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Trabalho na atividade pesqueira à luz do Direito do Trabalho

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Agenda 08/07/2009 às 00:00

4- ASPECTOS LEGAIS RELATIVOS À OPERAÇÃO DE EMBARCAÇÕES DE PESCA DE BANDEIRA ESTRANGEIRA E CONTRATAÇÃO DE TRABALHADORES BRASILEIROS.

Em decorrência da superexploração de seus recursos pesqueiros, países que tradicionalmente exploram a pesca oceânica viram-se na contingência de buscarem outras paragens. Então, perceberam que a captura de peixes de águas marítimas profundas na costa brasileira não estava sendo explorada, principalmente de atuns e impuseram por meio da Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico- ICCAT- cotas mínimas a serem atingidas, do contrário, perderíamos para eles a exclusividade nas áreas situadas na Zona Econômica Exclusiva (ZEE) [18]. Diante desse quadro, houve o governo brasileiro por incentivar o arrendamento de embarcações de pesca de bandeira estrangeira, haja vista não existir frota pesqueira no país detentora de tecnologia para explorar a pesca oceânica, tampouco mão-de-obra com o nível de especialização para esse tipo de pesca que se realiza em águas marítimas profundas e requer vultosos recursos financeiros. Inicialmente, para ocupar e explorar a ZEE foi editado o Decreto nº 2.840/98.

A operação de embarcações estrangeiras de pesca nas zonas brasileiras de pesca, alto mar e por meio de acordos internacionais passou a ser disciplinada pelo Decreto nº 4.810, de 19 de agosto de 2003, que revogou o Decreto nº 2.840/98. Tais embarcações estão, também, sujeitas ao controle e à fiscalização de vários órgãos federais, entre eles, a Diretoria de Portos e Costa da Marinha do Brasil; Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Departamento de Polícia Federal e Ministério do Trabalho e Emprego. As embarcações estrangeiras de pesca arrendadas às empresas brasileiras continuam a arvorar a bandeira do país de origem e não perdem sua condição de estrangeiras, mas, por força do decreto acima mencionado e da Lei nº 11.959/09 equiparam-se às embarcações brasileiras de pesca.

A embarcação de pesca de bandeira estrangeira que vier operar em águas jurisdicionais brasileiras (AJB) deverá ser prévia e formalmente autorizada pelo Ministério da Pesca e Aquicultura e pela Autoridade Marítima. Dessume-se que, assim como as que arvoram o pavilhão nacional, estão sujeitas ao ordenamento jurídico pátrio, notadamente, às Convenções Internacionais ratificadas pelo Brasil, à legislação nacional aplicável à embarcação brasileira e aos ditames da Consolidação das Leis do Trabalho. É de bom alvitre destacar que há defensores nas hostes empresariais de que os tripulantes dessas embarcações devem continuar a ter sua relação de emprego regida pelas normas do país da bandeira, contrariando o já pacificado entendimento da jurisprudência trabalhista consolidado por meio da Súmula do TST n° 207, verbis:

Súmula 207. Conflitos de leis trabalhistas no espaço – Princípio da lex loci executionis. A relação jurídica trabalhista é regida pelas leis vigentes no país da prestação de serviços e não por aquelas do local da contratação.

O estrangeiro tripulante de embarcação de pesca de bandeira estrangeira que vier operar em águas jurisdicionais brasileiras em virtude de contrato de arrendamento celebrado com pessoa jurídica sediada no Brasil [19] deverá atender as disposições da Resolução Normativa nº 81/08, do Conselho Nacional de Imigração [20], como pré-requisito para obtenção da autorização para o trabalho que, por sua vez, é pré-condição para obtenção do visto temporário previsto na Lei 6.815/80.

No resguardo dos interesses nacionais na defesa do trabalhador brasileiro, a empresa arrendatária deverá admitir, obrigatoriamente, tripulantes brasileiros para as embarcações arrendadas, na proporção de 2/3 da tripulação, na forma do artigo 352 da CLT. A autorização para o trabalho dos estrangeiros será pelo prazo máximo de até dois anos, na forma da resolução supracitada.

As embarcações estrangeiras que forem arrendadas por empresas armadoras de pesca ou cooperativas de pesca brasileiras com suspensão provisória de bandeira [21] no país de origem estão sujeitas ao disciplinamento contido na Lei nº 11.380, de 1º de dezembro de 2006, que instituiu o Registro Temporário Brasileiro (RTB) para embarcações de pesca, as quais devem ter, obrigatoriamente, 2/3 da tripulação composta por brasileiros, inclusive, o comandante e o chefe de máquinas.


5-IMPEDITIVOS PARA EFETIVAÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS DOS PESCADORES.

Falsos conceitos foram incutidos nos pescadores profissionais e até nos armadores de pesca, em decorrência, há fortes impedimentos de ordem sócio-cultural para efetivação de direitos sociais em benefício do próprio pescador. A ação do Estado por meio de seus órgãos competentes tem sido rechaçada por eles e por aqueles que estão a se locupletar desse quadro, mas quem está a perder é o pescador. A fotografia do cenário em que vivem é incontestável. A primazia da realidade fala mais alto.

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Exemplo de falso conceito incutido nos pescadores profissionais é que eles são artesanais e como tal gozam de proteção especial. Ora, como dito em linhas anteriores, o autêntico (no sentido de enquadramento legal) artesanal não é empregado de ninguém, já o pescador profissional e o pseudo (no sentido de não atender aos requisitos legais) artesanal serão sempre empregados, quando colocarem sua força de trabalho à disposição de terceiros mediante os requisitos contidos no artigo 3º da CLT. Dessa forma, serão segurados obrigatórios da Previdência Social com empregado, diversamente do autêntico artesanal que é segurado obrigatório como segurado especial (art. 11, I e VII, da Lei nº 8.213/91), portanto, sujeitos a tratamento diferenciado relativamente aos benefícios previdenciários, como a aposentadoria por idade, que foi garantida ao pescador artesanal independentemente de ter contribuído para a Previdência Social, de acordo com recente entendimento da Turma Nacional de Uniformização da Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais no processo nº 2006.85.00.504951-4. Outra falácia é que o pescador artesanal tem direito à aposentadoria especial, o que não é verdade, à luz da literalidade do artigo 64 do regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/99).

Outro grande entrave para efetivação de direitos sociais dos pescadores é o seguro desemprego [22], que se constitui em justa retribuição pecuniária dada aos autênticos pescadores artesanais que ficam impedidos legalmente de obterem seus sustentos no período de defeso, que é definido pelo IBAMA para reprodução de algumas espécies. Os pescadores chamam esse período de paradeiro. A quantidade de parcelas é determinada pelo tempo de suspensão da pesca, como o ocorrido com o defeso da lagosta iniciado em 01/12/08 e findado em 31/05/09, portanto, durante seis meses. Até aí tudo bem. No entanto, espertalhões que estão a explorar a mão-de-obra se utilizam do argumento de que o pescador está recebendo seguro desemprego como justificativa para não assinar suas carteiras de trabalho.

Nesse contexto, há os que verdadeiramente pescam a espécie proibida e fazem jus ao seguro-desemprego e há, também, até pseudopescadores que buscam artifícios para fraudarem a documentação para obter o seguro desemprego. Importante destacar que a Lei nº 10.779/03 ao dispor sobre a concessão do benefício de seguro desemprego ao pescador profissional que exerce a atividade pesqueira de forma artesanal, enumera no artigo 2º quais documentos são necessários ao recebimento do benefício e no artigo 4º traz as hipóteses de cancelamento do mesmo. Atendidas as exigências do artigo 2º da citada lei, resta ao servidor público ou quem recebeu delegação recepcionar tais documentos e ao se deparar com indícios de fraude, deverá comunicar tal fato a quem de direito, sob pena das sanções previstas no artigo 3º da mesma lei.

De fato, são poucos os pescadores que ficam sem exercer atividade remunerada durante o defeso. Muitos continuam a trabalhar na pesca ou em outra atividade. Quando são flagrados pela Fiscalização do Trabalho, seja a bordo ou em terra, se recusam a assinar a carteira de trabalho para não perderem o seguro-desemprego. Mais uma vez, é de se registrar que o benefício do seguro desemprego é concedido, exclusivamente, para o pescador profissional que exerça sua atividade de forma artesanal e que a espécie por ele capturada esteja proibida pelo IBAMA.

O recebimento do seguro desemprego impede o pescador artesanal de exercer atividade remunerada, desde que o faça dentro do período destinado ao defeso, é o que se depreende das hipóteses elencadas no artigo 4º da Lei nº 10.779/03. De outra forma, é possível o pescador trabalhar com carteira assinada e receber o seguro-desemprego, quando a atividade laboral estiver sendo realizada fora do período destinado ao defeso, pois o fato gerador da aquisição do benefício ocorreu em período anterior. 


6- CONDIÇÕES DE VIDA E DE TRABALHO A BORDO DE EMBARCAÇÕES DE PESCA.

Muito se tem falado em trabalho realizado em condições impostas aos trabalhadores que são degradantes e análogas às de escravo. São flagrantes constatados pela Fiscalização do Trabalho por meio de fotos e filmagens feitas nos mais remotos rincões. Assim como em terra, também há trabalho degradante e análogo ao de escravo no mar. E como há, principalmente na pesca, onde as condições de vida e de trabalho a bordo são precaríssimas, como o agravante do trabalho ser de alto risco [23] e da impossibilidade de documentá-lo em alto mar. A título de informação, em grande parte das embarcações de pesca do Norte e Nordeste brasileiro não há sequer banheiros a bordo para atender às necessidades fisiológicas e higiênicas da tripulação que, de acordo com seus portes, comportam de 4 a 8 homens que passam dias e dias ao singrar os mares em busca de pescado. Nelas, os pescadores dispõem de reduzido espaço que abriga simultaneamente cabine de comando, alojamento e cozinha. Sob tal espaço fica um motor diesel barulhento a emanar fumaça e a exalar odores. EPI (Equipamento de Proteção Individual) é coisa rara de se ver. Os beliches são dispostos de modo que o espaço entre eles serve de área de vivência, cabine de comando e cozinha, às vezes, são três camas de madeira em forma de beliche com colchões que são apenas esponjas fétidas. Como não há beliches para todos, alguém tem que dormir no chão. A água potável é racionada e acondicionada em tambores de plástico que ao passar dos dias fica com o gosto alterado e serve, também, para lavar partes do corpo para não serem corroídas pelo sal, já que o banho é feito com água salgada. A cozinha resume-se a pequeno espaço destinado a um fogão de duas bocas para preparar a comida, quando as condições do mar permitem. Diante desse quadro, por não conhecerem melhores condições de vida e de trabalho, os pescadores já se acostumaram. Sequer reclamam. As doenças proliferam.

Relativamente às embarcações de bandeira estrangeira e algumas nacionais que exploram a pesca oceânica, o contexto é completamente diferente. Oferecem boas condições de trabalho, têm cozinha, refeitório, alojamento e banheiros que atendem às necessidades da tripulação.

Por meio do Decreto nº 2.420, de 16 de dezembro de 1997, o Brasil adotou [24] a Convenção nº 126 da Organização Internacional do Trabalho sobre alojamento a bordo de embarcações de pesca marítima, desde que tenham mais de 75 AB ou 80 pés de comprimento. Tais parâmetros excluem grande parte das embarcações de pesca existentes no Brasil.

A Portaria SIT nº 36, de 29/01/08 aprovou o anexo I da Norma Regulamentadora nº 30 (NR 30) que estabelece condições mínimas de segurança e saúde no trabalho a bordo de embarcações de pesca comercial e industrial, desde que tenham 12 ou mais metros de comprimento ou 10 ou mais AB. São disposições de ordem pública e de cunho imperativo de mérito indiscutível que visam à segurança e à saúde do ser humano a bordo, mas, de pouca eficácia, pelo fato de que grande parte das atuais embarcações de pesca existentes no Brasil serem de madeira, cuja estrutura não comporta modificações para se enquadrarem minimamente a tal norma. Até naquelas que não dependem de modificações estruturais, mas somente da instalação de alguns equipamentos para atendimento da norma supracitada, há milhas e milhas a serem navegadas.


7-CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Em que pese todo o ordenamento legal que rege o setor pesqueiro no Brasil e das inúmeras instituições que têm competências na área, longo caminho há de ser percorrido para proteção das espécies, principalmente, a humana. Relativamente às relações de trabalho, mais precisamente naquelas em que a relação entre armador de pesca e pescador é claramente de emprego, a Administração Pública poderia agir sinergeticamente com o objetivo de fazer valer os direitos sociais constitucionalmente garantidos aos sacrificados pescadores. A título de sugestão, grande passo seria dado nesse sentido se no Decreto nº 4.969/04 que regulamenta a Lei nº 9.445/97, que instituiu a subvenção econômica ao preço do óleo diesel, houvesse dispositivo condicionando-a à comprovação atestada pela Fiscalização do Trabalho que os pescadores da embarcação beneficiária estivessem em pleno gozo de seus direitos trabalhistas, pelo simples fato de seu armador explorar uma atividade econômica com fins lucrativos e receber recursos públicos para isso [25]. A Diretoria de Portos e Costa da Marinha do Brasil, instituição responsável pelo disciplinamento do setor aquaviário brasileiro poderia, também, dar grande contribuição nesse sentido, exigindo por ocasião dos despachos das embarcações, a efetiva apresentação dos contratos de trabalho dos tripulantes constantes na lista de pessoal embarcado e, na ausência deles, não liberar a embarcação até que fosse vistoriada pela Fiscalização do Trabalho. O mesmo poderia ser feito como pré-condição para o permissionamento de embarcações pesqueiras que exploram a pesca comercial industrial.

Por fim, para bem exercer seu mister na garantia dos direitos trabalhistas dos sacrificados pescadores brasileiros, a Fiscalização do Trabalho teria que dispor de profissionais especializados em trabalho aquaviário e em número suficiente. Aí, é outra história.


8-FONTES CONSULTADAS.

CARVALHO, Francisco Edivar. Trabalho Portuário Avulso. Antes e depois da Lei de Modernização dos Portos. 1ª ed. São Paulo: Ltr, 2005.

CARVALHO, Francisco Edivar. Trabalhadores do mar. Só carteira de trabalho garante direitos de marítimos. Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 7 jul. 2008. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2008-jul-17/carteira_trabalho_garante_direitos_maritimos. Acesso em: 06 jul. 2009.

COSTA, Orlando Teixeira da. O Direito do Trabalho na Sociedade Moderna. São Paulo: LTr, 1999.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Ed. São Paulo. LTr, 2004.

LÔBO, Marcos Jatobá. Do contrato de parceria. Conceito, espécies e análise do art. 96 e incisos da Lei 4.504/66 – Estatuto da Terra. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2768>. Acesso em: 16 mai. 2009.

PRADO JUNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1979.

RODRIGUÊS, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 1993.

Endereços eletrônicos

www.lexml.gov.br

www.presidência.gov.br

www.opovo.com.br

www.tribunadonorte.com.br

Sobre o autor
Francisco Edivar Carvalho

Professor universitário, graduado e pós-graduado em Administração de Empresas. Especialista em Direito do Trabalho. Auditor Fiscal do Trabalho. Autor dos livros Empregado Doméstico (LTr 2001) e Trabalho Portuário Avulso (LTr 2005).<br>.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Francisco Edivar. Trabalho na atividade pesqueira à luz do Direito do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2198, 8 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13113. Acesso em: 22 nov. 2024.

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