SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Responsabilidade subsidiária e o princípio da personificação/intransmissibilidade das penas - 3. Tomador integrante da administração pública - veto adicional à extensão da penalidade prevista no art. 467 da CLT - 4. Conclusões.
1- INTRODUÇÃO
O Colendo Tribunal Superior do Trabalho, enfrentando as questões decorrentes do fenômeno da terceirização, pacificou o entendimento segundo o qual o tomador responde por todos os créditos trabalhistas inadimplidos pelo empregador (En. 331, IV).
Mais: segundo o TST, a responsabilidade abarca inclusive as verbas decorrentes de preceitos punitivos, tais como os relativos à incidência das penalidades estipuladas nos artigos 467 e 477, §8º, da CLT.
Data venia, divergimos de tal entendimento, o que nos motiva a dissertar visando fomentar novas reflexões sobre o tema.
2 – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA E O PRINCÍPIO DA PERSONIFICAÇÃO/INTRANSMISSIBILIDADE DAS PENAS
O En. 331, IV, do TST, estabelece que:
"O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 – da Lei n. 8.666, de 21.06.1993)."
A proteção deferida ao crédito do empregado encontra suporte na valorização constitucional do valor trabalho, expressamente prestigiado pelo constituinte (CF, art. 1º IV; art. 7º, I; art. 170 e art. 193), e amplamente resguardado pela jurisprudência, segundo a qual:
MULTA DO ARTIGO 477, § 8º, DA CLT – APLICABILIDADE – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – Está evidenciado nos autos o não-pagamento das verbas rescisórias ao Autor, dando ensejo à aplicação da penalidade prevista no artigo 477, § 8º, da CLT. O Tribunal Regional impôs obrigação subsidiária pela satisfação dos créditos trabalhistas, o que implica responsabilidade pelo total devido ao Reclamante, incluindo a aludida multa, na hipótese de a empregadora (prestadora de serviços) não os satisfazer. Recurso parcialmente conhecido, e não provido. (TST – RR 643263 – 3ª T. – Relª Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi – DJU 18.10.2002)
Acontece que, a imputação ao tomador de responsabilidade quanto às penalidades [01] em que incorreu o empregador, tais como as previstas nos artigos 467 e 477, §8º, da CLT, não encontra respaldo em nosso ordenamento.
Com efeito, a Constituição da República, que admite expressamente entre as penalidades a imposição de multa (art. 5º, XLVI, "c"), é clara ao estabelecer no regramento constitucional das penas, o princípio da personificação/intransmissibilidade das mesmas. Verbis:
"Art. 5º ...
...
XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido."
O dispositivo, note-se, consagra duas garantias, uma pertinente à intransmissibilidade da pena (sanção, punição), e, outra, relativa ao dever de reparar os danos (reparação patrimonial ou moral), limitado quanto aos sucessores até o limite do patrimônio transferido [02].
Interessa-nos a primeira parte do art. 5º, XLV, consagradora do princípio da personificação das penas.
Tal garantia, em decorrência dos princípios da supremacia e da imperatividade das normas constitucionais deve lograr o maior campo de incidência possível, impedindo a transmissão de penalidades no âmbito penal, civil, tributário, trabalhista etc, pois, nos termos da lição de REIS FRIEDE:
"Na interpretação de um dispositivo constitucional é essencial que o intérprete sempre lhe confira a mais ampla extensão possível." [03]
Corroborando com a assertiva, ALEXANDRE DE MORAES, tratando da interpretação da Constituição, leciona que:
"... entre as interpretações possíveis, deve ser adotada a que garanta a maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas constitucionais." [04]
Na esteira de tal entendimento, aliás, UADI LÂMEGO BULUS, em comentários à primeira parte do inciso XLV, do art. 5º, da CF, dispõe que:
"Em qualquer setor jurídico, a pena (prefiro por opção doutrinária não denominá-la conseqüência de crime) e todos os efeitos do delito são ônus exclusivos do condenado." [05]
Outrossim, a legislação infraconstitucional, em consonância com o texto Constitucional, também prestigia a personificação das penas.
É o que se dá, por exemplo, quanto à intransmissibilidade da multa punitiva ao responsável legal em sede tributária, restringindo-se a responsabilidade deste quanto aos créditos tributários (consoante exegese do CTN, arts. 131 a 134).
Explícito neste sentido, aliás, o art. 134, parágrafo único, do CTN, cuja exegese veta claramente a transmissão de responsabilidade quanto às penalidades de caráter punitivo:
Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores;
II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados;
III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes;
IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio;
V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário;
VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;
VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.
PARÁGRAFO ÚNICO. O DISPOSTO NESTE ARTIGO SÓ SE APLICA, EM MATÉRIA DE PENALIDADES, ÀS DE CARÁTER MORATÓRIO [06].
Mais, há muito STF consolidou o entendimento de que não cabe a extensão das penalidades de caráter punitivo aos responsáveis legais:
RE 82754 / SP - SAO PAULO
Relator(a): Min. ANTONIO NEDER
Julgamento: 24/03/1981 Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
DJ DATA-10-04-81 PG-03174 EMENT VOL-01207-01 PG-00326 RTJ VOL-00098-03 PG-00733
Ementa
1. Código tributário nacional, art-133. O Supremo Tribunal Federal sustenta o entendimento de que o sucessor é responsável pelos tributos pertinentes ao fundo ou estabelecimento adquirido, não, porém, pela multa que, mesmo de natureza tributaria, tem o caráter punitivo. 2. Recurso Extraordinário do fisco paulistano a que o STF nega conhecimento para manter o acórdão local que julgou inexigível do sucessor a multa punitiva
AI 60180 / SP - SAO PAULO
Relator(a): Min. ALIOMAR BALEEIRO
Julgamento: 11/06/1974 Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA DJ DATA-04-10-74 PG
Ementa
Multa fiscal - CTN arts. 131 a 133 1 - O Código Tributário Nacional não revogou o art. 23, par, da lei de falências, mas o ampliou nos arts. 131 a 133. 2. Por esse ultimo dispositivo, a responsabilidade do sucessor pelos débitos fiscais do antecessor e restrita a tributos, sem estender-se as multas.
Demais disso, nosso ordenamento jurídico, cuidando da inexecução das obrigações, também consagra a personificação da culpa, mesmo em relação aos devedores solidários, carreando os ônus adicionais da obrigação somente àquele que lhes tenha dado causa direta.
É o que se extrai do disposto no art. 279 do CC/02, o qual estabelece, ad litteram:
"Art. 279. Impossibilitando-se a prestação por culpa de um dos devedores solidários, subsiste para todos o encargo de pagar o equivalente; mas pelas perdas e danos só responde o culpado."
Ora, se os preceitos legais/constitucionais não autorizam a extensão das penalidades, jungidas ao princípio da personificação das penas (CF, art. 5º, XLV, 1ª parte), prestigiando ainda a personificação da culpa mesmo em sede de obrigação solidária, mantendo apenas sobre o culpado a respectiva responsabilidade adicional (exegese do art. 279 do CC/02 e do CTN, art. 131 e 133), com maior não cabe a responsabilização do tomador (mero garante subsidiário dos créditos trabalhistas [07]), quanto às penalidades em que tenha incorrido o empregador.
3 – TOMADOR INTEGRANTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – VETO ADICIONAL À EXTENSÃO DA PENALIDADE PREVISTA NO ART. 467 DA CLT
Os fundamentos acima colacionados justificam a impossibilidade de extensão das penalidades colacionadas nos artigos 467 e 477, §8º, da CLT, aos tomadores de serviços em geral nos casos de terceirização lícita. [08]
Tratando-se de terceirização envolvendo a Administração Pública (direta, autárquica e fundacional), todavia, há mais um óbice à imputação da responsabilidade subsidiária quanto à satisfação da penalidade prevista no art. 467 da CLT.
Estabelece a CLT:
"Art. 467. Em caso de rescisão de contrato de trabalho, havendo controvérsia sobre o montante das verbas rescisórias, o empregador [09] é obrigado a pagar ao trabalhador, à data do comparecimento à Justiça do Trabalho, a parte incontroversa dessas verbas, sobre pena de pagá-las acrescida de cinqüenta por cento.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, e às suas autarquias e fundações públicas."
Não obstante o parágrafo único estabeleça veto claro à imposição da pena à Administração Pública, verificamos com freqüência a responsabilização subsidiária da mesma (enquanto tomadora) quanto à penalidade imposta ao empregador (prestador de serviços), ao argumento de que o óbice legal veta a responsabilização direta, não impedindo a meramente subsidiária na qual se compreenderia, de todo modo, a totalidade dos importes devidos ao empregado (TST – RR 643263 – 3ª T. – Relª Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi – DJU 18.10.2002).
O silogismo, todavia, desconsidera totalmente a interpretação teleológica da disposição contida no parágrafo único do art. 467 da CLT, não obstante, na aplicação da lei, deva-se atender aos fins sociais a que ela se dirige (LICC, art. 5º), de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público (CLT, art. 8º, in fine).
A correta exegese do parágrafo único do art. 467 da CLT, norma materializadora do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, impede que a penalidade ali consignada seja carreada aos cofres públicos quer diretamente, quer mediante responsabilidade subsidiária.
Ora, prestigiando o legislador o erário público [10], salvaguardando-o da punição mesmo nos casos em que a Administração tenha dado causa direta à situação fática prevista como ensejadora da penalidade (quando empregadora), mostra-se no mínimo incoerente a imputação de responsabilidade, ainda que subsidiária, quanto ao pagamento da sanção nos casos em que sua aplicação decorre apenas indiretamente da atuação do Poder Público [11].
O direito, data venia, não agasalha tais antinomias.
4 - CONCLUSÕES
Diante do exposto, esperando fomentar o debate, concluímos que:
a) a responsabilidade subsidiária nos casos de terceirização lícita não abrange os valores decorrentes de penalidades em que tenha incorrido o empregador seja em razão do princípio constitucional da personificação das penas, seja em razão da consagração no ordenamento infraconstitucional da personificação da culpa;
b) especificamente quanto à Administração Pública, a imputação de responsabilidade subsidiária em relação à penalidade do art. 467 da CLT imposta ao empregador, além dos óbices gerais colacionados na alínea anterior, encontra vedação expressa na própria CLT (exegese do parágrafo único do art. 467 da CLT).
Notas
- Penalidades, ou seja, valores pagos a título de sanção e não em decorrência de efetivos créditos trabalhistas.
- Neste sentido, vide Bulus, Uadi Lâmego. Constituição federal anotada – 5ª ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional 39/2002 – São Paulo: Saraiva, 2003, p. 261.
- Friede, Reis. Lições objetivas de direito constitucional e teoria geral do Estado: para concursos públicos e universitários – São Paulo: Saraiva, 1999, p. 69.
- Moraes, Alexandre. Direito constitucional administrativo – São Paulo: Atlas, 2002, p. 65.
- Bulus, ob. cit. p. 261.
- Note-se, as penalidades moratórias são estendidas, porque não têm caráter punitivo.
- Entre os quais não se inserem os valores relativos a penalidades.
- Em caso de terceirização fraudulenta entendemos que incide sempre a responsabilidade solidária entre tomador e empresa prestadora de serviços (exegese do art. 9º da CLT e do art. 942, do CC/02 cc art. 8º, parágrafo único da CLT).
- A própria redação legal, personifica a punição ao empregador, sendo que, em sede de preceito punitivo, a interpretação deve ser sempre restritiva. Neste sentido, TRT 15ª R. – Proc. 20147/02 – (11326/03) – 6ª T. – Relª Juíza Olga Aida Joaquim Gomieri – DOESP 30.04.2003 – p. 26.
- E, pois, o interesse coletivo.
- Em verdade omissão quanto à eleição/vigilância do empregador.