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Direitos do presidiário.

Uma análise da Constituição de 1988

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Agenda 02/05/2009 às 00:00

CAPÍTULO II

A Constituição é o ordenamento jurídico máximo do sistema normativo de uma nação e deve ser considerada como uma obra aberta à percepção do sentido dos valores fundamentais a nortearem a sociedade. Assim, é a Carta Constitucional o documento que delineia os objetivos, princípios e regras norteadores de um determinado Estado-Nação e define sua estrutura organizacional e suas políticas.

A Constituição Brasileira de 1988 traz, em seu art. 5º, uma série de direitos e garantias individuais assegurados aos cidadãos. Todavia, há de sempre se lembrar que mesmo os direitos e garantias fundamentais são relativos, de modo que esta Carta também traça limitações a alguns desses direitos, atribuindo legitimidade ao Direito Penal. Dessa dinâmica resulta a estreita relação existente entre o Direito Penal e o Direito Constitucional.

Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli observam que:

A relação do direito penal com o direito constitucional deve ser sempre muito estreita, pois o estatuto político da Nação – que é a Constituição Federal – constitui a primeira manifestação legal da política penal, dentro de cujo âmbito deve enquadrar-se a legislação penal propriamente dita, em face do princípio da supremacia constitucional. [21]

Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, compartilhando da visão destes autores, pontua que:

O Direito Penal funda-se na Constituição, no sentido de que as normas que o constituem ou são elas próprias normas formalmente constitucionais ou são autorizadas ou delegadas por outras normas constitucionais. A Constituição – como regra geral – não contém normas penais completas, isto é, não prevê condutas nem as censura através de penas ou medidas de segurança, mas contém disposições de Direito Penal que determinam em parte o conteúdo de normas penais. [22]

Como se pode ver, não há como se negar que o Direito Penal mantém uma íntima relação com o ordenamento constitucional, vez que é este que fornece ao primeiro sua autorização e fundamentação legal. Como observou Hans Kelsen, as normas jurídicas postam-se em posição de subordinação e de coordenação, integrando a chamada hierarquia das normas jurídicas. As primeiras (a Constituição) fundamentam e dão suporte legal às segundas (Direito Penal), que, no mesmo nível, cumprem revelar harmonia no sentido de seu conteúdo material, formando uma unidade para o sistema.

A imposição de penalidades aos cidadãos somente pode ser justificada com base num sistema jurídico hierarquicamente superior e legítimo que a autorize. Assim, cabe à Constituição estabelecer a normatização jurídica que fundamenta os diversos "direitos" da sociedade, e somente uma hermenêutica que sempre leve em conta sua importância pode valorizar e contribuir para a consolidação do Estado Democrático de Direito por ela estabelecido.

Assim, neste capítulo, far-se-á a abordagem dos princípios constitucionais penais e dos direitos constitucionalmente atribuídos aos presidiários. Adotar-se-á uma visão que se projeta da Carta Magna para o Direito Penal, na qual ambos estabelecem formas de diálogo e devem ser considerados como "reservatório das liberdades humanas, de modo que apenas um afinado concerto entre eles torna possível a legitimação jurídica de uma incriminação [23]".

Princípios, valores e regras constitucionais

Para Jorge Miranda:

A Constituição é o elemento conformado e conformador das relações sociais, bem como o resultado e factor de integração política. Ela reflete a formação, as crenças, as atitudes mentais, a geografia e as condições econômicas de uma sociedade e, simultaneamente, imprime-lhe carácter, funciona como princípio de organização, dispõe sobre os direitos e os deveres de indivíduos e grupos, rege os seus comportamentos, racionaliza as suas posições recíprocas e perante a vida colectiva como um todo pode ser agente ora de conservação, ora de transformação. [24]

A Constituição reúne em si, como nota J. J. Gomes Canotilho, o sistema jurídico do Estado Democrático de Direito Brasileiro, sendo este um sistema normativo aberto de regras e princípios [25]. Assim a Carta Constitucional é: a) um sistema jurídico, pois é um sistema dinâmico de normas; b) um sistema aberto, porque tem uma estrutura dialógica, refletida na sua capacidade de captar influências da realidade e estar aberta à variação de concepções sobre ‘verdade’ e ‘justiça’; c) um sistema normativo, vez que a estruturação das expectativas referentes a valores, programas, funções e pessoas, é feita por normas; e d) um sistema de regras e de princípios, já que as normas do sistema tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a forma de regras [26].

Por ser o ordenamento jurídico supremo, a Constituição é a sede normativa dos valores dominantes num dado contexto cultural e que nela recebem uma positivação. Assim, a Carta Magna é um documento formado por normas, e estas normas subdividem-se, por um lado, em regras e, por outro, em princípios e valores.

As regras "são normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem qualquer excepção (direito definitivo)" [27]. Enquanto os princípios são

normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de "tudo ou nada"; impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a ‘reserva do possível’ fáctica ou jurídica. [28]

Já os valores, diferentemente dos princípios e regras, somente têm eficácia interpretativa. Manuel Aragon explica que:

Essa eficácia opera de modo distinto segundo o intérprete seja o legislador (intérprete político da Constituição) ou o juiz (intérprete jurídico). Só o primeiro, o legislador, pode, ao interpretar a Constituição emanando uma lei, projetar (ou inverter) o valor em uma norma, é dizer, criar uma norma com projeção de um valor; o juiz, ao contrário, não pode efetuar essa mesma operação (porque não pode suplantar ao legislador em nosso sistema de Direito), senão unicamente anular o valor a uma norma (para interpretá-la) que lhe vem dada e que ele não pode criar. [29]

Assim, as intervenções dos princípios constitucionais são mais pontuadas, incidem sobre um território normativo mais restrito, embora possam contribuir com maior profundidade técnica. Já os valores constitucionais, ao contrário, incidem sobre a noção de sistema, posto que o valor não é apenas intrínseco a um objeto, mas ao âmbito global de sua inserção; se sob o aspecto positivo parece faltar a normatividade concreta dos valores, não se pode deixar de reconhecer que essa impressão é ilusória. Os valores são a base crítica moral ou ética que se projeta sobre o sistema e atinge o grau, mesmo, de desconsideração da positividade jurídica [30].

O Valor Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana

A Constituição Brasileira de 1988 inicia-se com o seguinte dispositivo:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo jurídico. (grifo nosso)

Assim, nossa Constituição, ao instituir a dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos, adotou uma concepção que faz da pessoa fundamento e fim da sociedade [31] e conferiu "uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema dos direitos fundamentais" [32].

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Jorge Miranda explica que aceitar o princípio da dignidade humana como fundamento de um Estado implica aquiescer que a dignidade da pessoa humana reporta-se a todas e cada uma das pessoas e é a dignidade da pessoa individual e concreta que se refere à pessoa desde a concepção, e não só desde o nascimento [33].

Assim, é com base nessa concepção valorativa que se fundamentam as intervenções constitucionais que velam pelo princípio da dignidade humana a vedação de suspensão total de direitos, mesmo uma vez declarado estado de sítio; a garantia de integridade pessoal, com a condenação do crime de tortura e de tratos e penas cruéis, degradantes ou desumanos; atribui garantias processuais às pessoas acusadas de terem cometido delitos e uma série de direitos aos presidiários, etc.

Todavia, é importante notar que inúmeras vezes, especialmente na aplicação do mais duro dos Direitos, o Direito Penal, ocorrem inúmeras violações à dignidade humana. Como relata Thomas Fleiner:

Os ataques contra a dignidade humana não se limitam à utilização de técnicas sutis e sofisticadas, tais como a droga da verdade, difamação e escárnio públicos de certas raças, discriminação social de determinadas nacionalidades, raças ou comunidades religiosas. Quando o homem não pode mais dispor de seu corpo, quando ele é humilhado de maneira desumana e reduzido física e mentalmente, a sua dignidade é atingida de maneira irreparável. A integridade corporal é o último reduto em que um homem pode ser ele mesmo. Quando este espaço de identidade é destruído, não resta mais nada da qualidade de ser humano. [34]

É necessário que se tenha sempre em mente que o valor constitucional supremo da dignidade humana deve ser preservado, pois é baseado neste princípio que todo o arcabouço constitucional de proteção aos direitos e liberdades fundamentais é fundamentado. Se a dignidade da pessoa humana, maximizada no direito ao próprio corpo, não for respeitada, não há que se falar em respeito aos outros princípios assegurados constitucionalmente.

Princípios Constitucionais Penais

A Constituição Brasileira de 1988, em seu art. 5º, estabeleceu um rol de direitos e garantias fundamentais. Foi exatamente neste artigo que nossa Carta Magna trouxe os princípios constitucionais penais. Assim, necessária se faz uma análise desses princípios-garantia para que se possua uma pré-compreensão acerca da questão de como os direitos dos presidiários estão inseridos em nossa Lei Maior.

2.3.1. Princípio da Humanidade

"O réu deve ser tratado como pessoa humana." [35] É dessa forma que Damásio Evangelista de Jesus explica o que seja o princípio da humanidade.

Apesar de vir contido em sentença tão simples, correlato do valor fundamental da dignidade humana, este é, dos princípios constitucionais, o que deve ser mais respeitado, vez que sua violação implica na violação de todos os demais direitos atinentes à personalidade humana.

Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli explicam que:

o princípio da humanidade é o que dita a inconstitucionalidade de qualquer pena ou conseqüência do delito que crie um impedimento físico permanente (morte, amputação, castração ou esterilização, intervenção neurológica, etc.), como também qualquer conseqüência jurídica indelével do delito. [...] A república pode ter homens submetidos à pena, ‘pagando suas culpas’, mas não pode ter ‘cidadãos de segunda’, sujeitos considerados afetados por uma capitis diminutio para toda a vida. [36]

Como se pode ver, a aplicação da pena deve ser norteada pelo princípio da humanidade. É imprescindível que a análise do indivíduo que praticou um delito parta sempre do ponto comum de que ele é um homem, que os homens erram e que têm o direito de tentar fazer melhor.

A racionalidade na aplicação da pena, aliada ao princípio da humanidade, levam à vedação das penas de morte, perpétua, de banimento, trabalhos forçados e cruéis, além de garantir o direito à integridade física e moral. O processo de reintegração do "delinqüente" à sociedade não passa por sua "desdignificação", e sim por seu justo tratamento e pelo oferecimento a ele de novas oportunidades.

2.3.2. Princípio da Retroatividade da Lei Penal mais benéfica

Ao dispor em seu inciso XL do art. 5º que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu, nossa Carta Magna optou, mais uma vez, por um regime de preservação da pessoa humana.

Este princípio desdobra-se em duas importantes regras para a aplicação do Direito Penal: a) a lei penal não pode retroagir; e b) a lei penal pode retroagir se trouxer algum benefício ao réu no caso concreto. Estabelece-se, assim, constitucionalmente, os princípios da retroatividade da lei penal mais benéfica e da irretroatividade da lei penal que contenha mais limitações de direitos.

Este princípio, ao mesmo tempo que proíbe a aplicação de pena mais severa, exige que se aplique a lei mais benigna dentre todas as que tenham vigorado desde a prática do delito até o momento do término dos efeitos da condenação.

Eugenio Raul Zaffaroni e José Henrique Pierangeli notam que

O princípio da retroatividade da lei penal mais benigna encontra seu fundamento na própria natureza do direito penal. Se o direito penal regula somente as situações excepcionais, em que o Estado deve intervir para a reeducação social do autor, a sucessão de leis que alteram a ingerência do Estado no círculo de bens jurídicos do autor denota uma modificação na desvaloração de sua conduta. Essa modificação significa que a lei considera desnecessária uma ingerência da mesma intensidade nos bens jurídicos do autor o que diretamente, ou que diretamente é dispensável qualquer ingerência. Disso resulta que já não tem sentido a intervenção do Estado, por desnecessária, não se podendo sustentar apenas no fato de que foi considerada necessária no momento em que o autor cometeu o delito. [37]

Estes autores observam ainda que este princípio, como decorrência do princípio republicano de governo, deve ser aplicado por meio da ação racional do Estado, de modo que só porque um indivíduo praticou um delito anteriormente a outro pode ser punido de maneira diferente [38].

Tratando-se de questão de ordem pública, a retroatividade da lei mais benéfica opera-se de pleno direito e, por uma questão de segurança jurídica, este princípio não pode ser invertido.

2.3.3. Princípio da Responsabilidade Pessoal

Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli explicam que:

Nunca se pode interpretar uma lei no sentido de que a pena transcende a pessoa que é autora ou partícipe do delito. A pena é uma medida de caráter estritamente pessoal, em virtude de consistir numa ingerência ressocializadora sobre o apenado. Daí que se deva evitar toda conseqüência da pena que afete a terceiros. [39]

É seguindo esta orientação, que o inciso XLV do art. 5º de nossa Carta Magna determina que "nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendida aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido".

Este dispositivo constitucional traz duas limitações expressas à aplicação das penas. Primeiramente, veda a prática que perdurou durante muito tempo de que a infâmia do réu estendia-se a seus parentes que também eram condenados. E, num segundo momento, estabelece a responsabilidade civil do condenado, limitando a responsabilidade dos herdeiros até os limites da herança.

O princípio da responsabilidade pessoal do apenado corresponde a um dos corolários do Estado Democrático de Direito insculpidos em nossa Constituição, refletindo, assim, um direito do preso que possui suma importância para o adequado funcionamento da sistemática garantística de nossa Carta Constitucional.

2.3.4. Princípio do acesso à Justiça

A garantia do acesso aos tribunais é um dos princípios estruturantes do Estado de Direito, na medida em que é um mecanismo de defesa dos direitos fundamentais. J. J. Gomes Canotilho caracteriza, em termos sintéticos, a garantia do acesso à Justiça como o "direito à protecção jurídica através dos tribunais" [40].

A Constituição Brasileira de 1988 consubstancia, em seu art. 5º, XXXV, LIV e LV, este princípio, através das garantias da independência e imparcialidade do juiz, do juiz natural, do direito de ação e de defesa. Estas disposições constitucionais garantem a todos os cidadãos que venham solicitar a proteção do Judiciário em toda e qualquer situação de ameaça ou lesão a direito. Assim, a garantia de acesso à justiça torna-se um forte instrumento na defesa do valor fundamental da dignidade humana, especialmente no tocante às violações dos direitos do presidiário.

Todas as vezes que o homem ver-se ceifado em seus direitos constitucionalmente resguardados deve procurar o Poder Judiciário, o qual não pode furtar-se a efetivar a atividade jurisdicional regularmente requerida pela parte, já que a indeclinabilidade da prestação judicial é um princípio básico da jurisdição.

José Afonso da Silva defende que "o princípio da proteção judiciária, também chamado princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, constitui, em verdade, a principal garantia dos direitos subjetivos" [41].

Todavia, J. J. Gomes Canotilho, alerta para o fato de que

A garantia do acesso aos tribunais perspectivou-se, até agora, em termos essencialmente ‘defensivos’ ou garantísticos: defesa dos direitos através dos tribunais. Todavia, a garantia do acesso aos tribunais pressupõe também dimensões de natureza prestacional, na medida em que o Estado deve criar órgãos judiciários e processos adequados (direitos fundamentais dependentes da organização e procedimento) e assegurar prestações (‘apoio judiciário’, ‘patrocínio judiciário’, dispensa total ou parcial do pagamento de custas e preparos), tendentes a evitar a denegação da justiça por insuficiência de meios econômicos. O acesso à justiça é um acesso materialmente informado pelo princípio da igualdade de oportunidades. [42](grifo nosso)

Desse modo, cabe ao Estado, na busca da efetivação dos direitos e garantias constitucionalmente assegurados aos cidadãos, organizar uma ampla rede de assistência judiciária à população, especialmente aos encarcerados. Considerando que a restrição ao direito à liberdade é um dos maiores atos atentatórios ao Estado Democrático de Direito e que sua limitação somente se justifica nos termos estabelecidos pela Carta Magna, o acesso ao judiciário mostra-se como uma das principais garantias de proteção dos presidiários em relação às constantes ameaças de violações ou violações de seus direitos.

2.3.5. Princípio da vedação da penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis

Durante um longo período da história dos sistemas penais, as penas foram aplicadas com um sentido retributivo. A lei do "olho por olho, dente por dente" preponderava e eram comuns as condenações à forca, à guilhotina, ao degredo, a trabalhos forçados, etc.

Todavia, a evolução da legislação penal levou a uma reformulação do conceito de pena. A pena já não é mais concebida como um modo de fazer o condenado sofrer da mesma maneira que causou sofrimento à vítima, mas num sentido de reeducação para a vida em sociedade.

Foi aderindo definitivamente a esta concepção de caráter atributivo da pena, que nossa Constituição, em seu art. 5º, XLVII, vedou a existência das penas de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis.

A pena de morte pode constitucionalmente ser aceita no sistema legislativo brasileiro nos casos de guerra declarada, conforme o art. 84, XIX da Constituição.

No moderno estágio de evolução da pena como um instituto ressocializador, a pena de morte não condiz nem com o objetivo da punição nem com os fundamentos básicos do Estado de Direito.

A proibição das penas de caráter perpétuo decorre do princípio da natureza temporária, limitada e definida da pena e compatibiliza-se com a garantia constitucional à liberdade e à dignidade humana [43]. Como relata Celso Bastos:

A prisão perpétua priva o homem da sua condição humana. Esta exige sempre um sentido de vida. Aquele que estiver encarcerado sem perspectiva de saída, está destituído dessa dimensão espiritual, que é a condição mínima para que o homem viva dignamente [44].

As penas de trabalhos forçado, de banimento e cruéis foram vedadas pelo constituinte em atendimento ao princípio da dignidade humana e às expressas disposições constitucionais que resguardam a integridade física e moral e vedam a tortura ou tratamento desumano ou degradante.

Sem sombra de dúvida, a vedação das penas acima mencionadas demonstra a definitiva opção constitucional de nosso constituinte por estabelecer no Brasil um Estado Democrático de Direito, baseado na pessoa humana e cujo fim é valorizá-la.

2.4.Direitos Constitucionais dos Presidiários

Além de trazer os princípios norteadores da política penal e penitenciária do Estado, a Constituição traz diversos direitos aos presidiários. Assim, a partir deste momento far-se-á uma análise de quais são os direitos constitucionalmente assegurados aos presos.

2.4.1. Direito à integridade física e moral

A Constituição de 1988 determina, no inciso III de seu art. 5º, que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante" e completa, no inciso XLIX, assegurando aos presos o direito à integridade física e moral.

Estes direitos contidos no art. 5º da Constituição Federal são reflexo direto do princípio da dignidade humana, expresso em seu art. 1º, III, e do princípio da prevalência dos direitos humanos (CF, art. 4º, II) explicitados como fundamento e como princípio norteador do Brasil.

No momento em que nosso constituinte condenou a tortura, o tratamento desumano ou degradante e assegurou o direito à integridade física e moral, fez uma opção política muito importante e colocou o Brasil entre os países de vanguarda na proteção dos direitos do homem.

Todavia, é crucial que nosso país adote políticas de resguardo aos direitos humanos que garantam a eficácia de tais normas constitucionais. Se não podemos dispor de nosso próprio corpo e somos violentamente agredidos a todo instante, como o que ocorre com a maioria de nossa população carcerária, colocamos em perigo a validade do próprio Estado de Direito, advindo daí a justificação deste dispositivo constitucional.

2.4.2. Direito à assistência religiosa

O inciso VII, do art. 5º da Constituição Federal assegura, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.

O direito de assistência religiosa, como norma de eficácia limitada, está mais detidamente regulado pela Lei de Execução Penal. Esta legislação, em seu art. 24, estabelece que a assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa.

O direito à prestação de assistência religiosa nas prisões como direito constitucionalmente assegurado não contradiz a essência do Estado Laico, sendo antes expressão do pluralismo e da cidadania.

A reabilitação do "criminoso" não passa somente pelo fato de ser privado de sua liberdade, mas especialmente pela maneira como se dá essa privação relacionada com as assistências material, religiosa e cultural.

2.4.3.Direito de petição

"O direito de petição enquanto instrumento de defesa dos direitos fundamentais pode considerar-se de Direito natural" [45] e remonta ao right of petition já insinuado na Magna Carta Inglesa de 1215.

No dizer de José Afonso da Silva:

O direito de petição define-se ‘como o direito que pertence a uma pessoa de invocar a atenção dos poderes públicos sobre uma questão ou situação’, seja para denunciar uma lesão concreta, e pedir a reorientação da situação, seja par solicitar uma modificação do direito em vigor no sentido mais favorável à liberdade [46].

O direito de petição cabe a qualquer pessoa e possui eficácia constitucional, de modo que as autoridades públicas endereçadas são obrigadas ao recebimento, exame e reposta em prazo razoável acerca da manifestação feita, sob pena de violação a direito líquido e certo do peticionário, passível de interposição de mandado de segurança.

No meio carcerário, o direito de petição é um dos instrumentos constitucionais adequados para a denúncia e apuração de casos de tortura e demais abusos cometidos. E, caso o preso não tenha seu pedido apreciado pela autoridade competente, poderá interpor mandado de segurança, remédio constitucional adequado para assegurar direito líquido e certo do detento, vez que o responsável pelo abuso é uma autoridade pública.

2.4.4. Direito à assessoria jurídica integral e gratuita

A Carta Magna de 1988, em seu art. 5º, LXXIV, declara: "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". E seu art. 134 completa este mandamento ao proclamar a Defensoria Pública como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados.

As disposições constitucionais acima mencionadas relacionam-se intimamente aos direitos dos presidiários, vez que na maioria das vezes estes não possuem condições financeiras de pagar um advogado particular e a Constituição não admite a autodefesa do condenado.

É um direito do preso possuir, à sua disposição, um defensor público que lhe preste as devidas informações e auxilie-o na defesa de seus direitos e cabe ao Estado prover esta garantia constitucional sob pena de grave infração aos direitos dos presos.

2.4.5. Direito ao aleitamento materno

Dispõe o art. 5º, L da Constituição Federal que "às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação". Este direito atribuído às presidiárias possui dupla função: "ao mesmo tempo que garante à mãe o direito ao contato e amamentação com seu filho, garante a esse o direito à alimentação natural, por meio do aleitamento" [47].

Wolgran Junqueira Ferreira analisa esta disposição constitucional como uma garantia ao cumprimento do preceito de que a pena não passará da pessoa do condenado, pois, como explica este autor, "seria uma espécie de contágio da pena retirar do recém-nascido o direito ao aleitamento materno" [48].

Já Alexandre de Moraes defende que o direito de amamentar reflete, precipuamente, o respeito do constituinte à dignidade da pessoa humana no que ela tem de mais sagrado: a maternidade; e somente num segundo plano representaria uma garantia de respeito ao princípio da responsabilidade penal [49].

2.4.6.Direito à indenização por erro judiciário ou por prisão além dos limites estabelecidos na pena

A Constituição de 1988 garante, em seu art. 5º, LXXV, que o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença, constituindo este mais um direito do presidiário.

O erro judiciário corresponde às situações previstas no art. 621 do Código de Processo Penal e pode ocorrer nos seguintes casos: a) quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; b) quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos comprovadamente falsos; e c) quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena. Enquanto o cumprimento de prisão além dos limites estabelecidos na sentença é a permanência do condenado ou sua manutenção em cárcere por tempo superior ao nominalmente determinado na sentença.

Em ambas as hipóteses, o Estado possui responsabilidade objetiva de indenizar o condenado, pois a ilegítima atuação estatal, isto é, ato lesivo ao particular, será sempre fonte de indenização se o benefício coletivo for conseguido à custa do sacrifício da liberdade individual. Nesse sentido Luiz Antonio Soares Hentz observa que:

Não se trata de comparação entre o valor protegido e ofendido. A proteção da liberdade pessoal ‚ é dever inarredável do Estado - uma conquista do cidadão contra o poder soberano -, impondo, em qualquer circunstância, a obrigação de indenizar, sempre que alguém sofrer prisão indevida. [50]

Desse modo, o condenado por erro judiciário e o mantido preso além dos limites estabelecidos pela pena devem socorrer-se da revisão criminal e do habeas corpus como meios para resolver imediatamente sua situação de ilegalidade, tendo direito, ainda, a receber indenização pelos danos morais e materiais advindos de sua privação de liberdade além do período necessário.

Sobre a autora
Márcia Silveira Borges de Carvalho

Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Goiás. Advogada em Goiânia. Pós-graduada em Direito Notarial e Registral pela UNISUL.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Márcia Silveira Borges. Direitos do presidiário.: Uma análise da Constituição de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2131, 2 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12714. Acesso em: 26 nov. 2024.

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