14. Julgamento e sentença.
O art.852-I versa sobre o julgamento e a sentença, contendo disposições acerca do conteúdo formal desta (caput), bem como a respeito da decisão por eqüidade (§ 1º) e da intimação (§ 3º).
A oportunidade do julgamento, que será comentada a seguir, se encontra regulamentada no art.852-C.
O caput do art.852-I, bastante assemelhado ao art.38, da Lei nº 9.099/95, dispõe que "a sentença mencionará os elementos de convicção do juízo, com resumo dos fatos relevantes ocorridos na audiência, dispensado o relatório."
A regra, ao exigir que da sentença conste os "elementos de convicção do juízo", expressa a garantia das partes de obterem uma decisão objetivamente fundamentada, em consonância com o art. 93, inc. IX, da CF.
Por "resumo dos fatos relevantes ocorridos na audiência", entenda-se que os fundamentos da sentença devem mencionar brevemente e analisar "as afirmações fundamentais das partes e as informações úteis à solução da causa trazidas pela prova testemunhal" (art. 852-F).
O relatório é facultativo, mesmo porque na ata de audiência "serão registrados os atos essenciais" (art.852-F).
A dispensa do relatório deve ser entendida em seus devidos termos, ou seja, é recomendável que constem ao menos os nomes das partes, para que se possa futuramente identificar a quem se refere a sentença (38), por exemplo, para fins de registro (art.711, alínea "c", da CLT) e emissão de certidões (art.781, idem), para os casos de restauração de autos (arts.1063 e 1064, inc.I, do CPC) etc..
14.1 Liquidez das obrigações declaradas na sentença.
O Executivo vetou o § 2º, do art. 852-I, que assim dispunha : "Não se admitirá sentença condenatória por quantia ilíquida."
A justificativa fundou-se, basicamente, na dificuldade do juiz elaborar cálculos e no possível atraso que isso causaria para a prolação das sentenças, "já que a liquidação por simples cálculo se dará na fase de execução" (sic).(39)
Há exatos setenta e cinco anos o processualista Jorge Americano advertia : "Assim, pois, é de conveniência que, recebendo para sentenciar os autos o juiz verifique se a condenação a proferir pode ser determinada quanto ao valor, e se não o for, ordene as diligências necessárias a fim de proferir condenação por quantia certa. Evitará com isso maiores delongas, que sempre resultam no processo de liquidação preliminar de sentença."(40)
Nada obstante, a antiga, porém atualíssima lição foi desconsiderada nas conservadoras razões do veto, o qual, além de se mostrar diametralmente oposto aos princípios que informam a nova lei, afigura-se ineficaz, em parte, diante do sistema adotado em nosso ordenamento jurídico.
De efeito, uma vez que o art. 852-B, inc. I, exige que o demandante indique na petição inicial, expressamente, o "valor correspondente" ao pedido, por evidente será vedado ao juiz proferir "sentença ilíquida", quando a pretensão não for genérica, à luz do parágrafo único, do art. 459, do CPC.
14.2 Julgamento por eqüidade.
O § 1º, do art.852-I, diz que "o juízo adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e as exigências do bem comum."
A regra em questão excepciona o art.8º, da CLT, que admite o julgamento por eqüidade apenas "na falta de disposições legais".
Há, neste aspecto, uma ruptura com a tradição de julgamento segundo a legalidade estrita, com a finalidade de evitar apenas a aplicação de regras técnicas, embora "antes de mais nada, as pessoas devem ser capazes de planejar seu comportamento de acordo com os dispositivos legais e invocar a lei, se trazidas ao tribunal. É claramente impossível desprezar por completo as normas legais." (41)
O julgamento por eqüidade, portanto, serve como um instrumento, dentre muitos outros, para facilitar o acesso à Justiça, de maneira que "as pequenas liberdades tomadas em relação à lei substantiva" devem ser "usadas para evitar abusos e não para denegar a proteção da lei às pessoas que estejam efetivamente atuando dentro de seus limites." (42)
14.3 Oportunidade do julgamento e intimação.
O art.852-C induz à conclusão de que a sentença deverá ser proferida imediatamente, vale dizer, na própria sessão de audiência em que foram produzidas as provas, e logo depois das partes debaterem a causa e de ter sido rejeitada a segunda proposta de conciliação (arts. 850 e 852-E, da CLT).
Portanto, a lei não admite que o juiz determine a conclusão dos autos, para emitir a sentença em outra oportunidade, e nem tampouco que seja designada sessão específica para o julgamento ou apenas para a sua publicação.
Merece ser repetido neste tópico o alerta aventado quando tratamos do prazo máximo para a conclusão do processo : se não forem propiciados os recursos humanos e materiais necessários para que os órgãos da Justiça do Trabalho possam enfrentar as novas responsabilidades que lhes foram atribuídas pela lei, tal disposição se tornará meramente programática.
No que se refere à intimação, o § 3º, do art. 852-I, enuncia que "as partes serão intimadas da sentença na própria audiência em que prolatada."
O dispositivo traduz repetição inútil dos preceitos já contidos nos arts.834 e 852, da CLT, ou seja, uma vez que o julgamento deve ser proferido e publicado na própria audiência, reputa-se que as partes e os procuradores tomarão conhecimento imediato sobre a sentença.
Nos casos de revelia ou de contumácia superveniente das partes - quando houver suspensão da audiência e designação de uma segunda sessão (art. 852-H, § 7º)-, as intimações continuarão a ser regidas pelos arts.841, § 1º, e 852, 2ª parte, da CLT.
15. Recurso ordinário e julgamento em segundo grau.
Segundo exposto anteriormente, em razão do veto do Executivo ao inc. I, do § 1º, do art. 895, o recurso ordinário será dotado de ampla devolutividade nas causas sujeitas ao rito sumaríssimo, servindo como veículo para o rejulgamento de quaisquer questões, tanto de fato, como de direito (art.895, alínea "a", da CLT, c./c. o art.518, § 1º, do CPC).
O recurso adesivo ou subordinado continuará a ser admitido, visto que perdura a inexistência de restrição legal para o processo do trabalho (art.500, do CPC, c./c. o art. 769, da CLT).
O § 1º, do art.895, instituiu, porém, algumas regras específicas de processamento e julgamento em segundo grau do recurso ordinário : a) distribuição imediata (inc. II); b) o relator disporá de dez dias para emitir o relatório (idem); c) a secretaria do tribunal ou turma deverá inclui-lo "imediatamente" na pauta de julgamento (idem); d) não haverá revisão (ibidem); e) o parecer do órgão do Ministério será emitido oralmente na sessão de julgamento (inc. III); f) o acórdão poderá consistir apenas de certidão de julgamento, da qual constará "a indicação suficiente do processo e parte dispositiva, e das razões de decidir do voto prevalente", ou somente a confirmação da sentença por seus próprios fundamentos (inc. IV).
16. Conclusões.
1º Sob o aspecto técnico, a Lei nº 9.957/00 não se mostra adequada e, bem por isso, poderá acarretar sérias divergências de interpretação;
2º A Lei nº 9.957/00 não instituiu uma modalidade de tutela jurisdicional diferenciada;
3º O estabelecimento de prazo razoável para a duração do processo, conquanto louvável e afinado com a garantia constitucional do devido processo legal, será meramente programático, caso não sejam propiciados os recursos humanos e materiais necessários à aplicação da Lei nº 9.957/00;
4º O legislador, em mais de um aspecto, mostrou-se conservador e preferiu soluções tradicionais ao invés de inovar, como, por exemplo, quando dispôs sobre os poderes-deveres do juiz e a respeito da documentação dos atos processuais;
5º Ainda que a Lei nº 9.957/00 se trate de tentativa de resgatar a concentração e a brevidade no processo do trabalho, o legislador incidiu em inúmeros e graves equívocos, os quais, caso não sejam superados pela interpretação jurisprudencial, poderão resultar na "ordinarização" e na conseqüente ineficácia do procedimento sumaríssimo.
17. Dedicatória.
Por fim, gostaríamos de dedicar estas linhas ao saudoso magistrado Valentin Carrion. Não o conhecemos pessoalmente, senão como platéia em suas imperdíveis palestras e por suas sempre gentis cartas respostas a alguns artigos e livros que lhe remetemos. Nem por isso deixamos de lamentar a perda. Fica aqui, portanto, nossa singela homenagem àquele que tanto contribuiu para o estudo e o aprimoramento do Direito do Trabalho e do Direito Processual.
Notas
1) La Riforma del Procedimento Civile, Roma, pág. 04, 1911, apud Alfredo Buzaid, Exposição de Motivos do Anteprojeto do Código de Processo Civil, pág. 685, Ed. Saraiva, 1968.
2) Como resultado da influência do direito material sobre o processo advém a preocupação sobre o tema da tutela diferenciada : à cada fato espécie ou situação prevista no direito material deve corresponder um remédio processual adequado para se obter, de maneira rápida e efetiva, a proteção desse direito. Neste sentido, a tutela jurisdicional diferenciada indica "em contraposição ao procedimento ordinário, a reunião de vários procedimentos estruturados a partir de peculiaridades de certas categorias de situação substanciais de natureza plenária ou sumária." (Andréa Proto Pisani, apud José Rogério Cruz e Tucci, Apontamentos sobre o procedimento monitório, Devido Processo Legal e Tutela Jurisdicional, pág. 154, Ed. RT, 1993).
3) Conforme a mensagem Presidencial de veto nº 75, de 12.01.2000 : "Por derradeiro, não seria conveniente manter a regra insculpida no inciso I do § 1º do art. 85, que contém severa limitação do acesso da parte ao duplo grau de jurisdição, máxime quando já se está restringindo o acesso ao Tribunal Superior do Trabalho."
4) Confira, dentre outros : Pontes de Miranda, Comentários ao CPC, Tomo IV, pág. 35, Ed. Forense, 3ª ed.; Calmon de Passos, Comentários ao CPC, Vol.III, pág. 214, Ed. Forense, 6ª ed.; José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, pág. 11, Ed. Forense, 19ª ed..
5) Por todos, Araken de Assis, Procedimento sumário, pág. 10, Ed. Malheiros, 1996.
6) Note-se, neste passo, que as disposições da Lei nº 5.584/70 não importaram na adoção de um "procedimento sumário trabalhista", visto que ela contém apenas preceitos quanto à documentação dos atos (art.1º, § 3º) e ao cabimento de recursos (idem, § 4º). Sendo assim, a rigor se trata do mesmo "procedimento ordinário".
7) A Conclusão nº 1, do IV Encontro de Coordenadores de Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil, dispõe que "O procedimento do Juizado Especial Cível é facultativo para o autor."
8) Sobre o assunto : Cândido Rangel Dinamarco, Os Juizados Especiais e os fantasmas que os assombram, Caderno de Doutrina da APAMAGIS, Ano I, nº 1 (maio de 1996).
9) José Carlos Barbosa Moreira, op.cit., pág. 19; Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil, vol.2, pág.129, Ed. RT, 4ª ed.. Vide, também, a jurisprudência mencionada por Alexandre de Paula, CPC Anotado, vol.I, pág. 975, Ed. RT, 1992.
10) Calmon de Passos, op.loc. cit..
11) Moacyr Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, vol. 2, pág. 151, Ed. Saraiva, 9ª ed.; Vicente Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, vol.2, pág. 99, Ed. Saraiva, 2ª ed..
12) José Frederico Marques, Instituições de Direito Processual Civil, vol.III, pág. 39, Ed. Forense, 1ª edição.
13) Coqueijo Costa, Direito Processual do Trabalho, pág. 102, Ed. Forense, 4ª ed..
14) A Conclusão nº 25, do I Encontro de Juízes de Juizados Especiais Cíveis da Capital e da Grande São Paulo, estabelece que "pode o autor aditar o pedido até a audiência de instrução, reabrindo-se a oportunidade para defesa".
15) Confira o nosso livro "Pronunciamentos do juiz no processo do trabalho", págs. 27/30, 1ª nota ao item 1.1 e 3ª nota ao item 1.2, Ed. Ltr, 1998.
16) A situação é diversa nos Juizados Especiais Cíveis, a cujo respeito há dispositivo específico que impõe a extinção do processo, em qualquer hipótese (arts.20, § 2º, e 51, inc.II, da Lei nº 9.099/95).
17) Mauro Cappelletti e Bryant Garth, Acesso à Justiça, pág.21, Safe, 1988 (tradução Ellen Gracie Northfleet).
18) Frise-se que, embora o art.841, caput, da CLT, contenha disposição acerca da designação da audiência ("a primeira desimpedida, depois de cinco dias"), não existia até o advento da Lei nº 9.957/00 prazo expresso para a conclusão do processo.
19) Súmula nº 16, do TST.
20) Por todos, Valentin Carrion, Comentários à CLT, pág. 631, Saraiva, 20ª ed..
21) Athos Gusmão Carneiro, Audiência de instrução e julgamento, pág. 36, Ed. Forense, 3ª ed..
22) Vide a propósito : Cândido Rangel Dinamarco, A instrumentalidade do processo, pág. 37 e segs., Ed. RT, 1987.
23) É difícil imaginar que o juiz conseguisse esclarecer as partes que não aquelas "presentes" ao ato...
24) A iniciativa pioneira no Brasil, segundo pudemos apurar, coube ao Juiz de Direito Edison Aparecido Brandão, titular da 5ª Vara Criminal da Capital de São Paulo, que realizou em 27.08.96 interrogatório em processo crime por intermédio de vídeo-conferência. A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Recurso de Habeas Corpus nº 6272-SP, reconheceu a validade do ato (Rel.Min. Félix Fischer).
25) Antonio Scarance Fernandes, Incidente processual, pág. 51 segs., Ed. RT, 1991.
26) Idem, ibidem.
27) Moacyr Amaral Santos, op.cit., págs. 190/191.
28) A solução é preconizada para o "procedimento ordinário" por Amauri Mascaro Nascimento, Curso de Direito Processual do Trabalho, pág. 261, Ed. Saraiva, 16ª ed..Acreditamos que também se aplica ao rito sumaríssimo, para que seja assegurado o "direito à prova" (art.5º, incs. LIV e LV, da CF).
29) Os quatro primeiros exemplos são de Valentin Carrion para o "rito ordinário" (op.cit., pág. 639), e permanecem válidos, à luz do "direito à prova", também.
30) A Conclusão nº 5, do I Encontro de Juízes de Juizados Especiais Cíveis da Capital e da Grande São Paulo, dispõe que "a apresentação de documentos no Juizado Especial Cível não precisa ser feita no momento da distribuição da causa".
31) José Carlos Barbosa Moreira, Efetividade do processo e técnica processual, págs. 19/20, in Temas de Direito Processual, Sexta série, Ed. Saraiva, 1997.
32) Como é sabido, existem níveis ou graus de cognição do juiz a respeito do objeto do processo, os quais se revelam em dois planos, a saber, horizontal (= extensão, amplitude) e vertical (= profundidade). Quando não se restringe a atividade cognitiva, quer no plano horizontal, quer no plano vertical, mas apenas o número de atos processuais que compõem o "arco do procedimento", haverá ainda assim cognição plena e "exauriente", com aptidão para formar a coisa julgada material (Kazuo Watanabe, Da cognição no processo civil, pág.83 e segs., Ed. RT, 1987).Sobre o tema: Araken de Assis, op.cit., pág.11 e segs..
33) Não se descarta qualquer "meio idôneo de comunicação" (art.170, do CPC).
34) Diz a mensagem Presidencial que : "O veto ao § 5º do art.852-H justifica-se porque o prazo de 72 horas para apresentação de quesitos pode, em alguns casos, ser excessivo, já que tal ato processual poderá ser praticado na própria audiência, como de resto todos os demais, ou em prazo inferior a 72 horas, segundo o prudente critério do juiz.Ademais, em homenagem ao princípio da ampla defesa, não se justifica a vedação de indicação de assistente técnico, que em nada atrasa a prova pericial, pois seu laudo deve ser apresentado no mesmo prazo dado ao perito do juízo."
35) José Carlos Barbosa Moreira, Regras de experiência e conceitos juridicamente indeterminados, pág. 62, in Temas de Direito Processual, Segunda Série, Ed. Saraiva, 1980.
36) Piero Calamandrei, "Per la definizione del fatto notorio", Riv.di Dir.Proc.Civile, 1925, pág . 292 e segs., apud Moacyr Amaral Santos, pág. 42, Comentários ao CPC, vol. IV, Ed. Forense, 6ª ed..
37) José Carlos Barbosa Moreira, Regras de experiência e conceitos juridicamente indeterminados, pág.63.Confira, também : José Carlos Pestana de Aguiar, Comentários ao CPC, vol.IV, pág. 76, Ed. RT, 1974.
38) Thetonio Negrão, ao anotar o art. 38, da Lei nº 9099/95, se pronuncia neste sentido (CPC e legislação processual em vigor, pág. 1046, nota 5, Ed. Saraiva, 29ª ed.).
39) Consta da mensagem : "O § 2º do art.852-I não admite sentença condenatória por quantia ilíquida, o que poderá, na prática, atrasar a prolação das sentenças, já que se impõe ao juiz a obrigação de elaborar os cálculos, o que nem sempre é simples de se realizar em audiência. Seria prudente vetar o dispositivo em relevo, já que a liquidação por simples cálculo se dará na fase de execução de sentença, que, aliás, poderá sofrer modificações na fase recursal."
40) Processo civil e Commercial no Direito brasileiro, págs. 308 e 308, Livraria Acadêmica Saraiva & Cia. Editores, São Paulo, 1925.
41) Mauro Cappelletti e Bryant Garth, op.cit., pág. 112.
42)Taylor, G.D.S, apud Mauro Cappelletti e Bryant Garth, op.loc.cit..