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A Constituição Federal permite a condução de veículo automotor, sob influência de álcool -

sem que o condutor sofra qualquer tipo de molestação pela autoridade policial?

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Agenda 28/11/2008 às 00:00

Os Bens Jurídicos Tutelados e a Colisão de princípios constitucionais

É certo, como visto acima, que a Carta Magna protege o direito do indivíduo à não auto-incriminação. Mas protege, também, com a mesma intensidade, no caput do art 5º, o direito à vida e à segurança e, no art 144 o direito à segurança pública.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos

No caso em tela, normas constitucionalmente protegidas se colidem. De um lado o direito do motorista à sua intimidade e inviolabilidade pessoal e de outro, o direito à segurança e o direito à integridade física dos demais condutores e pedestres.

É certo que diante da colisão de princípios constitucionais deve-se aplicar a teoria da Ponderação dos Princípios Constitucionais.

O processo de ponderação no caso deve ser desenvolvido em duas etapas, a) concessões recíprocas, procurando preservar o máximo possível de cada um dos interesses em disputa ou, no limite, b) procederá à escolha do direito que irá prevalecer, no caso concreto, por realizar mais adequadamente a vontade constitucional.

Neste Sentido já se manifestou o TJRJ:

Responsabilidade civil de empresa jornalística. Publicação ofensiva. I. Liberdade de informação versus inviolabilidade à vida privada. Princípio da unidade constitucional. Na temática atinente aos direitos e garantias fundamentais, dois princípios constitucionais se confrontam e devem ser conciliados. De um lado, a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, de outro lado, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Sempre que princípios aparentam colidir, deve o intérprete procurar as recíprocas implicações existentes entre eles até chegar a uma inteligência harmoniosa, porquanto, em face do princípio da lealdade constitucional, a Constituição não; pode estar em conflito consigo mesma, não obstante a diversidade de normas e princípios que contém. Assim, se ao direito à livre expressão da atividade intelectual e de comunicação contrapõe-se o direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, segue-se como conseqüência lógica que este último condiciona o exercício do primeiro, atuando como limite estabelecido pela própria Lei Maior para impedir excessos e abusos" (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Apelação Cível n° 760/96 - RJ, 2ª Câmara Cível, rel. Des. SÉRGIO CAVALIERI FILHO).

Pode-se afirmar, ainda, que no exercício de ponderação utiliza-se o princípio instrumental da proporcionalidade ou Razoabilidade.

Prosseguindo, para melhor análise da questão apresentada, faz-se mister apresentarmos uma breve evolução da legislação de trânsito.

Quando o mundo vivenciou a produção em massa dos automóveis iniciada por Henry Ford, os poucos motoristas que circulavam em automóveis pelo país não estavam condicionados a qualquer tipo de normatização Estatal.

Todavia, o aumento da frota e dos acidentes envolvendo os veículos obrigou o Estado a criar regras gerais de circulação e conduta no trânsito.

Tais regras, bem como a exigência de obtenção de uma "licença para dirigir" foram criadas para regulamentar o trânsito e proteger os bens (públicos e particulares) dos motoristas mais imperitos, bem como proteger a vida e a incolumidade física dos transeuntes e os condutores e passageiros dos outros veículos.

Quanto mais modernos e velozes ficavam os veículos automotores, mais e mais normas protetivas e de segurança foram criadas pelo Estado. Em 1966, foi editada a lei federal 5.108 [11] que instituiu o Código Nacional de Trânsito, sendo este regulamentado, em 1968, pelo decreto 62.127. [12]

Em 1997 nasceu, então, o Código de Trânsito Brasileiro, norma extremamente rígida e que tem insculpida no art 1º, §2º, como princípio basilar, o direito ao "trânsito em condições seguras"

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Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.

...

§ 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito

Em conclusão a este breve histórico, nota-se que a intenção do legislador pátrio foi de dar efetividade ao princípio da segurança e do direito à vida previsto no art 5º da CF/88 ao impor como dever do Estado (no caso os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito) de garantir o trânsito em condições seguras além de imputar-lhe responsabilidade objetiva pelas suas ações e omissões na gestão do trânsito (art. 1º, §3º do CTB).

§ 3º Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro.

Passada esta breve digressão, vejamos os direitos constitucionais que estão em colisão.

De um lado encontra-se o direito do condutor de não se submeter a exames de verificação de dosagem alcoólica, em razão da proteção conferida pela Constituição à intimidade dos cidadãos e, ainda, pela previsão de que o seu silêncio não poderá ser argumento para o fundamento de imputação de qualquer conduta criminosa (não auto-incriminação).

De outro lado, vislumbra-se a obrigação do Estado ordenar o trânsito de modo a garantir o direito à vida, à integridade física e à segurança pública.

Em uma análise bastante superficial pode-se notar que os direitos à vida e segurança estão localizados no caput do artigo 5º o que pode denotar uma prevalência sobre os demais, inclusive os direitos à intimidade e ao silêncio que estão estipulados nos incisos XXXVI e LVIII do referido artigo.

Mas não é só. Realizando o exercício de ponderação acima estudado, outra não pode ser a conclusão senão a de que o direito à vida deverá sempre prevalecer, uma vez que este é a base dos direitos fundamentais previsto na CF/88 e a razão maior para existência de todo o arcabouço legislativo.

Importante, ainda, ressaltar que, diferente do que afirmam alguns articulistas, a utilização de veículos automotores não é incondicionada nem se trata do direito de livre locomoção previsto na Constituição.

A natureza jurídica deste instituto é de licença. O Estado somente permite a condução de veículos automotores por indivíduos maiores de 18 anos, alfabetizados, que possuam carteira de identidade e que sejam aprovados em testes de saúde, psicotécnicos, de legislação e de direção.

Art. 140. A habilitação para conduzir veículo automotor e elétrico será apurada por meio de exames que deverão ser realizados junto ao órgão ou entidade executivos do Estado ou do Distrito Federal, do domicílio ou residência do candidato, ou na sede estadual ou distrital do próprio órgão, devendo o condutor preencher os seguintes requisitos:

I - ser penalmente imputável;

II - saber ler e escrever;

III - possuir Carteira de Identidade ou equivalente.

Parágrafo único. As informações do candidato à habilitação serão cadastradas no RENACH.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9503.htm

Logo, verifica-se que a condução de veículos automotores é condicionada à preexistência de diversos requisitos. Mas os requisitos para a direção de veículo automotor não estão apenas no art 140, mas em todo o Código de Trânsito Brasileiro.

Dentre as diversas condições existentes podemos citar como uma das mais importantes a proibição de ingerir bebida alcoólica e conduzir veículo automotor.

Logo, a obrigação de submeter-se aos testes de alcoolemia, não se trata de ato de produzir provas contra si mesmo, mas sim de demosntrar que está cumprindo um dos requisitos previstos em lei para poder conduzir veículo automotor em vias públicas, qual seja, dirigir sem estar sob influência de álcool.

Assim, a resistência em submeter-se aos exames não poderá ser encarada como direito à não auto-incriminação, mas como ausência de requisito para direção de veículos automotores.

Citemos outros exemplos suficientes para elucidar a questão. Dispõe a Resolução 14 do CONTRAN que o extintor de incêndio trata-se de equipamento obrigatório. Em uma blitz de fiscalização é licito que o motorista se recuse a mostrar o extintor, já vencido, com base no direito à não auto-incriminação? Ou ainda, pode o Motorista se recusar a acender os faróis para que o fiscal de trânsito verifique se as lanternas estão em perfeito funcionamento?

Assim como dispõe a legislação do Estado da Pennsylvania (U.S.A.) acima citado, entendo que aquele cidadão que solicita do Estado uma licença para conduzir veículos automotores em vias públicas, ciente de que a lei proíbe a ingestão de álcool, implicitamente estará permitindo que esse requisito seja aferido em eventual fiscalização, isto é, ao obter a CNH ou permissão para dirigir o motorista abre mão de parcela de sua intimidade em benefício do trânsito em condições seguras, conforme estipulado no CTB.


CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto e respeitadas as posições dos renomados juristas e articulistas que defendem a inconstitucionalidade do art. 277, §3º, entendo que o referido dispositivo legal está em consonância com toda a proteção constitucional à vida e à segurança da população.

Assim, a resposta à pergunta apresentada é NÃO. A Autoridade Policial pode, e deve (poder-dever de polícia), dentro da legalidade, fiscalizar e punir não só aqueles que dirigem alcoolizados bem como aqueles que se recusam a comprovar que se encontram aptos a uma direção segura.

Como visto, a lei brasileira não é a única a punir o condutor que se recusa à realização dos testes de alcoolemia, até mesmo porque é, no mínimo, descabido privilegiarmos a intimidade de um cidadão em detrimento ao direito à vida e integridades daqueles que se utilizam as vias públicas mesmo tendo ciência do elevadíssimo numero de mortes causadas por motoristas embriagados em todo o planeta.


Notas

  1. Disponível na internet em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11705.htm
  2. Disponível na internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9503.htm
  3. A quinta emenda protege, em matéria criminal, o cidadão contra a auto-incriminação. Historicamente, a proteção jurídica contra a auto-incriminação está diretamente relacionada com a questão da tortura para extrair informações e confissões, comuns no final do século 16 e início do século 17, na Inglaterra. O caso mais célebre John Lilburne recusou-se a prestar juramento, em 1637. Seu caso mobilizou parcela da sociedade para as reformas contra juramentos forçados, auto-incriminação, e outros tipos de coerções. Foi apresentado "The Humble Petition of Many Thousands" para o Parlamento Inglês em 1647 com treze pedidos, entre os quais, o direito a não auto-incriminação. Estas proteções foram trazidas os Estados Unidos, e foram posteriormente incorporadas na Constituição através da sua Carta de Direitos. (elaborado a partir do texto disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Takings_Clause#cite_note-5).
  4. Petição Inicial disponível em http://www.stf.gov.br/portal/peticaoInicial/fazerDownload.asp?classe=ADI&processo=4103
  5. http://www.jusbrasil.com.br/noticias/93507/stf-deve-julgar-merito-da-lei-seca-ainda-este-semestre
  6. Disponível em: http://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do;jsessionid=6CF03151866528BB774DA412DFF01BCB.tpdjo05v_1?idSectionTA=LEGISCTA000006159521&cidTexte=LEGITEXT000006074228&dateTexte=20080815
  7. Disponível em http://www.dpp.uem.br/005.htm, acesso em 25 de agosto de 2008.
  8. SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da; SILVA, Mozart Brum. Obrigatoriedade do bafômetro no Estado Democrático de Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, dez. 1998. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/1749>. Acesso em: 15 ago. 2008.
  9. Trabalho apresentado no Debate Técnico Volvo de Segurança no Trânsito, com o tema Como tornar obrigatório o teste do bafômetro no Brasil?, promovido pelo Programa Volvo de Segurança no Trânsito e pelo Departamento de Trânsito do Paraná, em Curitiba, no dia 7 de abril de 2004.
  10. Quanto ao fornecimento de padrões vocais e de grafia, vide decisões do STF acima citadas (HC 83.096/RJ e HC 95.037).
  11. Disponível em: http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/fraWeb?OpenFrameSet&Frame=frmWeb2&Src=%2Flegisla%2Flegislacao.nsf%2FViw_Identificacao%2Flei%25205.108-1966%3FOpenDocument%26AutoFramed
  12. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D62127.htm
Sobre o autor
Eduardo de Souza Floriano

Procurador do Município de Juiz de Fora. Especialista em Direito Público. Especialista em Direito social. Especialista em Administração Pública Municipal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FLORIANO, Eduardo Souza. A Constituição Federal permite a condução de veículo automotor, sob influência de álcool -: sem que o condutor sofra qualquer tipo de molestação pela autoridade policial?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1976, 28 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12024. Acesso em: 22 nov. 2024.

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