A recente polêmica envolvendo a demissão do Presidente do Banco do Brasil S/A, supostamente atribuída à negativa deste em obedecer à orientação governamental de diminuição do "spread" bancário – a diferença percentual entre o custo de captação do dinheiro e o do empréstimo na ponta pelo tomador do crédito – tem sido motivo de grandes discussões no seio da sociedade civil, uns defendendo o direito do governo de, como controlador, usar o Banco como instrumento de política monetária, e outros condenando esta prática, considerando o fato de ser a instituição uma sociedade anônima de economia mista e capital aberto com o precípuo objetivo de obtenção de lucro e, portanto, sujeita aos ditames contidos na Lei nº 6.404/76.
Em passado não muito distante e que remonta ao período anterior ao da Lei de Reforma Bancária (Lei nº 4.595/64), o Banco do Brasil, através da extinta SUMOC -Superintendência da Moeda e do Crédito, exercia as funções que hoje estão afetas ao Conselho Monetário Nacional e ao Banco Central do Brasil, criado em substituição como autarquia federal com personalidade jurídica e patrimônio próprios. A reforma empreendida pela citada lei, e mais tarde aperfeiçoada com a edição da Lei nº 4.728/65, estabeleceu que caberia ao CMN a formulação da política da moeda e do crédito, e ao BACEN a sua execução, como órgão executivo da Comissão, reservando-se, a partir daí, novo campo de atuação para o Banco do Brasil.
Com essa nova estrutura, passou o BB, como empresa de economia mista de capital aberto, a ter como objetivo o lucro em franca concorrência com os bancos privados, sem, contudo, perder alguns privilégios, sempre objeto de aguçadas críticas do mercado, como, por exemplo, a de manter os depósitos à vista dos órgãos da administração direta e indireta da União.
Não obstante isso, o BB não deixou de ser usado para a execução de determinadas finalidades e instrumento de política, como é o caso dos empréstimos rurais, em algumas circunstâncias em que o pequeno proprietário era dependente da presença estatal na concessão do crédito em condições especiais.
Com a Lei nº 8.031, de 12/04/1990, que criou o Plano Nacional da Desestatização, o BB e a CEF foram exatamente as duas instituições excluídas da possibilidade de que pudessem ser privatizadas ou desestatizadas. Curiosamente, na privatização de alguns bancos estaduais (Besc, Nossa Caixa, Banco Regional de Brasília), o BB pode incorporar essas instituições financeiras, independentemente de leilão de privatização, sob o argumento de que essas instituições estariam sendo "federalizadas", o que demonstra que, dependendo da conveniência, a instituição ora é vista como empresa oficial, ora como particular.
A grande questão que se coloca aqui é sobre a intervenção do governo federal na gestão do Banco, privilegiando o político em detrimento do financeiro, e como consequência trazendo visível prejuízo ao acionista minoritário. Pode a União, como controladora do BB, tomar decisões que certamente afetarão o seu resultado?
O artigo 116 da Lei das S.As diz no artigo 116 § único que "o acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas". Já o artigo 117, diz que "....a adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem causar prejuízos aos acionistas minoritários..." fará com que o acionista controlador responda pelos danos por ele causados na administração da companhia.
Evidentemente, o ex-Presidente do Banco, ciente da regra estatuída no artigo 239 da Lei nº 6.404/76, que estabelece que "os deveres e responsabilidades dos administradores das companhias de economia mista são os mesmos dos administradores das companhias abertas", negou-se a cumprir uma decisão política que acarretaria prejuízos ao Banco, e por este motivo foi destituído do cargo.
No dia subsequente ao da demissão do Presidente do Banco, "O GLOBO" informava que enquanto a Bolsa teve uma alta de 3.91%, as ações do BB caíram 2,82% causando, segundo a matéria, um prejuízo de R$ 5 bilhões em 2 dias. Esta foi a reação imediata do mercado, sempre atento as regras da boa governança corporativa a que devem estar sujeitas as empresas de capital aberto.
Fica assim comprovado que a ingerência do governo em assuntos internos da instituição poderá dar margem a busca da tutela do Judiciário por parte dos acionistas minoritários, visando o ressarcimento dos prejuízos causados, parecendo-nos, nas circunstâncias presentes e em situações como essas, haver base legal sólida para o êxito de demanda que eventualmente venha a ser ajuizada neste sentido. O futuro dirá.