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O alcance do conceito de ordem pública para fins de decretação de prisão preventiva

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Agenda 01/09/2008 às 00:00

5. CONCEITO DE ORDEM PÚBLICA NO SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO

5.1. Ordem Pública e Clamor Social

Uma das interpretações mais controversas, para não dizer equivocada, acerca do alcance do conceito de ordem pública é aquela que a confunde com o clamor social (público). Segundo o Novo Dicionário da Língua Portuguesa (1975, p. 333), clamor social significa "descontentamento ou indignação popular", ou seja, é a comoção social resultante da prática de um crime que causa repercussão social negativa. Entretanto, em regra, qualquer crime, por si só, gera abalo social, o que não se pode conceber é a indistinção entre a ordem pública e o clamor social, o que, infelizmente, é verificado em decisões de alguns tribunais estaduais, bastando como fundamento para a decretação de prisão cautelar baseada na garantia da ordem pública somente a repercussão social do delito. A Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, julgando o HC nº 2003.059.02293, assim decidiu:

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA. CLAMOR PÚBLICO, OBRIGATORIEDADE. A decisão copiada às fls. Evidencia que o Julgador fundamentou suficientemente o decreto preventivo, inexistindo o alegado constrangimento ilegal. Ali informa o Julgador que o crime causara clamor público no pequeno Município, revestindo-se de extrema gravidade, estando a situação a exigir o decreto da prisão preventiva do réu. A fundamentação pode ser concisa, mas nunca ausente ou lacônica. Aliás, o proceder atribuído ao paciente já evidencia a necessidade de sua segregação, em prol da coletividade. Inexistência de constrangimento ilegal. ORDEM DENEGADA. (TJRJ, HC nº 2003.059.02293, 2ª C., rel. Gizelda Leitão Teixeira, j. 01/07/2003).

Apesar do posicionamento acima declinado, o STF vem decidindo de forma reiterada que clamor social e garantia da ordem pública não são sinônimos e aquele não é fundamento para decretação da prisão preventiva, sendo este pensamento consubstanciado no acórdão trazido à colação, no qual foi relator o Ministro Celso de Melo:

O estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade. O clamor público – precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312) – não se qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu, não sendo lícito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação análoga do que se contém no art. 323, V do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal.(STF, HC nº 80719-4/SP, rel. Celso de Melo, DJ 28/09/2001).

Muitas vezes, o clamor público é provocado pela imprensa, que, na busca de uma polêmica, narra os fatos de modo a transmitir à população uma situação de definitividade em relação ao delito e à sua autoria, contribuindo decisivamente para que seja cada vez mais atacado o princípio do estado de inocência, conforme adverte Ana Lúcia Menezes Vieira (2003, p. 168):

A narração dos fatos e a estigmatização do investigado ou acusado resolvem o caso criminal, não havendo sequer a necessidade da aplicação da pena pelo juiz – a sentença dada pelos meios de comunicação, inapelável, transita em julgado perante a opinião pública, tornando-se irreversível diante de qualquer decisão judicial que venha a infirmar a crônica ou crítica.

Deve-se ter em mente o valor social e educativo dos meios de comunicação que cumprem uma função de alto interesse público que é levar informação à população; mas, vale destacar também que esta liberdade de informação e de comunicação garantida pela CF em seu art. 5º, exige o compromisso de que a veiculação de notícias seja feita com responsabilidade, respeitando os princípios estabelecidos na Constituição brasileira. Um bom exemplo que ilustra a irresponsabilidade da mídia quando da veiculação de notícias relativas a crimes é o caso da Escola Base em São Paulo, que aconteceu em 1994, que consistiu em uma denúncia infundada sobre abuso sexual de crianças na referida escola:

Em março de 1994, vários órgãos da imprensa publicaram uma série de reportagens sobre seis pessoas que estariam envolvidas no abuso sexual de crianças, todas alunas da Escola Base, localizada no bairro da Aclimação, na capital. Os seis acusados eram os donos da escola Ichshiro Shimada e Maria Aparecida Shimada; os funcionários deles, Maurício e Paula Monteiro de Alvarenga; além de um casal de pais, Saulo da Costa Nunes e Mara Cristina França. (O GLOBO, 2006)

A divulgação da notícia pela mídia nacional levou ao saque e à depredação da escola pela população escandalizada e à prisão preventiva dos suspeitos. Após um tempo, o saldo deste escândalo foi um inquérito arquivado por falta de provas e diversas ações de indenização contra o Estado de São Paulo, bem como em face de vários jornais, revistas e emissoras de televisão. Até hoje os suspeitos cumprem a pior pena de todas, a da exclusão social provocada pela estigmatização e preconceito de que foram vítimas pela ampla exploração midiática do fato, além do comprometimento da vida profissional dos donos do colégio, que ficou arruinada.

Neste caso, a notícia fora publicada sem qualquer cautela, bem como a decretação da prisão, haja vista que teve por base o estardalhaço causado pela imprensa e a conseqüente repercussão social negativa, sendo que estes fatores não bastam para a decretação da prisão cautelar. Acompanhando este raciocínio, manifesta-se Fernando da Costa Tourinho Filho (2001, p. 529):

Não confundir "clamor público" com a histeria e raiva desaçaimada de certas autoridades que, para se tornar o centro das atenções, dão a determinados fatos comuns (e que ocorrem em todas as comarcas) uma estrondosa e ecoante divulgação, com a indefectível cooperação espalhafatosa da mídia, sempre ávida de divulgar o drama, o infortúnio e a desgraça alheias, esbanjando hipérboles.

Sendo este também o posicionamento do STF, conforme se extrai do acórdão do HC nº 83728/RS, publicado no DJ em 23/04/2004, em que foi relator o Ministro Marco Aurélio, a saber:

Relativamente à questão alusiva à imprensa, vale salientar a necessidade de o Judiciário manter-se eqüidistante, não se deixando envolver pelo que é veiculado, mormente a visão do leigo (...) O fato de o delito provocar grande repercussão nos meios de comunicação não conduz à prisão preventiva do acusado, estando o prestígio do Judiciário não na dependência da punição a ferro e fogo, mas na atuação harmônica com a ordem jurídica, respeitados os princípios jurídicos basilares da República. (STF, HC nº 83728/RS, rel. Marco Aurélio, DJ 23/04/2004).

A prisão preventiva baseada tão somente no clamor social é uma afronta ao direito de liberdade e ao princípio do estado de inocência, assumindo nítido caráter de antecipação de pena, como aduz Odone Sanguiné (2001, p. 277-79):

O alarma social constitui um dos critérios estranhos que claramente excedem a própria natureza cautelar e eminentemente processual da prisão preventiva para entrar em ma dimensão mais própria da pena mesma ou das medidas de segurança. Somente raciocinando dentro do esquema lógico da presunção de culpabilidade poderia conceber-se o encarceramento antecipado como instrumento apaziguador das ânsias e temores suscitados pelo delito. Isso supõe impor ao imputado uma medida equivalente a uma pena antecipada à própria condenação, não com base em necessidades processuais, mas de prevenção geral, o que resulta inconstitucional, porque se pressupõe a culpabilidade do acusado.

Convém ressaltar que além do STF, outros tribunais internacionais já declararam a inconstitucionalidade do clamor social como fundamento da prisão preventiva, como os Tribunais Constitucionais da Alemanha e da Espanha (SANGUINÉ, 2001, p. 285).

Sendo assim, o clamor público decorre frequentemente da prática de qualquer delito, não podendo ser confundido com a ordem pública, não constituindo, destarte, elemento idôneo a fundamentar o decreto de prisão preventiva com garantia da ordem pública, pois, do contrário, ocorreria a volta da já extinta prisão preventiva obrigatória, tendo em vista que todo crime gera um abalo social. Ademais, a prisão cautelar baseada na alegada presença do clamor social como garantia da ordem pública está em manifesta oposição ou afronta ao direito de liberdade e ao princípio do estado de inocência, haja vista que antecipa a pena, baseando-se em juízo sumário que pressupõe a culpabilidade do indivíduo.

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5.2. Ordem Pública e Gravidade do Delito

A gravidade do crime, por si só, não deve dar ensejo à decretação da prisão preventiva baseada na garantia da ordem pública, tendo em vista que, como já fora dito anteriormente, qualquer crime pode gerar um abalo social, já que o delito em si mesmo é, em regra, considerado uma conduta grave e reprovável pela sociedade. Assim, não se pode admitir que a ocorrência de um crime grave dê ensejo à privação da liberdade de um indivíduo, pois se estaria, neste caso, regressando ao extinto sistema de prisão preventiva obrigatória.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal (STF) já declarou que a alegação abstrata de gravidade torna a prisão ilegal no acórdão trazido à baila:

Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível – por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5°, LVII) – presumir-se a culpabilidade. Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da não-culpabilidade, em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário.(STF. HC nº 80719/SP, rel. Celso de Melo, DJ 28/10/2001).

E mais recentemente, o acórdão proveniente do julgamento do HC nº 90064/SP, tendo como relator o Ministro Sepúlveda Pertence, julgado em 08/05/2007:

1. Não constituem fundamentos idôneos à prisão preventiva a invocação da gravidade abstrata ou concreta do delito imputado, definido ou não como hediondo - muitas vezes, inconsciente antecipação da punição penal. Precedentes. 2. Ademais, ainda que se admitissem, em tese, os apelos à ordem pública, que estaria comprometida pela repercussão social do fato -, ou mesmo pelo denominado "temor social", essa motivação, no caso, se teria esvaído por completo pelo decurso de quase 6 anos da prisão dos Pacientes. V. Liberdade provisória deferida. (STF. HC nº 90064/SP, rel. Sepúlveda Pertence, j. 08/05/2007).

A gravidade do delito é condição bastante para afetar somente a ordem pública genérica, e não a específica do processo penal, pois somente o tipo penal infringido não pode embasar o decreto de prisão preventiva, até mesmo por que a autoridade judiciária não está adstrita ao crime tipificado na denúncia, mas sim à narrativa fática.

Vários são os precedentes do Superior Tribunal de Justiça neste sentido, como, por exemplo, o acórdão do HC n° 41742/MT, publicado no DJ em 22/08/2005, em que foi relator o Ministro Félix Fischer, a saber:

[...] deve o decreto prisional ser necessariamente fundamentado de forma efetiva, não bastando meras referências quanto à gravidade genérica do delito [...] A gravidade em abstrato do delito não pode, por si só, dar ensejo à decretação da medida constritiva, tendo em vista o princípio constitucional da presunção de inocência.(STJ. HC nº 4172/MT, Rel. Felix Fischer, DJ 22/08/2005).

Corroborando este pensamento, colaciona-se trecho do acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), proferido em sede do habeas corpus (HC) nº 29.888, proveniente do Estado de São Paulo, tendo como relatora a Ministra Laurita Vaz: "A gravidade do delito, por si só, não é razão suficiente para autorizar a custódia cautelar, devendo haver outros requisitos associados a esse" (STJ. HC 29.888-SP, 5ª T., rel. Laurita Vaz, j. 04.03.2004).

Do mesmo modo, o HC n° 33770/BA, publicado no Diário de Justiça (DJ) em 16/08/2004, em que foi relator o Ministro Paulo Medina, ponderou que: "A gravidade do delito, ainda que em hipótese de crime hediondo, se considerada de modo genérico e presumida de maneira divorciada de fundamentação fática objetiva e atual, não é capaz, per se, de autorizar a custódia cautelar".(STJ. HC nº 33770/BA, rel. Paulo Medina, DJ 16/08/2004).

Mais recentemente, posicionou-se, também, neste sentido, o Ministro Carlos Fernando Mathias, no julgamento do HC nº 88821/MT:

1.A decretação da prisão preventiva deve, necessariamente, estar amparada em um dos motivos constantes do art. 312 do Código de Processo Penal e, por força do art. 5º, XLI e 93, IX, da Constituição da República, o magistrado está obrigado a apontar os elementos concretos ensejadores da medida. 2. No ordenamento constitucional vigente, a liberdade é regra, excetuada apenas quando concretamente se comprovar, em relação ao indiciado ou réu, a existência de periculum libertatis. 3. A gravidade do crime não pode servir como motivo extra legem para decretação da prisão provisória. (STJ. HC nº 88821/MT, rel. Carlos Fernando Mathias, j. 22/11/2007).

Apesar deste acertado posicionamento, ainda há Tribunais que decretam a prisão preventiva baseada na gravidade do delito, como se pode visualizar do acórdão proferido no HC 403.810-1, proveniente do extinto Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo:

Prisão preventiva. Roubo qualificado. Decretação. Necessidade. Agente primário. Irrelevância. No crime de roubo qualificado pelo emprego de arma de fogo, mister é a decretação da custódia do agente, ainda que primário, sendo inviável sua revogação, em face da gravidade do delito, o qual abala a ordem pública. (TACRIM-SP-14ª C. – HC 403.810-1 – Rel. França Carvalho – j. 02.04.2002).

Inúmeras são as decisões dos Tribunais estaduais que corroboram com este entendimento, v. g., a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do HC n° 296.380-3, dispondo que: "Fato de ser primário e possuir bons antecedentes que não o isenta da medida cautelar tomada, haja vista a gravidade do crime praticado - Ordem denegada".(TJSP. HC nº 296.380-3, 1ª Cam. Crim., rel. Raul Motta, j. 25/10/1999).

Neste sentido, já decidiu a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, no julgamento do HC n° 302948900, ao apontar que: "A prisão preventiva, fundada na garantia da ordem pública, tem por escopo evitar a prática de novos crimes, inclusive impedindo que a coletividade, dada a gravidade do delito, venha a se sentir desprotegida e atemorizada"(TJPR. HC nº 302948900, 3º C. Crim., rel. Robson Marques Cury, j. 01/09/2005), dentre outros julgados de diversos juízos e Tribunais de Estados da Federação.

Não basta a alegação abstrata da gravidade do crime, ainda que hediondo, para decretação da prisão preventiva baseada na garantia da ordem pública, haja vista que, após o advento da Lei nº 5.349 de 31 de novembro de 1967, a modalidade obrigatória de prisão preventiva foi abolida do Código de Processo Penal brasileiro, devendo ser demonstrada a necessidade da prisão e a real ameaça à ordem pública ante os fatos concretos.

Neste sentido, já se posicionou o STF no HC n° 82446/MG, dispondo que: "O caráter hediondo do crime não consubstancia motivo suficiente à adoção da prisão preventiva automática, de muito abolida do sistema processual penal brasileiro".(STF. HC nº 82446/MG, rel. Maurício Corrêa, DJU 12/06/2003).

Assim, não constitui fundamentação bastante a ensejar a decretação da prisão preventiva para garantia da ordem pública, a gravidade do delito, seja ele ou não hediondo, uma vez que tal gravame está inserido no próprio tipo penal transgredido, sendo, portanto, causa acessória da conduta praticada, não podendo o Estado impor ao acusado, além de submetê-lo a um processo pela suposta empreitada criminosa, uma prisão cautelar embasada neste mesmo motivo, sob pena de anular-se o princípio do estado de inocência, caracterizando, desta feita, arbitrário cumprimento antecipado de pena.

5.3. Ordem Pública e Credibilidade da Justiça

Decretar a prisão preventiva com o fito de resguardar a credibilidade da Justiça é uma das possibilidades que mais atenta contra os princípios constitucionais e processuais estabelecidos no ordenamento jurídico brasileiro, haja vista que se trata de uma tentativa de remediar o desgaste do Poder Judiciário ou melhorar sua imagem frente à população. Assim, mediante prisão que, por vezes, é ilegal, busca-se dar à sociedade uma falsa sensação de justiça, baseada na sumariedade, ferindo os princípios do contraditório, da ampla defesa e do estado de inocência.

O autor da prática de um crime, no pensamento coletivo, deveria ser punido prontamente com a pena privativa de liberdade. Entretanto, há todo um procedimento legal a ser observado para que se chegue, ou não, a uma condenação e possível segregação. Neste ínterim processual, ressalte-se que a liberdade é um direito fundamental e que ninguém será considerado culpado antes da sentença penal condenatória transitada em julgado. Diante destes axiomas garantidores erigidos a preceitos constitucionais, não se pode tolher o direito de ir e vir simplesmente em nome da credibilidade da Justiça, pois tal elemento não constitui fundamento para o decreto de prisão preventiva.

O descrédito da coletividade diante da Justiça advém de um sentimento de insegurança provocado por fatores diversos, mas que encontra na criminalidade seu denominador comum. Boa parte da população não reconhece ou admite que o processo penal é todo voltado à proteção do réu, com a intenção de resguardá-lo de decisões injustas e arbitrárias, ou seja, de buscar o adequado e razoável equilíbrio entre o interesse punitivo do Estado e o direito à liberdade. Ocorre que, tal indignação ou sentimento de insegurança é capaz somente de afetar a ordem pública genérica, não dando ensejo a fundamentar o decreto preventivo.

A maior parte dos Tribunais vem afirmando que a garantia da ordem pública se limita, da mesma forma, a acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça em face da gravidade do crime, conforme o seguinte acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido no HC nº 288.405-3, pelo Desembargador-relator Walter Guilherme:

É providência acautelatória, inserindo-se no conceito de ordem pública, visando não só prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça, em face da gravidade do crime e de sua repercussão, convindo a medida quando revelada pela sensibilidade do juiz à reação do meio à ação criminosa. (HC 288.405-3, Bauru, 3ª. C., rel. Walter Guilherme, 10.08.1999, v.u.).

Seguindo este posicionamento, o Desembargador-relator do HC nº 1.0000.05.417037-8/000, proveniente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

O paciente fora indiciado pela prática dos crimes previstos nos arts. 213 e 214, c/c art. 224, a, todos do Código Penal, acusado, juntamente com "N.B", de haver explorado sexualmente, de forma sistemática, crianças do Município de Águas Formosas-MG, mediante o pagamento de módicas quantias em dinheiro e pequenos agrados. (...) Ora, em casos tais, a custódia se faz necessária não só para prevenir a prática de novos crimes, mas também como meio de acautelar a própria credibilidade da justiça, em razão da gravidade dos delitos e sua repercussão social.(TJMG. HC nº 1.0000.05.417037-8/000, 1ª C., rel. Edelberto Santiago, j. 15/03/2005).

No entanto, o STF, guardião da Constituição, já se pronunciou a respeito da matéria, no HC 80.719-4, em que foi relator o Ministro Celso de Mello:

A preservação da credibilidade das instituições e da ordem pública não consubstancia, só por si, circunstância autorizadora da prisão cautelar – "Não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual, a alegação de que o réu, por dispor de privilegiada condição econômico-financeira, deveria ser mantido na prisão, em nome da credibilidade das instituições e da preservação da ordem pública" (STF – 2ª T. – HC 80.719-4 – Rel Celso de Mello – j. 26.06.2001).

No mesmo sentido, o julgamento do HC n° 82909/PR, relatado pelo Ministro Marco Aurélio, assegurando que:

A magnitude da lesão é elemento do tipo penal, sendo neutra para efeito de segregação preventiva. O clamor social, na maioria das vezes a envolver visão apaixonada, não serve ao respaldo da custódia precária e efêmera, o mesmo devendo ser dito quanto ao prestígio do Judiciário, a quem incumbe, independentemente de fatores atécnicos, da capa do processo, da repercussão do crime, guardar a mais absoluta eqüidistância, decidindo à luz da ordem jurídica. (STF. HC nº 82909/PR, rel. Marco Aurélio, DJ 17/10/2003)

Posicionamento mais recente do Ministro Eros Grau, no HC nº 86158/SP, confirma a jurisprudência do STF no sentido de que a invocação da credibilidade das instituições jurídicas não constitui motivo idôneo para ensejar a decretação de prisão preventiva baseada na garantia da ordem pública:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. NECESSIDADE. 1. Prisão preventiva para garantia da ordem pública. O Supremo Tribunal Federal vem decidindo no sentido de que esse fundamento é inidôneo quando vinculado à invocação da credibilidade da justiça e da gravidade do crime. (STF. HC nº 86158/SP, rel Eros Grau, j. 19/09/2006).

Sendo este o posicionamento que melhor se coaduna com a realidade, ao apontar que o resguardo da credibilidade da Justiça é motivo insuficiente à decretação da prisão preventiva como garantia da ordem pública. Neste sentido o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC n° 39339/PR, afirmou que:

A defesa da ordem pública não se confunde com [...] a ameaça à credibilidade da Justiça, entendida aqui como instituição a que se atribui o dever de velar e garantir a almejada paz social, afastando qualquer lesão ou ameaça de lesão a direitos e garantias previstas em nosso ordenamento jurídico. Sua já tão desgastada imagem não pode dar azo a tentativas de reabilitação institucional perante o corpo social, pelo simples fato de se manter preso este ou aquele indivíduo. (STJ. HC nº 39339/PR, rel. Hélio Quaglia Barbosa, DJ 16/05/2005).

Corroborando este posicionamento, a recente jurisprudência do STJ, proveniente do HC nº 76223/RN, em que foi relatora a Ministra Laurita Vaz:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PREVENTIVA. FUNDAMENTOS. GRAVIDADE DO DELITO. CIRCUNSTÂNCIA SUBSUMIDA NO TIPO. VÍTIMA QUE SE ENCONTRAVA CUMPRINDO PENA EM REGIME ABERTO. ABALO À CREDIBILIDADE DA JUSTIÇA. MOTIVAÇÕES INIDÔNEAS. 1. A prisão preventiva deve ser decretada se expressamente for justificada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal. 2. Deve o decreto prisional ser necessariamente fundamentado de forma efetiva, não bastando meras referências quanto à gravidade genérica do delito, sem demonstração com base em dados concretos extraídos dos autos, da necessidade da custódia dos acusados, dada sua natureza cautelar. 3. A circunstância de estar a vítima, à época dos fatos, cumprindo pena, por si só, não justifica a decretação da prisão preventiva dos Pacientes para assegurar a credibilidade da justiça. Precedentes. 4. Ordem concedida para revogar a prisão preventiva dos Pacientes, se por outro motivo não estiverem presos. (STJ. HC nº 76223/RN, rel. Ministra Laurita Vaz, j. 16/10/2007).

Deste modo, a ordem pública específica do processo penal não abrange idéia relacionada à credibilidade do Poder Judiciário como fundamento bastante para se decretar a prisão preventiva, pois se tal descrença é conseqüência do incremento de crimes na visão da grande maioria da sociedade, leiga em Direito, não se admite, no entanto, do aplicador das normas, justamente por conhecê-las, este mesmo entendimento.

5.4. Ordem Pública e Periculosidade do AGENTE

Apesar de não haver um posicionamento consolidado acerca do alcance do conceito de garantia da ordem pública, a jurisprudência vem se firmando no sentido de apontar como fator preponderante para a decretação da custódia preventiva a periculosidade do réu. Sendo este o teor do acórdão proveniente do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferido no HC nº 412.323-3/4:

A periculosidade do réu, evidenciada pelas circunstâncias em que o crime foi cometido basta, por si só, para embasar a custódia cautelar no resguardo da ordem pública, sendo irrelevante a primariedade, os bons antecedentes e a residência fixa."( TJSP. HC nº 412.323-3/4, rel. Marcos Zanuzzi, j. 13/03/2003).

Esta interpretação resulta em uma clara ofensa ao princípio do estado de inocência e ao direito de liberdade, haja vista que ignora, inclusive, os bons antecedentes e a primariedade, configurando, assim, verdadeira antecipação da pena. Infelizmente, esta tese está sendo seguida, inclusive, pelos tribunais superiores do país, como se observa do teor do aresto trazido à colação, proveniente do STJ, ao apontar que:

Resta devidamente fundamentado o decreto prisional, com o reconhecimento da materialidade do delito e de indícios de autoria, com expressa menção à situação concreta que se caracteriza pela garantia da ordem pública, consistente na reiterada atividade delitiva e a possibilidade de prática de novos delitos. (STJ. HC nº 43267, Ministro Felix Fischer, DJU 10/10/2005).

Ainda, o HC n° 42432/DF, registra que: "A prisão se mostra justificada quando o julgador demonstra a necessidade de proteção da ordem pública, tendo em vista a periculosidade do agente e o modus operandi da ação delituosa".(STJ. HC nº 42432/DF, rel. José Arnaldo da Fonseca, DJ 15/08/2005).

Neste diapasão, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n° 84981/ES, em que foi relator o Ministro Carlos Velloso, manifestou-se no sentido de que:

EMENTA: - PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO EM FLAGRANTE, LIBERDADE PROVISÓRIA. PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA. PERICULOSIDADE. I. – A periculosidade do agente justifica a custódia preventiva como garantia da ordem pública. Mantém-se, então, a prisão decorrente do flagrante. II. – H.C. indeferido. (STF. HC nº 84981/ES, rel. Carlos Velloso, DJ 22/04/2005).

Ainda neste sentido, o RHC n° 85112/SC, em que foi relator o Ministro Joaquim Barbosa, a saber:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INTERPOSIÇÃO DIRETA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONHECIMENTO COMO HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. PERICULOSIDADE DO AGENTE. LEGALIDADE. ORDEM DENEGADA. O recurso ordinário em habeas corpus, quando interposto diretamente a esta Corte, deve ser conhecido como habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. É legítima a manutenção da prisão preventiva do paciente quando há no decreto de prisão elementos que demonstrem concretamente não terem cessado as atividades da organização criminosa à qual ele é acusado de pertencer e que evidenciem sua periculosidade. (STF. HC nº 85112/SC, rel. Joaquim Barbosa, DJ 05/08/2005).

Essa periculosidade pode ser aferida de várias formas, diz-se que o agente é perigoso se cometeu novos crimes ou puder vir a cometê-los. No primeiro caso, não há presunção de culpabilidade, pois só cometendo um crime posterior pode o agente ser preso de forma preventiva. Neste sentido, decisão do STJ no RHC nº 8040:

A reiteração da mesma conduta criminosa após ter sido beneficiado com liberdade provisória concedida mediante pagamento de fiança indica personalidade direcionada ao crime, o que justifica sua prisão preventiva com garantia da ordem pública. (STJ. RHC nº 8040, rel. Vicente Leal, DJU 23/11/1998).

A segunda situação já é um pouco mais complexa, pois se considera previamente que o agente poderá cometer novos delitos, presumindo-se, desta forma, a sua culpabilidade e periculosidade. De acordo com a opinião de Delmanto Júnior (2001, p. 179), há, neste caso, dupla presunção:

Sem dúvida, não há como negar que a decretação de prisão preventiva com o fundamento de que o acusado poderá cometer novos delitos baseia-se, sobretudo, em dupla presunção: a primeira, de que o imputado realmente cometeu o delito; a segunda, de que, em liberdade e sujeito aos mesmos estímulos, praticará outro crime, ou, ainda, envidará esforços para consumar o delito tentado.

A grande parte dos Tribunais se posiciona desta forma, fazendo-se presumir a periculosidade do réu com base nos antecedentes criminais e reincidência, isto quando não desprezam estes fatores e decretam a prisão preventiva com base no modus operandi do crime, fazendo com que esta modalidade de prisão perca sua principal característica, qual seja, de acautelar o processo, para assumir a feição de medida de segurança. Neste sentido, Aury Lopes Júnior (2005, p. 203):

Manter uma pessoa presa em nome da ordem pública, diante da reiteração de delitos e o risco de novas práticas, está se atendendo não ao processo penal, mas sim a uma função de polícia do Estado, completamente alheia ao objeto e fundamento do processo penal.

Já fora analisado que o clamor social, a gravidade do delito e o resguardo da credibilidade da Justiça não podem servir como fundamento para decretação da prisão preventiva baseada na garantia da ordem pública por constituírem em causas acessórias do crime, conseqüências deste. Ocorre que a periculosidade do agente não pode ser levada em consideração para o decreto da custódia preventiva não por ser conseqüência do delito, mas porque tem caráter de prevenção especial negativa da pena, característica própria da prisão pena, e não à prisão processual.

A prisão, como pena decorrente de uma sentença penal condenatória transitada em julgado, tem como finalidade a retribuição e a prevenção. A retribuição tem caráter de sanção propriamente dita, já a prevenção corresponde ao aspecto teleológico de ressocialização e educação da pena, podendo ser dividida em geral e especial. A prevenção geral recai sobre toda a sociedade, ao passo que a especial diz respeito somente ao agente do delito, sendo que ambas podem subdividir-se em positiva e negativa.

A prevenção geral positiva consiste em mostrar à população a coesão do sistema, que existem regras que devem ser obedecidas, sob pena de sanção judicial. A prevenção geral negativa tem a função de intimidar possíveis futuros infratores, ou seja, a pena deve servir de exemplo desencorajador da prática de crimes (ALMEIDA, 2003, p. 77).

A prevenção especial positiva dá à pena imposta ao infrator caráter ressocializador, ou seja, "que ela possa reeducá-lo, fazendo com que ele tenha condições de observar a lei penal, o que possibilitaria sua reinserção social"(ALMEIDA, 2003, p. 77). Já a prevenção especial negativa tem por escopo evitar que o infrator volte a delinqüir, "é o que se chama de inocuização, isto é, retira-se o delinqüente do meio social para evitar suas futuras e prováveis ações deletérias" (ALMEIDA,2003, p. 77).

As características mencionadas constituem finalidades da prisão-pena, e não da prisão provisória. De acordo com a abalizada doutrina, qualquer que seja a modalidade de prisão processual, esta não pode ser decretada com o fim de preencher estas características:

A prisão como pena pode ter finalidade de prevenção geral – positiva ou negativa – ou prevenção especial – positiva ou negativa -, mas como medida cautelar jamais pode assumir tais encargos. O juiz que decreta uma prisão cautelar ‘para intimidar outras pessoas’, para ‘servir de exemplo’, está absolutamente equivocado e, pior, não está demonstrando o caráter instrumental da providência acautelatória. (GOMES, 1996, p. 44).

Desta forma, pode-se concluir que a decretação da prisão preventiva baseada na periculosidade do réu não pode subsistir, em virtude de seu nítido caráter de prevenção especial negativa, característica que só pode pertencer à prisão penal, além da perda da instrumentalidade da prisão processual, tendo em vista que tal fundamento não preenche a função de acautelar o processo ou a instrução criminal, característica, esta sim, marcante da prisão cautelar, apesar de a jurisprudência uníssona se posicionar de forma favorável a esta interpretação.

Sobre a autora
Luciana Leonardo Ribeiro Silva

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe e Advogada

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luciana Leonardo Ribeiro. O alcance do conceito de ordem pública para fins de decretação de prisão preventiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1888, 1 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11669. Acesso em: 22 nov. 2024.

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