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Momento processual propício para determinar a inversão "ope judicis" do ônus da prova.

Análise à luz da Constituição Federal de 1988

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Agenda 22/07/2009 às 00:00

O que deve fazer o magistrado: inverter o ônus de provar na fase instrutória ou durante a prolação da sentença? A incerteza quanto ao momento apropriado pode causar prejuízos aos jurisdicionados, em especial aos fornecedores.

Sumário: 1. Notas introdutórias. 2. A prova e o ônus da prova; 2.1. Inversão do ônus da prova; 2.1.1 Relação de consumo e inversão do ônus da prova; 2.1.2 Inversão do ônus da prova "ope judicis"; 2.1.3 A inversão do ônus da prova e o profissional liberal. 3 teorias sobre o momento propício para determinar a inversão; 3.1 Na sentença; 3.2 Na fase instrutória. 4 Princípios processuais relacionados à prova; 4.1 Princípios processuais como direitos fundamentais; 4.2 devido processo legal; 4.3 Princípio do contraditório; 4.4 Ampla defesa; 4.5 Acesso à justiça; 4.6 Princípio da adaptabilidade do procedimento; 4.7 Princípio da cooperação; 4.8 Princípio da eventualidade; 4.9 Princípio da motivação das decisões; 4.10 Princípio da imparcialidade do juiz. 5 Implicações da inversão do ônus da prova na sentença; 5.1 Violação a garantias constitucionais do fornecedor; 5.2 Ocorrência nos Juizados Especiais Cíveis. 6 Conclusão.


1. Notas introdutórias

A regra geral do sistema de distribuição da prova está estabelecida no CPC, mas o CDC aponta algumas exceções. Nele, o legislador estabeleceu previamente algumas circunstâncias em que é dever do fornecedor produzir a prova, e também previu ocasiões em que o julgador, observando a presença dos pressupostos necessários, deve inverter o ônus em desfavor do fornecedor, com o propósito de equilibrar a situação em razão da desigualdade entre as partes.

Quando a lei estabelece diretamente a inversão, trata-se da modalidade "ope legis". Já a inversão do ônus de provar determinada pelo julgador se opera "ope judicis", e deve ser conferida exclusivamente em prol do consumidor. É tormentosa, porém, a discussão sobre o momento oportuno para decretação da inversão "ope judicis", havendo divergência doutrinária e jurisprudencial, mas sempre no campo da legislação infraconstitucional.

O ponto nevrálgico do tema é a discussão sobre o que fazer o magistrado: inverter o ônus de provar na fase instrutória ou durante a prolação da sentença, sendo que a incerteza quanto ao momento apropriado pode causar prejuízos aos jurisdicionados, em especial aos fornecedores.

Para desanuviar o assunto, propõe-se a presente discussão sob a ótica da CRFB/1988, observando os princípios processuais constitucionais, e não esquecendo os infraconstitucionais, que incidem sobre o tema. Incluam-se as circunstâncias que envolvem a alteração do sistema de distribuição de provas conferida ao magistrado no rito dos Juizados Especiais Cíveis.

Antes, porém, convém estabelecer a importância da atividade probatória, já que somente a partir da análise das provas produzidas o julgador poderá chegar o mais próximo de uma solução ideal para a demanda e concluir seu dever, respeitando a lógica constante nos autos e considerando o modelo determinado pela lei para a apreciação dessas provas.


2. A prova e o ônus da prova

Apesar dos inúmeros aspectos a serem explorados sobre a prova, para o presente estudo interessa a visão estabelecida no artigo 332 do CPC, e que se traduz no elemento levado em juízo para auxiliar a formação do livre convencimento do juiz: "Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa".

Uma vez ocorridos os fatos em determinado tempo e espaço, é impossível reproduzi-los da forma que realmente aconteceram. Sua "reconstituição" será feita pelo homem, que os enxergará conforme sua perspectiva, sua vivência, seus valores e seus humores; e, considerada a impossibilidade latente de alcançar a verdade real em razão dos fatores externos apontados, correto é dizer que o que se busca é a "verdade possível".

Através do processo e da sua intrínseca necessidade de produzir provas que comprovem os fatos alegados, as partes devem fornecer ao magistrado o máximo de subsídios, que irão contribuir para a prestação da tutela jurisdicional mais justa possível. Fux1 lembra que:

"Para o processo, o que importa é a verdade que migra para os autos, ou seja, a verdade do judiciário, aquela que importa para a decisão e que timbra de imutabilidade a definição que advém da cognição. A conclusão a que chega o juízo não tem esse compromisso com a verdade, senão com a justiça, a estabilidade e a segurança sociais, e é alcançada mediante a colaboração das partes". (Grifos do autor)

Então, a partir da necessidade de apontar a quem caberia o ônus de produzir a prova, o legislador estabeleceu uma regra geral: cabe ao requerente provar o fato constitutivo de seu direito, enquanto ao requerido compete provar a existência de fato que impeça, modifique ou extinga o direito do requerente. É o que depreende do artigo 333, "caput" e incisos, do CPC.

Essas regras de distribuição em abstrato revelam o chamado ônus subjetivo ou formal, e num ambiente de incerteza causada pela ausência de subsídios que auxiliem o julgador a formar seu convencimento, permitem identificar qual parte não esclareceu fatos relevantes. Cintra, Grinover e Dinamarco2 assim trataram a distribuição subjetiva do ônus da prova:

"O fundamento da repartição do ônus da prova entre as partes é, além de uma razão de oportunidade e de experiência, a ideia de equidade resultante da consideração de que, litigando as partes e devendo conceder-se-lhes a palavra igualmente para o ataque e a defesa, é justo não impor só a uma o ônus da prova (do autor não se pode exigir senão a prova dos fatos que criam especificamente o direito por ele invocado; do réu, as provas dos pressupostos da exceção). O ônus da prova consiste na necessidade de provar, em que se encontra cada uma das partes, para possivelmente vencer a causa".

"Ônus" significa um encargo atribuído a quem deve agir de determinada maneira para, atendendo a interesse próprio, evitar sofrer prejuízos. Não existe qualquer contraprestação se o interessado o descumpre, ao contrário do que ocorre na obrigação, quando a pessoa deve agir de forma a atender o interesse alheio. Porém, apesar da não obrigatoriedade, se a parte não se livrar desse encargo poderá experimentar prejuízos, conforme lembra Dinamarco3:

"[...] para o juiz ‘fato não provado é fato inexistente’ (‘regra de julgamento’) e, uma vez finda a instrução, as afirmações, omissões e negativas referentes aos fatos de relevância para o julgamento serão interpretadas e confrontadas à luz do resultado da experiência probatória. O ‘direito à prova’ é de primeira importância para a efetividade da garantia constitucional da ação e da defesa e, correlativamente, o seu não-exercício, nos casos de maior disponibilidade e na medida da disponibilidade do direito substancial em cada caso, conduz a conseqüências mais graves quanto ao resultado substancial do processo".

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Ao determinar a distribuição apriorística do ônus da prova, desconsiderando o caso concreto e incumbindo às partes a produção de provas que confirmem suas alegações, o CPC adotou a teoria estática com vistas a observar o seu artigo 126, que veda ao julgador manifestar o "non liquet" para não prestar a tutela jurisdicional.

2.1. Inversão do ônus da prova

As regras de ônus da prova não se prestam a distribuir tarefas processuais; são regras de julgamento que devem ser aplicadas subsidiariamente e que indicam ao julgador quem arcará com o prejuízo se determinado fato que mereça ser examinado não for demonstrado nos autos. Todavia, a teoria estática não se demonstra satisfatória, pois não atende plenamente às expectativas de uma prestação jurisdicional justa.

Com isso, "vem ganhando força [a] teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova"4, regra de distribuição objetiva (ônus objetivo ou material) que determina qual parte irá suportar o ônus da prova a partir do caso concreto5; e orienta o julgador, apontando qual parte possui melhores condições de produzir a prova e quem irá sofrer prejuízos se surgirem incertezas pela falta de demonstração dos fatos alegados, evidenciando o princípio constitucional da igualdade. Consoante detalha Godinho (apud DALL’AGNOL JUNIOR)6:

"Pela teoria da distribuição dinâmica do ônus probatórios, portanto, a) inaceitável o estabelecimento prévio e abstrato do encargo; b) ignorável é a posição da parte no processo; c) e desconsiderável se exibe a distinção já tradicional entre fatos constitutivos, extintivos etc. Releva, isto sim, a) o caso em sua concretude e b) a "natureza" do fato a provar – imputando-se o encargo àquela das partes que, pelas circunstâncias reais, se encontra em melhor condição de fazê-lo".

Enquanto para a teoria estática do ônus da prova a não confirmação das alegações nos autos é considerada, no momento do julgamento, em desfavor de quem caberia prová-las (regra de julgamento), a regra que determina a inversão do ônus da prova é regra de procedimento7:

"Aplicação prática deste princípio [constitucional da isonomia] é a inversão do ônus da prova nas relações de consumo. Pensamos que a regra de inversão é regra procedimental, que autoriza o desvio de rota; não se trata de regra de julgamento, como a que distribui o ônus da prova".

É fácil concluir que o legislador, ao estabelecer o sistema protetivo das relações de consumo, encontrou na inversão do ônus da prova um instrumento que garante a facilitação da defesa do consumidor em sede jurisdicional, mais precisamente no que tange à instrução do processo. Contudo, convém lembrar, esse mecanismo não se presta a assegurar de antemão a procedência da ação.

Por fim, se produzidas provas suficientes para a formação do juízo de valor do julgador, que se sente apto a fundamentar a decisão com o material constante nos autos, é despiciendo falar em inversão do ônus da prova, uma vez que não há dúvidas quanto aos fatos suscitados nos autos e inexiste hipossuficiência que não permita a produção de provas.

2.1.1 Relação de consumo e inversão do ônus da prova

Conforme depreende do artigo 6º, inciso VIII, do CDC8, são requisitos para a inversão do ônus da prova, e somente eles: a hipossuficiência do consumidor e a verossimilhança da alegação. Descabe ao julgador utilizar critério pessoal para analisar o caso concreto e decidir pela aplicação ou não do mecanismo, pois na presença de um desses requisitos, tem ele o poder-dever de decretar a inversão, até por se tratar de matéria de ordem pública.

Não se pode esquecer que o dispositivo também determina a verificação de tais requisitos à luz das regras ordinárias de experiência.

Quanto à hipossuficiência, apesar de certa resistência inicial, doutrina e jurisprudência convencionaram o entendimento de que pode ser econômica ou técnica. Não precisa estar exclusivamente atrelada à noção de pobreza, conforme destacou o STJ: "[...] a hipossuficiência a que faz remissão o inciso VIII do art. 6º do CDC não deve ser analisada apenas sob o prisma econômico e social, mas, sobretudo, quanto ao aspecto da produção de prova técnica"9.

Ocorre a hipossuficiência técnica quando o consumidor não reúne condições de produzir a prova constitutiva do seu direito, mas o fornecedor sim. Nunes10 defende que apenas a hipossuficiência técnica, e não a econômica, pode fundamentar a inversão do ônus da prova, já que sua decretação não deve estar atrelada à proteção do mais pobre, pois a produção de prova está relacionada ao direito processual, enquanto a condição econômica ao direito substancial.

Nesse sentido, o TJRJ não decretou a inversão do ônus da prova fundamentada apenas na hipossuficiência econômica do consumidor11:

"A inversão, prevista no estatuto do consumo, não diz respeito à hipossuficiência econômica, mas sim à probatória, porque casos há em que isso se afigura muito difícil para o consumidor, sendo mais fácil para o fornecedor sua produção. Ela não alcança o fato constitutivo do direito do autor, cujo ônus probatório continua sendo seu".

Para parte da doutrina12, a situação de hipossuficiência deve ser demonstrada a partir de um juízo de verossimilhança, razão pela qual a conjunção alternativa "ou" do artigo 6º, inciso VIII, do CDC deve ser interpretada como a conjunção aditiva "e", o que torna necessária a presença dos dois pressupostos para proceder à inversão.

Alegação verossimilhante é aquela que à primeira vista parece verdadeira, sendo passível de comprovação no futuro, e o julgador, num primeiro momento, se convence de que realmente poderá acontecer. A situação sugere que a verdade foi descrita em alto grau de probabilidade, mas não peremptoriamente confirmada, pois, se assim o fosse, seria discutida a certeza, e não a verossimilhança. Por ser "medida extrema, deve o juiz aguardar a peça de defesa para verificar o grau de verossimilhança na relação" e só após analisar os elementos trazidos com a resposta, se for o caso, inverter o ônus13.

Nesse diapasão, a inversão do ônus da prova em favor de consumidor não hipossuficiente e cuja alegação não é verossímil, além de ofender o CDC, é inconstitucional, pois viola o devido processo legal e a isonomia, e ainda desequilibra a relação "inter partes".

2.1.2 Inversão do ônus da prova "ope judicis"

A inversão do ônus da prova de que trata o artigo 6º, inciso VIII, do CDC se opera "ope judicis", ou seja, a "critério" do julgador, após analisar as circunstâncias do caso concreto e verificar a presença de um dos requisitos autorizativos. A decisão deve estar devidamente fundamentada, pois a regra de inversão do ônus da prova não é de aplicação compulsória, mas extraordinária, vedado o reconhecimento indiscriminado da hipossuficiência do consumidor ou da verossimilhança do que ele alegou, conforme o STJ já deixou consignado14:

"[...] a mera aplicação do CDC não autoriza automaticamente a inversão do ônus da prova, pois não se pode atribuir hipossuficiência indiscriminadamente [...] Essa proteção somente pode ser concedida em circunstâncias especiais (art. 6º, VIII, do CDC), ou seja, quando efetivamente demonstrada a hipossuficiência caso a caso e não presumidamente, só quando houver efetiva desigualdade. Precedentes citados: REsp 541.867-BA, DJ 16/5/2005; REsp 701.370-PR, DJ 5/9/2005; AgRg no Ag 801.547-RJ, DJ 16/4/2007, e REsp 684.613-SP, DJ 1º/7/2005".

Segundo Theodoro Júnior15, o julgador, depois de constatar preliminarmente se restou evidenciado ao menos um pressuposto, deve verificar se ele é compatível com os princípios informativos do CDC e se foram preservadas as garantias constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa.

Por fim, não se confunde a regra de inversão do ônus da prova "ope judicis" do artigo 6º, inciso VIII, do CDC, oriunda da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, com a regra de inversão "ope legis" estabelecida pelo legislador, que atribui "a priori" o ônus de provar ao fornecedor, homenageando o princípio da adequação16.

Essa modalidade de inversão "ope judicis" decorre do princípio da igualdade, na medida em que trata os desiguais de forma desigual, conforme sinaliza o dispositivo.

2.1.3 A inversão do ônus da prova e o profissional liberal

Ao estabelecer a responsabilidade objetiva pelo fato do serviço no artigo 14, § 3º, do CDC, o legislador atribuiu ao fornecedor o ônus de provar (inversão "ope legis"). Entretanto, embora no fato do serviço a inversão em regra se opere "ope legis", e em desfavor do fornecedor, com relação ao profissional liberal algumas peculiaridades serão observadas. Se o profissional liberal assume obrigação de resultado, como na cirurgia estética, será objetiva a responsabilidade, e, nesse caso, a inversão também irá se operar "ope legis".

Por outro lado, como as regras de inversão "ope legis" estabelecidas no CDC são regras de exceção, devem ser interpretadas restritivamente, razão pela qual o artigo 14, § 4º, isenta o profissional liberal que não assumiu obrigação com final esperado e certo. O entendimento majoritário é no sentido de que, nesses casos, a inversão do encargo se opera "ope judicis", devendo o julgador intervir para restabelecer a igualdade entre as partes, se necessário17.

A responsabilidade do profissional liberal que realiza "atividade meio" não é objetiva, mas subjetiva (artigo 14, § 4º, do CDC18), e como o dever de reparar está ligado à culpa, cabe-lhe a demonstração de que agiu com cuidado ao cumprir a obrigação assumida.

Contudo, mesmo que a inversão "ope legis" não incida sobre as obrigações de meio, se for necessário para estabelecer o equilíbrio da relação e se presentes os pressupostos, cabe ao julgador determinar, de ofício ou a pedido do consumidor, a inversão "ope judicis", aplicando o artigo 6º, inciso VIII, do CDC. É que, na verdade, não se pode permitir que a vedação à inversão do ônus da prova nessas relações de consumo específicas acarrete prejuízos ao consumidor, promovendo verdadeiro desequilíbrio entre as partes e afiançando injustiças.


3 Teorias sobre o momento propício para determinar a inversão

Duas teorias fixam o momento ideal para o magistrado decretar a inversão do ônus da prova em desfavor do fornecedor nas relações de consumo: na fase instrutória e na sentença.

Houve, em período pretérito, quem apontasse como momento ideal o despacho da inicial, mas, ao que parece, com o tempo seus defensores aderiram aos demais entendimentos, razão pela qual fica apenas o registro.

3.1 Na sentença

É forte o entendimento de que a inversão do ônus da prova é uma regra de julgamento, sendo o momento mais oportuno para decretá-la o da prolação da sentença, quando é possível vislumbrar quem deve sofrer as consequências por não haver influenciado de forma satisfatória no convencimento do julgador. Para alguns doutrinadores, embora não haja obrigação, o julgador poderá alertar na decisão saneadora que, se não for convencido, irá inverter o encargo.

Filomeno (apud MATOS)19 defende que, como as partes podem dar o rumo que melhor lhes aprouver à atividade probatória, quem não quiser se preparar estará sujeito aos riscos decorrentes de sua própria inércia. Esse sistema não determina quem irá produzir a prova, mas quem assume o risco de não produzi-la.

Assim, o fornecedor sabe de antemão a possibilidade de inversão do ônus de provar, porque desde o início conhece as "regras do jogo", e por esse motivo, se for do seu interesse, deve provar tudo o que estiver ao seu alcance para não ser prejudicado na sentença.

Como a inversão do ônus da prova é um mecanismo que promove a facilitação da defesa do consumidor, parte vulnerável na relação de consumo, deve ser decretada após a valoração da prova, e por isso a ocasião ideal é o de prolação da sentença, quando é possível analisar todo o conjunto probatório contido nos autos.

Para Nery Junior e Nery20, o artigo 6º, inciso VIII, do CDC não fixou um momento exato para se decretar a inversão do ônus da prova porque "não se trata de [regra de] procedimento", mas de regra de julgamento, e por isso cabe ao magistrado, ao exarar sua decisão, julgar contrariamente a quem tinha o dever de produzir a prova e não o fez.

O STJ, inclusive, já decidiu nesse sentido21: "conforme posicionamento dominante da doutrina e da jurisprudência, a inversão do ônus da prova, prevista no inc. VIII, do art. 6º do CDC é regra de julgamento".

3.2 Na fase instrutória

Essa linha de pensamento se revela a partir de uma concepção distinta acerca da natureza das regras que tratam do ônus de provar. A inversão do ônus da prova decorre da teoria da carga dinâmica da prova, e é uma "regra de procedimento" porque altera as regras comumente aplicadas no momento da prolação da sentença, previstas no artigo 333 do CPC (regra estática do ônus da prova).

O instituto da inversão do ônus da prova é regra de procedimento porque altera a regra de julgamento; e permite ao julgador, se presentes os pressupostos autorizativos da inversão, vislumbrar o que deve ser provado no momento de fixar os pontos controvertidos. Logo, deve ser obrigatoriamente anunciada no período entre a resposta e a decisão saneadora.

Não fosse assim, a decretação da inversão do ônus da prova no exato instante da prolação da sentença configuraria "[...] a peculiar situação de, simultaneamente, se atribuir um ônus ao réu, e negar-lhe a possibilidade de desincumbir-se do encargo que antes inexistia" (Didier Júnior, Braga e Oliveira, apud GIDI)22.

O Ministro Menezes Direito, ainda no STJ, nos "esclarecimentos" do recurso especial nº 442.854/SP assim admitiu: "a minha sensação é a de que a inversão do ônus da prova deve ser no momento em que começa a dilação probatória. Se não for assim, a parte não tem como saber a quem cabe provar a culpa"23. O próprio Ministro destacou, em outro julgado, que: "não tem nenhum sentido o juiz deixar para apreciar na sentença o pedido de inversão do ônus da prova. Como é curial, a decisão alterará todo o sistema de provas no curso do processo"24.

A parte sobre quem recairá o encargo de produzir a prova deve ser cientificada em tempo hábil, para que a instrução corra sem transtornos e facilite a decisão final, conforme depreende da ilustrativa lição de Theodoro Júnior25 a seguir colacionada:

"Quando, porém, a regra geral é uma e, a seu respeito, pode sobrevir inovação dependente de ato do juiz, torna-se evidente que tal regra inovadora somente poderá ser estabelecida em tempo útil à defesa do litigante destinatário do novo encargo de prova. Há quem admite que possa o juiz decretar a inversão do ônus da prova já no despacho da petição inicial, outros que a consideram realizável no momento de proferir a sentença. As duas posições nos parecem extremadas e injustificáveis. Antes da contestação, nem mesmo se sabe quais fatos serão controvertidos e terão, por isso, de se submeter à prova. Torna-se, então, prematuro o expediente do art. 6º, nº VIII, do CDC. No momento da sentença, a inversão seria medida tardia porque já encerrada a atividade instrutória. [...] a regra do CDC deve ser entendida à luz do sistema do CPC, onde a definição dos fatos controvertidos e da necessidade de prova deve ser feita pelo juiz no saneador (art. 331, § 2º)".

Sanseverino27, no mesmo sentido, entende que o julgador deve permitir que o fornecedor se desincumba do ônus probatório.

O TJRJ editou o Enunciado nº 91 de sua Súmula26, segundo o qual "a inversão do ônus da prova, prevista na legislação consumerista, não pode ser determinada na sentença". E o STJ, inclusive, já se manifestou em vários julgados no sentido de que a inversão deve ser decretada antes do término da instrução processual, de acordo com o excerto a seguir:

"A inversão do ônus da prova, prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, como exceção à regra do artigo 333 do Código de Processo Civil, sempre deve vir acompanhada de decisão devidamente fundamentada, e o momento apropriado para tal reconhecimento se dá antes do término da instrução processual, inadmitida a aplicação da regra só quando da sentença proferida"28.

Como se viu, a inversão do ônus da prova se torna mais eficaz se decretada pelo julgador ao exarar a decisão saneadora, nos termos do artigo 331, § 2º, do CPC29. Nesse momento as partes já se manifestaram nos autos e apresentaram suas alegações, exercendo o contraditório e a ampla defesa, o que permite ao julgador verificar a pertinência das alegações do consumidor, se verossímeis ou não, ou se o mesmo se encontra num quadro de hipossuficiência.

Assim, exercido o juízo de admissibilidade da prova, e observada a presença dos requisitos autorizativos, o magistrado deve obrigatoriamente determinar a inversão do ônus da prova, uma vez que a regra contida no artigo 6º, inciso VIII, do CDC confere ao magistrado um poder-dever. A decisão deve ser devidamente fundamentada, esclarecendo o porquê de decretar a inversão e destacando os requisitos presentes.

Noutro giro, o magistrado também poderá perceber se a prova que se inverterá o ônus de produzir é difícil ou impossível de ser produzida, evitando a "prova diabólica", vedada porque imputa ao demandante a derrota antes mesmo do julgamento, já que se lhe atribui um encargo do qual jamais irá se desincumbir.

Sobre o autor
Fernando César Borges Peixoto

Advogado, Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória-ES; e em Direito Público pela Faculdade de Direito de Vila Velha-ES.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEIXOTO, Fernando César Borges. Momento processual propício para determinar a inversão "ope judicis" do ônus da prova.: Análise à luz da Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2212, 22 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13202. Acesso em: 22 dez. 2024.

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