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A cobrança da taxa de serviço (10%) em estabelecimentos comerciais à luz do direito brasileiro

Agenda 06/07/2008 às 00:00

Problema comum e recorrente no cotidiano das pessoas ocorre no momento de pagar a conta em estabelecimentos comerciais como bares, restaurantes e hotéis. Além do preço dos produtos consumidos, muitas vezes o consumidor se vê coagido a pagar a taxa de serviço, gorjeta ou, vulgarmente falando, os dez por cento sobre o valor total da conta.

O objetivo deste artigo é demonstrar que, sob o prisma do Direito, a cobrança compulsória e coercitiva da taxa de serviço é ilegal e abusiva, seja sob a ótica do Direito Constitucional, Civil, ou do Consumidor.

Em princípio, deve-se analisar a natureza jurídica do instituto. Uma errônea interpretação do artigo 457 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) pode levar a crer que a gorjeta compõe a remuneração do trabalhador como um elemento obrigatório.

Contudo, uma exegese mais profunda permite concluir que o objetivo deste dispositivo é tão somente integrar a gorjeta ao salário para os efeitos legais. É dizer: as gorjetas eventualmente recebidas pelos funcionários devem ser levadas em conta pelo empregador quando do pagamento das demais verbas trabalhistas como férias, décimo terceiro salário, FGTS dentre outras.

Isto não quer dizer, ao contrário, que a gorjeta seja uma obrigação do patrão ou do consumidor. A definição precisa do instituto é encontrada nos artigos 538 e 540 do Código Civil Brasileiro:

Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.

Art. 540. A doação feita em contemplação do merecimento do donatário não perder o caráter de liberalidade, como não o perde a doação remuneratória, ou a gravada, no excedente ao valor dos serviços remunerados ou ao encargo imposto.

Por outro lado, a Constituição Federal é clara ao dispor, em seu artigo 5º, inciso II, que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

Assim, por não existir atualmente lei federal que obrigue o consumidor a pagar gorjeta, qualquer valor pago a mais por este será mera liberalidade. Vale dizer: no momento de pagar a conta, qualquer adicional eventualmente pago pelo consumidor advirá de sua própria vontade, como mera doação por um serviço que este entendeu ter sido prestado de maneira eficiente.

Outro não é o conceito de doação remuneratória, consistente na transferência patrimonial do doador (consumidor) em favor do donatário (funcionário que o atendeu) por pura e simples vontade do primeiro, que em seu íntimo achou o serviço prestado pelo último eficiente e satisfatório.

Ainda que a doação remuneratória seja motivada por um serviço prestado, o artigo 540 do Código Civil, transcrito acima, deixa bem claro que o ato não perde seu caráter de liberalidade, não sendo relevante ao Direito a motivação da doação.

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Desta maneira, em hipótese alguma a gorjeta será uma obrigação ou dívida do consumidor, ainda que expressamente prevista em cardápios ou cartazes afixados no estabelecimento.

Nesse sentido, ensina o professor Sílvio de Salvo Venosa (Direito Civil: contratos em espécie, 5 ed., São Paulo:Atlas, 2005, p. 133):

Doação remuneratória consiste naquela que se faz em recompensa a serviços prestados ao doador pelo donatário. Ainda que estes serviços possa ser estimados pecuniariamente, não se consideram prestação exigível, isto é, o donatário não se torna credor. Como essa doação é conferida em retribuição, esses serviços devem ser anteriores ao ato.

Infelizmente, a maioria das pessoas não tem consciência de que o pagamento de gorjeta é faculdade única e exclusivamente sua, sendo vedada sua cobrança coercitiva pelo estabelecimento. Viu-se acima que a gorjeta tem natureza de doação remuneratória, sendo seu pagamento opção do consumidor, conforme tenha sido bem ou mal atendido.

Do seu lado, a maioria dos estabelecimentos comerciais se aproveita da ingenuidade das pessoas e cobra coercitivamente a taxa de 10% (dez por cento) sobre o valor total da conta. Chega-se ao absurdo de, em restaurantes self-service, onde o cliente serve a sua própria refeição, ser cobrada gorjeta sobre o valor da comida.

A cobrança compulsória e coercitiva da taxa de serviço, retirando do consumidor seu livre arbítrio e expondo-o a situações vexatórias ou constrangedoras, configura crime previsto no artigo 71 do Código de Defesa do Consumidor, bem como ato ilícito passível de indenização por danos morais.

Ressalte-se ainda que não existe contrato de prestação de serviços entre os funcionários dos estabelecimentos e os consumidores para ensejar uma possível remuneração obrigatória destes àqueles.

Quem contrata o funcionário e, por óbvio, deve pagar o seu salário é o estabelecimento e não o consumidor. A relação existente entre cliente e estabelecimento é de mera compra e venda, não podendo este transferir àquele a responsabilidade pelo pagamento do salário de seus funcionários.

Fica claro, portanto, que a cobrança da gorjeta de forma obrigatória, retirando do consumidor a faculdade de decidir se o funcionário que o atendeu merece a doação, é ilícita e abusiva, sendo, conforme o caso, crime e ato ilícito passível de indenização por danos morais.

Sobre o autor
Rafael de Oliveira Lage

Advogado, Bacharel em Direito pela Pontífícia Universidade Católica de Minas Gerais, Pós-Graduando em Direito Civil pelo IEC/PUC Minas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAGE, Rafael Oliveira. A cobrança da taxa de serviço (10%) em estabelecimentos comerciais à luz do direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1831, 6 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11459. Acesso em: 18 dez. 2024.

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