3. A Emenda Regimental nº 21 do Regimento Interno do STF
Apesar do que já foi dito, cabem algumas considerações adicionais à Emenda Regimental nº 21 do STF que deverão ser complementadas pelas Emendas Regimentais nºs 22 (30.11.2007), 23 (11.03.2008), 24 (20.05.2008) e pela Portaria nº 177 (26.11.2007), visto que todo este conjunto regulamenta o processamento do Recurso Extraordinário no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
A Arguição de Relevância referida na EC nº 7, de 13 de abril de 1977, ao texto de 67-69, com a redação que deu ao art. 119, outorgou ao STF um poder discricionário bastante amplo, o que se esperava não acontecesse com a EC 45/2004, visto que, com a redação do art. 102, § 3º determina-se que "no recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei".
Esperava-se que a Lei 11.418, de acordo com a determinação constitucional, definisse, objetivamente, a expressão repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, o que não houve, limitando-se a dizer que (§ 1º) "para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa".
Ademais, nos termos do § 2º, "o recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral", sendo de observar-se que a única hipótese objetiva de definição objetiva da repercussão encontra-se no art. 543-A (§ 3º), exatamente, quando se afirma que "haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal".
Observe-se que, em sentido contrário, era o conteúdo da EC 7/77, em seu art. 119 (como já foi visto) que determinava: "as causas a que se refere o item III, alíneas a e d, deste artigo, serão indicadas pelo Supremo Tribunal Federal no regimento interno, que atenderá à sua natureza, espécie, valor pecuniário e relevância da questão federal" (§ 1º) e que "o regimento interno estabelecerá (§3º):
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"c) - o processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária ou recursal e da argüição de relevância da questão federal", enquanto que no art. 327 § 1º do RISTF lia-se que considerava-se relevante "a questão federal que, pelos seus reflexos na ordem jurídica e considerados os aspectos morais e econômicos, políticos e sociais da causa, exigir a apreciação do recurso extraordinário pelo Tribunal".
Permita o leitor repetir (com novos elementos, é verdade) o que já dissemos, mas que é essencial ao raciocínio que desenvolvemos.
Insista-se que "há um ponto que carece ser destacado, em relação ao Recurso Extraordinário e a Repercussão Geral na EC 45/2004, a saber: em princípio, tem-se a ‘presunção’ da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, visto que ao Tribunal compete examinar a admissão do recurso, "somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros" (CF, art. 102 §.3º)".
Vale aqui que relembremos o que foi dito por JOSÉ LEVI MELLO DO AMARAL JUNIOR [56] em texto já transcrito neste mesmo estudo: "o aspecto mais curioso da atual argüição de relevância é que ela foi concebida do avesso. Com efeito, trata-se de uma argüição de ‘irrelevância’. Em princípio, parece, presume-se a relevância. A irrelevância somente será reconhecida se neste sentido se manifestarem dois terços dos ministros (são necessários, no mínimo, oito votos para a configuração da irrelevância.
Vale destacar: ainda que tendo o recorrente o dever de ‘demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso’, o STF somente não conhecerá do recurso se acaso dois terços dos seus ministros julgar não haver relevância na matéria. Há, assim, uma presunção de relevância em favor do recorrente".
Embora este aspecto não descaracterize nosso posicionamento no sentido de que a inspiração para a Repercussão Geral (EC 45/06), em nível de Direito Nacional, tenha sido a Arguição de Relevância (EC 7/77), veja-se o que escreve DIOGO TELLES AKASHI (Comentários à Reforma do Poder Judiciário - Emenda Constitucional nº 45/2004. Rigorosamente atualizado pelas recentes alterações do Código de Processo Civil e Resoluções do Conselho Nacional de Justiça [57]): "Não há nenhuma novidade na introdução da exigência da repercussão geral nos recursos extraordinários, pois o ordenamento jurídico brasileiro já possuiu instituto semelhante na Constituição de 1967, a chamada argüição de relevância, introduzida pela Reforma do Poder Judiciário de 1977, mediante a aprovação da EC nº 7/77.
O § 1º do art. 327 do Regimento Interno do STF, na época, definia questão federal relevante como aquela que, pelos reflexos na ordem jurídica, e considerados os aspectos morais, econômicos, políticos ou sociais da causa, exigiria a apreciação do recurso extraordinário pelo Tribunal.
Atualmente, podemos identificar em nosso ordenamento outras hipóteses de argüição de relevância, como no recurso de revista e em uma das hipóteses de argüição de descumprimento de preceito fundamental.
Contudo, o instituto da repercussão geral – prossegue – remonta mesmo ao direito norte-americano, com o seu writ of certiori.
Embora possuam semelhantes finalidades, os institutos da argüição de relevância e da repercussão geral são substancialmente diferentes.
Com efeito, o requisito da repercussão geral assemelhasse mais a uma argüição de ‘irrelevância’. Isso porque, em princípio, presume-se a relevância. Já a irrelevância somente será reconhecida se neste sentido se manifestarem dois terços dos Ministros do STF [58]. Em outras palavras, a regra geral é a relevância constitucional da matéria, sendo a irrelevância a exceção, que deverá ser expressamente reconhecida.
Esta talvez seja a principal diferença entre a argüição de relevância da Carta de 1967 e a repercussão geral da Constituição de 1988.
No modelo anterior, o recurso extraordinário seria admitido apenas se quatro ou mais Ministros do STF se manifestassem pela existência da relevância. Já, pelo instituto da repercussão geral, estabelecida com o advento da EC nº 45/04, o recurso extraordinário será sempre admitido, exceto se dois terços ou mais dos Ministros (8) se manifestarem pela inexistência da relevância. Assim, na repercussão geral, basta a manifestação de quatro Ministros do STF para que a argüição não seja rejeitada, isto é, seja acolhida.
A argüição de relevância tinha objetivo de possibilitar o conhecimento do recurso extraordinário. A repercussão geral, entretanto, é instituto que possui o objetivo de justificar o não-conhecimento daquele recurso, caso não haja reflexão de sua decisão junto à sociedade.
Em conclusão, temos que, no modelo anterior, exigia-se o reconhecimento da relevância da matéria para que o STF admitisse o extraordinário; no atual, porém, exige-se o reconhecimento da irrelevância da matéria para que se vede a admissão de tal recurso" – conclui TELLES AKASHI [59].
4. Natureza Jurídica da Repercussão
Um ponto ainda merece ser tratado, ou seja, o da Natureza Jurídica da Repercussão Geral, sobre o qual é irretorquível a lição que nos BRUNO DANTAS [60], nos seguintes termos: "A natureza jurídica do instituto da repercussão geral, segundo nos parece, é de pressuposto específico de cabimento do recurso extraordinário, de modo que, embora dotado de peculiaridades, se insere no juízo de admissibilidade desse recurso", após o que desenvolve a explicação de seu posicionamento.
Cabe aqui uma interessante observação: acima, em lição de JOSÉ MANOEL DE ARRUDA ALVIM, citado por ATHOS GUSMÃO, falou-se em filtro de caráter político para caracterizar-se a prática do Recurso Extraordinário. Pois bem, BRUNO DANTAS se refere ao fato de que "denota-se claramente a vinculação direta entre a repercussão geral e o conteúdo da decisão recorrida" para, em seguida, concluir: "É na decisão recorrida, e somente nela, que se devem buscar as questões constitucionais que, levadas ao conhecimento do STF no bojo de um RE, serão hábeis a oferecer amplo impacto indireto no grupo social relevante" [61]
Nas duas expressões encontra-se presente de uma lição, qual seja a de que a aceitação do Recurso Extraordinário tem uma forte marca política, dada a flexibilidade do conceito de Repercussão Geral. Este comportamento, entretanto, é uma tendência contemporânea que marca nesta espécie extraordinária de recurso, o fim dos interesses pessoais e subjetivos para que sejam valorizadas aquelas situações em que a decisão tem seus efeitos espalhados pela sociedade como um todo.
É, até certo ponto, a face sociológica do instituto, muito embora seja de enorme importância a lição que nos é dada por CALMON DE PASSOS: "na verdade, perquirir-se da relevância da questão para admitir-se o recurso é conseqüência da irrelevância do indivíduo aos olhos do poder instituído. Considerar-se de pouca valia a lesão que se haja ilegitimamente infligido à honra, à vida, à liberdade ou o patrimônio de alguém, ou a outros bens que lhe sejam necessários ou essenciais é desqualificar-se a pessoa humana.
Não há injustiça irrelevante! Salvo quando o sentimento de Justiça deixou de ser exigência fundamental na sociedade política. E quando isso ocorre, foi o Direito mesmo que deixou de ser importante para os homens. Ou quando nada para alguns homens – os poderosos" [62] - conclui o processualista.
5. A Repercussão Geral e o Processo Penal
O tema que pretendemos abordar neste item motivou dúvidas no sentido de saber-se se o conteúdo do art. 102 § 3º da Constituição Federal seria aplicado ao Recurso Extraordinário Processual Penal.
Discutindo a questão, CÉSAR ANTÔNIO DA SILVA, Doutrina dos Recursos Criminais [63] escreve que "a nosso sentir, a repercussão geral das questões constitucionais discutidas, cuja arguição é exigida no § 3º do art. 102, para a interposição de recurso extraordinário no crime, ainda depende de regulamentação específica, tendo em vista que esse dispositivo deixar claro que "o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei". E não se trata de norma constitucional autoaplicável; ao contrário, é a própria norma constitucional que torna clara a necessidade de regulamentação.
Quer nos parecer que a regulamentação levada a efeito pela Lei 11.418/06, não alcança o recurso extraordinário no crime. Todavia, quando surgir a necessidade real de ser interposto o recurso extraordinário, recomenda-se, mesmo assim, ad cautelam, que a demonstre o recorrente, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do STF, a existência de repercussão geral, isto é, a existência de questões relevantes "do ponto de vista econômico, político ou jurídico, que ultrapasse o interesse subjetivo da causa", nos termos do § 1º do art. 543-A do CPC, por aplicação analógica, de conformidade com o disposto no art. 3º do CPP. E sempre haverá repercussão geral, quando o recurso impugnar decisão que tenha contrariado súmula ou jurisprudência dominante do tribunal.
Assim, satisfeito também esse requisito, o recorrente não viabiliza motivo para que o recurso interposto não seja conhecido".
ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO e ANTÔNIO SCARANCE FERNANDES no livro Recursos no Processo Penal [64] após tecerem considerações sobre a significação da repercussão geral na EC 45 e na Lei 11.418, de 19.12.2006, ensinam que "embora a Lei 11.418/2006 tenha introduzido alterações apenas no CPC, o Supremo Tribunal Federal assentou, no julgamento da Questão de Ordem nº AI 664.567, que a regulamentação do dispositivo constitucional introduzido pela Emenda n. 45 tem plena aplicação ao recurso extraordinário criminal, pois a repercussão geral passou a integrar a disciplina constitucional de todos os recursos extraordinários. Nessa ocasião, a Suprema Corte consignou, ainda, que não falar em imanente repercussão geral de todo recurso extraordinário criminal, porque em jogo, em regra, a liberdade de locomoção. Primeiro, porque o RE, mais do que a justa solução do caso concreto, busca preservar a autoridade e a uniformidade de inteligência da Constituição, o que se reforça com a necessidade de repercussão geral das questões constitucionais nele versadas, assim entendidas aquelas que ‘ultrapassem os interesses subjetivos da causa’. Além do mais, para obviar a ameaça ou lesão à liberdade de locomoção, há sempre a garantia do habeas corpus (DJU de 26.06.2007, Inf. 472 e 473)".
Em outra passagem, ao tratar da regularidade formal da interposição: a) requisitos gerais da petição escrevem que "por sua vez, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal preceitua que o recurso extraordinário deve ser interposto com indicação do dispositivo que o autorize, dentre os casos previstos nos arts. 102-III, a, b, c, e 121, § 3º, da CF, sendo também da jurisprudência da Suprema Corte que não tem aplicação, nessa matéria, a máxima jura novit cúria [65], pelo que não cabe ao presidente do tribunal a quo, nem ao STF, suprir eventuais omissões do recorrente (RTJ 112/1.409-1.413)" [66].
E prosseguem: "Também o STJ tem acentuado a necessidade de motivação do recurso especial, com expressa indicação do texto legal porventura ofendido, referindo-se expressamente à aplicabilidade da Súmula 284 (REsp. 4.485-MG, DJU 15.10.1990, p. 11.190; REsp. 7.821-SP, DJU 09.02.1992, p. 2.583); além disso, é preciso demonstrar em que e como ocorreu a negativa de vigência do dispositivo legal (REsp. 21.755-0-TO, DJU 21.09.1992, p. 15.700); ‘o recurso especial, quanto ao permissivo da alínea a, deve apresentar a indicação do texto infraconstitucional violado e demonstração da suposta violação, sob pena de esbarrar no óbice do enunciado n. 284 da Súmula do STF’ (STJ, REsp. 891-765-GO, rel. Min. Félix Fischer, j. 03.09.2007)" [67].