RESUMO
Pautando-se em pesquisas científicas, estudos sócio-culturais, investigações político-sociais e documentos históricos, este trabalho identifica a origem da corrupção no país e pontua o seu estágio atual, dentro do cenário mundial, buscando identificar no contexto atual a estrutura, os recursos e o suporte existentes para prevenir a corrupção no Brasil. Identifica-se que o país dispõe de amplas estruturas já implantadas de controle interno; de eficaz gerenciamento de riscos; de completo mapeamento de ações capazes de trazerem resultados positivos; e, ainda de todas as leis necessárias. Contudo, detecta-se a carência no comportamento ético do servidor e visíveis sinais de comprometimento da integridade pública. Aproveita a ampla base legal já existente para apontar duas sugestões. A primeira consiste na facilitação da denúncia, através da percepção da necessidade de apenas modificar-se o texto da legislação que disciplina o ato da denúncia de corrupção, quando a identificação deva ater-se à da autoria do autor do ato ilícito; e não a qualificação do denunciante. A segunda sugestão – inspirada nos mecanismos de "trancamento" da pauta, em razão da não votação das Medidas Provisórias no prazo legal, e após demonstrar ser incabível e desprovido de amparo legal o usual conceito de prazo impróprio – indica para que sejam implantados "dispositivos" de "estímulo" ao cumprimento dos prazos processuais, sancionando-se os infratores. Aduz-se que caberá aos responsáveis pelos órgãos da Administração Pública – a despeito de quais sejam estes órgãos, em quais Poderes e esferas – que evitem ser igualmente sancionados, bastando que consigam manter em suas equipes apenas servidores e agentes comprometidos com a integridade pública e a ética, bastando que seja feito uso da própria lei que prevê a exoneração do servidor, com base na avaliação da sua aptidão e capacidade para o desempenho do cargo. Conclui-se, com fulcro na própria natureza e história do povo brasileiro, que sempre haverá de ser possível reverter-se este e qualquer outro cenário.
Palavras-chave: Eliminar prazos impróprios. Cumprir prazos processuais. Facilitar a denúncia.
SUMÁRIO:1 - INTRODUÇÃO; 2 - CONCEITOS; 2.1 - CONCEITO DE CORRUPÇÃO; 2.2 - CONCEITOs DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO, SERVIDOR PÚBLICO E AGENTE PÚBLICO; 2.3 - CONCEITO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA; 3 - ORIGEM HISTÓRICA DA CORRUPÇÃO NO BRASIL; 4 - O TAMANHO DO PROBLEMA; 5 - PREVENÇÃO DA CORRUPÇÃO; 5.1 - CONTROLE INTERNO; 5.1.1 - A estrutura do controle interno; 5.1.2 - Ações para prevenir a corrupção; 5.2 - GERENCIAMENTO DE RISCOS; 5.2.1 - Fatores que favorecem a corrupção; 5.3 - ÉTICA E INTEGRIDADE PÚBLICA; 5.3.1 - Nesse ritmo, quem triunfará: o desânimo, sobre a virtude; ou a vergonha, sobre a ética e a integridade pública? ; 5.3.2 - Exemplos positivos e negativos; 5.3.2.1 - Exemplo negativo do grau de deterioração da integridade pública; 5.3.2.2 - Exemplo positivo de perseverança e preservação da ética; 5.4 - TRANSPARÊNCIA PÚBLICA E CONTROLE SOCIAL; 5.5 - CONFLITO DE INTERESSES ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO; 5.5.1 - Interesse privado ou supremacia do interesse público? ; 6 - INOVAR PARA TORNAR MAIS EFICIENTE A PREVENÇÃO; 6.1 - FACILITAR AO CIDADÃO A AÇÃO DE DENUNCIAR ATOS IMPROBOS; 6.2 - FIM DOS PRAZOS IMPRÓPRIOS; 7 - Conclusão; REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
É regra básica que para se discorrer sobre qualquer tema faz-se indispensável este seja devidamente contextualizado, considerando que as regras metodológicas orientam para que exista o cuidado necessário com a indicação da origem temporal e espacial dos eventos que marcaram o início do assunto sobre o qual se irá tratar.
Entretanto, quando se pretende elaborar trabalho que tem como tema matéria que versa sobre a corrupção, rapidamente se percebe que é tarefa ingrata a investigação da sua origem; tanto no quesito época, como também no que se refere à especificação do local em que ter-se-ía o registro inaugural de um ato corrupto.
Não obstante a existência dessa lacuna irremediavelmente insanável – considerando que a usual ausência de vestígio conduz a simples conjecturas acerca do marco zero da corrupção –, o presente estudo buscará trazer a comento os melhores indícios que se conseguiu apurar, obtidos através da pesquisa em trabalhos publicados sobre o mesmo tema central: o combate à corrupção.
Ainda assim, faz-se mister antecipar que os registros selecionados e que tratam da origem da corrupção concentram-se, quase que exclusivamente, na raiz da corrupção brasileira; quando muito, referir-se-ão à luso-brasileira, ou seja: a importação da corrupção pelos "descobridores" da Terra de Santa Cruz.
No que se refere ao material de pesquisa que trata da prevenção da corrupção, concentrar-se-ão inicialmente os esforços do presente estudo no sentido de identificar os meios eficazes já existentes de prevenir a corrupção brasileira, a qual se encontra disseminada e já entranhada em todos os meios; não mais apenas no ambiente político – o que vem a ser fato já notório e, justamente por isso, vergonhosamente constrangedor.
Ainda assim, por certo que esta monografia não estará limitada tão somente a registrar os meios ora existentes de prevenção da corrupção. Considerando o fato de que leis, em verdade, existem, oportunamente se buscará apontar que o que não se percebe é o seu eficaz cumprimento. Razão pela qual existirá, neste estudo, a apresentação de sugestões de formas de inovação nos meios já disponíveis, otimizando seus respectivos potenciais, tornando mais eficientes os mecanismos de controle interno.
Espera-se, com tais sugestões, que estas não sejam interpretadas como uma simples iniciativa revestida de ousadia; mas sim, pela sua pertinência. Espera-se, ainda, que fique patente no desenvolver deste trabalho que a realidade do cenário de corrupção, no estágio em que se encontra atualmente, não poderá jamais ser confundida como sendo fruto de acontecimentos recentes.
Muito pelo contrário, a corrupção no Brasil – ao menos a corrupção documentalmente registrada – tem sua origem historicamente gravada na história precisamente no dia 1º de maio de 1500, através do documento historicamente conhecido como A CARTA, de PERO VAZ DE CAMINHA [01].
Conforme será adiante demonstrado, há exatamente 508 anos, através da sua carta escrita a El Rei D. Manuel, PERO VAZ DE CAMINHA faz consignar para os anais da história o primeiro evento documentado de corrupção originada em solo brasileiro – ainda que não intentada por um filho da nova terra.
Com o desenvolvimento deste trabalho – em especial, após a constatação desse marco inaugural histórico e documentado como sendo, efetivamente, o primeiro ato corrupto praticado em solo brasileiro, personificado por um membro da comitiva portuguesa que acabara de chegar de Portugal às recém descobertas terras brasileiras – será possível reconhecer que a atual realidade vivenciada pelos brasileiros "é fruto de reprováveis hábitos que, de forma reiterada e cumulativa, transformaram os vícios, as mazelas, em uma ferida crônica que só se vê ser agravada cada vez mais" [02].
Observando essa deprimente realidade que lamentavelmente encontra-se entranhada em nossa história já há mais de cinco séculos; e tomando por base pesquisas científicas, estudos sócio-culturais, investigações político-sociais e também ousando na apresentação de conclusões amparadas também em relatos constantes de documentos históricos [03], não se pode alhear ao fato de que muito já se discutiu sobre a origem da corrupção brasileira, ainda mais quando é sabido que esta, historicamente, é particularmente indissociável "da nossa peculiar forma de gerir a coisa pública" [04].
Alguns autores [05] têm como certo que está arraigada na nossa miscigenada cultura a base genética e estrutural que teria resultado na atual realidade "da forma made in Brazil de gerir a coisa pública" [06]; hábitos já tão enfronhados à nossa cultura que, em alguns casos, chega a tornar-se um procedimento que vem tomando ares de um fato perfeitamente corriqueiro; algo natural.
O que se verifica é que são muitos os que seguem à risca a malfadada Lei de Gerson e querem "levar vantagem em tudo, certo?" [07], sendo muito comum escutar, até com desagradável freqüência, argumentos como "se eles podem, eu também posso" – como a pretender justificar o seu ato.
Outros estudiosos do assunto [08] discordam dessa linha de raciocínio e não conseguem ver na herança genética dos desterrados portugueses – os degredados, a que se refere CAMINHA [09] – a causa e a origem dos costumes corruptos.
Entretanto, o fato é que a corrupção existe e não mais apenas se espreita pelos cantos, como também não mais se satisfaz com meros favores, a exemplo do "singelo" pedido de PERO VAZ DE CAMINHA [10] – sobre o qual oportunamente este estudo tratará.
Muito pelo contrário, a corrupção tem se alastrado velozmente, em uma assustadora voracidade, incapaz de constrangimentos com limitações sociais, culturais e éticas ou intimidação legal.
Infelizmente, a velocidade com que se proliferam e se aperfeiçoam os agentes corruptos, juntamente com suas ousadas técnicas e artifícios, é muito superior à da indicação e implantação de métodos eficazes de prevenção e controle da corrupção que, ainda assim, existem e serão aqui apontados, através da estrutura de fiscalização montada para exercer o controle interno, por meio dos órgãos responsáveis pelo controle da corrupção; como também as ações desenvolvidas para a prevenção da corrupção, tanto as adotadas pela administração pública, como em relação aos servidores e, ainda, no setor privado e junto ao próprio cidadão.
2. CONCEITOS
2.1. CONCEITO DE CORRUPÇÃO
O CÓDIGO PENAL BRASILEIRO tipifica a corrupção como crime, nas formas passiva e ativa, respectivamente nos arts. 317 e 333 [11]:
Corrupção passiva. Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.
(...)
Corrupção ativa. Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício.
Para ambos os crimes restam cominadas penas de reclusão, de dois a doze anos, e multa.
Mas, o que vem a ser corrupção? E quem é o funcionário público que está legalmente impedido de praticá-la?
DEOCLECIANO TORRIERI GUIMARÃES [12] oferece o seguinte conceito para o verbete corrupção:
Corrupção - Ato de corromper. Perversão de costumes. Crime que consiste em solicitar, aceitar, oferecer vantagem pecuniária indevida, ou outra qualquer, para que funcionário público, empregado, magistrado, perito, testemunha, tradutor, intérprete façam afirmação falsa ou qualquer falta dolosa de exação no cumprimento do dever funcional.
Em trabalho publicado com o título REFLEXÕES SOBRE A CORRUPÇÃO [13], assinado por MARCELO STOPANOVSKI RIBEIRO, a Secretaria de Prevenção da Corrupção e Informações Estratégicas, da Controladoria Geral da União-CGU, reúne uma diversidade de conceitos para o verbete corrupção, cada um deles oferecido por uma das várias conceituadas instituições internacionais que selecionou. Senão vejamos:
Wikipédia = corrupção deriva do latim corruptus: quebrado em pedaços; apodrecido, pútrido;
Organização das Nações Unidas = "O abuso da função pública para ganho pessoal direto ou indireto";
Banco Mundial e o FMI = "O abuso da função pública para ganho privado";
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) = "O uso indevido do poder público em benefício privado";
Source Book da Transparência Internacional = "O uso indevido do poder público para proveito privado";
Grupo Multidisciplinar sobre a Corrupção do Conselho da Europa = "Suborno e qualquer outro comportamento em relação a pessoas confiadas com responsabilidades no setor público ou privado que viola seus deveres decorrentes de seu status enquanto agente público, empregado privado, agente independente ou outra relação desse tipo, e com o objetivo de obter vantagens indevidas de qualquer natureza para si mesmos ou para terceiros".
Ao final, MARCELO STOPANOVSKI RIBEIRO [14] sintetiza todos os conceitos antes apresentados, em um único, através do qual corrupção seria:
O fenômeno pelo qual um indivíduo, integrante da Administração Pública, investido de certa parcela de poder, preferencialmente discricionário, atua em razão de interesses externos ao órgão (próprios ou de terceiro), sendo a sua motivação o recebimento de alguma vantagem.
Através de trabalho intitulado MANUAL CONTRA A CORRUPÇÃO - Cartilha "INTEGRIDADE, ÉTICA E TRANSPARÊNCIA CONTRA A CORRUPÇÃO" [15], o Governo do Estado de Minas Gerais apresenta o seguinte conceito:
O termo corrupção pode ser definido, numa visão ampla, como a ação e o feito de corromper ou corromper-se.
A corrupção-malversação-propina ocorre quando a atividade do servidor público ou agente político não se fundamenta na promoção do interesse geral.
O mesmo MANUAL CONTRA A CORRUPÇÃO [16], através de linguagem acessível, provavelmente para alcançar o objetivo pretendido – prevenir a corrupção, orientando e educando o cidadão comum – ilustra o que vem a ser corrupção:
É usar o dinheiro público como se fosse particular; é tirar dinheiro da merenda, do remédio, da obra e usar para outros fins que não de interesse público; é usar o cargo público para beneficiar interesses privados.
Com estes exemplos, não apenas a cartilha enriquece o conceito, como principalmente pode se certificar de que o significado real será captado pelo cidadão comum.
2.2. CONCEITOs DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO, SERVIDOR PÚBLICO E AGENTE PÚBLICO
Note-se o que DEOCLECIANO TORRIERI GUIMARÃES [17] apresenta para o verbete funcionário público:
Funcionário Público - Pessoa que exerce, legalmente, cargo administrativo no âmbito federal, estadual ou municipal, de caráter público. Às pessoas que exercem emprego ou função públicos costuma-se dar a denominação mais ampla de "servidor público", expressão de sentido lato, que alcança toda e qualquer pessoa que trabalhe legalmente para a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações.
O mesmo autor ainda complementa [18]:
Para efeitos penais, equipara-se a funcionário público quem exerce a cargo, emprego ou função em atividade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.
Conforme acima esclarecido, Funcionário Público é um Servidor Público, em sentido amplo, e é o art. 2º da Lei nº 8.112/90 quem traz conceito mais objetivo para servidor público: "(...) servidor é a pessoa legalmente investida em cargo público"[19].
A própria legislação federal – seguindo a linha de similitude conceitual entre os verbetes funcionário público e servidor público – traz mais um sinônimo: agente público. Senão vejamos o que consta do art. 2º da norma [20]:
Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.
Aliás, muito próximo disso está o conceito grafado para servidor público no caput do art. 84 da Lei nº 8.666/93 [21]: "Considera-se servidor público (...) aquele que exerce, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função ou emprego público".
Não resta dúvida que funcionário público, servidor público e agente público, na essência e na forma da lei, são expressões que, em comum, representam o indivíduo que – ainda que não devesse – tem figurado como agente ativo ou passivo em atos corruptos.
2.3. CONCEITO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Não seria completa a percepção dos conceitos apresentados para corrupção e funcionário público, servidor público e agente público, sem que também se conheça o significado de Administração Pública.
E para trazer o conceito de Administração Pública, recorre-se a dois autores especialíssimos: o primeiro, especializado em Direito Constitucional; o outro, em Direito Administrativo. Está a se falar dos grandes mestres ALEXANDRE DE MORAES e HELY LOPES MEIRELLES.
Senão vejamos o que ALEXANDRE DE MORAES traz como definição para Administração Pública [22]:
A administração pública pode ser definida objetivamente como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos e subjetivamente como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado.
Mais abrangente, HELY LOPES MEIRELES [23] ensina que:
Administração Pública. Em sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade. Numa visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas. A Administração não pratica atos de governo; pratica, tão-somente, atos de execução, com maior ou menor autonomia funcional, segundo a competência do órgão e de seus agentes.
Apresentados os conceitos, dá-se continuidade ao estudo com a abordagem acerca da origem histórica da corrupção no Brasil.
3. ORIGEM HISTÓRICA DA CORRUPÇÃO NO BRASIL
Após oferecer a El Rei D. Manuel um relato minucioso de várias laudas, onde consta, com riqueza de detalhes, todo o cenário e tudo o quanto ele houvera visto por ocasião do "achamento desta Vossa terra nova" [24], PERO VAZ DE CAMINHA encerra sua carta da seguinte forma, conforme vem adunar a este estudo a transcrição, in litteris, do pequeno trecho que prova esse malfadado ato:
(...) E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta Vossa terra vi. E se a um pouco alonguei, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo.
E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há-de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro - o que d´´Ela receberei em muita mercê.
Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de Maio de 1500.
PERO VAZ DE CAMINHA
(os grifos não estão no original)
Sendo possível com a simples leitura comprovar, é incontroversa e precisa a contextualização no primeiro documento capaz de confirmar a existência de um ato corrupto praticado em solo brasileiro, pois que se consegue destacar facilmente o local onde o ato corrupto foi praticado: "Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz", ou seja, no atual solo brasileiro; a data do ocorrido: "sexta-feira, primeiro dia de Maio de 1500"; e o agente passivo: PERO VAZ DE CAMINHA, que assina o documento.
Diante disso, vale relembrar o tipo penal da corrupção passiva [25]: "Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem".
Portanto, não apenas o ato de receber tipifica a corrupção passiva, pois a iniciativa de solicitar também caracteriza o crime, quando o que se solicita vem a ser uma vantagem indevida.
Conforme já visto, exatamente esse é o sentido reunido nos conceitos de corrupção apresentados pela Organização das Nações Unidas e, também, pelo Grupo Multidisciplinar sobre a Corrupção do Conselho da Europa [26], ambos acima transcritos e que vale reiterar, para destacar:
Organização das Nações Unidas = "O abuso da função pública para ganho pessoal direto ou indireto";
Grupo Multidisciplinar sobre a Corrupção do Conselho da Europa = "Suborno e qualquer outro comportamento em relação a pessoas confiadas com responsabilidades no setor público ou privado que viola seus deveres decorrentes de seu status enquanto agente público, empregado privado, agente independente ou outra relação desse tipo, e com o objetivo de obter vantagens indevidas de qualquer natureza para si mesmos ou para terceiros".
(os grifos não estão no original)
O fato é que PERO VAZ DE CAMINHA fez história com sua carta, esta também como documento capaz de registrar um ato precursor – pois que nunca antes registrado nas novas terras – de costume que veio a tornar-se um hábito usual também dentre os brasileiros.
E há quem defenda [27] que esse ato de Pero Vaz de Caminha não haveria de estar isolado dentre os patrícios que poucos anos depois aqui desembarcaram, criando-se uma situação de algo que haveria de ser tido como habitual, mesmo para a época, dentre as autoridades que desembarcaram no Brasil, em 1549, com a missão de aqui instalar o Governo-Geral [28].
No entanto, não é uníssono esse entendimento, pois que existe outra corrente pautada em uma situação diversa que, em muitos aspectos, é particularmente similar à verificada por ocasião dos desembarques que se seguiram ao "achamento" do Brasil.
Sobre isso, será STEPHEN KANITZ [29] quem assina o texto de onde se extrai pensamento perspicaz, capaz de defender logicamente uma linha de raciocínio que, no mínimo, faz sentido:
O Brasil não é um país intrinsecamente corrupto. Não existe nos genes brasileiros nada que nos predisponha à corrupção, algo herdado, por exemplo, de desterrados portugueses.
A Austrália que foi colônia penal do império britânico, não possui índices de corrupção superiores aos de outras nações, pelo contrário.
Em uma coisa as duas correntes haverão de concordar: a corrupção é um mal que assola o mundo, de tal forma que existem estudos a apontar, através de um ranking, a classificação de todos os países, em um contexto onde se gradua as posições com base no nível de corrupção identificado. E, no nosso caso, em específico, "o Brasil hoje [30] ocupa a 59ª posição num ranking internacional de corrupção (nesse ranking, a Finlândia, o país menos corrupto, ocupa o primeiro lugar). O Brasil perde até para Botsuana e Suriname" [31].