direito do Trabalho foi corolário, afora as revoluções Gloriosa (1689), Francesa (1789), e as industriais (a primeira data de 1760), dos antagonismos da classe operária e da classe detentora dos meios de produção.

Diante do exposto, é certo que a idade do trabalho remonta à gênese da humanidade. Sua trajetória "evolutiva" tem início no trabalho coletivo, como ocorre ainda hoje nas tribos indígenas. No decorrer dos séculos, perpassa pela relação servil do homem frente ao Senhor Feudal, pela escravidão e, enfim, pela possibilidade de o trabalhador dispor "livremente"(13) de sua força de trabalho para vendê-la (14) aos capitalistas, detentores dos meios de produção.


4. Exclusão social

Há no mundo cerca de 1,1 bilhão de pobres e 850 milhões de desempregados (15), o que equivale a dizer que um terço da população planetária está à margem dos falaciosos benefícios da globalização. Acrescente-se a isso o fato de que cerca de 400 milhões de crianças e adolescentes se encontram alijados de qualquer expectativa de futuro, porquanto a educação cedeu ao trabalho precoce. Só a educação poderá garantir um lugar ao sol para as crianças e adolescentes. A Carta da UNICEF esclarece que a preferência dos empregadores pela mão-de-obra infantil ocorre porque esta é "mais hábil, mais dócil, mais explorável e menos custosa".

Osmani Teixeira de Abreu (16) esclarece, com fulcro nas estatísticas da OIT (1994), que a escolaridade média do trabalhador brasileiro é de 3,5 anos. Na Coréia do Sul, a média é 10 anos; no Japão, é 11 anos; nos EEUU, é 12 anos. Com efeito, não se pode aceitar no Brasil a mesma legislação trabalhista desses países. As realidades são diversas. O Brasil é um país do terceiro mundo, com problemas sociais graves, cuja economia não pode ser regida pela "mão invisível" do mercado primeiro mundista.

Ainda quanto à educação, impende ressaltar que, no âmbito do mundo do trabalho, mesmo que a escolaridade seja fator preponderante para a inserção do homem no mercado de trabalho, a condição atual da economia brasileira não a garante. Isso porque, "se todos os trabalhadores desempregados incrementassem seu nível de qualificação, o único resultado seria uma concorrência mais intensa entre eles, com provável queda dos salários pagos"(17).

Quando se fala em desemprego, os liberais preferem utilizar-se de um termo um pouco mais rebuscado, qual seja: exército industrial de reserva. Trata-se de um eufemismo cujo intuito é mitigar uma realidade que a maioria do povo faz questão de não enxergar. Essa "necessidade" de um número de excluídos – desempregados ou subempregados – visa a evitar que os salários subam, e, por conseqüência, reduzam a mais-valia, o lucro.

Paul SINGER assere que "a precarização do trabalho inclui tanto a exclusão de uma crescente massa de trabalhadores do gozo de seus direitos legais como a consolidação de um ponderável exército de reserva e o agravamento de suas condições"(18).

Quando se fala em excluídos do mercado de trabalho, há lembrar tanto aqueles que trabalham no setor informal como aqueles que efetivamente estão à margem da dinâmica social, uma vez que não têm acesso às garantias mínimas de vida. Os trabalhadores autônomos, por exemplo, ainda que inseridos no mercado de trabalho, não têm direito às leis previdenciárias e às leis trabalhistas.

Diuturnamente ouve-se, através da mídia, o governo falar em abertura de novos postos de trabalho. Contudo, não se fala da crescente defasagem entre aqueles que pretendem ingressar no mercado de trabalho e os postos de trabalho criados.

A exclusão social dá-se porque o capital não mais é investido, pelo menos com a mesma intensidade, nos setores produtivos, mas deslocou-se para a especulação financeira internacional. Com a escassez de investimentos no setor produtivo, menos postos de trabalho são abertos.

Observa-se, portanto, que a produtividade do capital cresce independentemente da força de trabalho. E o pior, as grandes empresas, por meio dos seus mecanismos financeiros, obrigam o Estado a atuar contra a sociedade, submetendo a ambos os seus interesses.


5. A extinção da Justiça do Trabalho

No auge dos veementes debates travados no Congresso Nacional, o Excelentíssimo Ministro do TST, Sr. Gelson de Azevedo, quando de sua participação no Congresso realizado em julho de 1999, em Florianópolis–SC, cujo tema era "A reforma do Poder Judiciário", aí inserida a extinção da Justiça do Trabalho, refutou a todos os argumentos daqueles que propalavam a extinção ou mesmo a absorção da Justiça do Trabalho pela Justiça Federal. Cumpre registrar algumas anotações à época, v. g.:

  1. O custo de manutenção da Justiça do Trabalho é de apenas 0,59% do Orçamento Geral da União. Isso para atender cerca de 2,5 milhões de ações, o que repercute aos anseios de, no mínimo, 10 milhões de pessoas;
  2. no concernente ao custo-médio por processo, Sua Excelência assim aduziu:
  3. Na Justiça do Trabalho o custo-médio de uma ação é de R$ 1.328,00. Na Justiça Federal, Justiça essa a que seria incorporada a Justiça Obreira, o custo-médio é de R$ 1.537,00;

  4. elucidou que o tão propalado excesso no número de Tribunais Regionais do Trabalho, em número de 24 no país, dava-se a uma vontade do Poder Legislativo, que na Constituição consignou o número de um Tribunal por estado.

Assim, resta evidente que não haveria redução de custos com a absorção da Justiça do Trabalho pela Federal. Sua Excelência ainda mencionou que o Senado Federal consome cerca de R$ 1 milhão por projeto. Sem querer questionar a necessidade desse parque fabril de leis, basta multiplicar o valor acima pelo número de projetos e então se chegará a números que igualmente levarão a todos também questionar a "necessidade" do Congresso Nacional para a sociedade.


6. Flexibilização das leis trabalhistas

Muito se tem falado da flexibilização das leis trabalhistas. Mas qual a acepção desse termo? Flexibilizar é elastecer, adaptar, ajustar as leis a uma nova ordem de produção. Com a crise do petróleo, nos anos 70, o mercado tornou-se instável e flexível, razão pela qual se rompe com os modelos fordista e taylorista de produção. Nasce o sistema do just in time e do Kanban (19). É a Era do modo de produção proposto pela empresa japonesa Toyota.

Se nos sistemas anteriores de produção a tônica era a verticalização da empresa, de tal modo que ela agrupasse todas as etapas do processo produtivo, com o Toyotismo "a tônica passou a ser a subcontratação de empresas (terceirização) que fazem as peças necessárias, cada uma produzindo determinada especialidade, mas mantendo participação acionária na terceirizada. Porém nas terceirizadas os salários são sempre inferiores aos da empresa principal"(20). O sistema japonês deu uma resposta à necessidade de acumulação flexível de capital, que "decorre da necessidade do capitalista de superar a crise e manter ou alcançar a maior taxa de lucros, que é o elemento motriz de todo o sistema"(21).

Nesse contexto de flexibilização da acumulação de capital, as normas rígidas das leis trabalhistas (22) devem também ser flexibilizadas. É o discurso daqueles que não têm qualquer comprometimento com a questão social, mas tão-somente com a maximização do lucro.


7. O contrato por tempo determinado

A Lei nº 9.601/98 surge da necessidade de adequar a força de trabalho à inserção do Brasil no mundo globalizado e, portanto, competitivo. Para tal mister, impende que se flexibilize (23) a legislação laboral através da redução de encargos e direitos trabalhistas com o fito de tornar os produtos nacionais mais competitivos, ou seja, mais atrativos ao mercado internacional.

Não bastasse essa necessidade de caráter econômico mundial, buscou-se, ante os índices elevados de desemprego, um discurso a fim de legitimar a presente. Assim, a lei oportunizaria a criação de novos postos de trabalhos, reduzindo sobremaneira o número de desempregados, e, por conseguinte, o número de excluídos sociais.

Sob o manto desses discursos retóricos, nasceu a lei que instituiu o contrato de trabalho por tempo determinado, que não se confunde com a Lei nº 6.019/74, que regula o contrato temporário de trabalho.(24)

Passando a distância da inconstitucionalidade da lei do contrato temporário de trabalho, haja vista que fere inúmeras garantias constitucionais capituladas no art. 7º da Constituição da República, convém esclarecer que a mesma lei foi implementada antes em países como Espanha e Argentina, tendo em ambos malograda com o seu escopo de redução dos índices de desemprego.

Se houve vantagem para algumas das partes envolvidas na relação de trabalho, certamente foi para o empregador, que logrou êxito em reduzir o "Custo Brasil"(25).


8. Conclusão

Se é verdade que o Direito é reflexo da sociedade, também é verdadeiro que aquele deve acompanhar a evolução desta. De qualquer sorte, não se pode destruir o que ao longo dos séculos se conquistou, sob pena de um retrocesso histórico e social (26).

Deve, pois, o Direito ser ajustado ao desiderato da sociedade, mas de forma a manter a eqüidade (27). Assim, poder-se-ia vislumbrar no descortinar do novo milênio também um novo Direito do Trabalho com vistas a atender à complexa teia social. Vislumbra-se, portanto, a oportunidade para que os cidadãos comprometidos com o escopo social da norma geral e abstrata escrevam a própria história. Nesse sentido, pode-se defender o que segue: a) uma tutela laboral da prestação autônoma; b) uma tutela laboral da prestação de serviços por "contrato de equipe", que se dá entre duas empresas em situação econômico-financeira desigual ou entre uma empresa e uma cooperativa (28); c) uma tutela laboral para remuneração dos serviços sem qualificação, cujo valor mínimo deve ser pautado pelo Estado; d) uma tutela laboral coletiva que vise a socializar os postos de trabalho com a reorganização, gradação e redução da jornada laboral nos setores diretamente atingidos pela revolução da microeletrônica, da informática e da digitalização (29).

Nessa mesma esteira, urge que se repense um novo Direito do Trabalho, "um novo protecionismo, não o protecionismo para a empresa, que, para os juristas neoliberais, parece ser a ponte que conduzirá a sociedade ao paraíso, mas um novo protecionismo para o trabalhador, para o cidadão, para o ser humano que tem como única fonte de sobrevivência sua força de trabalho. Esse é o moderno Direito do Trabalho que se deve defender"(30).

Devem, portanto, os operadores do direito (advogados, promotores e juízes), empunhar a bandeira dos Direitos Humanos. É nesse contexto que se suscita a força de uma sociedade a fim de que se faça valer o consignado na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e também na Constituição Federal brasileira, quando, no art. 1º, incisos II e III, eleva à categoria de fundamentos do Estado o direito à cidadania e à dignidade da pessoa humana.

Do contrário, a tentação da onipotência do homem sobre a natureza das coisas implicará uma ditadura dos mais fortes, com desprezo por todos esses princípios morais e jurídicos que visam a corrigir os desmandos da primazia da força e da riqueza sobre os direitos de todos (31). O perigo dessa possibilidade, talvez não num Estado democrático, mas num totalitário, é o questionamento da necessidade de o Estado mínimo (na visão dos neoliberais) ter de arcar com um número excedente de pessoas que não dão lucros tampouco consomem. São os desempregados, os desocupados e, por extensão, os sem terras, os com fome, com doenças, etc. É terrificante escrever que, "Depois de explorados e excluídos, bilhões de seres humanos, considerados supérfluos, devem ser exterminados?"(32).

É premente uma mudança cultural na sociedade, sobretudo naqueles que detêm o poder estatal, monopolizador da jurisdição. É preciso que os juízes, ao aplicar a lei seca ao caso concreto, preocupem-se "sociologicamente com o resultado de suas decisões. A máxima da dura lei não pode ser posta ao ‘povo duro’"(33). O promotor de justiça, na sua acepção etimológica, promove justiça, não é, portanto, um promotor de acusação, pois pode, diferentemente do advogado de defesa, pleitear a absolvição do réu. O juiz, que tem no seu mister a distribuição de justiça e não de leis, deve ter como cidadão que é, pois juiz ele está, um espírito social, e não apenas tecnicista do ordenamento jurídico.(34)

Ihering, jurisconsulto alemão, fundador da Escola Teleológica, propugnava que "a paz é o fim que o direito tem em vista, a luta é o meio de que se serve para o conseguir"(35). Noutra oportunidade, Ihering deixa assente que, "com o amor às minhas comodidades, com a minha indolência, com a minha fraqueza, é preciso que eu defenda o meu direito, custe o que custar; se não o faço, abandono-lhe não só este direito mas o direito todo"(36).

É de muita relevância que se reflita sobre essas palavras, pois há uma corrente forte, liderada pelos partidos de sustentação do governo Fernando Henrique Cardoso, que preconiza a possibilidade de se promover uma Emenda Constitucional com o objetivo de reformar, flexibilizar, adequar o artigo 7º da Constituição Federal à nova realidade econômica mundial. Trata-se, com efeito, de uma inconstitucionalidade a toda prova. Para tanto, basta uma perfunctória leitura do artigo 60, § 4º, IV, da Carta Política para se depreender que o aludido artigo 7º é cláusula pétrea, e, portanto, só passível de alteração pelo poder constituinte originário e não reformador (revisão, ou emendas).(37)

O que interessa, enquanto cidadãos, é que a globalização "permita a reconstrução da emancipação, ou de uma neomodernidade, compreendida como neo-socialismo, ou socialismo pensado de forma radicalmente democrática, preparado para os desafios de um século XXI nada promissor"(38).

Por último, cumpre desmistificar o que o senso comum, por não ter ou não querer ter acesso a informações dos julgados da Justiça do Trabalho, propala ser esta uma justiça tendenciosa, viciada, pois o empregado sempre ganha, ainda que não lhe assista direito.

Eis a oportunidade, nesse momento, de redenção aos não esclarecidos, e, para tanto, segue abaixo quadro referente às tendências das decisões de segunda instância no TRT/SC.(39)

TRT 12ª Região

Julgados

Empregados

%

Empregadores

%

Contrário a ambos

%

1997

14.789 5.400

36,51

7.157

48,39

2.232

15,09

1998

11.488 4.617

40,19

4.883

42,51

2.038

17,74

1999

11.634 4.991

42,90

5.076

43,63

1.567

13,47

Até abril de 2000

2.961 1.231

41,57

1.313

44,34

417

14,08

TOTAL

40.872 16.239

39,73

18.429

45,08

6.254

15,30

Cristalino está no quadro acima que das sentenças recorridas a sua grande maioria é reformada em prol do empregador. Não há, portanto, qualquer sustentáculo à assertiva do protecionismo da Justiça do Trabalho. O Direito, sim, é protetor, e deve sê-lo.(40)

Nunca é demais lembrar Platão, que em seu mito da caverna bem traduz a letargia daqueles que vêem na aparência das coisas aquilo que verdadeiramente não é. Aqueles que se satisfazem com as sombra dos objetos na parede da caverna se encontram em avançado estágio de alienação. Nada nesse mundo é irreversível. GAARDNER esclarece que "... como essas pessoas estão ali desde que nasceram, elas acham que as sombras que vêem são a única coisa que existe"(41). O repensar dialético da história é, indubitavelmente, o maior desafio da passagem do homem pela terra.

Sobre o autor
Augusto Cesar Ramos

advogado, especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo CESUSC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Augusto Cesar. O mundo do trabalho ante a globalização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1144. Acesso em: 23 dez. 2024.

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