5. CONTRAPONTOS: a argumentação dos opositores à desaposentação
A primeira argumentação dos opositores à desaposentação é que a aposentadoria é irrenunciável, nos termos do art. 181-B do Decreto nº 3.048/1999. Ocorre que tal argumento não pode subsistir. Consoante demonstração alhures, o citado Decreto reveste-se de inconstitucionalidade, pois extravasa os limites constitucionais, inovando em matéria não disposta nas Leis a que se propõe a regulamentar (Lei nº 8.212/1991 e Lei nº 8.213/1991).
É pacífico, em matéria previdenciária, que a aposentadoria é substitutiva do salário, revestindo-se das características e proteção inerente ao mesmo. Se ao salário, não se nega o caráter patrimonial, não há como se negar tal característica ao seu substituto (a aposentadoria). Assim, se a aposentadoria porta o caráter patrimonial, o seu titular fará uso na qualidade de bem patrimonial, podendo ou não, ao seu talante, exercer o direito da renúncia.
Os opositores sustentam também que a desaposentação (renúncia aos proventos, alvejando melhor aposentadoria) não poderia ser configurada como renúncia, eis que dependente de requerimento e concordância do órgão instituidor. Razão inexiste em tal argumentação. Veja-se que pelo princípio da paridade das formas, para que o fato jurídico aposentadoria seja retirado do ordenamento jurídico, necessário será outro ato administrativo de igual envergadura, in casu, o ato da desaposentação obedecendo a requisitos idênticos ao da aposentação.
Tecnicamente não se mostra adequado condicionar a desaposentação à concordância do órgão instituidor, eis que se trata de ato administrativo vinculado, preenchido os requisitos não há como se obstruir seus efeitos. Necessário será o conhecimento do órgão instituidor apenas para os fins administrativos de registros e anotações pertinentes, jamais para deferimento ou indeferimento (concordância).
Insistem os opositores em que a desaposentação não pode prosperar em razão de ausência de previsão legal. Veja-se que o fato de inexistir norma proibitiva é justamente, a contrário sunsu, o que viabiliza juridicamente a desaposentação. Pois ao particular é lícito fazer tudo aquilo que não está vedado na lei.
Rebatem os opositores que a desaposentação incorre em enriquecimento ilícito do segurado. Esse é um ponto controverso e tormentoso, pois há corrente doutrinária sustentando ser desnecessária a restituição de valores, a restituição integral e a restituição parcial (apenas do valor necessário ao equilíbrio atuarial e financeiro).
Atualmente ganha força, e parecer ser a mais volumosa, a corrente que defende a desnecessidade de restituição de valores ao órgão instituidor.
Porém, é certo que em qualquer sistema as despesas necessitam de aporte financeiro prévio, não há como se quitar débitos sem o recurso financeiro necessário, sob pena de quebra no equilíbrio das contas. Assim, parece mais sensato que, na desaposentação, haja a restituição do valor necessário ao equilíbrio atuarial e financeiro dos sistemas previdenciários, cujo valor deve ser identificado mediante prévio cálculo atuarial. Isso para evitar prejuízos ao sistema e a terceiros, eis que o direito não se presta a convalidar atos ilícitos, seu escopo é amparar a justiça dando a cada um, o que lhe pertence.
6. A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS DE SUPERPOSIÇÃO
Entre os Tribunais de Superposição: Superior Tribunal de Justiça – STJ e Supremo Tribunal Federal – STF, a presente matéria foi discutida apenas no STJ.
No STJ foi julgado o Recurso Especial Nº 692.628/DF, na sexta turma, em 17/05/2005, manejado pelo INSS, onde a corte superior sustentou a disponibilidade, a renunciabilidade da aposentadoria e desnecessidade da restituição de valores.
STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 692.628 - DF (2004/0146073-3). EMENTA: Previdenciário. Aposentadoria. Direito à renúncia. Expedição de certidão de tempo de serviço. Contagem recíproca. Devolução das parcelas recebidas.
1. A aposentadoria é direito patrimonial disponível, passível de renúncia, portanto. 2. A abdicação do benefício não atinge o tempo de contribuição. Estando cancelada a aposentadoria no regime geral, tem a pessoa o direito de ver computado, no serviço público, o respectivo tempo de contribuição na atividade privada. 3. No caso, não se cogita a cumulação de benefícios, mas o fim de uma aposentadoria e o conseqüente início de outra. 4. O ato de renunciar a aposentadoria tem efeito ex nunc e não gera o dever de devolver valores, pois, enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos. 5. Recurso especial improvido. (Resp nº 692.628/DF. Recorrente: INSS. Recorrido: Ronaldo Gomes de Souza. Rel. Min. Nilson Naves. Julg. 17/05/2005. Pub.: 05/09/2005, no DJ)
O citado aresto passou a formar precedente jurisprudencial no STJ, conforme consta no Informativo nº 247, de 16 a 20 de maio de 2005.
APOSENTADORIA PREVIDENCIÁRIA. RENÚNCIA. TEMPO. APOSENTADORIA ESTATUTÁRIA. A aposentadoria previdenciária, na qualidade de direito disponível, pode sujeitar-se à renúncia, o que possibilita a contagem do respectivo tempo de serviço para fins de aposentadoria estatutária. Note-se não haver justificativa plausível que demande devolverem-se os valores já percebidos àquele título e, também, não se tratar de cumulação de benefícios, pois uma se iniciará quando finda a outra. Precedentes citados: REsp 497.683-PE, DJ 4/8/2003; RMS 17.874-MG, DJ 21/2/2005, e MS 7.711-DF, DJ 9/9/2002. REsp 692.628-DF, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 17/5/2005.
De igual forma o STJ decidiu, por meio da sua quinta turma, ao apreciar os autos do Recurso Especial nº 663.336/MG, em acórdão publicado em 07/02/2008, cujo recurso também fora interposto pelo INSS.
STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 663.336/MG (2004/0115803-6). EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. MUDANÇA DE REGIME PREVIDENCIÁRIO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA ANTERIOR COM O APROVEITAMENTO DO RESPECTIVO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. POSSIBILIDADE. DIREITO DISPONÍVEL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. NÃO-OBRIGATORIEDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. Tratando-se de direito disponível, cabível a renúncia à aposentadoria sob regime geral para ingresso em outro estatutário. 2. "O ato de renunciar a aposentadoria tem efeito ex nunc e não gera o dever de devolver valores, pois, enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos" (Resp 663.336/MG. Recorrente: INSS. Recorrido: Ana Maria Athayde Polke. Rel.: Min. Arnaldo Esteves Lima. Julg. 06/11/2007. Pub.:07/02/2008).
A jurisprudência do STJ revela ainda algumas decisões monocráticas que vêm acompanhando o entendimento colimando nos recursos especiais citados.
Assim, o entendimento que majoritário no STJ é a possibilidade de renúncia à aposentadoria anterior com aproveitamento do respectivo tempo de contribuição, bem como a desnecessidade de restituição de valores, vez que a aposentadoria possui natureza alimentar e quando do recebimento dos proventos pelo segurado tal verba era indiscutivelmente devida, lícita e legal.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O instituto da desaposentação mostra-se plenamente viável a corrigir a injusta cobrança da contribuição previdenciária do aposentado que retorna à ativa, sem que possa pleitear, na atual sistemática previdenciária, qualquer benefício em decorrência das novas cotizações, vez que já possuidor de aposentadoria.
Sendo certo que o instituto da desaposentação tem como escopo excluir o vínculo do trabalhador aposentado com o regime de origem, de modo a permitir que ele possa pleitear Certidão de Tempo de Contribuição para proceder à averbação junto a novo regime previdenciário ou no próprio regime de origem e obter nova aposentadoria em melhores condições financeiras.
É cediço que a aposentadoria visa a proteção do segurado quando já não mais pode, por falta de vitalidade, prover seu próprio sustento e de sua família.
A desaposentação é uma renúncia à aposentação, sem prejuízo do tempo de serviço ou do tempo de contribuição, per si irrrenunciáveis, seguida ou não de volta ao trabalho (MARTINEZ, 2008, p. 36).
Ademais, quem pode o mais (impor ônus ao regime, requerendo sua aposentação quando preenchidos os requisitos) pode o mínimo também (obter a simples reversibilidade do ato concessivo da aposentadoria).
8. REFERÊNCIAS
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp nº 692.628/DF. Recorrente: INSS. Recorrido: Ronaldo Gomes de Souza. Rel. Min. Nilson Naves. Julg. 17/05/2005. Pub.: 05/09/2005, no DJ. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/Justi
ca/detalhe.asp?numreg=200401460733&pv=000000000000 >.Acessado em: 12 out 2008.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 663.336/MG. Recorrente: INSS. Recorrido: Ana Maria Athayde Polke. Rel.: Min. Arnaldo Esteves Lima. Julg. 06/11/2007. Pub.:07/02/2008. Disponível em: < http://www.stj.gov.br/webstj/proces
so/justica/detalhe.asp?numreg=200401158036>.Acessado em: 12 out 2008.
CUNHA FILHO, Roseval Rodrigues. Desaposentação e nova aposentadoria. Disponível em: <http://www.ucg.br/Institutos/nucleos/nepjur/pdf/desaposentacao.
PDF>. Acesso em 05 out. 2008.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Desaposentação: o caminho para uma melhor apsentadoria. 2 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.
KRAVCHYCHYN, Gisele Lemos. Desaposentação, fundamentos jurídicos, posição dos tribunais e análise das propostas legislativas. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1622, 10 dez. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10741>. Acesso em: 03 out. 2008.
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Desaposentação. São Paulo: LTr, 2008