5 CONCLUSÕES
A presente pesquisa visou verificar se, hodiernamente, o anestesiologista assume um papel de extrema importância para o desenrolar do ato cirúrgico. Trata-se de um ramo da medicina recente, que se constituiu como especialidade autônoma somente a partir da segunda metade da década de 1950, mas que ultimamente vem ganhando espaço nas intervenções cirúrgicas.
Nesse sentido, tendo em vista as peculiaridades que envolvem o ato anestésico, fez-se necessário aprofundar os estudos em torno do assunto, cujo resultado levou às seguintes deduções:
a) Para que surja aos profissionais da área de saúde o dever de reparar, pressupõe-se a existência de uma ação (ou omissão), culpa ou dolo, evento danoso e relação de causalidade (ou relação etiológica) entre a conduta do agente e o dano;
b) A principal diferença entre responsabilidade civil e penal, é que nesta última subsiste um relevante interesse social em reprimir o ilícito cometido pelo agente, tanto que, em certos delitos, pune-se até mesmo a mera conduta do sujeito, enquanto que no âmbito civil ignora-se a má conduta do agente, desde que não produza danos a outrem;
c) Seguindo orientação da jurisprudência francesa, há uma crescente aplicação da teoria da perda de uma chance (perte d´une chance) pelos Tribunais brasileiros, que excepcionalmente considera possível a indenização por dano eventual;
d) A responsabilidade civil dos facultativos é classificada como contratual, porém, tratada como extracontratual, considerando que o elemento subjetivo (dolo ou culpa) é pressuposto para exsurgir o dever de reparar;
e) Independentemente da classificação dada ao contrato médico, o que interessa saber é o conteúdo da obrigação assumida pelo facultativo que, a rigor, consiste em uma obrigação de meio, cabendo à vítima o ônus da prova;
f) O erro profissional (ou escusável) pode ser equiparado à figura do erro inevitável (ou invencível) proveniente do direito penal, de modo que se o esculápio adotou a técnica e os conhecimentos corretos, haverá a exclusão do dolo e da culpa, isentando-o de responsabilidade tanto na esfera penal quanto na civil. Por sua vez, se o dano pudesse ter sido evitado com as cautelas esperadas de um profissional cuidadoso, subsistirá a culpa do agente, em quaisquer de suas modalidades (negligência, imprudência e imperícia);
g) Ao apreciar demanda envolvendo erro médico, o julgador não está adstrito ao laudo pericial - cuja validade é posta sob suspeita em razão do espírito corporativista da classe médica -, vez que poderá formar a sua convicção com base nos demais meios de prova admitidos pelo ordenamento jurídico;
h) Atualmente, uma vez consolidada a autonomia do anestesiologista, não há se falar em submissão ao cirurgião-chefe, eis que entre eles há uma divisão horizontal de trabalho, cada qual em sua respectiva especialidade. Com efeito, nas fases pré e pós-operatórias, a responsabilidade do anestesiologista é autônoma, destacada do ato cirúrgico em si, prevalecendo o princípio da incontangiabilidade da culpa. Já na fase intra-operatória, somente o exame do caso concreto possibilitará essa discriminação, não desconsiderando a possibilidade de culpa concorrente;
i) O ato anestésico envolve uma série de procedimentos, controle de funções vitais, técnicas apuradas, fármacos com alta potencialidade letal, e considerando que muitas reações do organismo do paciente fogem ao controle do especialista, vislumbra-se que a prestação obrigacional do anestesiologista insere-se dentro de uma obrigação de meio;
j) Destarte, o que será objeto de avaliação da conduta do anestesiologista não é o resultado alcançado, mas sim a atividade em si por ele desenvolvida. Nesse raciocínio, a avaliação da culpa médica, necessariamente, perpassa por dois elementos, a saber: o exercício da previsibilidade e a análise da diligência;
k) A responsabilidade dos estabelecimentos hospitalares pelos erros médicos (em sentido amplo), sejam privados, sejam públicos, está vinculada à idéia de culpa, razão pela qual há uma mitigação da responsabilidade objetiva prevista pelo direito substantivo;
l) A antiga visão de que o chefe da equipe médica responde objetivamente pelos danos causados pelos seus integrantes está ultrapassada, posto que, com o desenvolvimento das especialidades e o aprimoramento de técnicas, tornou-se possível identificar individualmente a atividade de cada profissional, a exemplo do ato anestésico. Nesse sentido, há que se estabelecer se o dano suportado pela vítima decorreu da ação ou omissão do chefe da equipe, bem como se havia uma relação de subordinação entre o causador do dano e o cirurgião.
Diante do exposto, com o intuito de afastar as persistentes discussões sobre o tema, entende-se que, independentemente do avanço científico e tecnológico, há uma perfeita correspondência entre a prestação obrigacional do anestesiologista e as características da obrigação de meio, sendo imprescindível a perquirição da culpa do agente para que exsurja o dever de reparar.
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