6 Decisões errôneas acerca da responsabilidade civil do Estado corrigidas pelo STF
Atualmente, já se pode observar alguns julgados, principalmente no Supremo Tribunal Federal, em que a responsabilidade objetiva do Estado é mitigada, com o objetivo de se impedir interpretações demasiadamente ampliativas.
Como exemplo, podemos citar o Recurso Extraordinário n° 220.999, no qual se corrigiu um desses casos de ampliação exacerbada. Relatando-se resumidamente, tratava-se a hipótese de uma empresa que pleiteava ressarcimento por cessação de lucros decorrentes da interrupção do escoamento de sua produção após a suspensão da prestação de serviço de transporte fluvial pela sociedade de economia mista federal FRANAVE. Espantosamente, a decisão de 1ª instância, confirmada pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 5a Região, entendia que a União tinha o dever de manter em funcionamento a sociedade, mesmo que não houvesse qualquer previsão legal a respeito, nem obrigação de continuidade dos serviços entre a FRANAVE e a autora da ação. A decisão fundou-se num misto de responsabilização da União pela edição de atos legislativos referentes à possibilidade de cessão dos bens da FRANAVE para os Estados e Municípios no processo de desestatização e responsabilização pela desativação da empresa, acusada como omissão da União. Em última análise, a empresa estava pleiteando o direito ao lucro garantido, a ser custeado pelo Estado. [25]
Por meio da atuação da Procuradoria da União do Estado de Pernambuco, o Supremo Tribunal Federal pôde sanar esse sério erro de interpretação da Lei, corrigindo grave e lastimável equívoco do TRF da 5a Região ao interpretar de forma precisa o nexo causal exigido para a apuração da responsabilidade.
Infelizmente, este não se trata de um caso isolado, havendo muitos outros exemplos como esse. As companhias aéreas, por exemplo, beneficiárias de extensos estímulos e subvenções em determinado período, pleiteiam ressarcimentos por parte da União, em razão de supostas defasagens nas tarifas aéreas decorrentes de planos econômicos passados. Também os empresários do setor sucro-alcooleiro já pretenderam ser ressarcidos pela União por supostos prejuízos ocorridos no período compreendido entre março/85 e outubro/89, decorrentes da política econômica adotada pelo Governo Federal para o setor.
Muitas decisões em sentido contrário ao bom entendimento da responsabilidade civil do Estado são tomadas, sendo que, na maior parte das vezes, não são percebidas em meio a tantas sentenças judiciais elaboradas.
Alguns juízes entendem que estão a criar uma jurisprudência libertária quando condenam a União – significa dizer, a pobre sociedade brasileira – a pagar vultosas indenizações a segmentos largamente privilegiados, seja com a política de subsídios do passado, seja com a generosa hermenêutica do presente. Por mais que se faça um pretenso juízo de eqüidade, constitui-se em abuso querer transformar o Poder Público em salvador de empresas com gestões comprometidas e concebidas dentro do peculiar conceito de capitalismo "à brasileira", no qual os lucros são apropriados e os prejuízos são socializados. [26]
É preciso que se reflita sobre a questão de que se determina atuação do Poder Público afetou toda a coletividade, não há por que se privilegiar algumas pessoas estabelecendo um nexo de causalidade entre a conduta pública geral com o eventual prejuízo. Tal situação caracterizaria uma proteção desigual do Estado para aqueles que irregularmente tentam se beneficiar.
Vale notar ainda que, muitas vezes devido à presença de conceitos vagos, abertos e indeterminados no próprio Código Civil brasileiro, são dadas as interpretações mais diversas acerca da aplicação da responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público ou privadas prestadoras de serviços públicos.
O que tem ocorrido nas decisões jurisprudenciais brasileiras acerca da responsabilidade civil da Administração Pública, lamentavelmente, é a usurpação de instrumentos normativos destinados à proteção da cidadania para proteger privilégios. A tarefa de todos, nesse contexto, é desenvolver uma percepção crítica, para permitir-se a identificação e a denúncia das tentativas ilegítimas de apropriações indevidas de recursos da sociedade brasileira. [27]
CONCLUSÃO
Quanto à responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, pode-se observar que há uma tendência ampliativa quanto à interpretação de sua aplicação. Pela análise das mais recentes decisões jurisprudenciais, percebe-se que o mais recomendável é a adoção de uma percepção crítica, julgando-se a necessidade de atribuição de indenização caso a caso.
A realização de tal análise crítica é necessária em decorrência do fato de que para que haja a caracterização do direito à indenização, segundo a doutrina da responsabilidade civil objetiva do Estado, é obrigatória a presença da efetividade do dano, do nexo causal e da oficialidade da atividade causal e lesiva imputável ao agente do Poder Público. O nexo de causalidade, requisito essencial, pode ser definido como uma relação de causa e efeito entre a conduta do agente e o dano que se pretende reparar. Não havendo o nexo causal, ainda que haja prejuízo sofrido pelo credor não cabe cogitação de indenização.
A interpretação a respeito da amplitude do nexo de causalidade entre a conduta e o dano para caracterização da responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público é uma questão bastante controvertida. Trata-se de um tema muito dinâmico, recebendo diversos sentidos e baseando-se principalmente em decisões jurisprudenciais.
Conclui-se que as interpretações quanto à aplicação ou não da responsabilidade objetiva do Estado não devem ser feitas de forma leviana ou extremamente ampliativa, pois se assim fosse, levaria ao enriquecimento ilícito e ao mau gasto do dinheiro público, devendo-se coibir as decisões jurisprudenciais que não analisam os elementos essenciais para a configuração da responsabilidade.
REFERÊNCIAS
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Notas
- GAGLIANO, Pablo Stolze; Filho, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil. V. 3. Responsabilidade civil. 2ª ed. rev. atual. e ampl.. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 208
- PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro, Forense, 2004. V. 1. 20ª ed. ver. atual.. p. 667
- Idem
- CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 13ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005. p. 421
- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Citado por DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 7º volume: responsabilidade civil. 21 ed. rev. e atual. de acordo com a Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2007.
- GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo, 11ª ed.. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 966.
- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 20ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 937
- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 20ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 939
- DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 7º volume: responsabilidade civil. 21 ed. rev. e atual. de acordo com a Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 613
- GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume IV: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 131
- GAGLIANO, Pablo Stolze; Filho, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil. V. 3. Responsabilidade civil. 2ª ed. rev. atual. e ampl.. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 210
- CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 237
- GAGLIANO, Pablo Stolze; Filho, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil. V. 3. Responsabilidade civil. 2ª ed. rev. atual. e ampl.. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 215
- VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, 3ª ed.. São Paulo: Atlas, 2001. p. 275
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- GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo, 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 984
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- Idem.