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O juiz e o acesso à Justiça no Brasil

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Agenda 14/02/2009 às 00:00

O texto estuda a importância, deveres e responsabilidades da figura do juiz, peça fundamental na promoção do acesso à Justiça, não se furtando de apontar diretrizes para o bom exercício da Magistratura no Brasil.

Resumo: O presente texto colima estudar a importância, deveres e responsabilidades da figura do juiz, peça fundamental na promoção do acesso à Justiça, não se furtando de apontar diretrizes para o bom exercício da Magistratura no Brasil.

Abstract: (The following text aim to study the importance, duties and responsibilities of the judge personification, a fundamental part in offering the accessibility to Justice, effectively pointing directions for the well office of the Bench in Brazil.)

Palavras-chave: Juiz- Acesso- Justiça

Key-words: Judge – Accessibility - Justice


Definitivamente, entender acesso à Justiça como mero acesso aos Tribunais não é uma assertiva aceitável nos tempos contemporâneos. Concepções puramente liberais tais quais esta devem ser suplantadas em instantes de multiculturalismo exacerbado e necessidade crescente de implantação de instâncias dialógicas efetivas que concretizem os ideários democráticos prometidos na normativa constitucional. A Constituição precisa de efetividade, sob pena do Direito padecer de platonismo estéril!

Mister destacar que o Judiciário não tem passado incólume das acusações de estar cada vez mais afastado dos interesses populares e só se prestar a atender castas restritas da comunidade, seletivamente escolhidas conforme suas conveniências burocrático-monetárias. Nesta conjuntura constata-se que a proclamação dos direitos constitucionais, inclusive o de acesso à Justiça, reveste-se de máscara retórica.

Sintetizando bem este quadro acentuou José Renato Nalini:

"Em lugar da orgulhosa proclamação da vítima: ‘ Vou procurar por meus direitos’, o que se vê aqui é a ironia do infrator: ´Vá procurar a Justiça´. Sabem todos como funciona a Justiça: a proliferação de decisões ilegais e de arbitrariedades significa que a administração e outros centros de poder (inclusive os privados) se sentem relativamente impunes em face de suas irregularidades". [01]

Dentro deste brilhante comentário de Nalini, ainda é lúcido destacar o Estado como um dos grandes vilões na criação e sustentação de óbices ao pleno acesso à Justiça. Lembre-se, por exemplo, que o próprio Estado é um dos maiores produtores de demandas judiciais e se comporta em juízo como litigante habitualmente chicaneiro, com grandiosa resistência em reconhecer seus desmandos. Se a condenação por multa de litigância de má-fé fosse uma prática constante de nossos Tribunais, certamente o Estado seria um dos "campeões" nesta incidência, considerando-se suas terríveis práticas de insistir com lides temerárias, sem qualquer chance de êxito judicial, bem como a conduta nefasta de protelamento de processos, usando ao máximo seus dilargados prazos processuais, sem deixar de mencionar o odioso manejo de incidentes processuais estéreis (exceções, impugnações, pedidos despidos de fundamento, algumas vezes incrivelmente até fora dos amplos prazos que o Estado dispõe em juízo) e sem valia para o desate do litígio. Recorde-se também a teimosia estatal em recorrer de decisões judiciais a todo custo, levando processos até as últimas instâncias judiciais mesmo quando as mais altas Cortes já pacificaram entendimento em matérias nas quais o Estado resta sucumbente. Adicione-se ainda, para desespero do jurisdicionado comum que litiga com o Estado, a dificuldade apresentada pelo Estado para o cumprimento imediato e correto de decisões judiciais.

Esta realidade faz com que o cidadão hipossuficiente confunda, com razão, os conceitos de "Justiça" e "impunidade". Extirpar este estado de coisas reclama uma intervenção mais ativa do Poder Judiciário. Os juízes não têm as chaves para resolver todos os problemas do mundo, mas devem assumir o desafio do momento histórico e produzir algo de mais sólido para maximizar a capacidade de resolução de conflitos, transformação social e pacificação de cizânias. Isto é que representa uma ampliação de alternativas para profilaxia harmônica das diferenças sociais, consectário óbvio para aproximar-se do real alcance do acesso à Justiça. [02] Exige-se, pois, ativismo judicial como nota marcante da atividade de magistrados!

Todo o juiz, para que tenha a consciência em paz, deve sempre refletir sobre seu trabalho e indagar, de forma perene, se ele realmente gera frutos. Talvez justamente a ausência disto é que começa a explicar a interminável crise de credibilidade pela qual o Judiciário padece.

A figura do juiz é de importância central para a compreensão dos vícios e possibilidades de mudança dentro do cenário da prestação jurisdicional estatal [03]. Contudo, soa uma visão inadequada (e não é isto que queremos) conceber o juiz como o maior vilão ou o maior herói do acesso. Perfilhando a este comentário opinião de Luís Guilherme Marinone, tem-se o seguinte:

"Devemos afastar a idéia ''simplista" de que o juiz é o ''culpado'' pela demora do processo, ou mesmo pela falta de qualidade de seu serviço. A questão passa por uma dimensão muito mais profunda, ou seja, pela própria ideologia que permite que o Poder Judiciário seja o que é, pois como é intuitivo, nada, absolutamente nada, possui uma determinada configuração sem razão ou motivo algum. Nessa perspectiva até poderíamos afirmar que nenhuma ''justiça'' é boa ou má, efetiva ou inefetiva, já que ela sempre será da ''forma'' que os detentores do poder a desejarem e portanto para alguns sempre ''boa'' e ''efetiva''. [04]

Em verdade, se o próprio Estado naufraga em tormentosa crise, o Judiciário não passa intangível de críticas pela sociedade. A descrença do destinatário, o preconceito natural por se tratar de prestação governamental, a certeza da lentidão do serviço, ademais complicado e dispendioso, a distância imensa entre as necessidades e as urgências da comunidade e o ritmo da resposta jurisdicional possível são constatações a que os atentos já chegaram. [05]

Novamente voltando atenção para o personagem "juiz", embora já tenha sido dito que ele, por si só, não é o único responsável pelo quadro deficiente da prestação jurisdicional estatal, insta dizer que a denúncia constante de vínculos nem sempre eticamente justificáveis entre a Magistratura e castas abastadas também auxilia na descrença que existe em relação ao Judiciário. Essa relação entre Judiciário e classes altas nem sempre se revela uma promiscuidade grotesca, nem tampouco corrupção deslavada. Muitas vezes os vínculos de certos juízes e Tribunais com interesses econômicos elitistas são até inconscientes, resultado do perfil tradicional de Poder Judiciário no qual os magistrados estão inseridos e também reflexo do tipo de cultura e valores nos quais os magistrados forjaram sua personalidade. [06]

É correto então afirmar que da mesma forma como é errôneo imputar ao magistrado todas as culpas pelos defeitos do sistema jurídico estatal, também não é razoável dar ao juiz uma conotação totalmente ilibada e livrá-lo de quaisquer considerações críticas. Neste sentido, assim se pronunciou Calamandrei:

" (...) não é honesto (...) refugiar-se atrás de cômoda frase de quem diz que a magistratura é superior a toda crítica e a toda suspeita: como se os magistrados fossem criaturas sobrehumanas, não tocadas pela miséria desta terra, e por isto inatingíveis. Quem se satisfaz com estas vãs adulações ofende à seriedade da magistratura: a qual não se honra adulando-a, mas ajudando-a, sinceramente, a estar à altura de sua missão". [07]

Ensinou Jonh Merryman que os juízes exercitam um poder e onde há poder dever haver responsabilidade. Em uma sociedade organizada racionalmente haverá uma relação diretamente proporcional entre poder e responsabilidade. [08] Embora a maioria dos juízes e parcela significativa de juristas não goste muito do emprego desta terminologia, o controle sobre a atividade da Magistratura, que não representa, de forma alguma, a perda de sua independência, não pode ser menosprezado.

É notório um movimento, nem sempre profícuo, de expansão da atividade legislativa e crescente volume de legislação. Com esta expansão desmedida, os textos legais perdem em esmero na técnica legislativa e passam a ser objeto de imprecisões e ambigüidades. Muitas vezes alguns destas imprecisões são até intencionais, tendo em vista, por exemplo, a grandiosa menção a princípios e cláusulas gerais nas leis. O certo é que, com isto tudo, delicadas escolhas políticas estão sendo deixadas nas mãos dos juízes. Traga-se, como exemplo, os direitos sociais, que, antes, vistos por muitos como meramente programáticos, hoje são reputados pela mais sábia doutrina constitucional como também pertencentes ao gênero dos direitos fundamentais. Daí que os direitos sociais passam a ter natureza normativa e devem ser promovidos com eficiência pelo Estado. Neste plano, a figura do juiz torna-se indispensável para a promoção e efetivação dos direitos sociais, tudo no sentido de tentar evitar que os mesmos sejam relegados ao plano meramente simbólico. Juízes que se acovardam em efetivar direitos sociais são cúmplices das bárbaries cometidas pelas escolhas indevidas nos orçamentos estatais!.

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Acentuando a importância do juiz na tomada de decisões que tutelem direitos sociais, assim sinalizou Cappelletti:

" Na proteção de tais direitos, o papel do juiz não pode, absolutamente, limitar-se a decidir de maneira estática o que é agora legítimo ou ilegítimo, justo ou injusto: ao contrário, constitui freqüente responsabilidade do juiz decidir se determinada atividade estatal, mesmo quando largamente discricional- ou a inércia, ou em geral dado comportamento dos órgãos públicos- está alinhada com os programas prescritos, freqüentemente de maneira um tanto vaga, pela legislação social e pelos direitos sociais". [09]

As considerações aqui lançadas mostram o quão os juízes têm possibilidades nas mãos e, em conjunto com tais prerrogativas, as responsabilidades que lhe são inerentes. O controle da atividade do magistrado, longe de ser mordaça para seu bom agir, é, se exercido com moderação e legitimidade, até uma garantia salutar para o escorreito exercício da jurisdição.

A independência do magistrado e suas prerrogativas constitucionais não são valores em si mesmo, mas sim instrumentos da mantença de sua imparcialidade. Assim como deve-se evocar a independência, impossível não exigir do juiz, assim como de qualquer integrante dos quadros estatais, a prestação de contas acerca de suas atividades.

Contra o controle da Magistratura, também se postam aqueles que argumentam no sentido de que os juízes já possuem sistemas rigorosos de autocontrole, corporificados, por exemplo, no Estatuto da Magistratura e nos Regimentos dos Tribunais. Há também quem diga que a opinião pública tem amplo controle sobre o Judiciário, algo possível em função do princípio da publicidade dos atos processuais. Não há que se desdenhar destes valorosos mecanismos de controle, mas, apesar deles, impossível fechar os olhos para desmandos e mazelas que o Judiciário, sem outras dinâmicas mais robustas de observação de seus comportamentos, tem cometido.

Ainda entre os que se mostram reticentes ao controle da Magistratura, é passível de menção discursos que sustentam, por vezes, teses arcaicas no sentido de que o Estado não erra (uma afirmação só passível de aprovação em Estados notoriamente despóticos, nunca no contexto de um Estado Democrático de Direito) ou exacerbando no valor que deve ser lançado à coisa julgada, um direito fundamental, previsto no art. 5º da CF/88, que, da mesma forma que deve ser protegido contra abusos, também, como todas as outras assertivas neste dispositivo lançadas, em certos momentos precisa de temperamentos e relativizações.

O discurso contra um efusivo controle da Magistratura não é algo exclusivo da cultura brasileira, sendo certo que há grande amplitude desta retórica em países tanto do civil law quanto do common law. [10]

É óbvio que a defesa de um exercício mais efetivo de controle sobre a atividade dos juízes não representa uma ode à autêntica "Inquisição" sobre os magistrados. Não é razoável falar em caça às bruxas. Para salvaguardar a independência e a imparcialidade do juiz, ações na órbita cível vexatórias ou completamente vazias de fundamento, bem como procedimentos administrativos disciplinares ou de ordem penal abusivos, devem ser amplamente rechaçados.

Contudo, com as devidas cautelas, o juiz deve ser sempre responsabilizado por seus erros. Assim sendo, a monopolização da responsabilidade disciplinar na Magistratura por Tribunais formados apenas por magistrados é um corporativismo que merece contundentes críticas. É vital combater o risco de isolamento da Magistratura. Os juízes, por mais merecedores de respeito que sejam, não devem formar um corpo à parte do sistema estatal e da sociedade civil. E uma boa arma contra isto é, com efeito, a inclusão de membros que não pertencem ao Judiciário na formação de Conselhos de controle de suas atividades. Neste sentido, louve-se a Emenda Constitucional 45 e a fixação de participação do Ministério Público, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para a indicação de membros no Conselho Nacional de Justiça.

Ainda na seara sempre passível de polêmicos debates do controle sobre o juiz, também se faz presente uma necessidade de aparelhar a máquina estatal com mecânicas mais precisas de seleção de magistrados. Nos concursos para a seleção de magistrados será que sempre estarão sendo escolhidos os melhores candidatos? O sistema das provas procura bons juízes, com senso humanista, disposição para o diálogo, maturidade, vocação para a atividade de judicar, sensibilidade social e vontade contínua de se atualizar ou "super homens" com momentâneo e acrítico conhecimento das legislações e dos doutrinadores "preferidos" das bancas de seleção? A despeito das mazelas do ensino jurídico pátrio, será que não há exagero no número grandioso de reprovados nos concursos públicos para a Magistratura, muitos dos quais sequer conseguem preencher todas as vagas abertas?

Sobre isto, acompanhe-se o que pensou Cappelletti:

" O que sobretudo importa, para os fins da qualidade e da eficiência do Judiciário é a seleção no momento de ingresso na Magistratura. (...) Justamente a falta de severidade comparável da seleção no momento do ingresso na Magistratura é que se pode explicar a necessidade mais aguda de controles sucessivos, controles de qualidade e de disciplina(...)". [11]

Apesar dos pesares (e que pesares!!!), ainda é necessário alimentar esperança no Judiciário e em sua redenção. Esta foi a aposta da Constituição Federal de 1988 e dos movimentos constitucionalistas em voga [12], haja visto o já propalado sensível aumento de poderes do Judiciário no contexto contemporâneo.

As conjunturas exigidas pelo pleno acesso à Justiça para aperfeiçoamento das instituições jurídicas e de seus atores cobram também uma reforma no perfil epistemológico do jurista. Conhecer com memória minudente codificações, operar bens legislações, compilar jurisprudências de Tribunais são recursos importantes, mas não bastam para a formação do bom jurista e, se adotados com exclusividade e peremptória negativa a outras alternativas de conhecimento, tendem a formar não um verdadeiro jurista, mas sim um pernóstico tecnocrata das letras jurídicas.

A edificação de um paradigma de juiz servo fiel da lei é um dos fatores que levou o Judiciário à encruzilhada de agora. O eterno subserviente do ordenamento positivista dogmático é totalmente incapaz de criatividade e imaginação, despreparado para responder aos problemas de sociedades em perene mutação. É preciso, quando necessário, desprezar literalidades legais iníquas e abusivas e se valer de interpretações sistemáticas mais consentâneas com os ditames de Justiça no caso concreto. [13]

O magistrado que não quiser ficar defasado e sem arsenal para judicar com esmero e correição deve estar atento à nova realidade globalizada e aos avanços e retrocessos dos novos ciclos culturais e econômicos. Deve também ter conhecimento metajurídico, ou seja, manusear saberes além do Direito. Não se exige que o juiz seja um expert em tudo (isto é humanamente impossível), mas é fundamental que o magistrado não seja completamente leigo em áreas como a Sociologia, a Psicologia, a Antropologia, a Filosofia, a Economia, a Administração, o Marketing, a Informática... [14]

Frise-se que as advertências aqui lançadas não são só destinadas ao juiz. O Direito e o acesso à Justiça não são dinâmicas apenas estatais. Há um universo de figuras operando oficial e informalmente no ordenamento jurídico e todos devem estar cônscios de tais realidades. Assim sendo, advogados, promotores, serventuários da Justiça, professores de cursos jurídicos, acadêmicos de Direito, entidades não governamentais que atuam em matérias jurídicas também precisam estar antenados a estas corajosas perspectivas.

Tais fatos rompem com a secular dicotomia existente na formação jurídica: a oposição entre as elites jurídico burocráticas (pragmáticas) e as elites acadêmicas (teórico-filosóficas). O campo do trabalho do operador do Direito no mercado globalizado exige uma formação em que ambas as correntes sejam coincidentes, possibilitando uma mega-atuação, plena em fundamentos teóricos e pragmatismo. [15]

O magistrado deve estar sempre preparado para se defrontar com as demandas cada vez mais complexas que são levadas a Juízo. Para tanto, primordial que o magistrado se atualize de forma perene e não fique acomodado com a percepção de que conhece o Direito só porque logrou êxito em um concurso da Magistratura e, portanto, "não mais precisa estudar".O mal vulgarmente conhecido como "juizite" contamina muitos magistrados e tira deles a sensibilidade de que as sociedades e o Direito seguem rota de ininterrupta mudança. O sábio de hoje pode ser o ignorante de amanhã. Gize-se ainda que o garbo dos magistrados de estarem pertencendo a uma casta de "gênios" do saber jurídico pode ser muito desmistificada se tivermos acepção crítica o bastante para relembrar as vicissitudes apontadas nos processos seletivos da Magistratura e a tendência de aprovação apenas de candidatos com boa capacidade de memorização de codificações e arestos dos Tribunais.

Um bom juiz não é aquele que tão somente conhece a legislação e os principais apontamentos jurisprudenciais dos Tribunais aos quais estão submetidos. A educação é um processo permanente, sem previsão de termo. Ademais, o Direito, acompanhando a evolução social, muda. Se o Direito muda, juízes não devem estar isentos de mutações em sua forma de pensar. Isso, por óbvio ,exige estudo.... Juízes não podem julgar com os livros e autores de seus longíquos tempos da "época da Faculdade"!

Sobre o juiz, Calamandrei, mais atual do que nunca, expôs o seguinte:

"O verdadeiro perigo não vem de fora: é um lento exaurimento da consciência, que a torna aquiescente e resignada: uma crescente preguiça moral (...) Na minha longa carreira nunca me encontrei, face a face, com juízes corruptos, mas conheci não raramente juízes indolentes, desatentos, aborrecidos (...) Acontece que os magistrados se reduzem a constituir entre si uma espécie de ermo isolado. (...) E, no entanto, desejar-se-ia no magistrado, sobretudo, largueza de idéias: a despreconceituosa experiência do mundo, a cultura que permite entender os fermentos sociais que fervem sob as leis(...)". [16]

Diante deste panorama, fundamental se afigura uma formação continuada dos magistrados, com cursos de aprimoramento que verdadeiramente acrescentem conhecimento aos juízes. De nada adianta o comparecimento dos magistrados a esporádicas palestras e simpósios, geralmente eventos propícios apenas para bajulação e simulacro de estudo em autênticos folguedos festivos jurídicos.

Esta formação continuada dos magistrados é tarefa a ser assumida, sobretudo, pelas Escolas de Magistratura.

Além deste tipo de preparação, poderiam também as Escolas de Magistratura assumir o mister de organizar programas de Pós-Graduação voltados para o avanço acadêmico de magistrados e membros da comunidade jurídica. [17]

Também seria salutar que as Escolas de Magistratura assumissem inclusive importante papel na promoção de cursos preparatórios dos futuros magistrados e figuras de proa de outras carreiras jurídicas. A seleção de magistrados deve ser processo mais acurado do que o usualmente adotado. [18]

A dificuldade da reciclagem dos juízes de comarcas e seções interioranas, afastados dos grandes centros, poderia ser suprida com a implementação de grupos de estudos regionais, algo até válido no reforço do diálogo, da troca de experiências e dos laços solidários entre os magistrados. Estes grupos poderiam até gerar sub-grupos de estudos por agregação temática, valorizando as especializações e vocações que podem ser transmitidas por um juiz a seus pares.

Outro ponto que merece pausadas reflexões diz respeito à necessidade de que o juiz esteja disponível para receber advogados e partes a qualquer momento quando se trate de caso que demande urgência. É muito comum na Magistratura o velho lema de que juízes não devem ter contato com as partes (pensamento atrelado à acepção mais atrasada do princípio da imparcialidade) e advogados só devem ser atendidos quando o juiz bem entender. Nada disto está em consonância com os deveres legais e procedimentais do juiz.

Por certo, a obrigatoriedade de atendimento faz com que o juiz reduza a distância entre o Judiciário e o jurisdicionado, fazendo com que a prestação jurisdicional fique menos hermética. Há, portanto, clara ligação deste comportamento com as máximas de transparência e ampla publicidade que guiam a Administração Pública.

Registre-se ainda que o contato das partes diretamente com o juiz torna mais real os primados de democracia participativa que tanto se proclamam na doutrina constitucional. Vale aqui ressaltar a advertência sábia de José Carlos Barbosa Moreira:

"(...) o inegável é que, as mais das vezes, o litigante só tem contato com o processo por aquilo que o advogado lhe narra do respectivo andamento, ou pelo que, eventualmente, lhe seja dado captar de algum ato a que porventura assista (v.g., julgamento de recurso). E, embora juridicamente seja verdade que as manifestações da parte que ele representa, não é menos verdade que, vistas as coisas na substância, as expressões e o tom usados nas petições e arrazoados do procurador só excepcionalmente coincidirão com as expressões e o tom que o próprio litigante usaria, ainda quando se trate de mera descrição de fatos. Em tais condições, ou nos conformamos em atribuir ao termo ‘participação’ significado estritamente formal, sem qualquer compromisso com a realidade subjacente às fórmulas técnicas, ou então somos forçados a reconhecer que é mínima a participação dos litigantes no processo". [19]

Tecendo considerações mais minuciosas sobre a atuação do juiz na condução de um processo, faz-se a opção de enumerar um elenco de tarefas, sem, contudo, traçar uma lista taxativa. O processo não é um caderno burocrático, senão repositório de sofrimentos. [20] Assim sendo, impossível fazer um elenco fechado e eterno de tudo o que um bom juiz deve fazer para guiar um processo, sendo possível apenas mencionar aspectos pontuais daquilo que é necessário para o alcance de tal meta:

-Um juiz deve ser criterioso no recebimento de peças iniciais de processo. É muito comum que magistrados sequer leiam tais petições e tenham despachos e carimbos prontos determinando providências processuais que nem sempre se coadunam com o caso concreto. Só uma análise detida da inicial e de seus pedidos é que pode dar efetividade regularidade ao processo. O indeferimento de petições iniciais manifestamente inviáveis processualmente retira sobrecarga do Judiciário e afigura-se como medida exemplar para coibir lides temerárias. A determinação de emenda e correções em petições iniciais com defeitos sanáveis traz remédio imediato para males que podem, mais tarde, dificultar a instrução e causar até nulidades no feito. A apreciação minuciosa de pedidos liminares dá mais sustentáculo para decisões que defiram ou indefiram o pleito. Na justiça criminal, o recebimento mecânico e irrefletido de denúncias e queixas, sem fundamentação por parte do juiz, pode gerar conseqüências muito sérias em se tratando do lançamento de acusações contra inocentes.

-Também deve haver esmero do magistrado na resolução de matérias preliminares do processo. Tais matérias não liquidadas no momento oportuno, constituem fonte permanente de tumulto processual, dando ensejo a incidentes capazes de retardar o julgamento, dispersar a atenção do juiz e, não raro, acarretar a anulação do processo, ou de parte dele, inclusive em grau de recurso, com desperdício de tempo, energias e recursos financeiros. [21] Praxe pouco recomendável é o juiz fugir de tal análise com a desculpa padrão de que "as preliminares se confundem com o mérito". Para olhares mais argutos, medidas deste tipo podem até passar a impressão de que o juiz não está em dia com seus estudos processuais;

-Mais ousadia no uso de iniciativas instrutórias ex officio, seguindo, por exemplo, o que determina o art. 130 do CPC. Os dogmas da neutralidade, imparcialidade, imobilidade e passividade do juiz precisam ser repensados. O distanciamento exagerado do juiz não contribui para o acesso à justiça. Nem sempre é correto dizer que o juiz só atua quando provocado. A inércia do magistrado é o flagelo do mais fraco processualmente e configura severa ofensa ao princípio da igualdade substancial [22]. Descabe a frágil afirmação de que tal postura ofende o contraditório. O contrário é que se mostra verdadeiro, ou seja, só haverá paridade de armas entre as partes se o juiz participar ativamente da instrução. [23] É preciso ainda afirmar que ao determinar o juiz a realização de uma prova que julga necessária para desate da lide não está categoricamente a favor de uma das partes, mas sim em busca de aprimorar seu convencimento.

-Emprego, com mais freqüência, por parte dos juízes de inspeções judiciais. A desculpa do magistrado de que, assoberbado por muitos processos, não tem tempo para visitas in loco de lugares e pessoas, não deve prosperar. Otimizar o tempo é uma obrigação do bom magistrado. A Justiça deve ir aonde for preciso. O juiz acomodado em confortáveis gabinetes não é sempre capaz de tomar contato direto com a demanda.;

-Maior empenho na atividade conciliatória. A mera adjudicação, a composição de litígios em que o interesse de uma das partes é afastado em prol da vantagem de outro, pode, ao contrário do que se imagina, desagradar a ambos os litigantes. Não é sem razão o dito jurídico de que "é melhor um mau acordo do que uma boa demanda". O sucesso da conciliação e da mediação em esferas informais de Justiça pode, com boa vontade dos magistrados, ser transportado com sucesso para a Justiça estatal. O acordo judicial democratiza a gestão da Justiça, na medida em que concita as próprias partes a compor o litígio. Fora isto, também evoque-se que os acordos judiciais livram o juiz da linguagem jurídica hermética e verborrágica dos advogados, sendo certo que os argumentos das próprias partes são os que devem preponderar na resolução consensual de uma contenda. Assim sendo, as partes se sentem reais protagonistas do processo, dando certamente mais legitimidade à decisão tomada. Sem sombra de dúvidas, a conciliação é eticamente superior ao julgamento [24];

- O juiz deve conhecer integralmente o processo que preside. Grande é a ojeriza que se lança contra o juiz que só se "inteira" do processo nos minutos antecedentes à uma audiência, lançando leituras superficiais sobre pontos que deveriam já ter sido objeto de detida análise. A "leitura dinâmica" não é um privilégio acessível a todos os magistrados... O excesso de serviço não pode justificar a inércia do juiz em estudar com regularidade seus processos, uma vez que muitas vezes a morosidade vem justamente da ausência de conhecimento da causa pelo magistrado, inábil para indeferir diligências procrastinatórias e inseguro para tomar posturas mais radicais que confiram mais celeridade ao feito. Outro alerta é no sentido de que o juiz deve sempre obedecer os ritos processuais e evitar deturpações procedimentais que tornem mais longo e complexo o jogo processual. [25];

- Emprego, com efetividade e rigor, das penas da litigância de má-fé aqueles que dolosamente ingressam em juízo para proferir inverdades, industrializar provas, procrastinar processos e, de qualquer forma, atrapalhar o bom andamento processual. As punições para o litigante de má-fé são ríspidas e, se bem aplicadas, certamente representarão significativa barreira para aqueles que não respeitam preceitos éticos e morais dentro de um processo judicial. Problema grave é justamente a tibieza dos magistrados em aplicar o que é normativamente previsto, ou seja, punir com a pena da litigância de má-fé aqueles que realmente merecem tal imposição. Neste sentido, se manifestando com ironia, porém também com veracidade, assim se posicionou Marcelo Collombelli Mezzomo: "Se o leitor me permite um exemplo de duvidoso gosto, a pena de litigância de má-fé, enfim, a repressão à litigância de má-fé é como o demônio da tasmânia, animal extinto na Oceania: somente a conhecemos por livros". [26]

Sobre o autor
João Fernando Vieira da Silva

advogado, professor de Teoria Geral do Processo, Processo Civil, Direito Civil e Prática Jurídica das Faculdades Doctum - Campus Leopoldina, especialista em Direito Civil pela UNIPAC - Ubá (MG), mestrando em Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional pela PUC/RJ, pesquisador de grupo sobre Acesso à Justiça da PUC/RJ e do Viva Rio

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, João Fernando Vieira. O juiz e o acesso à Justiça no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2054, 14 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12314. Acesso em: 22 dez. 2024.

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