1) Conceito
O formal de partilha é um documento de natureza pública expedido pelo juízo competente para regular o exercício de direitos e deveres decorrentes da extinção de relações jurídicas entre pessoas nas ações de inventário, separação, divórcio, anulação e nulidade do casamento. O referido título é admitido a registro no fólio real por força do artigo 221, inciso IV, da Lei Federal 6.015/73, denominada Lei de Registros Públicos.
Pelo formal de partilha se demonstra que um imóvel foi dividido entre ex-cônjuges ou herdeiros, conforme o caso. A respeito da matéria, a autora Maria Helena Diniz ensina que "transitando em julgado a sentença, o herdeiro receberá os bens que lhe couberem e um formal de partilha, que terá força executiva contra o inventariante, os demais herdeiros e seus sucessores, a título singular ou universal". Deste modo, uma vez homologada a partilha por sentença, o herdeiro que houver recebido o bem poderá reivindicá-lo diretamente do inventariante, herdeiro ou legatário que o detenha ou possua.
Quando ao final da partilha os bens e direitos que compõem o monte-mor forem atribuídos exclusivamente a um herdeiro, depois de deduzidas eventuais despesas e encargos, o título a ser expedido será a carta de adjudicação e não o formal de partilha. Desta forma, conclui-se que o título em estudo pressupõe a pluralidade de herdeiros.
2) Requisitos legais do título
Os requisitos do formal de partilha nas ações de inventário estão previstos no artigo 1027 do Código de Processo Civil. In suma:
Artigo 1027 - Passada em julgado a sentença mencionada no artigo antecedente, receberá o herdeiro os bens que lhe tocarem e um formal de partilha, do qual constarão as seguintes peças: I - termo de inventariante e título de herdeiros; II - avaliação dos bens que constituíram o quinhão do herdeiro; III - pagamento do quinhão hereditário; IV - quitação dos impostos; V – sentença.
Excepcionalmente, será possível a substituição do formal de partilha por certidão que contenha a transcrição da sentença que homologou a partilha, expedida pelo juízo onde tramitou a ação de inventário, desde que o quinhão hereditário recebido não seja superior a 5 (cinco) salários mínimos. No mesmo sentido, o parágrafo único do artigo supracitado enuncia que:
Parágrafo único. O formal de partilha poderá ser substituído por certidão do pagamento do quinhão hereditário, quando este não exceder 5 (cinco) vezes o salário mínimo vigente na sede do juízo; caso em que se transcreverá nela a sentença de partilha transitada em julgado.
Quanto à separação e ao divórcio, os requisitos são os mesmos, com exclusão do termo de inventariante. Por outro lado, a relação jurídica será composta pelos cônjuges e não por herdeiros.
3) Tributo incidente
O tributo incidente sobre a sucessão hereditária ou a dissolução da sociedade conjugal é o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCD. Por disposição constitucional, a instituição do referido imposto compete aos Estados (art. 155, inciso I, CF). Logo, nas transações imobiliárias que envolvem imóveis matriculados em cartório, o Estado é quem deve regulamentar as suas hipóteses de incidência, isenção, o fato gerador do tributo, a base de cálculo e a alíquota.
Outro aspecto importante é que não cabe às partes indicar se há ou não incidência do imposto. Neste caso, quem deve deliberar sobre o pagamento ou não do tributo é o órgão responsável pelo seu recolhimento aos cofres públicos, qual seja, a Receita Estadual.
O registrador é obrigado a fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos praticados pela serventia, sob pena de responsabilidade solidária, caso o tributo não seja pago pelo devedor principal. Neste sentido, o artigo 134, inciso VI, do Código Tributário Nacional enuncia que "nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício. Ainda, o artigo 289 da Lei Federal 6.015/73 discorre que "no exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhe forem apresentados em razão do ofício".
4) Espólio e abertura de sucessão
Quando se fala em abertura de sucessão surge a figura do espólio, o qual se caracteriza como um ente despersonalizado e constitui a universalidade de bens deixados pelo de cujus, falecido. O princípio da saisine, originário do Direito Francês, positivado na legislação brasileira no artigo 1784 do Código Civil, orienta que, com aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Esta regra é uma exceção ao princípio da inscrição do registro imobiliário, tendo em vista que a aquisição imobiliária dar-se-á com a ocorrência do óbito e não com a formalização do registro na serventia imobiliária. Todavia, enquanto a partilha não for homologada por sentença, não será possível atribuir a propriedade individual de um bem específico a qualquer co-herdeiro. Isso porque, pela norma do artigo 1791, parágrafo único, do Código Civil de 2002, "até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio". Maria Helena Diniz confirma a presente norma quando assevera que "o acervo hereditário é indiviso, pertencendo a todos os sucessores do de cujus conjuntamente, visto que todos têm igual direito sobre a massa, aplicando-se-lhes as normas atinentes ao condomínio".
5) Declaração sobre Operações Imobiliárias - DOI
Em caso de qualificação positiva e registro do título, o oficial de registro de imóveis deve observar se a Declaração sobre Operações Imobiliárias – DOI tem de ser emitida. A Instrução Normativa nº 473 de 23/11/2004, publicada pela Receita Federal do Brasil, regula a emissão da DOI, sendo que, nos formais de partilha, deve ser emitida pelo Cartório de Registro de Imóveis quando o documento for apresentado para registro até 5 (cinco) anos após a sua emissão pela autoridade judicial. Para tanto, o referido prazo é contado a partir da data de expedição do formal de partilha e não da sentença proferida. Para exemplificar, se a sentença houver sido prolatada em 20/01/2004 e o formal de partilha expedido em 25/01/2005, o termo inicial do prazo de 05 anos é o dia 25/01/2005.
6) Repercussão do regime de bens na sucessão
A partilha de bens, no caso em que o(a) inventariado(a) era casado por ocasião da abertura da sucessão, terá efeitos distintos em cada regime de bens, senão vejamos:
O regime de comunhão universal de bens tem como regra geral a comunicabilidade de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e respectivas dívidas, em consonância com o artigo 1667 do Código Civil, com a ressalva das exceções prescritas no artigo seguinte. Sendo assim, o cônjuge sobrevivente terá direito à metade dos bens que compõem o acervo hereditário.
Por sua vez, no regime de comunhão parcial de bens, o dispositivo legal do artigo 1658 do referido diploma preconiza que "comunicam-se tão somente os bens adquiridos pelo casal, após a constância do casamento". Por consequência, o(a) viúvo(a) terá direito à meação dos bens que sobrevieram ao casal depois de concretizado o matrimônio.
Seguindo, os efeitos da sucessão no regime da separação de bens demonstram maior complexidade. Em regra, o cônjuge sobrevivo não herda os bens deixados pelo falecido. Contudo, convém salientar que o presente regime subdivide-se em separação obrigatória e separação convencional de bens. O artigo 1641 do Código Civil regulamenta que "é obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II - da pessoa maior de sessenta anos; III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial". Neste caso, como não é facultada aos contraentes a opção do regime de bens que vai regular a sociedade conjugal, a Súmula 377 do STF prescreve que "no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento". Sendo assim, a interpretação de cada magistrado pode variar quanto à comunicabilidade dos bens adquiridos após a constância do casamento, quando se tratar de separação obrigatória de bens.
Por último, no regime de participação final dos aquestos, até hoje o menos usual, a partilha será compatível com as regras que definem o regime de comunhão parcial de bens. Tal conclusão ocorre por que o regime em análise é caracterizado como um regime de bens híbrido, uma vez que durante a vigência do casamento aplicar-se-ão as disposições da separação de bens, mas com a dissolução da sociedade conjugal cada cônjuge terá direito à metade dos bens adquiridos pelo casal a título oneroso, em conformidade com o preceito do artigo 1672 do Código Civil. Nesta corrente doutrinária, Nicolau Balbino Filho argumenta que "constata-se a existência de patrimônios distintos: o primeiro compõe-se dos bens que cada cônjuge possuía na data do casamento; o segundo, constituído dos adquiridos, a qualquer título, durante a vigência da sociedade conjugal; e o último será apurado na superveniência da dissolução da sociedade conjugal, excluindo-se do montante dos aquestos a soma dos patrimônios próprios".
7) Elementos subjetivos
O princípio da especialidade subjetiva exige a plena e perfeita identificação das pessoas que figuram no álbum imobiliário. No que se refere aos requisitos de qualificação das partes no registro do formal de partilha, a Lei de Registros Públicos – LRP estabelece requisitos comuns ao registro de todos os títulos transmissivos de propriedade. O artigo 176, §1º, inciso III, item 2, alínea "a", da Lei 6.015/73 preconiza que "são requisitos do registro número 2: (...) 2 - o nome, domicílio e nacionalidade do transmitente, ou do devedor, e do adquirente, ou credor, bem como: tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou, à falta deste, sua filiação".
Apesar da faculdade conferida pela Lei de Registros Públicos para indicação no ato de registro da carteira de identidade, do CPF ou, ainda, da filiação, a descrição do número de inscrição no CPF dos adquirentes e transmitentes é obrigatória para o registro do formal de partilha. Segundo dispõe o inciso V do art. 33 do Decreto nº 3000/99, que institui o RIR – Regulamento do Imposto de Renda, a inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas é obrigatória para qualquer pessoa que participe de operações imobiliárias. In suma:
Art. 33. Estão obrigados a inscrever-se no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF (Lei nº 4.862, de 29 de novembro de 1965, art. 11, e Decreto-Lei nº 401, de 30 de dezembro de 1968, arts. 1º e 2º): (...) V - os participantes de operações imobiliárias, inclusive a constituição de garantia real sobre imóvel;
Da mesma forma o inciso V do art. 34 do mesmo Decreto, considera obrigatória a menção do número de CPF nos instrumentos públicos relativos à operações imobiliárias. In verbis:
Art. 34. O número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF será mencionado obrigatoriamente (Decreto-Lei nº 401, de 1968, art. 3º): (...) V - nos instrumentos públicos relativos a operações imobiliárias;
Ainda, é importante frisar que, quando o título não contiver o número de inscrição no CPF dos transmitentes e adquirentes, não será possível a emissão da respectiva Declaração sobre Operações Imobiliárias – DOI.
8) Elementos objetivos
A especialidade registral também se manifesta quanto ao objeto da transação imobiliária. Desta forma, o imóvel deve estar perfeitamente caracterizado no título depositado na serventia registral imobiliária, por força dos artigos 222, 223 e 225 da Lei Federal 6.015/73. Todavia, no momento da qualificação, o registrador deve agir com juízo prudencial, posto que os títulos judiciais, em sua maioria, não contêm a descrição dos imóveis idêntica às respectivas matrículas. Entretanto, sempre que o formal de partilha contiver elementos suficientes para identificar que o imóvel partilhado corresponde ao matriculado no cartório, é recomendável que o registro seja formalizado.
9) Direito de representação
Outro importante instituto associado ao direito sucessório é o direito de representação. Por força do artigo 1851 do Código Civil, "dá-se o direito de representação, quando a lei chama certos parentes do falecido a suceder em todos os direitos, em que ele sucederia se vivo fosse". É de fundamental importância notar que o referido direito não compreende todos os parentes do falecido. Ao contrário, as normas dos artigos 1852 e 1853 do referido diploma legal apresentam as hipóteses em que o direito de representação é aplicável, conforme abaixo:
Art. 1852. O direito de representação dá-se na linha reta descendente, mas nunca na ascendente.
Art. 1853. Na linha transversal, somente se dá o direito de representação em favor dos filhos de irmãos do falecido, quando com irmãos deste concorrerem.
No primeiro caso, somente os filhos, netos e bisnetos representam o falecido. Os pais, avós e bisavós não são contemplados com este direito. Por exclusão, verifica-se também que o cônjuge sobrevivente não herda por representação. Já na segunda hipótese, os sobrinhos, filhos de irmão(s) do falecido, podem exercer o direito de representação, desde que concorram exclusivamente com os irmãos do falecido. Se o de cujus tiver deixado herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e/ou cônjuge), não incide o direito de representação tratado no artigo em análise.
10) Testamento
Na ação de inventário, a existência de testamento reflete diretamente no plano de partilha. Em regra, quando houver testamento, a partilha homologada pelo juiz deverá estar de acordo com as disposições de última vontade, tanto em relação à destinação dos bens aos herdeiros e legatários, quanto em relação ao usufruto instituído e à imposição de cláusulas restritivas, tais como: inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade.
Atualmente, a cédula testamentária lavrada na vigência do Código Civil de 1916 depende de especial condição para a validade das cláusulas restritivas que recaem sobre a legítima. Isso ocorre por que a referida norma permitia a imposição das cláusulas restritivas, sem justa causa. Entretanto, o atual Codex obriga a indicação da justa causa para a validade da restrição quando a abertura da sucessão se deu após o prazo de 01 (um) ano de sua vigência. Deste modo, o testador deve ter aditado o testamento para declarar a justa causa no período de vacatio legis do Código Civil vigente, ou seja, de 01 (um) ano, sob pena de insubsistência da restrição, tudo na forma do artigo 2042, que segue transcrito abaixo:
Art. 2042. Aplica-se o disposto no caput do art. 1.848, quando aberta a sucessão no prazo de um ano após a entrada em vigor deste Código, ainda que o testamento tenha sido feito na vigência do anterior, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916; se, no prazo, o testador não aditar o testamento para declarar a justa causa de cláusula aposta à legítima, não subsistirá a restrição.
Art. 1848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.
Por fim, cabe reiterar que a presente regra não envolve a abertura de sucessão ocorrida no prazo de até um ano da vigência do Código Civil de 2002. Lado outro, as disposições do artigo 2042 aplicam-se tão somente às cláusulas restritivas impostas sobre a legítima, não tendo qualquer efeito quanto às restrições incidentes sobre o legado, já que este é regido pelo princípio da autonomia da vontade e recai sobre a porção disponível do testador.
11) Emolumentos e meação
Quando houver meação, em regra, a tributação do ITCD não incidirá sobre ela. Sendo assim, se o casal era proprietário, em comum, de um único imóvel, o imposto será cobrado sobre a fração de 50%. Contudo, para fins de cotação dos emolumentos, o registro será cobrado sobre a totalidade do imóvel, ressalvadas eventuais disposições em contrário nas legislações estaduais de emolumentos. Como exposto acima, o espólio constitui a universalidade de bens deixados pelo falecido. Neste sentido, a porção atribuída ao(à) meeiro(a) recairá sobre 50% da totalidade do acervo hereditário, o que não significa dizer que este(a) será titular da metade de cada bem descrito na partilha, já que ao final desta o direito de meação poderá recair sobre um bem específico. Por exemplo, na constância do casamento o casal possuía dois apartamentos de igual valor. Com a partilha, ao meeiro ficou pertencendo um imóvel e o outro, ao herdeiro filho. Daí a necessidade de cobrança dos emolumentos sobre o valor total, sem excluir a meação.
Conclusão
Com o advento da Lei 11.441/2007, a partilha judicial tornou-se facultativa nos casos em que o inventariado não tenha deixado testamento ou interessados incapazes, bem como nas hipóteses em que os cônjuges sejam concordes e não tenham filhos menores ou incapazes. A referida lei representa uma importante alternativa de desafogar a máquina judiciária, para que esta possa atuar somente nas causas de maior deslinde. Contudo, as demandas judiciais para partilha de bens ainda são constantes e o controle de jurisdição é indispensável nas hipóteses acima elencadas. Neste sentido, o objetivo desta pesquisa foi demonstrar a importância do conhecimento das normas e princípios de registro imobiliário, a fim de facilitar a qualificação do formal de partilha e alcançar a necessária segurança jurídica no registro do referido título.
Referências bibliográficas
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DINIZ, Maria Helena. Sistemas de Registros de Imóveis. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
FILHO, Nicolau Balbino. Registro de Imóveis. 14ª ed. São Paulo: Saraiva.
JÚNIOR, Regnoberto M. de Melo. Lei de Registros Públicos comentada. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2003.
VADE MECUM SARAIVA. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.