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A filiação sócio-afetiva como hipótese de inelegibilidade prevista no artigo 14, § 7º, CF/88

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Agenda 29/06/2009 às 00:00

8. A REPERCUSSÃO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA NO DIREITO ELEITORAL.

É notório que a afetividade afirmou-se como o paradigma do amor autêntico que orienta grande parte das questões no direito de família.

No entanto, questão da socioafetividade não se limita apenas ao direito de família, estando presente em outros ramos do direito.

A Constituição Federal determina em seu art. 14, § 7º, que "são inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição".

Em julgamento feito pelo TRE do Maranhão, foi levantada a inelegibilidade de uma candidata que era irmã de criação do atual prefeito de um município, em seu segundo mandato. Na instrução de tal recurso, restou provado que a candidata tinha a fama e o tratamento de filha de criação dos pais do prefeito.

Apesar das inúmeras provas que apontavam a candidata como sendo irmã de criação do prefeito em exercício de um segundo mandato, o Tribunal descaracterizou a inelegibilidade pleiteada.

Eis a ementa do acórdão nº 5.593, de 02/09/2004, proferido pelo Re. Juiz Carlos Madeira:

Eleições 2004. Recurso inominado. Adoção de fato. Inelegibilidade. Descaracterização. Recurso conhecido e desprovido. Adoção meramente de fato não rende ensejo à inelegibilidade de que trata o art. 14, § 7º, da CF. Recurso conhecido e desprovido.

Neste mesmo sentido, o Tribunal Superior Eleitoral já havia se manifestado no que tange à adoção de fato, rejeitando a ocorrência da inelegibilidade, em acórdão que teve a seguinte ementa:

REGISTRO DE CANDIDATURA. PARENTESCO. ADOÇÃO. A adoção meramente de fato não enseja a inelegibilidade prevista no art. 14, § 7°, da Constituição Federal. Recurso não conhecido.

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N° 13.068 - PIAUÍ (62 Zona - Santo Antônio de Lisboa), Relator: Ministro limar Galvão, ACÓRDÃO N° 13.068 (11.3.97)

Em razão da impossibilidade de se investigar a paternidade em sede de recurso eleitoral, o parentesco socioafetivo seria o meio mais hábil para se comprovar a filiação.

Como enfatiza a desembargadora Maria Berenice Dias 37, "em matéria de filiação, a verdade real é o fato de o filho gozar da posse de estado, a prova mais exuberante e convincente do vínculo parental".

Outro fator que poderá contribuir para a consolidação da inelegibilidade pautada na afetividade é a Súmula nº 7, do TSE, que preceitua que "é inelegível para o cargo de prefeito a irmã da concubina do atual titular do mandato", sendo posteriormente revogada pela Resolução nº 20.920/TSE.

Analogicamente, o mesmo argumento adotado pelo TSE ao elaborar tal Súmula, poderá ser empregado para o reconhecimento da inelegibilidade do irmão de criação.

Isto porque, em votações recentes 38, a Súmula nº 7 TSE praticamente repristinou a Súmula nº 7, após a vigência do novo Código Civil, que trouxe a previsão legal (art. 1.595) para sustentar a incidência que antes não havia, pois o código anterior não reconhecia a união estável. 39

Precedente maior para o reconhecimento da adoção de fato como causa de inelegibilidade foi aberto TSE, por meio do acordão nº 24.564 40, onde este tribunal reconheceu a existência de união estável numa relação homoafetiva, submetendo-os à regra da inelegibilidade do art. 14, § 7º, CF.


CONCLUSÃO

Durante muitos anos prevaleceu no Direito Brasileiro a distinção entre os filhos havidos no casamento ou fora dele.

No entanto, com o advento da Constituição Federal de 1988, extirpou-se do ordenamento jurídico brasileiro essa distinção, assegurando igualdade de direitos aos filhos havidos no casamento, fora dele, ou ainda por adoção.

Dessa forma, amparado pelo princípio da igualdade entre os filhos, o legislador permitiu que aqueles filhos oriundos de uma relação social e afetiva, por meio da adoção, se igualassem àqueles que possuíam um liame biológico com os pais.

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Entretanto, tal vedação à distinção entre os filhos não solucionou completamente o problema, visto que a intenção do legislador ao se referir à adoção, foi tratar apenas daquela filiação registral, obtida por meio do judiciário.

Regulou-se assim apenas aquelas situações já reconhecidas pelo direito, uma vez que a adoção é apenas uma espécie de família adotiva, deixando à margem da lei os casos de adoção "à brasileira" e do "filho de criação".

Não se pode desconsiderar os efeitos culturais da filiação socioafetiva, uma vez que são tão fortes, ou em certos casos até superiores, aos da filiação biológica.

E é justamente pelo fato do Direito ser intersubjetivo, que surge a necessidade do reconhecimento da filiação socioafetiva como forma de adoção, tornando essa tipo de filiação como uma das causas de inelegibilidade previstas pela Constituição Brasileira, assim como já vem ocorrendo com a união estável, e até mesmo a união homoafetiva, que são consideradas pelo Tribunal Superior Eleitoral como hipóteses para a inelegibilidade de um cidadão.

Diante do exposto, conclui-se que o reconhecimento das filiações socioafetivas necessitam ser inseridas no contexto do Direito Eleitoral para que se possa coibir qualquer forma de dominação política por parte de um mesmo grupo familiar, visto que buscam os mesmos interesses políticos.

Assim, tal medida contribuirá para que tais entidades familiares passem a ter um reconhecimento pleno frente ao Direito Brasileiro.


REFERÊNCIAS BILBLIOGRÁFICAS

ANDERLE, Elisabeth Nass. A posse de estado de filho e a busca pelo equilíbrio das verdades da filiação . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/3520/a-posse-de-estado-de-filho-e-a-busca-pelo-equilibrio-das-verdades-da-filiacao>. Acesso em: 15 set. 2008.

BARRAL, Welber Oliveira. Metodologia da Pesquisa Jurídica. 3.ed.rev.atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

BOEIRA, José Bernardo Ramos. Investigação de Paternidade: posse de estado de filho. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

CAHALI, Yussef Said. Constituição Federal, Código Civil, Código de Processo Civil. 7.ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2005.

COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito eleitoral. 7ª ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008.

DAHER, Marlusse Pestana. Adoção nuncupativa . Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 52, 2001. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/2371/adocao-nuncupativa>. Acesso em: 15 set. 2008.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias . 3. ed. rev. atual. e ampl. SãoPaulo:RT, 2006.

DINIZ, Maria Helena. Direito de família. 18.ed.São Paulo: Saraiva, 2002.

FACHIN, Luiz Édson. Elementos Críticos do Direito de Família. Rio de Janeiro: RENOVAR, 1999.

––––––– Estabelecimento da filiação e paternidade presumida. Porto Alegre: Fabris, 1992.

––––––– Da paternidade: relação biológica e afetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. . Entidades Familiares Constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Disponível em:<https://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=264>. Acessado em: 15 set. 2008.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Princípio jurídico da afetividade na filiação. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha(Coord.). A família na travessia do milênio. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

MORAES. Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

PEREIRA, Caio Mário da Silva, In: Instituições de Direito Civil, 16º ed. Rio de Janeiro, 2006, V.5.

RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil. Vol. 6. Direito de família. São Paulo: Saraiva, 2002.

WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva. São Paulo: RT, 2003.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito de família . 3.ed.São Paulo: Atlas, 2003.


Notas

  1. MORAES, Alexandre de. 2006, p. 207.

  2. BUENO, Pimenta. 1958, p. 128.

  3. Idem, 2006, p.207.

  4. Idem, 2006, p.207.

  5. Ibidem,2006, p.216

  6. Venosa, Sílvio de Salvo. 2003, p.264.

  7. Art. 5º, caput, CF: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

  8. Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

  9. VELOSO, Zeno. 1997, p.87.

  10. FACHIN, Luiz Edson. 1999, p. 15.

  11. Lôbo, Paulo Luiz Netto. 2003, p. 265.

  12. Rodrigues, Sílvio. 2002, p.318.

  13. Amin, Andréa Rodrigues [et. Al]. 2002

  14. LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades Familiares Constitucionalizadas, 2006.

  15. Art. 227, § 6º, CF: "Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação".

  16. Art. 227, § 5º, CF: "A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte dos estrangeiros".

  17. Art. 226, § 3º, CF: Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento. Art. 226, § 4º, CF: Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

  18. WELTER, Belmiro Pedro, 2007, p. 4-5

  19. BOEIRA, José Bernardo Ramos, 1999, p. 53

  20. MADALENO, Rolf. In: Revista Brasileira de direito de família,n23, p.22.

  21. Idem, 1999, p. 60.

  22. FACHIN, Luiz Edson. 1996, p. 65.

  23. Idem, 1996, p. 126.

  24. FACHIN, Luiz Edson. 1992, p. 156.

  25. FACHIN, Rosana. 2002, p. 118-119.

  26. Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, podendo "o juiz deixar de aplicar a pena".

  27. ROCHA, Maria Isabel de Matos. 2006 p. 15

  28. WELTER, Belmiro Pedro. 2007, p. 4-5

  29. CHAVES, Adalgisa Wiedemann. 2005 p. 151

  30. DIAS, Maria Berenice. 2006 p. 398.

  31. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana;

  32. Art. 227, § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

  33. WELTER, Belmiro. 2003, p. 161.

  34. SÚMULA 116: Ainda que não instituídas como beneficiárias, equipara-se a mãe de criação à mãe adotiva, bem como a filha de criação à filha adotiva, para feito de lhes ser assegurada a pensão militar prevista na Lei nº 3.765, de 04/05/60, desde que comprovadas nos autos essas qualificações e não haja herdeiros prioritários

  35. Idem, p. 160.

  36. DIAS, Maria Berenice. 2005, p.342.

  37. É inelegível o irmão ou irmã daquele ou daquela que mantêm união estável com o prefeito ou prefeita(Res. Nº 21.376, de 1.4.2003 – Rel. Min. Carlos Madeira).

  38. SOUSA, Lourival de Jesus Serejo Sousa. 2008, p. 2.

  39. Acórdão nº 24.564/TSE: Registro de candidato. Candidata ao cargo de prefeito. Relação estável homossexual com a prefeita reeleita do município. Inelegibilidade. Art. 14, § 7º, da Constituição Federal.

  40. Os sujeitos de uma relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de casamento, submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no art.14, § 7º, da Constituição Federal. Recurso a que se dá provimento.(Respe 24.564. Rel. Min. Gilmar Mendes)

Sobre o autor
Guilherme Ribeiro Teixeira

Bacharelando em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Guilherme Ribeiro. A filiação sócio-afetiva como hipótese de inelegibilidade prevista no artigo 14, § 7º, CF/88. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2189, 29 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13065. Acesso em: 18 nov. 2024.

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