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O desmatamento das florestas nativas como decorrência das falhas de mercado

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Agenda 12/10/2008 às 00:00

O texto analisa, à luz do Direito Econômico, um dos componentes das causas que resultam na persistente desatenção do ser humano para com a necessidade de exploração sustentável dos recursos naturais.

Resumo. Numa economia capitalista podem ocorrer falhas de mercado, concernentes as externalidades. Estas externalidades podem ser positivas ou negativas. A devastação das florestas nativas, analisada sob o enfoque econômico, tem como conseqüências falhas de mercado onde concorrem externalidades positivas e negativas, vez que, num primeiro momento o proprietário de terra suporta individualmente os custos e a redução de seus rendimentos para a preservação da floresta e, num segundo momento, a sociedade suporta os ônus decorrentes do desequilíbrio do ecossistema gerado pelo desmatamento. O Direito Econômico e o Direito Ambiental podem auxiliar na correção dessas falhas de mercado, induzindo a internalização dos custos e/ou perdas de rendimentos, com vistas a propiciar um equilíbrio de mercado e ensejar a exploração sustentável dos recursos florestais.

Palavras Chave. Falhas de mercado - Externalidades – Internalização de custos - Preservação e exploração sustentável de florestas nativas.


1. Introdução.

A crescente agressão ao meio ambiente pelo homem é uma realidade de fácil visualização, assim como a resposta da natureza em relação às interferências que o planeta tem sofrido, que lesam os diversos sistemas naturais que regulam, equilibram e permitem o desenvolvimento das variadas formas de vida que convivem, umas dependendo das outras é, também, cada vez mais perceptível.

Este cenário despertou a preocupação da comunidade científica, ensejando, nos últimos anos, inúmeros estudos voltados ao que, inicialmente, foi denominado de "ecodesenvolvimento", recebendo, posteriormente, o título de "desenvolvimento sustentável".

Passando ao largo das discussões acerca das inúmeras concepções atribuídas pela literatura ao termo "desenvolvimento sustentável", destaca-se, para os fins deste ensaio, o conceito extraído do National Research Council que parece adequar-se aos objetivos de se abordar, no presente estudo, os desvios de mercado como elementos econômicos tendentes a incentivar o desmatamento de florestas nativas:

"o desenvolvimento sustentável é o mais recente conceito que relaciona as coletivas aspirações de paz, liberdade, melhoria das condições de vida e de um meio ambiente saudável. Seu mérito reside na tentativa de reconciliar os reais conflitos entre economia e meio ambiente e entre o presente e o futuro." [01]

Na medida em que são ampliados e acelerados os estudos sobre os instrumentos para a implementação de processos de desenvolvimento sustentável, crescem, em conseqüência, as análises sobre as causas que levam a deterioração dos recursos naturais.

A observação científica dos procedimentos adotados pelo homem na exploração da natureza permite perceber que os limites das necessidades diretas do ser humano são ultrapassados em quantidade, espaço e tempo de exploração dos recursos naturais, fatores que estão provocando o rápido esgotamento das reservas não renováveis, bem como o desequilíbrio entre o consumo e a reposição das reservas renováveis. E, a exploração ilimitada desses recursos, somada à produção cada vez maior de rejeitos, vem alterando o ecossistema de forma já perceptível, fator que se encaminha para a modificação das condições atuais do planeta, o que poderá torná-lo menos favorável à vida tal como a conhecemos.

Esse comportamento exclusivo dos seres humanos, de consumo de recursos naturais além dos limites inerentes as suas necessidade diretas, encontra explicação em "causas econômicas e/ou políticas, segundo o tipo de relações sociais e econômicas prevalecentes e o nível de desenvolvimento tecnológico." [02]

À vista deste panorama, o objetivo deste ensaio será o de analisar, principalmente à luz do Direito Econômico, um dos componentes das causas que resultam na persistente desatenção do ser humano para com a necessidade de exploração sustentável dos recursos naturais. Trata-se de elemento de natureza econômica, reconhecido como externalidade, a ser aqui abordado em relação ao desmatamento das florestas nativas.


2. As falhas de mercado (externalidades).

Sob o prisma econômico, as externalidades representam uma falha de mercado consistente na distorção do preço de determinado bem em que é transferido para a coletividade o custo, por exemplo, da poluição gerada na produção, dando ensejo ao que os economistas costumam denominar de "privatização dos lucros e socialização das perdas." Esse fenômeno pode se dar, também, de forma inversa, quando um indivíduo, ou uma parcela menor da sociedade, suporta o custo de determinada ação, cujo benefício ecológico reverta em favor da coletividade. São as externalidades positivas.

Externalidades, portanto, sob o enfoque econômico e em relação ao meio ambiente, traduzem os efeitos - positivos ou negativos - gerados pela atividade econômica por ocasião da preservação, exploração, produção ou consumo de bens, que embora restrito a um determinado agente econômico ou segmento da economia, estendem seus impactos a toda a coletividade negativa ou positivamente.


3. A origem das falhas de mercado (externalidades).

Para que se tenha uma noção mais abrangente acerca das origens destas falhas de mercado, há que se ampliar mais a abordagem, analisando, mesmo que superficialmente, as questões relativas ao comportamento da produção numa economia capitalista e a exploração dos recursos naturais.

O objetivo desta superficial incursão, não ultrapassa os limites da abordagem dos motivos que ensejam as falhas de mercado no modelo econômico capitalista, afastado qualquer cunho comparativo com outros regimes econômicos, no sentido de eleger este ou aquele sistema como sendo mais ou menos agressivo para com o meio ambiente.

Para Foladori, "não é possível entender os problemas de depredação e poluição sem prestar atenção às tendências econômicas." [03] Nesse passo, seguindo o raciocínio do mencionado autor, quando se observa as regras que condicionam a produção capitalista, em especial as relações sociais delas decorrentes, é na concorrência que se localiza a origem de mecanismos que – neste sistema - podem ensejar a utilização desmedida dos recursos naturais.

Aprofundando a análise Foladori aborda a concorrência em diferentes níveis. Refere, inicialmente, a concorrência intra ramos. Há, nesta forma de concorrência, oferta de mercadorias similares donde resulta a fixação dos preços de mercado. O mercado, através da concorrência, estabelece o preço do produto independentemente dos diferentes custos de produção, tornando necessária a constante busca pela redução desses custos, para manter-se no mercado de forma competitiva comprometendo o mínimo possível das margens de lucro.

Decorre daí que "a possibilidade de incorporar produtos naturais sem preço e/ou a geração de desperdícios em espaços públicos são modalidades de depredação e/ou poluição que, constituindo efeito negativo para a sociedade em seu conjunto, significam, paradoxalmente, uma vantagem normal individual no capitalismo." [04]

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É um exemplo claro do fenômeno já mencionado de "privatização dos lucros e socialização dos prejuízos".

Na segunda hipótese a concorrência se dá entre ramos de produtores que ofertam mercadorias diferentes. Como o mercado é volátil as taxas de rendimentos se alternam, mostrando-se mais rentáveis ora em um, ora em outro ramo de produção. O capital, na sua perseguição pelo maior lucro, se desloca de um para outro ramo, de cujo movimento pode resultar tanto a "sobreprodução" quanto a escassez de mercadorias, conforme as taxas de lucratividade sejam capazes, ou não, de atrair mais ou menos capital.

Esses movimentos são cíclicos, vez que em se verificando "sobreprodução" haverá maior oferta de mercadorias, fator que induzirá a queda dos preços e a redução dos lucros. Para que se encontre o equilíbrio entre a oferta e a procura, com a conseqüente recuperação dos preços e das margens de lucros, muitas vezes os excedentes são destruídos, fator responsável pelo desperdício de recursos naturais transformados em mercadorias descartadas, somado aos danos provocados ao meio ambiente pelos rejeitos gerados na destruição ou descarte dos bens produzidos em excesso.

A concorrência possibilita, ainda, que se aufiram vantagens em razão da exploração de ambientes naturais diferenciados, que se expressam em mercadorias que não comportam a reprodução em massa. Nesses casos o preço final da mercadoria será regulado pelo poder de compra do público alvo, perseguindo o empreendedor além dos lucros tidos como normais, um lucro extraordinário decorrente do monopólio inerente à exclusividade representada pela mercadoria.

A respeito dessa modalidade de concorrência, Foladori destaca que "A construção sobre as encostas, que tanto influi nos transtornos ambientais, constitui um exemplo. Acontece que a base mesma desse tipo de lucro extraordinário está na depredação e/ou poluição de um recurso natural exclusivo e monopolizável." [05]

Em vista desses destaques, já é possível perceber que as forças que impulsionam a concorrência para a conquista do mercado, sempre em busca do maior lucro possível, induzem cada vez mais à exploração, em grande escala, dos recursos naturais.

3.1. A concorrência e os fatores de produção capitalista.

Essas forças, de sua vez, podem ser analisadas a partir dos "‘fatores de produção capitalista’: o capital, a terra e o trabalho". [06]

O fator "capital" influi diretamente no ambiente na medida em que incentiva a exploração da natureza sem preço, promovendo a fabricação de produtos de curta duração e em quantidades sempre crescente.

Por exemplo, se uma das formas de aumentar os lucros e concorrer com preços competitivos é diminuir o custo, a apropriação de recursos naturais sem preço se mostra como uma solução importante para o mercado de um lado e uma catástrofe para o meio ambiente, de outro.

O fator "terra" na exploração pelo capital, implica na apropriação individual da renda do solo. Ou seja, além de provocar os mesmos efeitos inerentes a exploração industrial pelo capital, possibilita também a monopolização da produção. Nesse sentido, Foladori esclarece que "O fato de o solo não ser reproduzível à vontade permite que tanto a propriedade do solo como as diferenças de fertilidade se convertam em renda. Ou seja, permite que relações jurídicas, assim como diferenças físicas, transformem-se em vantagens econômicas para o dono do terreno." [07]

No fator "terra" se inclui também a expansão agrícola, responsável pela exploração de terras virgens com a derrubada das florestas, situação que propicia a apropriação da renda do solo, incrementada pelo lucro da renda decorrente da apropriação da terra.

O fator "trabalho" enseja o deslocamento das sociedades pré-capitalistas, gerando excedentes de trabalhadores e, consequentemente, a pobreza.

Em razão do deslocamento imposto a essas comunidades ocorre a perda de diversidade cultural, cujos grupos passam a engrossar os movimentos migratórios de trabalhadores perseguindo o capital em busca de postos de trabalho.

Em vista desses elementos característicos do sistema capitalista, ainda que abordados sem profundidade, é perfeitamente possível perceber a implicação direta deste modelo econômico com a forte exploração dos recursos naturais, vez que o sistema abre espaço – ante a permanente competição e a necessidade da manutenção das margens de lucros – aos desvios de mercado concernentes as externalidades.


4. A internalização dos custos.

As externalidades, ou desvios de mercado, decorrem, assim, da produção e/ou de consumo em razão das atividades econômicas exercidas sob a influência das "leis de mercado", e que se as reconhece como sendo negativas quando geram e transferem custos para a coletividade, ou como sendo positivas quando geram e transferem custos e/ou perdas que poderiam ser atribuídos à coletividade para o indivíduo. As "deseconomias externas se materializam em descarga para uns e carga para outros." [08]

A socialização dos custos ambientais na extração de matéria prima e na fabricação de bens, ou a privatização dos custos sociais na manutenção das reservas ecológicas, de sua vez, promove – ainda que indiretamente - o uso irracional dos recursos naturais. Com a finalidade de promover a correção destas falhas de mercado, a economia ambiental tem se concentrado em meios para proceder a internalização dos custos, encontrando na teoria da extensão do mercado, de Ronald Coase, e/ou na teoria da correção do mercado, de Arthur C. Pigou, fórmulas para induzir o mercado a adotar essa providência e também, em conseqüência, a explorar de forma racional os recursos naturais.

Para Pigou cabe ao Estado "introduzir um sistema de imposto, em caso de deseconomia externa (efeitos sociais negativos) e de subvenção ou incentivo, em caso de economia externa (efeitos sociais positivos)." [09]

Coase, de outro lado, é adepto da liberalização do mercado, apostando nas soluções negociadas entre os agentes privados, com vistas a internalizar, de forma eficiente, os efeitos externos. Cabe ao Estado, na teoria da extensão do mercado, não permitir a ocorrência de externalidades que não encontrem interessados na seara privada.

Nesta hipótese cabe a anotação de Foladori ao destacar que "Na medida em que as externalidades negativas podem ser valoradas e negociadas no mercado, está se internalizando tais externalidades. Fixar cotas de poluição, por exemplo, é uma forma de internalizar certo grau de poluição. Os interessados pagam por poluir, ou vendem suas cotas a outros agentes poluidores. Mediante esse mecanismo, converte-se em propriedade privada a possibilidade de atuar de forma negativa sobre o meio ambiente." [10]

Ao ver de Derani, as duas teorias "apóiam-se num individualismo metodológico integrado por uma perspectiva econômica isolada, sem a devida flexibilização com os aspectos menos matemáticos da economia." [11] Ou seja, as questões são tratadas exclusivamente sob a ótica de mercado, sem maiores preocupações com a complexidade do ecossistema.

Para a correção das falhas de mercado, em qualquer das duas teorias que se busque fundamento, fala-se em estimular a utilização de mecanismos que possibilitem a internalização dos custos, de maneira a serem suportados pelo produtor e/ou o consumidor daquela mercadoria, quando decorrentes das externalidades negativas, ou pela sociedade, quando decorrentes das externalidades positivas.

4.1. O princípio do poluidor-pagador.

O princípio do poluidor-pagador, também indicado como princípio da responsabilidade, se traduz em um mecanismo passível de proporcionar a internalização dos custos externos da degradação ambiental. A fórmula, considerados os aspectos puramente econômicos, apesar das dificuldades inerentes à identificação e valoração dos custos da degradação, é simples e pode apresentar-se como eficiente, contudo, insuficiente para o equacionamento da questão, se adotado isoladamente.

É verdade que dos efeitos da imposição, ao poluidor, de ônus financeiro em face dos danos ambientais gerados na sua atividade resulta além da internalização dos custos ambientais que de outra forma seriam arcados pela sociedade, a automática redução dos danos por conta, também, do interesse do poluidor de reduzir custos que passa a incorporar como exclusivamente seus.

Mas o assunto não se restringe, simplesmente, à questão financeira que encerra a cobrança e conseqüente internalização dos custos ambientais e à redução, por conta deste custo, da degradação do meio ambiente, tal como se o princípio do poluidor pagador representasse, simplesmente, a autorização da compra do direito de poluir.

E é neste aspecto que o Direito avança além dos conceitos econômicos, como instrumento capaz de, juridicamente, impedir que – embora internalizados os custos da degradação ambiental – sejam perpetrados determinados processos geradores de poluição causadores de custos insuportáveis para a sociedade. É que "uma otimização da aplicação deste princípio, escapando da relação aritmética individualizada, passa pela sua aproximação às preocupações de regulamentação macroeconômicas do direito ambiental, onde não se procura somente normatizar a produção ou consumo individual, mas estimular a realização de políticas econômicas específicas." [12]

4.2. O princípio do ônus social.

Como instrumento capaz de relativizar a aplicação do princípio do poluidor-pagador, emerge o princípio do ônus social, atribuindo-se ao Estado o dever de financiar e subvencionar, direita ou indiretamente, a atividade privada de proteção ambiental. É pertinente, por exemplo, a aplicação do princípio do ônus social nos casos das externalidades positivas.

Ainda, a utilização desse princípio, decorre da impossibilidade de o Estado em alguns casos identificar e transferir ao poluidor o custo da recuperação do dano causado, recaindo sobre o poder público, a responsabilidade pelo custo da promoção dos meios de prevenção e/ou recuperação das lesões ambientais dessa natureza.

Rehbinder ao comentar a aplicação dos princípios do poluidor pagador e do ônus social, esclarece que "Na realidade, trata-se de dois instrumentos necessários à conformação das políticas e prescrições normativas junto às disposições constitucionais condizentes com as finalidades do Estado Social. Pois, para superar os conflitos de interesses e objetivos, faz-se necessário recorrer ao princípio do ônus social, a fim de alcançar uma certa relativização à aplicação do princípio do poluidor pagador." [13]


5. Os desvios de mercado e o desmatamento das florestas nativas.

À vista deste panorama, focalizando a questão com ênfase no desmatamento das florestas nativas, pode-se se fazer um raciocínio capaz de demonstrar como as externalidades, ou desvios de mercado, influenciam na devastação das matas.

É indiscutível que a preservação das florestas é fundamental para a garantia do equilíbrio ecossistêmico, vez que as matas controlam o clima e os ciclos aquáticos abrigando um infinito número de seres vivos. As árvores absorvem o dióxido de carbono liberado na atmosfera auxiliando tanto a manter o ar limpo quanto a impedir o aquecimento do planeta pelo efeito estufa.

Não obstante, as florestas continuam a ser removidas em decorrência das regras do mercado, que impelem os agentes econômicos, dentre eles os proprietários de áreas passíveis de exploração agrícola e pecuária, a perseguirem a maior rentabilidade possível.

Não é difícil de se perceber que também esse quadro encontra explicação nos desvios de mercado antes destacados. Como já se comentou, em havendo falha de mercado, as externalidades negativas provocam um desvio de maneira que o real custo do bem não é internalizado e, portanto, o produto não reflete o verdadeiro preço. Ocorre, pois, um efeito externo, de vez que o bem-estar de um grupo depende não apenas de suas próprias ações, mas também de ações de outros.

Havendo fatores externos de poluição, o mecanismo de mercado falha em induzir o poluidor, que na hipótese pode ser representado pelo responsável pela industrialização da madeira extraída da floresta, a considerar, nas suas atividades, os custos suportados por outros. Quer dizer, num mercado livre, se não forem realizadas intervenções para corrigir esta distorção, ocorrerá o desmatamento até que os benefícios particulares daí decorrentes se igualem aos custos, também particulares.

São ignorados, por exemplo, os fatores externos, ou as externalidades negativas, eis que o custo do bem-estar daqueles atingidos pelo desequilíbrio ecossistêmico provocado pelo desmatamento, não influencia direta e mediatamente os agentes do desmatamento e, portanto, na imensa maioria das vezes não interferem nas suas decisões de vender a madeira e/ou transformar as áreas de floresta em pastagens ou em lavouras.

No entanto, é importante destacar, as correções de mercado haverão de considerar questões que antecedem ao corte das árvores. É que, se de um lado, o desmatamento afeta o equilíbrio do ecossistema e distribui para a coletividade o ônus da poluição (externalidade negativa), de outro, a preservação da floresta centraliza o custo de manutenção no proprietário da área preservada, fator que representa uma externalidade positiva, vez que o a sociedade usufrui, sem custos, os benefícios gerados ao ecossistema decorrentes da proteção da mata.

O proprietário da área sobre a qual reside interesse coletivo de preservação arca individualmente com os custos de manutenção da floresta. Além desses custos, há que se levar em conta os valores que seriam auferidos com a venda da madeira e com a exploração da agricultura e/ou pecuária.

Assim, se de um lado (sob o prisma da economia capitalista) essa externalidade positiva representa uma vantagem para a sociedade, que usufrui – sem custo – dos benefícios gerados ao ecossistema graças à preservação da área florestada, de outro, a inexistência de contrapartida financeira que promova o equilíbrio dos custos de manutenção da área a ser preservada e compense a rentabilidade não auferida, impele o proprietário – em atenção às leis de mercado – a desmatá-la. O fenômeno então, inverte a direção, donde resultam danos ao meio ambiente e a transferência dos custos dessa lesão à coletividade, transmutando uma externalidade positiva, cuja correção mediante a utilização de instrumentos econômicos, fundados no princípio do ônus social, poderia ter prevenido o desmatamento, em externalidade negativa, com conseqüências que vão bem além da socialização dos custos da lesão provocada.

As florestas, como parte integrante do ecossistema, possuem um valor econômico seguramente muito superior ao dos campos, pastagens, lavouras e também da madeira delas extraídas. Porém, os mecanismos tradicionais de mercado falham no que tange a representar o valor real dos recursos florestais. As reservas, enquanto mantidas por conta exclusiva dos proprietários das áreas representam uma externalidade positiva, e geram, em conseqüência, um desequilíbrio de mercado.

Sousa Ramos ao comentar o tema da conservação das águas, aborda a questão no contexto da "qualidade do meio-ambiente e falhas de mercado" [14]. Nesse passo, mencionado autor caracteriza a qualidade da água como um bem econômico, indicando que a decisão desta alocação não pode ficar a mercê do mercado, sob pena de ocorrer (justamente como o que se afigura com as florestas) o desvirtuamento do seu real valor econômico.

Consideradas estas questões de natureza econômica, visualizam-se alguns mecanismos que, alicerçados na lógica dinâmica do Direito Econômico, permitem a intervenção corretiva no mercado, de maneira a proporcionar a internalização dos custos reais causados pelo desmatamento no desequilíbrio do ecossistema.

Tal intervenção se dá pela via dos Incentivos Baseados no Mercado, que se constituem em instrumentos econômicos utilizados para corrigir as falhas de mercado e internalizar os custos de um bem, quando ignorados pelo mercado.

A propósito, a Comissão das Comunidades Européias [15], em março de 2007, elaborou em Bruxelas o documento COM (2007) 140, lançado no Livro Verde, que sugere a utilização de Instrumentos Baseados no Mercado para fins da política ambiental e de políticas conexas, do qual se transcreve o trecho a seguir, e onde se constata a perfeita harmonização das sugestões ali contidas com a linha de raciocínio externada neste ensaio:

"A utilização de instrumentos de mercado para proteger a biodiversidade está a ganhar aceitação como um meio de integrar a conservação da natureza nas tomadas de decisão dos agentes econômicos e de atingir, de forma eficaz em termos de custos, objetivos para a conservação e exploração sustentável dos recursos... Estão a ser utilizados os três tipos normais de instrumentos de mercado – impostos/taxas/tarifas, subsídios e licenças negociáveis – principalmente para a conservação dos habitats e ecossistemas, mas também para a proteção de determinadas espécies. Os instrumentos de mercado podem ser eficazes para incentivar os proprietários de terras a preservar as florestas e as zonas úmidas, ou para compensar os danos inevitáveis que os projetos de desenvolvimento infligem à biodiversidade, através da criação de habitats semelhantes noutros locais a fim de assegurar que não haja uma perda líquida de biodiversidade (compensação da biodiversidade). As taxas e tarifas, como as licenças de caça e pesca, podem ajudar a limitar a utilização dos recursos da biodiversidade a um nível sustentável. Existem também casos em que é concedido apoio financeiro sob a forma de "Pagamentos por Serviços Ambientais", nomeadamente de medidas agro-ambientais da Política Agrícola Comum, para compensar os proprietários de terras pela manutenção das florestas ou zonas úmidas que filtram a água, que funcionam como reservatórios ou que proporcionam habitats para insetos que polinizam as plantações vizinhas, uma vez que irão abdicar de receitas pelo bem comum. (sem grifo no original)

São diversos os Incentivos Baseados no Mercado referidos no mencionado documento, dentre eles destaca-se, a título de exemplo, os leilões realizados na Finlândia, em que os participantes fazem ofertas pelos subsídios mínimos necessários para promoverem a proteção da biodiversidade, evitando-se com isso a fixação de subsídios em excesso.

Talvez fosse mais conveniente nominar tal processo não como leilão, mas como uma espécie de concorrência, já que os proprietários de terras disputam as verbas de subsídios disponíveis, apontando os valores mínimos que entendem satisfatórios para o "Pagamento dos Serviços" ambientais necessários, para manter as florestas ao invés de desmatá-las para o cultivo.

Este sistema pode ser utilizado, por exemplo, para a distribuição de fundos destinados a preservação de espécies determinadas ou, no caso em exame, de um percentual de florestas de determinada região.

Também merecem destaque as reservas de habitats (habitat banking) das zonas úmidas desenvolvidas inicialmente nos Estados Unidos da América do Norte, em que se estabelecem regimes que permitem converter em ativos negociáveis as responsabilidades ambientais, de maneira que se alcança a proteção ambiental, sem perda líquida do valor total do bem ecologicamente protegido.

Assim, tanto os impostos quanto os incentivos são instrumentos de mercado, que à vista da lógica dinâmica, própria do Direito Econômico, podem ser utilizados para influenciar a decisão de poluir ou não, de preservar a floresta ou de substituí-la por um campo de pastagem.

Sobre o autor
Luís Oscar Six Botton

Advogado, Especialista em Direito Empresarial, Especialista em Direito Ambiental e Mestrando em Direito Econômico e Socioambiental da Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOTTON, Luís Oscar Six. O desmatamento das florestas nativas como decorrência das falhas de mercado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1929, 12 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11847. Acesso em: 24 nov. 2024.

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