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Sobre o procedimento sumaríssimo trabalhista (Lei 9957/00)

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12. Provas.

O art. 852-F, caput, e os respectivos §§ 1º a 6º, contêm disposições sobre o meios de prova mais comumente utilizados no processo do trabalho, principalmente no que diz respeito ao momento de sua produção (documentos, testemunhas e perícia).

Neste dispositivo é nítido também o intuito da lei em concentrar todos os atos em uma única sessão de audiência, embora, como discorreremos a seguir, há uma exceção na segunda parte do § 1º que poderá causar entraves à premissa firmada no próprio caput e no art.852-C.

O caput do artigo em epígrafe dispõe que "todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, ainda que não requeridas previamente".

A regra, que reproduz a primeira parte do art.33, da Lei nº 9.099/95, e também é semelhante àquela contida no art. 845, da CLT, concita as partes a exibirem a íntegra dos meios de prova de que dispõem por ocasião da audiência, em atendimento aos princípios da concentração, economia processual e brevidade.

Excetuam-se, é claro, aquelas provas que não podem ser produzidas de pronto, a saber : a) inquirição da testemunha ausente, apesar de convidada (art.852-H, § 3º); b) oitiva de testemunha em substituição, em virtude de impedimento ou suspeição (art.414, § 1º, do CPC); c) diligências que devem ser realizadas em outra localidade, mediante carta precatória (arts.410, inc. II, e 428, do CPC); d) prova pericial (art. 852-H, § 4º); e) inspeção de pessoas ou coisas (art.440, do CPC).(29)

A desnecessidade das partes requererem previamente as provas importa em dizer, por um lado, que a petição inicial e a resposta prescindem do requisito de especificação dos meios de provas de que se valerão as partes, e, por outro, que o rol de testemunhas não é obrigatório.

A norma constitui exceção ao art. 787, da CLT, o qual exige que a petição inicial seja instruída com os "documentos em que se fundar".

Doravante, tal disposição estará reservada exclusivamente ao "procedimento ordinário", de modo que no rito sumaríssimo o autor poderá exibir quaisquer provas documentais por ocasião da audiência, e até mesmo aquelas "indispensáveis à propositura da ação" (art.283, do CPC).(30)

Vale frisar que a não exigência de especificação de provas na petição inicial e na resposta decorre do sistema da própria CLT, pois os arts.840, § 1º, e 847, aliás propositadamente, não prevêem o requisito inscrito nos arts. 282, inc. VI, e 300, do CPC.

Merece alusão, porém, que a dispensa da produção liminar de documentos cinge-se àqueles destinados à prova dos fatos.

Logo, o instrumento de mandato, quando o autor estiver representado por advogado, deverá instruir a petição inicial (art. 37, caput, do CPC).

          12.1 Pronunciamentos das partes sobre a prova documental.

Reza o § 1º, do art.852-F, que "sobre os documentos apresentados por uma das partes manifestar-se-á imediatamente a parte contrária, sem interrupção da audiência, salvo absoluta impossibilidade, a critério do juiz."

Novamente o legislador se inspirou em dispositivo da Lei nº 9.099/95 (art.29, par.ún.), acrescentando-lhe na parte final, porém, sem muita felicidade, uma ressalva à regra de que todos os atos devem ser praticados em uma única sessão de audiência.

A finalidade do dispositivo similar dos Juizados Especiais, o qual não contém exceções, é justamente impedir, em qualquer caso, a suspensão da audiência para que as partes se pronunciem sobre a prova documental, pois, como é sabido, a suspensão, nesta hipótese, constitui-se em fonte inesgotável de procrastinações e de morosidade.

É bem verdade que, sob qualquer aspecto que se examine o sistema de Direito, deve-se buscar sempre um ponto de equilíbrio entre exigências opostas, sem que ocorra o sacrifício total de uma em favor de outra, como no caso binômio celeridade-segurança.(31)

Nem por isso é justificável, em procedimento que se pretende expedito, autorizar a suspensão dos trabalhos da audiência, ainda que apenas em casos de suposta "absoluta impossibilidade", para facultar às partes o exame de documentos.

Deveras, em procedimento predominantemente oral, é mister optar pela imediatidade dos pronunciamentos das partes, mesmo que sujeitos a incorreções, porque estas deverão ser supridas pela atuação diligente e participativa do juiz, evitando-se o formalismo e as presunções e ficções a respeito da veracidade dos fatos representados pelo documento, quando não houver impugnação específica a este ou aquele aspecto do seu conteúdo.

Utiliza-se, assim, para a valoração dos elementos de prova, o sistema de "freios e contrapesos", isto é, se não é facultada à parte a possibilidade de examinar a prova documental com mais vagar, pois se tem em mira a brevidade, também não será atribuída demasiada importância à ausência de impugnação rigorosa ao seu conteúdo.

À vista do exposto, incide o dispositivo em formalismo e no grave equívoco de permitir a "ordinarização" do procedimento dito sumaríssimo, a exemplo da praxe forense, motivada pelo acúmulo das pautas, de designar uma "audiência preliminar" e outra "audiência de instrução" para o "rito ordinário" trabalhista, conquanto as antigas disposições da CLT deixem entrever claramente a necessidade de uma única sessão (arts. 848, 849 etc.).

Dessarte, o conceito jurídico indeterminado "absoluta impossibilidade" deverá receber cuidadosa interpretação, para que não se anule a idéia de brevidade que anima a estrutura do procedimento.

          12.2 Prova testemunhal.

Diz o § 2º, do art. 852-H, que "as testemunhas, até o máximo de duas para cada parte, comparecerão independentemente de intimação."

Optou o legislador por restringir ainda mais o número de testemunhas (art. 821), em comparação com a regra geral do "procedimento ordinário", possivelmente inspirado pela idéia de que o rito sumaríssimo destina-se ao conhecimento de causas de menor complexidade fática.

Embora a lei estabeleça a diminuição do módulo da prova oral, não se verifica redução da atividade cognitiva que será desenvolvida pelo juiz, vale dizer, não se trata de processo de cognição sumária, mas de "plenário rápido", em que há tão somente limitação do iter procedimental, preservando-se a amplitude do conhecimento, o qual será pleno e "exauriente".(32)

Em complemento à parte final do dispositivo sob exame, o parágrafo subseqüente estabelece que "só será deferida a intimação de testemunha que, comprovadamente convidada, deixar de comparecer. Não comparecendo a testemunha intimada, o juiz poderá determinar sua imediata condução coercitiva" (§ 3º).

É tradicional no processo do trabalho a ojeriza ao rol de testemunhas, por representar suposto formalismo, e isso calou fundo na redação do dispositivo, o qual diverge, por exemplo, do preceito equivalente dos Juizados Especiais, o qual admite a providência, em caráter facultativo (art.34, da Lei nº 9.099/95).

A dispensa do rol, porém, sempre ocasionou um inconveniente de ordem prática, que dava azo a tumultos e procrastinações, ou seja, a impossibilidade de aferir se a parte efetivamente "convidara" as suas testemunhas e não fora atendida.

Visto que a lei não continha disposição específica, os litigantes desidiosos (autores) ou procrastinadores (réus) dispunham de um instrumento infalível para adiar a sessão de audiência, isto é, argumentar no início dos trabalhos que as testemunhas se recusaram a comparecer, apesar de convidadas.

É claro que, em muitas outras ocasiões, a parte não agira de má-fé, pois a testemunha simplesmente recusara o convite ou apenas faltara, mesmo depois de prometer o comparecimento.

A inexistência de regramento para dirimir o impasse, bem ainda o receio da possível declaração de nulidade do processo em grau de recurso, por não ter sido assegurado o "direito à prova", importavam invariavelmente na suspensão do ato, de modo que a segurança primava sobre a brevidade.

O legislador, então, buscou superar essa dificuldade, condicionando a intimação da testemunha recalcitrante à prova do convite, ao nosso ver de modo desastroso : o remédio eleito é muito mais formal do que exigia a patologia forense.

De que meios a parte deverá se valer para demonstrar que a testemunha foi "comprovadamente convidada" ? A lei silencia.

Como medida de cautela, a única solução prática que se apresenta viável, para que não existam dúvidas de que a testemunha foi "comprovadamente convidada" (sic), será a parte, por sua própria iniciativa, remeter àquela carta postal registrada, telegrama, fac-símile etc., guardando cópia da correspondência e do recibo de postagem, que serão exibidos na audiência.(33)

A correspondência deverá conter, de maneira singela, os requisitos usuais da intimação (nomes das partes, finalidade do comparecimento, dia e horário da audiência, endereço do juízo etc.).

Convenhamos, no entanto, que se avizinha do absurdo exigir do hipossuficiente que postula sem estar representado por advogado o cumprimento de tantas e tais diligências, além de arcar com as despesas de postagem ou transmissão.

Nem é lógico ou razoável apresentar testemunhas para provar que as testemunhas se recusaram a comparecer...

Além do mais, a convocação pelo órgão jurisdicional, com as advertências legais, sem dúvida surtiria muito mais efeito psicológico para induzir o comparecimento da testemunha propensa a se ausentar (multa e condução coercitiva : arts. 730 e 825, par. ún., da CLT).

Resta observar que é despropositado aguardar a audiência, para somente então admitir a intimação de testemunha que se sabe de antemão que não irá comparecer.

Seria preferível, portanto, que o legislador tivesse adotado a disposição análoga dos Juizados Especiais, tornando o rol facultativo, para atender às hipóteses em que a parte já tem ciência prévia de que a testemunha não comparecerá.

          12.3 Prova pericial.

O art. 852-H, § 4º, preceitua que "somente quando a prova do fato o exigir, ou for legalmente imposta, será deferida prova técnica, incumbindo ao juiz, desde logo, fixar o prazo, o objeto da perícia e nomear perito."

Parcialmente inspirado no art. 35, da Lei nº 9.099/95, o dispositivo contém, logo à primeira vista, uma impropriedade : enquanto a redação da regra aplicável aos Juizados Especiais é explicativa e autorizadora ("quando a prova do fato exigir, o juiz poderá inquirir técnicos..."), pareceu ao legislador que, para o processo do trabalho, era imperioso enfatizar o óbvio ("somente quando a prova do fato o exigir").

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De mais a mais, se para apurar a existência (ou inexistência) do fato é necessária a produção de prova pericial, decorre, tout court, que ela é "legalmente imposta".

Uma vez que não se deve presumir que a lei contém palavras inúteis, as ilações possíveis são no sentido de que : i. quando a verificação do fato depender de conhecimento técnico especializado, o juiz nomeará perito; ii. quando o autor deduzir pretensão relacionada com a exigibilidade dos adicionais de insalubridade ou periculosidade, caberá a produção da prova técnica, em virtude de expressa disposição legal (art.195, da CLT).

A decisão que ordenar a produção da perícia, além de nomear o esperto e individualizar o fato por provar (rectius, objeto), fixará o prazo para a entrega do laudo, atendendo que as partes dispõem de cinco dias para pronunciamentos (art. 852-H, § 6º), bem assim que o prazo máximo para a conclusão do processo será de trinta dias (idem, § 7º).

O § 5º do artigo em tela, que assegurava o prazo de setenta e duas horas para a indicação de quesitos pelas partes e proibia a nomeação de assistentes técnicos, foi vetado, com inteira pertinência, pelo Executivo.(34)

À luz do princípio da concentração, as partes deverão formular os quesitos, tanto que possível, na própria sessão de audiência em que foi determinada a perícia.

Permite-se, porém, a assinação de prazo pelo juiz, que levará em consideração a complexidade do ato (art. 177, 2ª parte, do CPC) e o período máximo previsto para a conclusão do processo, também (art.852-H, § 7º).

Continua sendo facultada às partes a nomeação de assistentes técnicos, os quais deverão oferecer os pareceres no mesmo prazo assinado para o perito (art.3º, par. ún., da Lei nº 5.584/70).

Para que se assegure a informalidade e a concentração, a perícia poderá consistir apenas na inquirição do perito e dos assistentes na sessão subseqüente (art. 421, § 2º, do CPC, c./c. o art.35, da Lei nº 9.099/95).


13. Regras de experiência.

O art.852-D incorpora a disposição que autoriza ao juiz "dar especial valor às regras de experiência comum e técnica."

As regras de experiência são definidas como as "noções que refletem o reiterado perpassar de uma série de acontecimentos semelhantes, autorizando, mediante raciocínio indutivo, a convicção de que, se assim costumam apresentar-se as coisas, também assim devem elas, em igualdade de circunstâncias, apresentar-se no futuro." (35)

Tais regras compõem "o patrimônio de noções pacificamente armazenadas por uma determinada esfera social, e a do juiz, a que se pode genericamente denominar cultura." (36)

Trata-se, nesta acepção, de saber assimilado pelo juiz e que decorre quer da simples observação daquilo que ordinariamente ocorre, quer da vulgarização do conhecimento técnico e científico.

As regras de experiência servem a múltiplos propósitos, e, notadamente, para interpretar a lei, na fixação dos conteúdos de conceitos jurídicos ditos indeterminados, bem como para valorar os elementos de prova.(37)

Citam-se como regras de experiência : a) determinados profissionais estão sujeitos, em geral, a condições insalubres de trabalho, por lidarem com agentes muito agressivos (mineiros de carvão ou de sal); b) o período máximo de gestação do ser humano corresponde a trezentos dias; c) não é usual exigir recibos nas relações de emprego em que prepondera o elemento confiança (domésticos, administradores); d) as atividades da empresa podem ser intensificadas em algumas épocas do ano, exigindo o alongamento das jornadas de trabalho (a safra, para o empresário agrícola; o verão, para os produtores de cerveja, refrigerante ou sorvete); e) os atrasos e adiantamentos da jornada de trabalho inferiores a cinco minutos correspondem aos períodos em que o empregado ainda está se preparando para assumir ou deixar o posto de serviço (colocação do uniforme etc.); f) alguns estabelecimentos comerciais estão sujeitos a horários rígidos de funcionamento e de atendimento aos fregueses, com implicações diretas nas jornadas de trabalho dos empregados (lojas em "Shopping Center" etc.); g) em algumas regiões do interior do País o "dia de feira" é sempre reservado ao descanso semanal etc..

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Sobre o autor
Georgius Luís Argentini Príncipe Credidio

juiz do Trabalho da 6ª Região (Pernambuco), ex-juiz de Direito do TJ/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CREDIDIO, Georgius Luís Argentini Príncipe. Sobre o procedimento sumaríssimo trabalhista (Lei 9957/00). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 40, 1 mar. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1229. Acesso em: 26 abr. 2024.

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