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Responsabilidade civil do anestesiologista

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17/05/2009 às 00:00
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4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ANESTESIOLOGISTA

4.1 ANESTESIOLOGISTA

Preambularmente, faz-se necessário identificar, em sucintos termos, o que se entende por anestesia. Para tanto, oportuno trazer a opinião dos especialistas em medicina legal Delton Croce e Delton Croce Júnior, a saber:

Nomeia-se anestesia (anaisthésia) à supressão de sensibilidade dolorosa seguida da perda das sensibilidades térmicas e táctil, podendo ser ou não acompanhada de perda da consciência. Quando ocorre apenas a abolição da dor, diz-se analgesia e, se a ela se associa inconsciência, anestesia geral (op. cit., p. 148).

Adiante, complementam os citados autores:

Anestesia é uma forma de procedimento preliminar concomitante com o ato operatório no qual o médico anestesiologista promove a intoxicação deliberada e controlada do organismo objetivando estabelecer um quadro, o mais seguro possível, de insensibilidade para o indivíduo que se submete a uma cirurgia (Id. ib., p. 148).

Antigamente, a anestesiologia não passava de mera atividade acessória da cirurgia e, quando não ficava ao encargo do próprio cirurgião, poderia ser aplicada por qualquer um, tal como estudantes de medicina, auxiliares de hospitais, irmãs de caridade, etc.

Sucede que, a partir da segunda metade da década de 50, conquistou a anestesiologia uma posição de destaque na medicina, na medida em que adquiriu maior autonomia científica na área médica.

Atualmente, de acordo com a recente Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.763/05, só é conferido o direito de proceder anestesia aos profissionais que tenham cumprido com o Programa de Residência Médica em Anestesiologia, cuja duração é de 3 (três) anos.

Dessa forma, deve o anestesiologista, além de cursar o período normal da Faculdade de Medicina (6 anos), fazer residência por mais 3 anos para tornar-se um especialista.

Dessa maneira, há uma nova concepção em torno do anestesiologista, requisitando-se dele maiores conhecimentos e habilidades do que um médico "comum".

Diante desse novo cenário, o anestesiologista não mais figura (como antes) na condição de submisso ao cirurgião-chefe, vez que detém autoridade até mesmo para "[...] propor a interrupção ou até a suspensão da cirurgia, em razão de alguma complicação que possa comprometer a vida do paciente" (GIOSTRI, 2003, p. 155).

Nesse sentido é o pensamento da professora argentina Rosana Perez de Leal, quando afirma que

la relación cirujano-anestesita es um caso típico de división horizontal de trabajo, en función de que en ella se destaca la nota característica de esta modalidad de desempeño de funciones, la que reside em um idéntico nível de formación técnico-científica cada cual en su especialidad. Esta división horizontal de funciones, en la que cada profesional asume en forma personal las tareas que competen a su formación, conlleva una responsabilidad también personal por las tareas que desempeñe cada facultativo (1995, p. 164).

Essa separação inicial entre as condutas profissionais, conforme será demonstrado adiante, [49] será de grande importância no momento da avaliação da responsabilidade de cada profissional em caso de erro médico.

4.1.1 Deveres

Para melhor delimitar as inúmeras tarefas do anestesiologista, costuma a doutrina agrupá-las tomando em conta três momentos distintos da atuação do facultativo, quais sejam: a) etapa pré-anestésica; b) etapa anestésica propriamente dita, e c) etapa pós- anestésica (PÉREZ DE LEAL, op. cit., p. 166).

Na etapa pré-anestésica, deverá o facultativo obter informações acerca da história clínica do paciente a fim de elaborar a anamnese (histórico do paciente); requisitar exames que entenda pertinentes e, de posse deles, verificar se há necessidade de outros exames complementares; fazer testes de sensibilidade; [50] informar com clareza ao paciente sobre os procedimentos a serem realizados, isto é, qual o tipo de anestesia e drogas que serão utilizados, bem como os seus riscos, pois "uma vez bem informado, pode o paciente dar a fiel expressão de seu consentimento, aperfeiçoando, assim, o contrato entre ambas as partes" (GIOSTRI, op. cit., p. 167).

O dever de informação atenua-se, no entanto, nas hipóteses em que o paciente não está em condições psicológicas para tomar ciência do prognóstico, bem assim quando o risco anestésico for grande. Nesses casos, o anestesiologista deverá fazer a comunicação aos seus responsáveis, nos termos do art. 59 do Código de Ética Médica.

No Brasil, o dever de informação está estabelecido legalmente nos artigos 6.º, III. da Lei Consumerista, no art. 59 do Código de Ética Médica (contrario sensu) e no art. 422 do Código Civil, que estatui o princípio da boa-fé, dentro do qual se insere o dever de informação, de esclarecimento, de lealdade, etc.

Inclui-se ainda na etapa pré-anestésica, o dever de obter o consentimento do paciente, conseqüente lógico do dever anterior, pois

Uma vez estando o paciente bem informado é o momento oportuno para obter a autorização prévia e por escrito, com base no principio de que a autodeterminação forma a base jurídica da doutrina do consentimento informado moderno (GIOSTRI, op. cit., p. 167).

Nesse contexto, abordam os autores Urrutia interessante questão, acerca da obtenção do consentimento do paciente independentemente da autorização dada para o ato cirúrgico, podendo ocorrer, nessa situação, dois possíveis desmembramentos:

a) o consentimento é necessário para a administração da anestesia, tendo a sua essência, na prática, dado margem à denúncia por má prática médica, com pertinente ação reparatória; b) sendo que todo paciente que vai ser operado tem como certa a necessidade de uma anestesia (local ou geral), é possível supor que no consentimento para ser operado já está, obviamente, incluída sua acordância para ser anestesiado (apud, GIOSTRI, p. 168).

Os aludidos autores ressalvam, entretanto, "[...] que se deve pedir autorização expressa para a anestesia geral, quando o paciente – em razão do tipo de intervenção – poderia supor que só seria submetido a uma anestesia local" (Id. id., p.168).

Por outro lado, como bem recomendou Hildegard, é necessário que conste um item específico no contrato informando o paciente sobre imprevistos que podem surgir durante a intervenção, fazendo com que haja mudança da tática anestésica anteriormente acordada (op. cit, p. 168).

Além disso, por evidente, nos casos de urgência onde devem ser tomadas providências imediatas para resguardar a saúde do paciente, fica o especialista dispensado de obter o consentimento do paciente.

Tomadas essas precauções, vem em seguida a fase de maior relevo da atividade anestésica, chamada por Rosana Leal de "etapa anestésica propriamente dita".

Como se pode observar pela própria denominação, trata-se do momento em que ocorre a insensibilização do paciente, a fim de prepará-lo para o ato subseqüente, que é a intervenção cirúrgica.

Assim, em virtude da periculosidade que envolve os fármacos utilizados no ato anestésico [51], assume destaque o dever do anestesiologista em acompanhar ininterruptamente o ato operatório, monitorando atentamente as reações vitais do paciente para saber exatamente o grau que a anestesia atingiu, verificando, dessa forma, as reações nervosas, perturbações cardíacas ou respiratórias e a pressão sangüínea (KFOURI NETO, op. cit. p.140).

Nesse sentido é o que estabelece a Resolução n.º 1363/93, do Conselho Federal de Medicina, que no art. 1.º, impõe ao médico anestesiologista o dever de "[...] manter a vigilância permanente ao paciente anestesiado durante o ato operatório [...]" além de "[...] estar sempre junto a este paciente."

Essas obrigações estão inseridas pelos doutrinadores Urrutia no chamado "dever de colaborar", censurando o profissional que se retira prematuramente da sala de cirurgia (apud GIOSTRI, op. cit., p.169).

Aliás, sobre o tema, vale reproduzir o trecho de uma decisão colacionada na obra da professora Rosana Leal, que diz:

Incurre em gravíssima negligência el médico anestesista que se ausentó de la sala de operaciones para efectuar llamada telefônicas antes de la finalización del acto quirúrgico, cuando se produjo en el ínterin una pérdida de oxigeno incontrolada en el aparato de anestesia que causó la destrucción completa de la massa cerebral de la paciente falleciendo ésta meses más tarde (op. cit, p. 169-171).

De qualquer sorte, registra Fabrício Zamprogna Matielo que mesmo incorrendo nessas infrações nem sempre haverá a responsabilização do facultativo, eis que a mera conduta temerária do especialista sem a ocorrência de danos, não é suficiente à caracterização da responsabilidade civil. Convém, pois, transcrever a literalidade de sua lição:

A simples ausência da sala de cirurgia, sem relação de causa e efeito entre a conduta e o dano, não dá ensejo à responsabilização civil do anestesiologista, embora constitua atitude temerária que, fosse hipótese de verificação do nexo causal, agravaria a responsabilidade do infrator (1998, p. 127).

Ademais, considera-se ato atentatório á Ética Médica, o facultativo que realiza anestesia de forma simultânea em dois ou mais pacientes, ainda que seja no mesmo ambiente cirúrgico. (art. 1.º, IV, da Resolução n.º 1.363/93).

Outrossim, deve o anestesiologista, além de avaliar as condições de segurança do ambiente hospitalar (art. 1.º, VI, da Resolução n.º 1.363/93), certificar-se do perfeito funcionamento dos instrumentos e aparelhos a ser utilizados no ato anestésico e, por sua vez, manter "[...] um bom entrosamento com todo o corpo clínico [...]", [52] mormente com o cirurgião que com quem atuará de forma conjunta (GIOSTRI, op. cit., p. 160).

Demais disso, cumpre ao especialista permanecer ao lado paciente até que o mesmo se recupere de todos os efeitos da anestesia ministrada, evitando dessa maneira acidentes, como a obstrução das vias respiratórias e as manifestações de choque bem como para ministrar-lhe líquidos fisiológicos. [53]

Com base nesses cuidados adicionais, possuirá o anestesiologista condições de avaliar o momento oportuno para dar alta ao paciente, como determina do art. 2.º, VIII, da Resolução n.º 1.363/93.

Ademais, a fim de complementar e sintetizar as informações delineadas acima, vale mencionar a conhecida lista de deveres do anestesiologista elaborada pelos professores Osvaldo Loudet e Jean Marquez Miranda, da Sociedade de Psiquiatria e Medicina Legal de La Plata, e atualizada pela paranaense Hildegard:

1) o risco representado pela anestesia não deve ser maior que o risco da cirurgia em si [54]; 2) o ato anestésico – a não ser em certas ocasiões precisas e especialíssimas – deve ter o consentimento de seus representantes legais; 3) a anestesia deve sempre ser precedida de exames prévios e de entrevista pessoal com o paciente, daí advindo a possibilidade de uma melhor avaliação física e de uma confiança maior por parte do doente em relação ao profissional e ao próprio ato cirúrgico; 4) conferir os frascos de todos os medicamentos a serem utilizados antes do ato anestésico, bem assim as saídas dos condutores de gás; 5) instrumentos e aparelhos pertinentes ao ato anestésico devem ser testados pelo anestesiologista antes que aquele inicie; 6) proceder o ato anestésico em presença de membros da equipe cirúrgica; 7) não se afastar, jamais, e sob o pretexto algum, da cabeceira do paciente anestesiado [55]; 8) não deixar subalterno, alheio à especialidade, responsável pelo ato anestésico, seja no seu início, meio ou fim [56] (op. cit., p. 55-56).

Ainda nesse panorama, acrescenta a professora Maria Helena Diniz que o anestesiologista deverá observar as seguintes normas:

[...] não deve proporcionar anestesia a operações ilícitas ou fraudulentas, p. ex., aborto criminoso, alteração da fisionomia para fugir da identificação policial, reconstituição do hímen etc.; não usar entorpecentes senão nas condições necessárias para aliviar a dor (op. cit., p. 304).

Portanto, dessume-se de tudo isso que em todas as etapas das atividades laborais do anestesiologista, há que prevalecer aquilo que for de melhor interesse ao paciente de sorte que, na medida do possível, seja a ele assegurada a legítima expectativa do resultado final esperado.

4.1.2 Responsabilidade ético-profissional do anestesiologista

"A Ética, como ciência, trata da moral e dos costumes, do mundo do dever-ser. Cuida do modo de proceder da pessoa dentro do grupo social. Daí existir uma ética profissional e, por conseguinte, a ética médica" [57] (VENOSA, op. cit., p. 99).

A norma fundamental da ética médica encontra-se plasmada logo no art. 1.º do Código de Ética Médica, que diz: "A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e deve ser exercida sem discriminação de qualquer natureza."

Essa é a norma inspiradora da conduta profissional do médico, "[...] que nada mais é que o juramento de seu grau" (VENOSA, op. cit., p. 100).

Nesse sentido, aliás, é o contido no § 2.º, do art. 9.º, da resolução n.º 05/2002 da Comissão Nacional de Residência Médica que determina,

[...] seja ministrado obrigatoriamente curso de Ética Médica aos residentes nas atividades teóricos-complementares, sendo que no artigo 13.º determina que na avaliação periódica sejam incluídos atributos como comportamento ético, relacionamento com a equipe de saúde e com o paciente.

A responsabilidade ética dos profissionais da área de saúde decorre da infração a qualquer dos artigos do Código de Ética Médica. A apreciação dessas infrações ocorre junto aos Conselhos Regionais de Medicina [58], "[...] onde o médico estiver inscrito ao tempo do fato impunível ou da ocorrência." (art. 2.º, da resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.617/01 – Código de Processo Ético-Profissional). [59]

Em atenção aos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, estabelece o atual Código de Processo Ético-Legal todo o trâmite processual para apuração das infrações médicas, obedecendo a forma de autos judiciais.

O rito dos processos ético-profissionais, em síntese, consubstancia-se nos seguintes atos procedimentais:

a) instaura-se sindicância mediante denúncia de terceiros, por escrito e devidamente assinada, ou então, ex officio, pelo próprio Conselho;

b) a sindicância elabora um relatório que será submetido a julgamento;

c) uma vez aprovado o relatório, instaura-se o processo ético-profissional, momento em que será nomeado um Conselheiro Instrutor, que terá um prazo máximo de 60 dias para instruir o feito;

d) cita-se o denunciado para apresentar defesa prévia no prazo de 30 dias;

e) o acusado será interrogado;

f) concede-se um prazo de 5 dias para as partes arrolarem testemunhas;

g) abre-se vistas dos autos, para razões finais, sucessivamente, por 15 dias, ao denunciante e, após, ao denunciado;

h) os autos seguem para a assessoria jurídica emitir parecer sobre a infração cometida;

i) em seguida, o Conselheiro Instrutor proferirá relatório circunstanciado, o qual será remetido ao Presidente ou Corregedor do Conselho Regional de Medicina;

j) designa-se o Conselheiro Relator e o Revisor, que ficarão responsáveis pela elaboração de relatórios a serem entregues em até 30 e 60 dias, respectivamente;

k) julgamento do processo;

l) do resultado do julgamento caberá recurso no prazo fatal de 30 dias; [60]

m) , dependendo da origem da decisão, o recurso poderá ser remetido às Câmaras de Sindicância do Conselho Federal de Medicina, ao Pleno do Conselho Regional de Medicina, às Câmaras do Conselho Federal de Medicina, ou ao Pleno do Conselho Federal de Medicina;

n) julgado o recurso e transitada em julgado a decisão, serão os autos remetidos à instância de origem, para execução da sanção eventualmente aplicada;

o) as penalidades aplicáveis aos médicos podem ser: i-) advertência em aviso reservado; ii-) censura confidencial em ofício reservado; iii-) censura pública em publicação oficial e em jornal de grande circulação; iv-) suspensão do exercício profissional por até 30 dias; e v-) cassação do direito de exercício profissional, ad referendum do Conselho Federal de Medicina. [61] (art. 37. da Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.541/98).

Registre-se, por oportuno, que o processo ético-profissional admite a denominada "revisão do processo" - instituto similar à revisão criminal e à ação rescisória, pertinentes ao processo penal e civil, respectivamente -, desde que fundada "[...] em provas que possam inocentar o médico condenado ou por condenação baseada em falsa prova." (art. 52, parágrafo único, do Código de Processo Ético-Profissional).

Em última análise, lembre-se que ético é o facultativo que colabora com a justiça quando lhe são requisitados conhecimentos técnicos; que emprega todos os esforços possíveis em favor do seu cliente; é o anestesiologista que cumpre com todos os deveres que lhe são afetos, empenhando habilidades e conhecimentos técnicos para atender o melhor interesse do paciente.

4.2 NATUREZA DA PRESTAÇÃO OBRIGACIONAL DO ANESTESIOLOGISTA

Inicialmente, há que se reiterar que o anestesiologista - assim como médicos, advogados, dentistas -, é agasalhado pelo conceito de profissional liberal, isto é, aquele que detém autonomia técnico-científica para decidir qual o melhor modo de proceder, desaparecendo, assim, um dos pressupostos do vínculo trabalhista, que é a alterabilidade.

Destarte, partindo dessa premissa geral, mister se faz aproximar a atividade desenvolvida pela especialista em anestesiologia e aquela exercida pelo médico generalista.

Como demonstrado alhures, tem-se que a responsabilidade civil do médico geralmente é contratual – diz-se geralmente, pois como visto há casos de responsabilidade aquiliana como, por exemplo, nas emergências -, porém tratada como se fosse extracontratual, ou seja, fundamentada na teoria da culpa.

Diante disso, pretendendo o paciente responsabilizar algum doutor em medicina, deverá demonstrar não só o nexo de causalidade, como também a conduta culposa do agente, em qualquer uma de suas modalidades (negligência, imprudência ou imperícia).

Logo, está o profissional médico submetido ao regime da responsabilidade subjetiva, cujo dever de reparar somente exsurge quando provada a ação ou omissão culposa.

Essa foi a classificação adotada pelo legislador quanto aos profissionais da área médica, consoante dicção dos arts. 186 e 951 do Código Civil e art. 14, § 4.° do Código de Defesa do Consumidor.

Vale destacar, como bem lembrou a professora Hildegard, que a responsabilização pessoal dos profissionais liberais é a única exceção ao regime geral da responsabilidade objetiva (independente de culpa), estabelecido pela lei de consumo. Segue a mesma docente lecionando que "essa diversidade de tratamento deve-se à natureza dos trabalhos profissionais que, na maioria das vezes, são intuitu personae" (Repensando o Direito do Consumidor, 2005, p.146-147).

Dessas ponderações extrai-se uma conclusão lógica, pois, se o anestesiologista é considerado antes de tudo um profissional liberal, cuja atividade consiste em um ramo da medicina, inexoravelmente estará submetido aos mesmos regimes de responsabilização estabelecidos para os médicos.

Sopesadas essas circunstâncias, passo seguinte é verificar qual a natureza da prestação obrigacional do anestesiologista, o que certamente não será tarefa fácil, pelo fato dessa questão fomentar intensos debates jurídicos entre os civilistas.

Parte da doutrina enquadra a prestação obrigacional do anestesiologista como sendo de resultado, [62] desde que tenha tido oportunidade de avaliar o paciente antes da cirurgia e concluir pela existência de condições para anestesiá-lo. Além disso, argumentam, em síntese, que

[...] o profissional somente se libera do dever cumprindo com a tarefa a que se propôs, ou seja, anestesiar o paciente e trazê-lo de volta ao estado de consciência e sensibilidade. Resultado diverso do previsto será de responsabilidade do anestesiologista [...] Logo, ao lesado é lícito demandar com base na simples verificação de produto final diverso do pactuado na contratação [...] (MATIELO, op. cit., p. 128-129).

De acordo com esse entendimento, o anestesiologista estaria comprometido a fazer o paciente retornar ao mesmo estado de saúde que se encontrava antes da intervenção cirúrgica (status quo ante), pouco importando a diligência empenhada pelo especialista quando da execução do seu mister.

Logo, uma vez que o anestesista assume perante o paciente uma obrigação de resultado, supondo-se o caso de não alcance do fim proposto consubstanciado na plena recuperação do cliente, resultaria automático o inadimplemento por parte do facultativo.

Diante da inexecução obrigacional do devedor (anestesiologista), caberia ao credor (paciente) provar tão somente o aludido descumprimento, posto que, nesse caso, haveria presunção de culpa do devedor.

Não obstante, com a devida vênia, quer parecer não ser esse o melhor posicionamento doutrinário sobre o tema, pois ao inserir o ato anestésico dentro de uma obrigação de resultado, evidencia-se não ter havido uma análise mais detida acerca das peculiaridades que envolvem a prestação obrigacional do anestesiologista.

Inicialmente, destaque-se que a arte médica é uma "[...] área conjectural, em que bem poucas situações há, que podem ser consideradas como totalmente previsíveis", sendo assim, merecedora de maiores considerações (GIOSTRI, op. cit., p. 152).

Nesse passo, quando se fala em atividade médica - mormente no tocante á anestesiologia, cuja prática exige a utilização constante de poderosos fármacos -, não há como olvidar do fator álea, [63] considerada a principal característica divisória entre obrigação de resultado e de meio, "[...] vez que será ele o elemento que poderá se interpor entre a vontade e diligência do devedor e o resultado a ser alcançado" (GIOSTRI, op. cit., p. 172).

Trata-se de acontecimento imprevisível ao homem médio, ou mais especificamente, ao profissional da área médica que, mesmo adotando todos aqueles cuidados e técnicas aceitáveis pela comunidade científica, acabou por não alcançar o resultado pretendido.

Em razão disso, conclui a professora Hildegard:

A nosso ver deveria ser óbvio que, quando a prestação obrigacional se desenvolvesse em um campo aleatório, sua conceituação deveria situar-se dentro da catagoria de uma obrigação de meio, já que não seria razoável garantir um resultado em seara onde o fator álea estivesse presente, o que, conseqüentemente, propiciaria algo imprevisível [...] [Sublinhamos] (op. cit., p.138).

Dessa forma, tendo em vista que a ciência médica ainda não conseguiu desvendar certos segredos ligados à natureza humana, ficam anestesiologistas e demais profissionais da medicina impossibilitados de prometer um resultado certo e determinado ao seu paciente.

Ademais, há outro aspecto a militar em favor da inserção da obrigação do anestesiologista como de meio e não de resultado: "[...] o papel ativo do credor na execução da obrigação, que pode ser representado por sua participação ou pelo estado de dependência do devedor em relação ao credor" (GIOSTRI, op. cit., p. 140).

Destarte, pode o credor (paciente) participar de forma ativa ou passiva no resultado final, interação essa explicada pela professora Hildegard da seguinte maneira:

A participação ativa é aquela que diz respeito à interação obrigatória e necessária do paciente na relação contratual médico-paciente e está representada por atos, tais quais: fornecer dados sobre a sua pessoa para uma avaliação mais ampla de suas condições físicas (e também psíquicas); voltar ao consultório médico nas datas previstas; notificar o seu facultativo em caso de qualquer anormalidade no pré e no pós-operatório e/ou no tratamento clínico; tomar a medicação prescrita de maneira correta; observar a dieta recomendada, quando for o caso; manter a postura corporal indicada em determinados tipos de cirurgia, entre outros. A participação passiva é representada pela resposta orgânica do paciente, estando intimamente relacionada e ligada ao fator álea, caracterizado pelas reações individualizadas de cada paciente, frente a um mesmo tratamento, seja clínico ou cirúrgico [64] (Id. id, p. 140).

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Oportuno, aliás, não olvidar a natureza bilateral da relação contratual médico-paciente, não sendo justo que as obrigações recaiam unicamente sobre a pessoa do facultativo. Nesse sentido é o entendimento de Caio Mário da Silva:

O contrato bilateral caracteriza-se pela reciprocidade das prestações. Cada uma das partes deve e é credora, simultaneamente. Por isso mesmo, nenhuma delas, sem ter cumprido o que lhe cabe, pode exigir que a outra o faça. A idéia predominante aqui é a da interdependência das prestações (2004, p. 159).

Sendo assim, como disserta a professora Hildegard, seriam essas considerações mais um suporte para analisar se a obrigação é de meio ou de resultado, posto que sob o prisma do princípio da eqüidade e da boa-fé, não seria justo, nem razoável, creditar o resultado final da prestação obrigacional apenas sobre o anestesiologista. (op. cit., p. 140).

De outro lado, a fim de ampliar a visão daqueles que pensam que a função do anestesiologista é apenas fazer o paciente dormir e depois acordá-lo [65], cabe mencionar interessantes dados coletados pela Revista Argentina de Anestesiologia sobre o risco anestésico, verbis:

I) O anestesiologista administra de forma pessoal e em um período de tempo muito breve (desde minutos até algumas horas) o maior número de drogas que qualquer outro médico. II) Nenhum outro médico enfrenta tão freqüentemente, de fora direta e pessoal, quadros de hipotensão arterial. III) Nenhum outro médico enfrenta tão freqüentemente e resolve de forma direta e pessoal, a parada respiratória seja induzida ou não. IV) Em nenhuma outra especialidade o médico produz necessariamente, situações para a desestabilização e obstrução da via aérea superior. V) Nenhuma outra especialidade médica utiliza tantas drogas com tão alta potencialidade letal intrínseca. VI) Nenhuma outra especialidade assume a responsabilidade de resolver situações vinculadas com a atividade de outros profissionais (cirurgiões, especialistas em diagnósticos por imagens, etc.), já que se trata de uma especialidade que não é terapêutica, mas dirigida a auxiliar no sentido que outras especialidades cumpram seus objetivos. VIII) Os anestesiologistas dispõem de muito pouco tempo para a tomada de decisões críticas e esta situação não só é produto de situações de emergência, com pode estar afeita aos procedimentos normais no exercício de sua especialidade. VIII) Pelas circunstâncias apontadas nos parágrafos precedentes, em nenhuma especialidade é imperativo diferenciar prematuramente uma reação normal e esperada a uma droga ou a contingências associadas com a operação e anestesia, de uma reação inesperada ou de uma situação anormal que possa repercutir negativamente no paciente. IX) Nenhuma outra especialidade deve assimilar, analisar e processar de forma permanente e em um curto espaço de tempo (desde minutos até horas) uma gama tão ampla de dados e informações sobre as condições e a evolução do paciente (apud, GIOSTRI, op. cit., p. 174-175).

Portanto, em face dos argumentos aduzidos acima, resta plausível o enquadramento do ato anestésico como uma obrigação de meio, [66] cujo cumprimento consiste na própria atividade desenvolvida pelo especialista em anestesiologia, e não pelo resultado alcançado.

No tocante ao aspecto processual, deve-se apontar outro equívoco quanto ao ônus da prova nas obrigações de meio e de resultado.

Isso porque, mesmo após o desacerto – com a devida vênia -, daqueles que pensam ser o ato anestésico uma obrigação de resultado, continuam tais doutrinadores a cometer outro equívoco, ao confundir inversão do ônus da prova com culpa presumida.

A sanar essa confusão, oportuno novamente trazer as lições da professora Hildergard, a saber:

Entendemos que do simples fato de ocorrer a inversão do ônus da prova não decorre a presunção de culpa. Nas obrigações de resultado essa inversão é automática e, no entanto, não se pode falar aí em culpa presumida, pois esta presunção pertence à responsabilidade objetiva (Repensando o Direito do Consumidor, op. cit., p. 157).

Assim, tendo em vista que o legislador considerou a responsabilidade dos profissionais liberais como subjetiva, não há como se falar em culpa presumida nas obrigações prestadas pelos médicos, mas sim inversão automática do ônus da prova, uma vez que aquela pertence à responsabilidade objetiva.

Se não fosse assim, estaria o intérprete exorbitando de sua competência para criar uma nova classe de responsabilidade civil dos profissionais liberais, função essa reservada privativamente aos membros do Congresso Nacional (arts. 2.º e 60, § 4.° da Constituição Federal).

Por tais motivos, considerar a prestação obrigacional do anestesiologista no âmbito das obrigações de resultado, traze sérias conseqüências jurídicas, tanto no direito material quanto processual, razão porque a matéria merece maior apreço por parte dos civilistas que a enfocam sob esse prisma.

De outro vértice, vê-se na prática forense que em demandas envolvendo erro médico, ambos os litigantes acabam trazendo aos autos todo material probatório que possuem, independentemente de quem seja o ônus probatório. Vale a pena insistir, há inversão do ônus probatório, e não culpa presumida.

Além disso, levando em conta que o consumidor quase sempre é a parte mais fraca frente aos fornecedores e prestadores de serviços (médicos), prevê o art. 6.°, VIII, do Código de Defesa do Consumidor a inversão do ônus da prova quando for verossímil a alegação do consumidor (paciente) ou quando for ele hipossuficiente. [67]

Dessa forma, preenchidos esses requisitos no caso concreto, o julgador deverá inverter o ônus da prova, sem que com isso haja presunção de culpa,

[...] pois esta presunção pode estar alicerçada apenas e tão somente na hipossuficiência da parte e não na suposição de culpa do profissional; ou, ainda, a inversão pode estar alicerçada na dúvida do julgador, que não só pode inverte este ônus como dispensá-lo (Repensando o Direito do Consumidor, op. cit., p. 158).

Em última análise, consoante se infere das argumentações deduzidas acima, inexiste diferença ontológica alguma entre o anestesiologista e o médico generalista, pois ambos enfrentam em suas rotinas situações inesperadas, imprevisíveis, decorrentes muitas vezes da própria limitação científica (fator álea), não sendo justo, por isso, receberem um tratamento jurídico tão distinto, como pretendem alguns.

4.2.1 Culpa na seara da anestesiologia

Antes de tudo, convém destacar que todas as regras e princípios aplicados ao médico generalista são perfeitamente aproveitados aos especialistas em anestesiologia, uma vez que a responsabilidade civil de ambos os profissionais está estritamente ligada à culpa.

Isso porque a responsabilidade dos anestesiologistas e dos médicos é subjetiva, de modo que somente haverá o dever de reparar mediante a comprovação de culpa em qualquer uma de suas modalidades (imprudência, negligência ou imperícia).

Uma vez já definidas essas modalidades de culpa na área médica [68] - conceitos esses aos quais se remete neste momento -, torna-se conveniente demonstrar as suas manifestações no âmbito da anestesiologia.

A começar pela negligência, informa Hildegard que geralmente essa modalidade culposa não ultrapassa os limites ético-legais da anestesiologia, como nos casos de "[...] abandono de um paciente em detrimento de outro, mas que também está submetido ao ato anestésico. Ou ainda, e que é pior: as saídas desnecessárias da sala de cirurgia ou, se mesmo quando lá permanece, viesse a se descuidar de seu paciente" (op. cit., p. 164).

Complementa, ainda, a autora retrocitada, que

[...] caracterizar-se-á negligência quando não executar os exames ou estudos pré-anestésicos que requer o caso, bem como por deficiência no cuidado do paciente e/ou do instrumental anestésico. Quando praticar anestesia em uma intervenção cirúrgica que possa vir a apresentar complicações cardíacas, sem assegurar-se do funcionamento do desfibrilador (op.cit., p. 164).

Ademais, consideram Delton Croce e Delton Croce Júnior, igualmente culposo o ato anestésico que,

causa lesões cerebrais irreversíveis, por parada cardiorrespiratória provocada no paciente, logo reanimado, mas persistindo estado de coma indefinidamente, em intervenção em que não foi empregada, pelo anestesista, os cuidados técnicos adequados (op. cit., p. 24).

Salientam, mais à frente, que

[...] se a descerebração ou morte da vítima durante a cirurgia a que se submeteu escapava à previsibilidade, não se pode exigir do atento e competente anestesiologista que não aplicasse as drogas ordinariamente empregadas nas intervenções cirúrgicas, sem que houvesse informes desaconselhadores de tal conduta, ou tivesse comportamento diverso nas circunstâncias em que atuou (Id. ib., p. 24).

Noutro giro, segundo entendimento de Hildegard, agiria com imprudência o profissional que

[...] ao invés de se servir dos medicamentos e das técnicas adequadas e aceitas para o ato anestésico, viesse a fazer uso de improvisações, tanto na técnica quanto no uso de medicamentos de reação ou efeito ainda desconhecido. Ou, ainda, ter qualquer outro tipo de conduta que fosse caracterizada pela insensatez e/ou pela intempestividade, fugindo aos padrões da normalidade e da segurança [...] (op. cit., p. 163).

Colhem-se da obra de Delton Croce e Delton Croce Júnior os seguintes exemplos de imprudência na seara do anestesiologista, a saber: submeter paciente a anestesia geral sem que antes se tenha solicitado exames pré-anestésicos; praticar anestesia sem observância das cautelas e cuidados legais atinentes à espécie; atender simultaneamente a dois ou mais pacientes, etc.

Por sua vez, embora não seja pacífico na doutrina, [69] entendem os autores Urrutia ser possível um especialista incorrer em imperícia, nas seguintes circunstâncias:

por deficiente aplicação das técnicas anestésicas; por uso de dose excessiva de anestésico ou por mal uso de fármacos em geral e, ainda, por utilizar procedimentos inadequados para determinado caso (apud, GIOSTRI, op. cit., p. 163-164).

Dentre essas inúmeras condutas culposas, é possível ainda fazer outra discriminação com base no tipo de erro causado, catalogada pelo ministro Aguiar Júnior da seguinte forma: a) erro de diagnóstico (avaliar o risco anestésico, a resistência do paciente); b) erro de terapêutica (medicação pré-anestésica ineficaz, omissões durante a aplicação); e c) erro de técnica (uso de substância inadequada, oxigenação insuficiente, etc.) (Revista dos Tribunais, 2000).

4.2.2 Subsídios à aferição da culpa

É de correntia ciência que a atividade do anestesiologista realiza-se juntamente com outros especialistas, como cirurgiões, radiologistas, gastroenterologistas, ginecologistas, obstetras, etc.

Por outro lado, em face do desenvolvimento e da autonomia da anestesiologia, é possível destacar a conduta do anestesiologista dos demais integrantes de uma equipe médica, sendo essa a orientação consagrada no inciso V, do art. 1.º, da Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 1.383/93. [70]

Nesse sentido, salienta o ministro Aguiar Júnior que "[...] o anestesista ocupa hoje uma posição especial, em razão da autonomia que alcançou a especialidade: em relação a este, tem sido aplicável a noção de ato destacável, própria do direito administrativo" (Revista dos Tribunais, op. cit., p. 42).

Sucede que, mesmo persistindo a aludida autonomia em agir, existem certas situações em que há um entrelaçamento de condutas entre anestesiologista e médico, o que certamente dificulta a individualização da culpa de cada agente.

Diante disso, costumam os civilistas a dividir a atuação do anestesiologista em três fases distintas:

[...] pré-operatória, quando procede seu diagnóstico, em que avalia o risco anestésico, em face dos exames clínicos do paciente a fase operatória, em que ministra os anestésicos e controla os seus efeitos, de acordo com a evolução da intervenção cirúrgica; e a pós-operatória, momento em que deve monitorar a recuperação dos sentidos do paciente, verificando a temperatura, oxigenação, pressão arterial, etc. [71] (TEPEDINO, op. cit., p. 301).

Nas fases pré e pós-operatórias, a responsabilidade do anestesiologista é autônoma, destacada do ato cirúrgico em si, prevalecendo o princípio da incontangiabilidade da culpa. Entretanto, na fase operatória (ou intra-operatória), não se pode dizer o mesmo, eis que "[...] as competências se interferem e superpõem [...]" de sorte que somente o exame do caso concreto possibilitará essa discriminação, não desconsiderando a possibilidade de culpa concorrente (KFOURI NETO, op. cit., p. 141).

Em que pese o valor da distinção retro assinalada, o que deve ser levado em conta em quaisquer das aludidas fases é se houve conduta culposa do especialista, sendo esta composta por dois fatores: a possibilidade do exercício da previsibilidade e a análise da diligência do profissional da área de saúde.

Para melhor esclarecer o assunto, convém anotar as lições da professora Hildegard:

[...] quando existe uma certa previsibilidade e aquele resultado nefasto previsível – apontado como possível de acontecer dentro de uma certa porcentagem – vem a se concretizar, o dado mais importante a ser sopesado, sem dúvida, será o da diligência empregada pelo profissional: qual o seu esforço, qual o empenho efetivado por ele para que aquele resultado negativo – ainda que previsto – não se verificasse. [72] (op. cit., p. 153).

Isso porque a prestação obrigacional do anestesiologista é de meio, onde o que se avalia é a própria atividade em si por ele desenvolvida, e não o resultado a ser alcançado.

Nesse passo, no tocante à apuração da diligência empregada pelo anestesiologista, interessante a colocação feita pelo autor lusitano Luiz da Cunha Gonçalves quando afirma: "[...] deverá o julgador formular a si próprio esta pergunta: ´um médico prudente, encontrando-se nas mesmas condições externas, teria procedido como o autor do prejuízo?’" (apud KFOURI NETO, op. cit., p. 69).

Inicialmente, dentre as condições externas mencionadas por Cunha Gonçalves, assumem destaque no âmbito da anestesiologia os elementos tempo e lugar.

Quanto ao fator tempo, mister se faz um tratamento mais brando para o especialista que atende a uma emergência, posto que nestes casos fica o mesmo impossibilitado de tomar as precauções e cautelas ordinariamente utilizadas. Nesta hipótese, admite-se até mesmo a improvisação "[...] desde que destinada a preservar a integridade do paciente e inexistam outros meios disponíveis no local, sendo impraticável o deslocamento para busca de melhores recursos" [73] (MATIELO, op. cit., p. 140).

A docente Hildegard acrescenta, todavia, que nessa improvisação "não há que se cobrar, de um profissional, técnica ou método não disponível ou ainda não em uso na data dos fatos" [74] (op. cit., p. 166).

Outrossim, deve-se ponderar o momento em que acontecerá a intervenção cirúrgica, se de dia, à tarde ou à noite, tendo em vista que fatores biológicos predisponentes, tanto do profissional quanto do paciente, podem interferir no resultado final ou no desenrolar do ato cirúrgico/anestésico (GIOSTRI, op. cit., p. 165).

Demais disso, informam os autores Urrutia que,

[...] a emergência incrementa os riscos próprios de uma cirurgia comum, dentro de uma proporção de quatro a cinco vezes, bem como os riscos de morte atribuíveis a causas anestésicas são dez vezes maiores em uma cirurgia de urgência que em outra de cunho eletivo (apud Id. ib., p. 165).

No que tange ao elemento lugar, embora a legislação determine a prática do ato anestésico somente se estiverem asseguradas as condições mínimas de segurança (art. 1º, VI, da Resolução n.º 1.363/93), nota-se que na prática nem sempre os nosocômios possuem uma infra-estrutura adequada para tanto, mormente quando se trata de hospital público. Demais disso, há que se considerar se os equipamentos do estabelecimento hospitalar estavam disponíveis para uso no momento do infortúnio e se os mesmos se encontravam em bom estado de funcionamento (GIOSTRI, op. cit., p. 166).

Diante dessas circunstâncias, resta identificar qual seria o médico prudente a ser adotado como parâmetro pelo julgador.

Como demonstrado alhures, em que pese a complexidade que o tema suscite aos profissionais de ciências humanas, é possível ao julgador razoavelmente culto, avaliar a culpa médica sem que necessariamente seja preciso adentrar em discussões técnicas, ou pior, restringir-se aos suspeitos laudos periciais. [75]

Vale insistir que, pelo fato da classe médica ser muito solidária e fechada - ganhando por isso a pecha de Máfia de Branco -, há uma certa suspeição em torno das provas periciais, cuja análise merece cautela do julgador.

Com efeito, a fim de contornar esse obstáculo, é de bom alvitre que o magistrado se utilize do bom senso, de sua experiência de vida, bem assim de todos os meios de prova admitidos pelo ordenamento jurídico, mormente os depoimentos das testemunhas e documentos trazidos pelas partes (prontuário médico).

4.2.3. Responsabilidade objetiva do anestesiologista

A regra geral é de que a responsabilidade dos profissionais liberais é subjetiva, e tendo em vista que a prestação obrigacional do anestesiologista é de meio, caberá à vítima (paciente) o ônus da prova da culpa do autor do ilícito.

Sucede, porém, que excepcionalmente poderá o anestesiologista responder pelos seus atos de forma objetiva, isto é, basta que a vítima prove a ação ou omissão do agente, o dano e a relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o dano.

Conforme informação da professora Hildegard, haverá responsabilidade objetiva do anestesiologista pelo fato das coisas, quando se auto-inseriu em uma obrigação de resultado e pelo fato das pessoas (op. cit., p. 176).

Quanto ao fato das coisas, é sabido que o desenrolar do ato anestésico exige todo um aparato de equipamentos tecnológicos e de potentes fármacos para viabilizar a regular insensibilização do paciente. [76]

Nesse sentido, assevera Hildegard que "[...] o mau funcionamento, ou funcionamento incorreto ou inadequado daquele equipamento, correrão por sua inteira responsabilidade, não interessando a perquirição de culpa" (op. cit., p. 176).

No entanto, como demonstra a percuciente análise feita pela docente argentina Rosana Leal, duas distinções hão de ser registradas, a saber:

[...] Cuando para el cumplimiento de su prestación profesional se vale de aparatología e instrumetal con el que ocasionalmente le provoca un daño al paciente, se hará necesario distinguir entre daño causado "con" las cosas y daño causado "por" las cosas, según éstas respondan al manejo dócil del facultativo o posean autonomía propria para dañar. En el primer supuesto la responsabilidad es subjetiva y em el segundo es objetiva. [Grifo nosso] (op. cit., p. 245).

Portanto, em relação ao fato da coisa nem sempre haverá responsabilidade objetiva do especialista.

Por outro lado, embora seja reprovável uma conduta dessa espécie na área da saúde, é possível que o próprio anestesiologista – em razão da autonomia de vontade - , garanta ao seu cliente a obtenção de um resultado. Nesta hipótese, caso não atinja a meta avençada, responderá objetivamente.

Por fim, atinente ao fato das pessoas, tem-se que o anestesiologista, igualmente ao cirurgião chefe de equipe, é diretamente responsável pelos danos provocados pelos seus prepostos, tal como instrumentador, estagiário, residente, etc. Nestes casos, haverá culpa in vigilando ou in eligendo por parte do especialista.

4.3 A RESPONSABILIDADE DOS ESTABELECIMENTOS HOSPITALARES

A avaliação da responsabilidade civil dos hospitais [77], no que se refere às entidades privadas, deve ser analisada diante de quatro relações jurídicas que se instauram simultaneamente ao momento da internação do paciente: a) o contrato entre médico e paciente; b) o contrato entre médico especialista em anestesiologista e paciente; c) o contrato entre paciente e clínica médica; e d) o contrato entre os médicos e a clínica médica para a realização do tratamento (TEPEDINO, op. cit., p. 299).

No que toca à primeira relação jurídica, conforme já assinalado, para que o médico responda pessoalmente pelos seus atos, deverá o paciente comprovar cabalmente que os danos sofridos decorreram de conduta culposa do esculápio.

Nessa mesma linha, encontra-se o especialista em anestesiologia, visto que, assim como o médico generalista, ele contrai perante o paciente uma obrigação de meio pela qual somente responderá se agir de forma culposa. [78]

De outra parte, a clínica médica celebra com o paciente um contrato de prestação de serviços de conotação muito peculiar, vez que comporta uma duplicidade de deveres, delineados por Aguiar Dias da seguinte forma: compreende assistência médica, ao mesmo tempo que obrigações de hospedeiro (1997).

Entende-se como obrigação de hospedeiro, aqueles serviços ligados ao alojamento, à alimentação, à limpeza, aos exames laboratoriais, a medicamentos, à enfermaria, à equipe de apoio ambulatorial, à manutenção de aparelhos. Pelos defeitos relativos à prestação destes serviços, [79] bem assim pela falha dos prepostos (pessoal paramédico), responderá o estabelecimento hospitalar independentemente de culpa, conforme preceitua o caput do art 14 do Código de Defesa do Consumidor (TEPEDINO, op. cit., p. 300).

Ainda nesta categoria, inclue-se a "[...] infecção hospitalar associada a um serviço de assepsia defeituoso, ou seja, as infecções que não provêm de caso fortuito, derivadas de alarmantes desenvolvimentos de novos vírus e bactérias" [80] (Id. ib., p. 300).

Quanto à assistência médica, conquanto haja divergência doutrinária e jurisprudencial, entende-se haver uma mitigação da responsabilidade objetiva do estabelecimento nosocomial.

Nesse sentido, parte da doutrina sustenta que os danos causados a paciente por ato médico e imputados aos nosocômios, nem sempre estarão abrangidos pelas regras do art. 14, do Código de Defesa do Consumidor, onde despreza-se por completo a comprovação de culpa (responsabilidade objetiva irrestrita). [81]

Abstraindo-se um pouco dos conceitos legais para entender de maneira prática essa tese, cita a professora Hildegard como exemplo uma empresa retífica de motores. Tendo o consumidor se utilizado dos serviços dessa empresa, este só poderá esperar e aceitar que, ao receber de volta o motor que lhe pertence, este se encontre devidamente retificado e apto para uso.

Nesta hipótese, só o bom funcionamento do motor interessa ao consumidor, tendo em vista que o motor é uma coisa inerte, inanimada, sem vida, incapaz de interferir no resultado final esperado.

No entanto, prossegue Hildegard,

[...] a mesma aferição sob a ótica de uma responsabilidade irrestrita, tem se mostrado inadequada no que diz respeito à avaliação do atendimento prestado por hospitais e clínicas, pelo simples fato de que aquele que se serve dos serviços de tais entidades (e às vezes até os familiares do paciente), tem participação ativa no resultado final e, portanto, pode interferir de maneira tanto positiva quanto negativa na "qualidade" dos serviços prestados pelo hospital ou pela clínica. Aqui não se trata de um motor (Repensando o Direito do Consumidor, op. cit., p. 148).

Alguém poderia dizer que se houve interferência, no resultado final, de alguma causa externa prejudicial capaz de romper o nexo de causalidade, poderia o nosocômio se valer do próprio Código de Defesa do Consumidor que expressamente prevê excludentes de responsabilidade.

Advirta-se que não se está a ignorar as excludentes de ilicitude, mas há de ser salientada a dificuldade do nosocômio em provar que foi o próprio paciente (ou familiar seu) que interferiu negativamente na prestação do serviço frustrando o resultado final almejado (Repensando o Direito do Consumidor, 2005).

A ilustrar tal obstáculo legal imposto aos estabelecimentos hospitalares, cumpre valer-se novamente da fértil imaginação da professora Hildegard, que cita a seguinte hipótese:

[...] o paciente que antes de entrar para o centro cirúrgico, queixa-se de boca seca (pela própria tensão do momento), mas está proibido de ingerir qualquer alimento, seja líquido, sólido ou pastoso, já que lhe foi recomendado jejum absoluto, em razão de que se submeterá, logo a seguir, à anestesia geral. Todavia, seu familiar acompanhante, movido pela "pena" do paciente e entendendo que alguns goles de água em nada poderão prejudicá-lo. Este gesto é o suficiente para que o paciente venha a apresentar vômitos durante o ato cirúrgico, podendo aspirar parte desse vômito, cujas conseqüências podem ser: a) nenhuma; b) uma broncopneumonia ou, c) o óbito (Repensando o Direito do Consumidor, op. cit., p. 149).

Adiante, conclui a autora retrocitada:

Se o anestesiologista, nesse caso, fosse preposto do hospital, onde ocorreu este fato hipotético (mas não impossível), o nosocômio seria responsabilizado. E tudo ocorreria de forma "legal", já que, em nome de uma responsabilidade objetiva irrestrita, bastariam, para caracterizá-la o dano e o nexo. (Repensando o Direito do Consumidor, op. cit., p. 149).

Diante desse exemplo fica bem claro o porquê da mitigação da responsabilidade objetiva, pois na hipótese em comento seria praticamente impossível ao estabelecimento hospitalar provar que o acompanhante do paciente forneceu-lhe um gole de água, o qual acabou por causar o evento danoso.

Não menos interessante é a opinião de Gustavo Tepedino que, ao encarar a questão sob um ponto de vista técnico, assevera o seguinte:

A matéria é controvertida, já que a responsabilidade subjetiva cinge-se às atividades dos profissionais liberais, na dicção do art. 14. § 4.º, do CDC. Entretanto, na hipótese em que o ato lesivo não se relaciona com os demais serviços prestados pela clínica, jungindo-se a erro profissional típico, seria difícil vislumbrar qualquer defeito, pressuposto da responsabilidade objetiva nos termos do art. 14, § 3.º, diverso da conduta subjetiva do médico – a atividade defeituosa -, não se podendo negar, nesta perspectiva, que somente a demonstração de culpa é que poderá desencadear a responsabilidade do profissional e, em conseqüência, do hospital, solidariamente (op. cit., p. 300).

Ademais, argumentam os defensores dessa tese que a responsabilidade do hospital é contratual, sendo que a avença celebrada entre o paciente e o hospital, embora tenha por finalidade alcançar o melhor resultado possível, não tem o condão de garantir a cura ao paciente, ante "[...] a interferência de fatores imponderáveis e aleatórios [...]"pertinentes à área médica. Trata-se, pois, de um contrato de meio, e não de resultado (Repensando o Direito do Consumidor, 2005).

Em decorrência disso, uma vez descumprido o que fora pactuado, presume-se que houve culpa por parte do estabelecimento hospitalar, fato que não inibe o direito deste em elidir a existência de tal culpa.

A ratificar tudo o que foi dito, vale colacionar recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, a saber:

CIVIL. INDENIZAÇÃO. MORTE. CULPA. MÉDICOS. AFASTAMENTO. CONDENAÇÃO. HOSPITAL. RESPONSABILIDADE. OBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE. 1 - A responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação técnico-profissional dos médicos que neles atuam ou a eles sejam ligados por convênio, é subjetiva, ou seja, dependente da omprovação de culpa dos prepostos, presumindo-se a dos preponentes. Nesse sentido são as normas dos arts. 159, 1521, III, e 1545 do Código Civil de 1916 e, atualmente, as dos arts. 186 e 951 do novo Código Civil, bem com a súmula 341 - STF (É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto.). 2 - Em razão disso, não se pode dar guarida à tese do acórdão de, arrimado nas provas colhidas, excluir, de modo expresso, a culpa dos médicos e, ao mesmo tempo, admitir a responsabilidade objetiva do hospital, para condená-lo a pagar indenização por morte de paciente. 3 - O art. 14 do CDC, conforme melhor doutrina, não conflita com essa conclusão, dado que a responsabilidade objetiva, nele prevista para o prestador de serviços, no presente caso, o hospital, circunscreve-se apenas aos serviços única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estadia do paciente (internação), instalações, equipamentos, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia), etc e não aos serviços técnicos-profissionais dos médicos que ali atuam, permanecendo estes na relação subjetiva de preposição (culpa). 4 - Recurso especial conhecido e provido para julgar improcedente o pedido [Grifo nosso] (STJ, 2005d).

Frise-se, ainda, não haver dúvidas de que inexiste responsabilidade dos nosocômios na hipótese em que facultativo apenas se utiliza das instalações do estabelecimento hospitalar para o atendimento dos seus clientes, sem que com este mantenha qualquer vínculo, seja empregatício, seja de ordem técnica.

Não obstante, salienta Aguiar Junior que, em relação aos médicos que integram o quadro clínico como funcionários ou prestadores de serviços, é preciso discriminar duas situações:

[...] se o paciente procurou o hospital, e ali foi atendido por integrante do corpo clínico, ainda que não empregado, responde o hospital pelo ato culposo do médico, em solidariedade com este; se o doente procura o médico, e este o encaminha à baixa no hospital, o contrato é com o médico e o hospital não responde pela culpa deste, embora do seu quadro [...] (Revista dos Tribunais, op. cit., p. 41).

A culpa do estabelecimento hospitalar (do patrão ou comitente) pelos atos de integrantes do corpo clínico, na hipótese primeiramente referida, reflete o atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão [82] ao interpretar extensivamente o contido na súmula 341 do Supremo Tribunal Federal, bem assim dos arts. 932, III e 934 do Código Civil.

4.3.1. Responsabilidade de hospitais públicos

O Código Civil de 1916, acolhendo a doutrina subjetivista dominante em sua época, estabeleceu no art. 15 que as pessoas jurídicas de Direito Público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem dano a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano (MEIRELLES, 2005).

Embora muito controverso, prevalecia, nesses tempos, o entendimento de que o Código Civil de 1916 enquadrava o dever de reparar do Estado nos moldes da responsabilidade civil atribuída aos estabelecimentos hospitalares privados, isto é, subjetiva.

Ocorre, que com o advento da Constituição Federal de 1946 (art. 194), a responsabilidade do Estado passou a ser tratada de forma objetiva, baseada na teoria do risco, revogando-se assim, parcialmente, o disposto no art. 15 do antigo Código Civil.

Outrossim, como sucedâneo da orientação adotada pelas demais cartas políticas, consagrou o § 6.º do art 37 da atual Constituição Federal, a tese responsabilidade objetiva do Estado, prevendo que "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

Diante disso, fácil é perceber que os hospitais públicos estariam abrangidos pelas regras do aludido dispositivo constitucional. Neste particular, aliás, oportuno lembrar que o atendimento efetuado em hospitais públicos é considerado pela doutrina e jurisprudência como expressão tutela constitucional à saúde pública (art. 196 e seguintes da Constituição Federal) (TEPEDINO, 2003).

No entanto, conforme anotações de Gustavo Tepedino, parte da doutrina e jurisprudência passou a interpretar restritivamente o contido no art. 37, § 6.º, da Constituição Federal, limitando a sua aplicação exclusivamente aos atos comissivos (ações) dos serviços públicos, uma vez que, em relação aos atos omissivos, continuava vigendo a regra estabelecida no art. 15 do Código Civil de 1916, que, por sua vez, consagrava a teoria subjetiva da falta de serviços.

Segundo os defensores dessa tese, [83] embora haja previsão legal expressa, se o dano for derivado de ato omissivo do Estado, este somente será compelido ao pagamento de indenização mediante comprovação de culpa.

Como fundamento, apontam que o Estado apenas responde na hipótese de uma inação ilícita, ou seja, quando devia agir e assim não o fez, de sorte que a apuração de eventual responsabilidade estatal ensejaria a perquirição de culpa. [84] Trata-se, pois, da teoria da faute de service (falta de serviço) adotada pelos franceses.

Além disso, argumentam que seria um absurdo atribuir à Administração o dever de reparar o cidadão em decorrência de qualquer ato omissivo, fato que oneraria excessivamente o erário público e, como conseqüência, acarretaria uma ruptura do sistema.

Sustentam, ainda, que os atos omissivos, ao contrário dos comissivos, não causam imediata e diretamente o dano, senão de forma mediata, apenas permitindo que este ocorresse (TEPEDINO, op. cit., p. 303).

De outro lado, com o intuito de rechaçar as deduções aduzidas acima, salienta inicialmente Tepedino que "[...] não é dado ao intérprete restringir onde o legislador não restringiu, sobretudo em se tratando do legislador constituinte – ubi lex non ditinguit nec nos distinguere debemus" (Id. ib., p. 303).

Adiante, prossegue o autor retrocitado asseverando que

[...] essa limitação ao texto constitucional partiu de premissa equivocada, segundo a qual o ato omissivo não seria capaz de, só por si, dar causa imediata e direta ao dano. Como se sabe, em termos de causalidade prevalece no Brasil a teoria do dano direto e imediato (ou da necessariedade do dano), sufragado pela melhor doutrina e pelo Supremo Tribunal Federal. De maneira que, ou bem a atividade do Estado não gera necessariamente o dano, hipótese em que não há nexo de causalidade, descartando-se, em conseqüência, o dever de reparar, seja qual for a doutrina que se adote, subjetiva ou objetiva; ou, ao revés, admite-se o dano necessário e portanto, a responsabilidade civil, independentemente de a conduta ter sido positiva ou negativa (op. cit., p. 304).

De qualquer forma, há que se considerar que a responsabilidade objetiva consagrada pela Constituição Federal comporta causas excludentes de ilicitude, posto que se baseia na teoria do risco administrativo, cuja concepção visivelmente afasta-se da teoria do risco integral.

Nesse raciocínio, esclarece Hely Lopes Meirelles que

[...] embora dispense a prova da culpa da Administração, permite que o Poder Público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização. Isso porque o risco administrativo não significa que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa, apenas e tão somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente da indenização [Grifo nosso] (op. cit.., p. 632).

Nesse sentido, ante a adoção pela Constituição Federal da teoria do risco administrativo, admite-se a possibilidade de isenção de responsabilidade por parte dos prestadores de serviços públicos de saúde - assim como ocorre com os demais serviços públicos -, desde que, entretanto, comprove a existência de alguma das excludentes de ilicitude tal como, força maior, caso fortuito ou culpa exclusiva da vítima. [85]

Dessume-se disso, portanto, haver atualmente uma nova noção em torno da responsabilidade objetiva do Estado, cuja configuração exige o preenchimento de outros requisitos que não apenas a demonstração da conduta do agente, do dano e a relação de causa e efeito entre a conduta e o dano.

Assim, o dever de reparar da Administração somente subsistirá desde que presentes alguns pressupostos, elencados pelo constitucionalista Alexandre de Moraes da seguinte forma:

[...] ocorrência do dano; nexo de causalidade entre o eventu damni e a ação ou omissão do agente público ou prestador de serviços públicos; oficialidade da conduta lesiva; inexistência de causa excludente da responsabilidade civil do Estado (2005, p.337- 338).

Em decorrência disso, vislumbra-se a presença de certos elementos subjetivos quando da avaliação da responsabilidade objetiva do Estado - o que não importa dizer que a responsabilidade estatal tornou-se subjetiva.

Nessa mesma linha, vale transcrever a observação extraída do voto lavrado pela Ministra Eliane Calmon, onde consta:

[...] Se há ação causadora de dano, não há dúvida de que temos a RESPONSABILIDADE OBJETIVA, ou seja, a vítima de uma ação estatal deve ser objetivamente ressarcida, muito embora, no exame do nexo de causalidade, seja necessária, muitas vezes, incursão no aspecto subjetivo do preposto estatal. Outras vezes, é preciso analisar o elemento subjetivo para que comprove o Estado culpa da vítima, o que afasta a sua responsabilidade (STJ, 2005e).

Diante desse cenário, portanto, nota-se haver uma mitigação da responsabilidade objetiva do Estado, pois se de um lado não exige da vítima a comprovação de culpa do serviço, de outro não afasta o direito da Administração em elidir a culpa que contra ela se presume.

Por derradeiro, impende esclarecer que os serviços públicos prestados na área da saúde são considerados inerentes ao Poder Público, cuja remuneração decorre do recolhimento de tributos junto ao próprio contribuinte (serviços públicos uti universi), razão pela qual não se instaura entre contribuinte e prestador de serviços públicos uma relação de consumo, mas sim uma relação jurídica tributária.

Portanto, a rigor, os hospitais públicos não estão submetidos às normas estatuídas no Código de Defesa do Consumidor, mas sim ao regime de direito administrativo, conforme salientado acima.

4.3.2 Equipe médica e solidariedade no dever de reparar

Antigamente, prevalecia o entendimento de que em virtude de o médico estar no comando do ato cirúrgico, seria ele responsável tanto por atos próprios como por atos de terceiros.

Neste contexto, considerava-se que o cirurgião seria responsável por qualquer infortúnio ocorrido no desenrolar do ato cirúrgico, mesmo por aqueles causados pelos demais integrantes da equipe médica.

Todavia, é inadmissível tal concepção nos tempos atuais, haja vista que o enorme progresso já alcançado nessa área "[...] conduziu inexoravelmente, à especialização, de modo que a equipe médica, embora comandada por um médico-chefe, é composta por profissionais altamente especializados, em áreas diversas e heterogêneas" (STOCO, op. cit., p. 302).

Tal desenvolvimento, assim, possibilitou uma nítida divisão de tarefas entre os vários médicos que atuam em uma mesma cirurgia. [86] Nessa linha, esclarece Sérgio Cavalieri Filho que "[...] embora a equipe médica atue em conjunto, não há, só, por isso, solidariedade entre todos os que a integram" (CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 277).

Com isso, não se pretende afastar a responsabilidade do cirurgião chefe pelo que se passa dentro da sala de cirurgia; ao contrário, o princípio geral é o da responsabilidade dele, dependendo sempre do caso concreto (DIREITO; CAVALIERI FILHO, 2004, p. 446).

Imperioso analisar se, entre os integrantes de uma equipe médica, existe uma relação de subordinação, pois se cada profissional exerce a sua atividade de forma autônoma, sem qualquer ingerência por parte do cirurgião chefe, não há porque responsabilizá-lo.

Nesta direção, é a orientação de Rui Stoco, ao concluir que

[...] se o dano verificado não está na linha causal do procedimento, ação ou omissão do chefe da equipe, mas decorre de ato independente de qualquer dos membros da equipe, só se poderá imputar culpa a quem lhe deu causa. [87] (op. cit., p. 302).

Como demonstração, vale tomar como exemplo, o anestesiologista que possui uma conduta nitidamente destacável da atuação dos demais profissionais médicos.

Nesse sentido, ao tecer comentários sobre a anestesiologia e a divisão de funções dentro de uma equipe médica, assinala Rosana Leal que as relações cirurgião-anestesiologista é um caso típico de "división horizontal de trabajo", tendo em vista a autonomia técnica-científica do anestesiologista (op. cit., p.164).

Sublinhe-se, contudo, que no caso de o anestesiologista ter sido escolhido pelo cirurgião-chefe para integrar uma equipe médica, haverá culpa in eligendo de tal facultativo (comitente) em havendo eventual dano anestésico.

Outrossim , "cuidando de equipe médica vinculada a determinado hospital, hipótese em que não é o paciente a escolher o anestesista, profissional designado pelo nosocômio, responde o hospital pelos erros na anestesia" (TEPEDINO, op. cit., p. 302).

Nestes casos, pois, haveria incidência dos arts. 942, 932, III e 933 do Código Civil, bem como da Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal, havendo culpa presumida do cirurgião-chefe e do estabelecimento hospitalar, respectivamente.

Sendo assim, em atenção ao princípio da incontangiabilidade da culpa, há que se verificar no caso concreto se houve relação de causalidade entre a conduta do cirurgião chefe e o dano provocado, pois, se este não concorreu para o acontecimento do evento danoso, certamente não deve ser imputado a reparar o dano. [88]

4.4 CASUÍSTICA E AFERIÇÃO DE CULPA

O Conselho Federal de Medicina, ao apreciar em grau recursal algumas infrações cometidas por anestesiologistas, assim decidiu: "considera-se faltoso o anestesista quando não se vale de recursos ao seu alcance para conferir ao doente maior segurança nos atos que pratica, recebendo a reprimenda de censura confidencial com aviso reservado; comete infração ética o anestesiologista que não proporciona o procedimento anestésico mais seguro para o caso e não toma as precauções devidas para evitar as complicações [...]": aplicada a pena de censura pública em publicação oficial; e, em última análise, comete infração ética o anestesista que deixa de registrar ocorrências referentes ao trabalho que realizar e omite dos familiares informações relativas ao paciente que esteve sob seus cuidados: pena de advertência confidencial com aviso reservado.

Mencionados alguns casos de responsabilidade ético-profissional do anestesiologista, veja-se como a matéria tem sido tratada pelos tribunais nacionais.

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, ao apreciar ação de indenização ajuizada em face de Hospital, considerou ter havido culpa por parte do seu preposto (anestesiologista), que aplicou anestesia sem as devidas cautelas (TJMG, 2001f).

Consta do voto relator que a autora/apelada foi submetida a eletroneuromiografia, entendido com uma espécie de exame pré-operatório, onde constatou-se que a vítima apresentava sintomas compatíveis com a aracnoidite (que é uma das complicações das mais graves da anestesia peridural).

De qualquer sorte, a paciente seguiu para a mesa de cirurgia e, em decorrência da aplicação da peridural, ocorreu a paralisação completa e definitiva em uma das pernas, sintoma este próprio da prevista aracnoidite.

Dessume-se disso, nas palavras do relator, que

[...] ou o exame não se fez corretamente ou não se observou a compatibilidade, que recomendaria cuidados especiais ou busca de alternativa. O resultado mostra que a apelante não poderia ser anestesiado como o foi (TJMG, 2001f).

O relator destacou, ainda, que o laudo pericial fora recebido com muita reserva, pois, ora afirma que a vítima não está inválida para o trabalho e que o mal é temporário, em seguida, contraditoriamente, conclui que não existe terapia para a aracnoidite medular a menos que um agente infeccioso específico e sensível ao tratamento seja indicado.

Diante desse quadro, por unanimidade de votos, entenderam os julgadores ter havido culpa do anestesiologista, pelo que deverá o nosocômio onde o especialista laborava responder pelos prejuízos causados.

Em outro julgado, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, houve por bem reformar decisão monocrática em que o cirurgião fora responsabilizado pela ação médica globalmente considerada, de intervenção para retirada de hérnia de disco intervertebral, haja vista que o profissional levou adiante a intervenção cirúrgica mesmo depois de o autor apresentar sintomas de hipotensão, náuseas e vômitos (TJSP, 1999g).

Após uma análise detida dos fatos, observou o relator que o cirurgião/apelante somente iniciou a intervenção após 15 (quinze) minutos de recuperação do paciente, o que fez mediante autorização do anestesiologista.

O laudo pericial, por sua vez, foi conclusivo no sentido de considerar que a cirurgia em si de forma alguma contribuiu para os males sofridos pela vítima, uma vez que a intervenção operou-se ao nível L 4 e L5 da coluna lombar, enquanto a lesão decorreu de incisão realizada em nível L1, da mesma coluna lombar.

Ademais, identificou o relator que

a vítima conserva a sensibilidade superficial e profunda em todos os membros inferiores, com paralisia motora, o que conforma, em conformidade com o parecer do "expert", que a sua origem decorre de lesão em nível LI, onde foram feitas as incisões para a ultimação da anestesia. Ainda consoante o laudo pericial e referida testemunha, se as seqüelas decorressem de lesão ocorrida em nível L4 e L5, local onde operou-se a intervenção para remoção de hérnia do disco intervertebral, o resultado seria a paralisação motora dos membros inferiores com a conseqüente perda da sensibilidade, o que na hipótese, como visto, inocorreu (TJSP, 1999g).

Por tais razões, por admitir-se que a ação médica não pode ser considerada unitária, haja vista que o anestesista atua em dimensão própria e específica, bem apartada do ato cirúrgico estritamente considerado, a condenação do cirurgião implicaria negativa do princípio da incontangiabilidade da culpa, e por isso entendeu o relator de isentar o cirurgião de quaisquer responsabilidades e, por conseguinte, condenar o anestesiologista a reparar os danos provocados na vítima.

Colhe-se do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, outro interessante aresto envolvendo responsabilidade civil do anestesiologista. Cuida-se de ação de indenização por danos morais e materiais decorrentes de conduta culposa do anestesiologista e do respectivo nosocômio onde aconteceu o infortúnio (TJPR, 1999h).

Ao fazer exames de rotina, diagnosticou-se que a autora [89] (de cujus, representada pelos seus genitores) estava com apendicite aguda, cujo tratamento exigia intervenção cirúrgica (apendiceptomia), a qual realizou-se naquela mesma tarde.

A operação transcorreu normalmente, tendo o cirurgião prescrito a devida medicação pós-operatória à paciente e retornado ao seu consultório, deixando-a sob os cuidados do anestesiologista. Sucede que uns quarenta minutos após o término da cirurgia, o médico recebeu um chamado de urgência do nosocômio, e lá chegando recebeu a notícia de que a paciente havia desenvolvido Hipertermia Maligna e entrado em óbito.

Ao avaliar o caso, o Relator designado, Desembargador Noeval de Quadros, iniciou a discussão através da seguinte análise:

Em primeiro lugar, impõe-se examinar a afirmação do próprio cirurgião de que "a hipertermia maligna é um caso muito raro de acontecer e só acontece com a anestesia geral, se fosse aplicada a raqui (anestesia raquidiana) não teria ocorrido" (f.218). Essa afirmação é confirmada pelo próprio anestesista: "a HM ocorre quando utilizados anestésicos halogenados, tipo halotano ou quelecin; que é possível a realização de anestesia geral sem aplicação desses anestésicos" (f.219). É incontroverso nos autos que a hipertermia maligna só ocorre em casos de anestesia geral e que a anestesia geral pode ser realizada sem a utilização desses medicamentos, que provocam a Hipertermia. Logo, impõe-se verificar se esse tipo de anestesia era indispensável para o ato cirúrgico (TJPR, 1999h).

Afirma o anestesiologista que a própria paciente havia escolhido o tipo de anestesia, pois a mesma "não queria ver nada". No entanto, salientou o relator, em primeiro lugar, tal escolha não cabia à paciente, eis que somente um profissional dotado de conhecimentos técnicos poderia saber qual anestésico deveria ser empregado, conforme disposição do art. 1.º da Resolução n.º 1.363/1993 do Conselho Federal de Medicina.

Além disso, verificou-se não ter o anestesiologista cumprido com o seu dever de informação à paciente, uma vez que se a autora soubesse das conseqüências da anestesia geral, certamente não teria optado por ela. Outrossim, não se realizou qualquer espécie de exame pré-operatório.

Em segundo lugar, faltou novamente com o dever o anestesiologista ao praticar duas anestesias simultâneas, pois os registros clínicos dão conta que atendeu a uma paciente (Y. M. de F.) das 12:45 até as 14:15 horas, atendeu a vítima E. das 14:00 às 16:00 horas, e uma terceira paciente (S. M. A.) das 15:15, quando esta paciente, que se submetida a uma cesária, recebeu a anestesia, até às 16:40 horas, quando retornou da sala de cirurgia.

Destacou-se que, neste caso, a cesária não era um ato médico de urgência, tendo em vista que a parturiente estava parindo estava em condições clínicas normais. Ademais, houve negligência do nosocômio e do anestesiologista que, diante de tantos atendimentos, deixaram de contactar com o outro especialista da cidade, que se encontrava disponível naquela ocasião.

Em terceiro, tem-se que a Hipertermia Maligna é uma doença rara, mas não impossível de acontecer, sendo que o único medicamento capaz de combatê-la chama-se dantrolene sódico. Este fármaco, de acordo com pesquisas colacionadas no acórdão, aliado a diagnóstico precoce da aludida moléstia, chega a reduzir o índice de mortalidade de 70% (setenta por cento) para 10%.(dez por cento).

Todavia, no momento do infortúnio não dispunha o hospital desse medicamento, sob a escusa de que tal produto é muito caro (custa em torno de R$ 4.000,00) e tem prazo de validade de apenas seis meses. De outro lado, contesta a autora "[...] dizendo que o medicamento custa R$ 3.000,00 e tem prazo de validade de três anos, sendo que o fabricante repõe o medicamento que chegar, sem uso, ao término do prazo de validade."

Como o juízo singular não logrou definir quem estava com a verdade, entendeu o relator que, pelo fato de a intervenção cirúrgica ter sido realizada por plano de saúde privado, fatalmente todas as despesas seriam acobertadas, tornando inócua a alegação do nosocômio.

Ademais, é verdade que, como dizem os apelados, "[...] mesmo tivesse sido aplicado o Dantrolene, não haveria absoluta certeza de que o quadro seria revertido. Porém, a paciente perdeu a chance de receber essa medicação, fato que não afasta o dever de reparar, apenas minorizando-o" (TJPR, 1999h).

Desta feita, houve a reforma da decisão monocrática para o fim de condenar o anestesiologista em montante superior ao estabelecimento hospitalar, levando-se em conta o grau de culpa do especialista para com o evento danoso.

Diametralmente oposto foi o posicionamento do relator originário, Eduardo Fagundes que, em voto isolado, sustentou pela manutenção da decisão monocrática.

Iniciou o seu arrazoado afastando qualquer responsabilidade do estabelecimento nosocomial. Para tanto, afirmou que a vítima, embora relativamente incapaz - possuía 18 (dezoito) anos-, detinha plenas condições de escolher o tipo de anestesia. De qualquer sorte, eventual descumprimento de questões burocráticas, tal como assinatura dos pais autorizando a realização da intervenção, foi completamente suprida pela presença do pai da vítima, que tudo acompanhou.

Fora isso, através de testigos ouvidos pelo Juízo a quo, constatou-se que a vítima fora claramente informada dos riscos que a cirurgia poderia trazer. Ademais, considerou-se inexistir culpa in omitendo do hospital em relação ao evento danoso, tendo em vista que os médicos (cirurgião e anestesiologista) não mantinham com ele qualquer vínculo empregatício, sendo que as suas obrigações eram apenas como hospedeiros.

Quanto à falta de medicamento (dantrolene), acrescentou que em hospitais do porte do apelado torna-se inviável manter fármacos tão custosos e de curta validade, mormente considerando a crise que assola esse ramo.

Destarte, afastada e responsabilidade do nosocômio, passou o condutor do voto vencido a perscrutar a culpa do anestesiologista. No que toca à simultaneidade do atendimento do especialista, argumentou que naquela localidade só existem dois anestesiologistas, de modo que enquanto o apelado estava no hospital, o outro estava atendendo a região.

No entanto, não foI eventual simultaneidade a causadora dos danos, mas sim "[...] a surpreendente incidência da hipertermia maligna [...]" que, em razão da urgência da cirurgia, não pode ser diagnosticada a tempo pelo anestesiologista.

Por derradeiro, conclui que o anestesiologista "[...] ministrou a medicação necessária que estava a seu alcance (ANCORON), sendo que na hora em que percebeu a incidência de hipertermia maligna fez uso da novalgina endovenosa [...]," procedimento este considerado pela testemunha e colega de profissão [90] como o mais escorreito para o caso.

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Sobre o autor
Diogo de Araujo Lima

Advogado, graduado pela Universidade Tuiuti do Paraná e Pós-Graduado em Direito Tributário pelo IBET - Instituto Brasileiro de Estudos Tributários.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Diogo Araujo. Responsabilidade civil do anestesiologista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2146, 17 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12912. Acesso em: 26 abr. 2024.

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