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Considerações sobre o emprego da OTN na correção dos salários de contribuição dos benefícios previdenciários

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Agenda 19/11/2008 às 00:00

1. HISTÓRICO DA APLICAÇÃO DA OTN COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO DOS SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÃO CONSIDERADOS NO PERÍODO BÁSICO DE CÁLCULO

A lei 5.890/73 dispunha, em seu art. 3º, que os salários de contribuição considerados no período básico de cálculo deveriam ser corrigidos mediante a aplicação de índice fixado pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social [01].

Em 17 de junho de 1977 foi promulgada a lei 6.423 que conferiu ao índice resultante da variação nominal da Obrigação reajustável do Tesouro Nacional o status de fator de atualização monetária oficial.

O artigo 1º da lei 6.423/77 dispunha que o índice resultante da variação da OTN deveria ser aplicado sempre que a correção monetária decorresse de disposição legal ou negocial.

Note-se, no entanto, que o diploma normativo excluiu a incidência do mencionado índice relativamente aos reajustamentos salariais e aos reajustamentos dos benefícios previdenciários [02].

A restrição feita pelo legislador, em considerar a vedação do emprego da OTN na correção dos reajustes previdenciários, possibilitou o ajuizamento de milhares de processos judiciais nos quais os segurados pleitearam a condenação do Instituto Nacional do Seguro Social na obrigação de empregar a OTN como índice de correção monetária dos salários de contribuição considerados no período básico de cálculo.

Em um primeiro instante, o Poder Judiciário manifestou seu entendimento no sentido de que a lei 6.423/77 não foi capaz de revogar o art. 3º da lei 5890/73, tendo em vista o âmbito especial de vigência deste diploma normativo, como se pode ver da transcrição da Ementa do acórdão proferido pelo TRF da 4ª Região:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO DE BENEFÍCIO. ATUALIZAÇÃO DOS SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÃO ANTERIORES AOS DOZE ÚLTIMOS. LEI 5.890, DE 08.07.73, ART. 3º, PARÁGRAFO 1º, DA LEI 6.423, DE 17.06.77. REAJUSTE DE PROVENTOS. 1. O art. 1º da Lei 6.423, de 17.06.77, que impõe critério de correção monetária não revogou o parágrafo 1º do art. 3º da Lei 5.890, de 08.07.73, que estabelece a correção dos salários de contribuição anteriores aos doze últimos meses, para fins de cálculo de salário de benefício, segundo coeficientes estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social. 2. Não é inconstitucional a norma que atribui ao Poder Executivo o estabelecimento de índices de correção monetária. Na fixação dos coeficientes, no entanto, deverá o Poder Executivo observar o critério previsto em lei de modo expresso, implícito ou analógico. 3. É legítima a atualização do salário de contribuição, para fins previstos no parágrafo 1º do art. 3º da Lei 5.890, de 08.07.73, segundo os índices previstos para a correção monetária dos salários. Precedentes. (AC nº 89.04.07744-3/RS. 2ª turma do TRF da 4ª Região. Unânime. DJU, seção 2, de 12.12.90, pág. 30210).

No entanto, com o passar dos anos, o posicionamento jurisprudencial foi se assentando no sentido de impor a aplicação do índice de variação da OTN na correção monetária dos salários de contribuição considerados no período básico de cálculo [03]e[04].

A pacificação do entendimento dos tribunais foi responsável pela criação do mito segundo o qual todos os benefícios previdenciários deveriam ter suas rendas mensais iniciais alteradas pelo emprego da OTN.

No entanto, a aplicação indiscriminada do índice de variação da OTN, sem que sejam observadas as peculiaridades de cada caso, pode ser apontada como um dos muitos fatores responsáveis pelo incremento da despesa pública com o pagamento dos benefícios da Previdência Social.


2. SITUAÇÕES QUE IMPEDEM A INCIDÊNCIA DA OTN COMO FATOR DE CORREÇÃO DOS SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÃO CONSIDERADOS NO PERÍODO BÁSICO DE CÁLCULO

Deve o operador normativo observar que diversas situações excepcionam a incidência do índice de variação da OTN sobre os 24 primeiros salários de contribuição considerados no cálculo do valor da renda mensal inicial do benefício previdenciário.

2.1. Benefícios concedidos antes do advento da lei 6.423/77

Inicialmente, deve ser considerado que a lei 6.423/77 não prevê sua aplicação a situações ocorridas antes de sua vigência.

Logo, não é juridicamente possível a aplicação do índice de variação da OTN no cálculo dos benefícios concedidos antes de 17 de junho de 1977.

2.2. Benefícios concedidos após a Carta Constitucional

Em relação aos benefícios concedidos após a promulgação da Carta Constitucional de 1988, não é possível a aplicação do índice em questão, tendo em vista o artigo 144 da Lei 8.213/91 dispõe que os benefícios concedidos entre 5 de outubro de 1988 e 5 de abril de 1991 haveriam de ter sua renda mensal recalculada de acordo com os critérios estabelecidos por aquele diploma normativo [05].

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O art. 31 da Lei 8.213/91, por sua vez, dispunha que todos os salários de contribuição considerados no período básico de cálculo deveriam ser atualizados monetariamente pelo índice de variação do INPC, calculado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE [06].

A existência de previsão legal expressa em relação ao índice a ser empregado no cálculo do valor do benefício previdenciário afastou a possibilidade do emprego do índice de variação da OTN como fator de correção.

2.3. Benefícios cujos salários de contribuição considerados no período básico de cálculo não eram passíveis de atualização monetária

Diversos benefícios, por não comportarem a aplicação de correção monetária sobre os salários de contribuição considerados no período básico de cálculo, não podem sofrer a incidência do índice em questão.

2.3.1. Auxílios-doença, pensões por morte, aposentadorias por invalidez e auxílios-reclusão

De acordo com o inciso I do art. 37 do Decreto 83.080/79 [07], os auxílios-doença, as pensões por morte, as aposentadorias por invalidez e os auxílios-reclusão haveriam de ser calculados com base nos 12 últimos salários de contribuição, e não com base na média aritmética das 36 últimas contribuições vertidas para o sistema.

Tendo em vista o reduzido número de salários de contribuição que haveriam de ser considerados no período básico de cálculo, a legislação não previu a correção dos valores considerados na estimativa do valor do benefício previdenciário [08].

Desta forma, ficou afastada a possibilidade de incidência do índice de variação da OTN sobre os salários de contribuição considerados no período básico de cálculo, relativamente aos benefícios acima aludidos.

2.3.2. Benefícios acidentários

Os benefícios acidentários, concedidos tanto na vigência do Decreto 83.080/79 [09] quanto do Decreto 89.312/84 [10], eram calculados com base no valor do salário de contribuição do dia do acidente.

Logo, a metodologia a ser empregada no cálculo do valor dos benefícios acidentários não previa seu cálculo com base na média aritmética dos salários de contribuição, nem a atualização de seus valores. Tais fatores impossibilitam o emprego do índice de variação da OTN na determinação do valor da renda mensal inicial dos benefícios decorrentes de acidentes do trabalho.

2.3.3. Benefícios rurais

O Decreto 83.080/79 estabelecia que os benefícios de aposentadoria por invalidez [11], por velhice [12] e pensão por morte [13] haveriam de ser fixados em 50% do maior salário mínimo vigente no País.

Tendo em vista o fato de que tais benefícios eram estabelecidos com valor fixo, não se pode conceber a possibilidade da incidência do índice de variação da OTN no cálculo de sua renda mensal inicial.

2.4. Ferroviários

Art. 164.

O art. 1º da lei 8.186/91 instituiu a complementação do valor das aposentadorias percebidas pelos ferroviários admitidos na Rede Ferroviária Federal SA até 31 de outubro de 1969 [14].

A complementação seria devida em virtude do fato de que no momento da criação da RFFSA muitos servidores públicos foram transferidos para a aludida sociedade de economia mista da União. Dessa forma, perderiam eles o direito de manutenção da paridade do valor de seus benefícios previdenciários com os rendimentos dos servidores da ativa.

Assim, a complementação paga pela União tem o objetivo de manter o valor do benefício em um patamar isonômico em relação à remuneração paga aos servidores em atividade [15].

Ora, se os ferroviários admitidos até 31 de outubro de 1969 adquiriram o direito de perceber complementação paga pelos cofres da União, é possível inferir que seu benefício previdenciário não poderá sofrer a incidência do índice de variação da OTN sobre os 24 primeiros salários de contribuição considerados no período básico de cálculo, pois a alteração do valor da renda mensal inicial importará na redução, na mesma proporção, do valor da complementação paga pela União Federal.

Diante da constatação de que os ferroviários que adquiriram o direito previsto pelo art. 1º da lei 8.186/91 não auferem qualquer vantagem da aplicação do índice de variação da OTN aos 24 primeiros salários de contribuição considerados no período básico de cálculo, é possível concluir que tais segurados são carecedores do direito de ação.

2.5. Benefícios concedidos em períodos nos quais a aplicação da OTN resulta em variação negativa da renda mensal inicial

Por fim, não poderá o operador jurídico olvidar que a aplicação do índice de variação da OTN pode apresentar-se como uma desvantagem para o segurado.

Isso porque, em muitas hipóteses, o índice estabelecido pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social suplantava o índice resultante da variação da OTN para o mesmo período, de modo que a aplicação da OTN sobre os 24 primeiros salários de contribuição considerados no período básico de cálculo poderia resultar em uma redução do valor do benefício.

Ao se considerar a premissa acima, é possível concluir que os segurados que tiverem seus benefícios reduzidos em virtude da aplicação do índice de variação da OTN sobre os 24 primeiros salários de contribuição considerados no período básico de cálculo tornam-se carecedores do direito de ação, posto que não logram êxito em auferir proveito do provimento jurisdicional pleiteado.

A Justiça Federal da Seção Judiciária de Santa Catarina [16] elaborou planilha que demonstra que as aposentadorias concedidas em determinadas datas importam na redução do valor dos benefícios.

MÉTODO ALTERNATIVO (Santa Catarina)

DIB

RMI DEVIDA /

DIB

RMI DEVIDA /

DIB

RMI DEVIDA /

RMI ORIGINAL

RMI ORIGINAL

RMI ORIGINAL

jun.77

8,1295%

out.81

-0,5502%

fev.86

13,7077%

jul.77

-9,6632%

nov.81

3,4588%

mar.86

24,0712%

ago.77

-8,2115%

dez.81

7,3678%

abr.86

3,1622%

set.77

-7,0938%

jan.82

-9,5309%

mai.86

1,6048%

out.77

-10,5209%

fev.82

-5,8499%

jun.86

-0,7925%

nov.77

-9,7602%

mar.82

-2,2027%

jul.86

0,2552%

dez.77

-8,9813%

abr.82

-0,2227%

ago.86

-1,7736%

jan.78

-11,9786%

mai.82

3,6439%

set.86

-3,6128%

fev.78

-10,6889%

jun.82

7,5185%

out.86

-3,8059%

mar.78

-9,2773%

jul.82

2,0125%

nov.86

-5,3846%

abr.78

-11,2148%

ago.82

6,2638%

dez.86

-8,0765%

mai.78

-9,4252%

set.82

11,2509%

jan.87

-15,1674%

jun.78

-7,5622%

out.82

14,5100%

fev.87

-16,1714%

jul.78

-7,6713%

nov.82

19,6980%

mar.87

20,2569%

ago.78

-5,8389%

dez.82

24,3372%

abr.87

1,5548%

set.78

-4,1962%

jan.83

-1,0797%

mai.87

16,2894%

out.78

-5,9663%

fev.83

3,1341%

jun.87

35,0330%

nov.78

-4,5616%

mar.83

7,9453%

jul.87

-4,1040%

dez.78

-3,0090%

abr.83

10,7623%

ago.87

-2,8651%

jan.79

-4,6162%

mai.83

17,7064%

set.87

1,2569%

fev.79

-3,2107%

jun.83

23,8776%

out.87

-3,5397%

mar.79

-1,7610%

jul.83

2,8771%

nov.87

3,0583%

abr.79

-3,1208%

ago.83

9,1516%

dez.87

12,9989%

mai.79

-0,7453%

set.83

15,2772%

jan.88

12,3314%

jun.79

1,6593%

out.83

0,8025%

fev.88

25,8318%

jul.79

-7,7007%

nov.83

7,2980%

mar.88

42,4885%

ago.79

-6,1197%

dez.83

12,4946%

abr.88

31,2835%

set.79

-4,4471%

jan.84

-10,0545%

mai.88

47,9340%

out.79

-4,5354%

fev.84

-4,1059%

jun.88

62,5540%

nov.79

-1,6808%

mar.84

3,9750%

jul.88

15,2526%

dez.79

1,2206%

abr.84

-6,9023%

ago.88

18,1971%

jan.80

1,2462%

mai.84

-1,3188%

set.88

15,1137%

fev.80

4,1107%

jun.84

3,9643%

out.88

17,0607%

mar.80

6,6357%

jul.84

3,6305%

abr.80

6,3986%

ago.84

10,1933%

mai.80

8,9365%

set.84

17,2878%

jun.80

11,1685%

out.84

4,5916%

jul.80

-7,5155%

nov.84

13,0975%

ago.80

-5,0932%

dez.84

18,5495%

set.80

-2,6731%

jan.85

5,4048%

out.80

-2,5591%

fev.85

14,6554%

nov.80

-0,4359%

mar.85

22,3302%

dez.80

1,4568%

abr.85

7,1358%

jan.81

-19,7275%

mai.85

15,6885%

fev.81

-16,8133%

jun.85

22,0343%

mar.81

-13,0972%

jul.85

5,8250%

abr.81

-15,4359%

ago.85

9,9337%

mai.81

-11,9844%

set.85

14,4996%

jun.81

-8,4483%

out.85

5,2646%

jul.81

-9,2108%

nov.85

10,4627%

ago.81

-5,2790%

dez.85

15,9728%

set.81

-1,3918%

jan.86

2,6411%

A Justiça Federal tem empregado a referida tabela nas hipóteses em que não há possibilidade de comprovar o valor dos salários de contribuição considerados no período básico de cálculo.

Sobre o autor
Sérgio Roberto Leal dos Santos

Procurador Federal. Mestre em instituições Jurídico-Políticas pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor de direito Constitucional e Teoria da Constituição - FDV

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Sérgio Roberto Leal. Considerações sobre o emprego da OTN na correção dos salários de contribuição dos benefícios previdenciários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1967, 19 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11984. Acesso em: 24 nov. 2024.

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