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Momento processual propício para determinar a inversão "ope judicis" do ônus da prova.

Análise à luz da Constituição Federal de 1988

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Agenda 22/07/2009 às 00:00

5 Implicações da inversão do ônus da prova na sentença

Se ao mesmo tempo em que inverte o ônus da prova na sentença, o julgador decide a demanda, o fornecedor será tolhido do direito de apresentar os elementos de convicção por meio dos quais poderá se desincumbir satisfatoriamente do encargo, o que altera diretamente o resultado final da demanda. Assim, bem se percebe que resta afastada qualquer possibilidade de reação, já que nessa fase a parte não pode mais se manifestar e produzir provas. Ademais, outros prejuízos serão imputados no âmbito das Cortes Superiores, onde é vedada a análise de matéria probatória.

Em decorrência disso, fatalmente restarão mitigados, entre outros, o contraditório, a ampla defesa, o acesso ao Judiciário e o direito a uma sentença justa, o que deve ser evitado.

5.1 Violação a garantias constitucionais do fornecedor

Conforme destacado no capítulo anterior, vários princípios constitucionais podem restar violados a partir de uma decisão que inverte o ônus da prova, se o momento ou a forma pela qual se dá sua decretação não forem propícios.

Embora a análise da prova, em si, seja matéria infraconstitucional, porque estabelecida no CC e no CPC, quando revelado o cerceamento de defesa, seu questionamento toma outros rumos. A questão se torna ainda mais grave porque as Cortes Superiores não se prestam à simples re-análise da prova, dada a natureza dos recursos extremos de sua alçada, que visam a controlar a higidez do direito objetivo. Tanto é assim que a matéria se encontra sumulada no STF, através do Enunciado nº 279, e no STJ, pelo Enunciado nº 7.

Vale ressalvar, desde que a solidariedade alcançou o "status" de objetivo fundamental (artigo 3º, inciso I, da CRFB/1988), atribuiu-se ao Poder Público, e também aos indivíduos e às empresas, o dever de agir em prol do bem comum. Nesse sentido, o Poder Público não pode permitir que a proteção conferida a determinada parcela da coletividade invada a esfera jurídica de outrem, pois ela não pode servir de anteparo para promover verdadeiro desrespeito aos direitos e às garantias fundamentais dos demais membros da sociedade.

Ainda que o CDC tenha sido concebido para proteger o consumidor, os operadores do direito em geral desconsideram que os fornecedores também gozam de proteção constitucional. Nesse sentido, Peixoto62 aponta alguns direitos e garantias fundamentais do fornecedor, e destaca a importância da iniciativa privada:

"[...] os fornecedores também gozam de proteção na CRFB/1988. Servem de exemplos a garantia da livre iniciativa e o livre exercício de qualquer atividade econômica lícita, previstos no artigo 170 "caput" e parágrafo único. Inclusive, há que se lembrar a importância da iniciativa privada para o nosso sistema econômico pelo pagamento de tributos, pela geração de empregos e de divisas etc. O próprio artigo 4º, inciso III, do CDC, ao tratar da Política Nacional de Relações de Consumo, determina que seus objetivos serão informados pelos seguintes princípios: i) harmonização dos interesses das partes; ii) compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico para promoção dos princípios informadores da ordem econômica; e iii) boa-fé e equilíbrio. Como se vê, prega-se a boa-fé, o equilíbrio e [principalmente] a compatibilização entre a proteção do consumidor e o desenvolvimento econômico, e não são desconsiderados direitos e garantias constitucionais dos fornecedores nas relações de consumo, pois a defesa desmesurada do consumidor evidencia ofensas à saúde desse setor. Logo, é necessário que se recorra à ponderação dos princípios, das regras, das garantias e dos direitos envolvidos, já que a norma infraconstitucional, ao reconhecer direitos de minorias, não pode afiançar que se cometam irregularidades [ou injustiças] contra os demais atores da sociedade".

Não se pode estigmatizar o fornecedor e, sem critério, obrigá-lo a arcar com o ônus de satisfazer às vontades e aos caprichos do consumidor porque é a "parte mais forte" da relação. Como sujeito de direitos e de garantias, deve ser comunicado em tempo hábil que irá produzir as provas que sabia de antemão serem de responsabilidade do consumidor. Caso contrário, não conseguirá reunir melhores condições para enfrentar o adversário com paridade de armas, e o direito de influenciar na decisão será tolhido, denotando claro cerceamento de defesa.

Há, por fim, clara ofensa ao princípio da moralidade (artigo 37, "caput", da CRFB/1988), de observância obrigatória pelos Poderes do Estado, pois se o mecanismo da inversão é utilizado sem que se confira ao fornecedor tempo hábil para cumprir o encargo, a decisão pode até estar envolta numa aparência de legalidade, mas jamais irá atender à moralidade.

5.2 Ocorrência nos Juizados Especiais Cíveis

O Enunciado 53 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais (FONAJE), que pretende disciplinar a questão da inversão do ônus da prova no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, possui a seguinte redação: "deverá constar da citação, a advertência em termos claros, da possibilidade da inversão do ônus da prova".

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Ocorre que o mecanismo não solucionou o problema que se propôs resolver, pois o artigo 6º, inciso VIII, do CDC torna despiciendo tal aviso, já que permite a inversão do ônus da prova nas relações de consumo ainda que não conste da citação. Basta ao julgador, a qualquer tempo, verificar a presença dos requisitos necessários – a hipossuficiência e a verossimilhança – para decretar a inversão.

De outro lado, se tal advertência não constar na citação, e posteriormente o julgador verificar a existência dos pressupostos, não poderá decretar a inversão?

Ainda que somente na audiência de instrução e julgamento se verifique ser caso de inversão do ônus da prova – o que é comum nos Juizados Especiais, porque muitas vezes é nesse momento que o julgador mantém o primeiro contato com os autos –, é possível tomar algumas medidas para evitar prejuízos às partes e eivar o processo com nulidades.

É importante lembrar, porém, que o artigo 5º da Lei nº 9.099/1995 (Lei de Juizados Especiais – LJE) confere ao magistrado, na direção do processo, "liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica", ampliando os poderes conferidos pelo artigo 130 do CPC.

Ademais, o artigo 33 da lei determina que "todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, ainda que não requeridas previamente". Aqui, o próprio dispositivo estabeleceu como fase limite para a inversão do ônus da prova a data da realização da AIJ, impedindo sua decretação após esse ato. Contudo, vale à pena, por ora, contornar o assunto.

Se o magistrado percebe a presença dos requisitos para inversão do "onus probandi" já na audiência de instrução e julgamento63 ou no momento de prolatar a sentença, não lhe resta alternativa senão converter o julgamento em diligência e determinar que o novo responsável pelo encargo (fornecedor) produza a prova. Aplica-se tal mecanismo em razão da proibição do "non liquet" e também para que seja observada a realização da justiça.

Com efeito, nada o impede de adaptar o procedimento para determinar a abertura do prazo e realizar a atividade probatória, pois não causa prejuízo ao processo. Posteriormente, porém, conforme alertou Mazzilli64 ao tratar do procedimento ordinário, deve ser aberto prazo para o consumidor se manifestar, a fim de que seja devidamente observado o contraditório65. Após, os autos voltam conclusos para a sentença.

O destinatário direto das provas é o julgador, e nos termos do artigo 5º da LJE compete-lhe aferir a importância de determinar, de ofício ou não, a produção das provas que entender necessárias para a instrução. Predomina o entendimento de que o dispositivo reconhece amplos poderes instrutórios ao julgador, independentemente da relação jurídica discutida na demanda, sendo possível exigir a produção de qualquer prova para fundamentar seu livre convencimento, conforme a lição de Didier Júnior, Braga e Oliveira66.

Com efeito, apesar do artigo 33 da LJE estabelecer que "todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, ainda que não requeridas previamente", não há que se aplicar esse dispositivo quando houver inversão do ônus da prova, porque a lei não tratou dessa situação excepcional. Aliás, ao comentar o dispositivo, Chimenti67 assinalou que:

"a regra não impede que o juiz, de ofício (art. 5º da lei especial) ou a requerimento das partes, determine a realização de inspeções, trabalhos técnicos ou mesmo a prática de atos em outras comarcas (§ 2º do artigo 13 da Lei n. 9.099/95), em especial a inquirição de testemunhas residentes em outra localidade. De qualquer forma, independentemente da ordem prevista no artigo 452 do CPC, toda e qualquer prova disponível no momento da audiência deve ser colhida, já que tais elementos poderão ser suficientes para o julgamento da causa".

Se a inversão do ônus da prova configura uma exceção aos princípios tradicionais do processo civil, os demais princípios devem se adequar a essa realidade. Basta observar o supracitado artigo 5º e também o artigo 6º da LJE, segundo o qual "o juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum".

Com relação à equidade, é pacífico o entendimento de que a mesma visa a uma prestação da tutela jurisdicional pautada na justiça, razão pela qual cabe ao julgador observá-la no exercício da jurisdição. Sendo assim, é mais justo e equânime se valer da maior gama de provas para dar sustentação ao seu convencimento, permitindo que o fornecedor apresente a defesa em juízo da forma mais elástica possível, do que inverter o ônus de provar na sentença e causar prejuízos, fulminando o exercício da ampla defesa.

Por fim, assunto contornado acima, se o legislador estabeleceu a AIJ como prazo limite para a produção da prova, consequentemente é vedada a decretação da inversão da prova em sede de sentença, porque de encontro com o dispositivo legal (artigo 33 da LJE). É naquele momento processual que obrigatoriamente o julgador deve se manifestar sobre o assunto.


6 Conclusão

A grande divergência então apresentada consiste na afirmação, de um lado, de que a inversão do ônus da prova é "regra de julgamento", que exige sua decretação no momento da prolação da sentença; e, de outro lado, que se trata de "regra de procedimento", que requer a alteração da regra de distribuição do ônus de provar ainda na atividade probatória, sob pena de serem maculadas várias garantias constitucionais. Esse último entendimento, defendido no corpo do presente trabalho, externa o pensamento da doutrina mais moderna.

Nosso sistema jurídico adotou como regra geral a teoria estática do ônus da prova, que distribui entre os litigantes, ao final do processo, a responsabilidade sobre os fatos não demonstrados nos autos. Trata-se de regra de julgamento que busca a evitar o "non liquet". Todavia, como resultado do dinamismo do Direito, a doutrina apresentou como contraponto a teoria da distribuição dinâmica da prova, que excepciona essa regra geral.

Essa teoria foi adotada pelo CDC em seu artigo 6º, inciso VIII, que prevê a inversão do ônus de produzir a prova a partir da manifestação do juiz ("ope judicis") quando verificada a presença dos requisitos necessários, valendo lembrar que em outros dispositivos do CDC, o próprio julgador estabeleceu previamente a inversão ("ope legis").

Enquanto o julgador não avalia se é caso de inversão, vigem as regras de distribuição da prova previstas no artigo 333 do CPC, cuja natureza é de regra de julgamento. Porém, por se tratar de exceção que altera a regra geral em razão das circunstâncias que envolvem o caso concreto, a inversão possui natureza de regra de processo.

O processo é formado a partir dos argumentos jurídicos das partes postos em juízo e da necessidade de reconstruir as situações fáticas. A atividade probatória busca levar ao julgador os elementos capazes de formar sua convicção e conduzi-lo para o acolhimento total, parcial, ou mesmo o desacolhimento, de algo que foi alegado. Logo, compete às partes, e também ao julgador, investigar os fatos em toda sua amplitude, respeitados os limites da cognição, para proporcionar o seu exaurimento e a melhor análise da causa, o que não necessariamente significa a busca da verdade real, mas a tentativa de subsidiar o livre convencimento motivado do magistrado para chegar à verdade possível.

No que toca à inversão do ônus da prova, uma regra de exceção, se o julgador não a decreta na fase instrutória, por questão de lógica, e pautado no sistema geral da carga da prova, o fornecedor não irá se preocupar em assumir o ônus do consumidor produzindo prova que é da responsabilidade desse último.

Por esse motivo, é evidentemente irrazoável inverter o ônus da prova em sede de sentença porque retira a oportunidade de esclarecimento dos pontos controvertidos segundo a ótica do fornecedor, cerceando o seu direito de influenciar na decisão final e impondo-lhe prejuízos. Se a lei não atribuiu ao fornecedor "a priori" o dever de produzir a prova, como fez nos artigos 12, § 3º; 14, § 3º; e 38 do CDC, não se pode cobrar do litigante o dever de antecipar o futuro e o pensamento do julgador. Tal expediente causa surpresa inaceitável.

A inversão do ônus da prova que se opera "ope judicis" não é um mecanismo que pode ser deflagrado de forma automática porque depende da constatação da presença de, ao menos, um dos requisitos autorizativos. Logo, carece da avaliação objetiva do caso concreto para observar a verossimilhança do alegado e/ou a presença de circunstâncias que determinem estar ou não envolvido um hipossuficiente, a partir da aplicação das regras de experiência. O julgador, em razão disso, deverá se manifestar nos autos e informar aos demandantes, previamente e com a devida fundamentação, o que observou, até para atender ao dever de cooperar, já que é uma das partes do processo.

O sistema garantista do CDC busca equilibrar a relação de consumo, e sua premissa básica é a vulnerabilidade do consumidor. Mas, não se pode confundir tal finalidade com o desrespeito a direitos constitucionais também conferidos ao fornecedor. Sendo também sujeito de direitos, nada mais justo do que, depois de acurada análise, decretar a inversão no período compreendido entre o oferecimento da resposta e a decisão que saneia o processo, já que o direito de acesso à justiça e a uma prestação jurisdicional adequada não pode ser frustrado por obstáculos irrazoáveis. Nesse mesmo diapasão, também seria concedido ao prejudicado o direito de tentar modificar a situação ainda no juízo "a quo" por meio de recurso.

Se o legislador introduziu a inversão do ônus da prova nas relações de consumo buscando o equilíbrio processual entre o consumidor-vulnerável e o fornecedor, a utilização desse mecanismo não pode ser transformado em instrumento que promova novo desequilíbrio, agora em desfavor do fornecedor, e com a chancela do Poder Público, porque não haveria justiça na prestação da tutela jurisdicional.

Com relação à LJE, por causa da concentração dos atos, se o julgador, após avaliar o caso concreto, verificar que é caso de inversão do ônus da prova, não importa a fase em que se encontra o processo, deve abrir prazo para a produção da prova e permitir o contraditório à outra parte, mesmo depois de realizada a AIJ, embora essa seja a fase limite.

Cabe ao julgador considerar de forma ponderada a relação entre os meios utilizados e o fim colimado para não permitir que excessivos rigorismos acabem frustrando o objetivo maior, que é prestar a jurisdição da forma mais justa e equânime possível.

Por fim, convém consignar que, embora a proteção ao consumidor seja uma garantia fundamental estatuída no artigo 5º, inciso XXXII, da CRFB/1988, o fornecedor também é sujeito de direitos e de garantias constitucionais, razão pela qual não pode ser impedido de exercê-los. Desta forma, o julgador, ao se deparar com uma relação de consumo, não pode simplesmente menosprezar garantias constitucionais conferidas aos fornecedores, que também são atores da coletividade, ao argumento de que em seu desfavor uma lei confere tratamento diferenciado a determinado segmento da sociedade, até porque se trata de um Estado democrático de Direito.

Por todo o exposto, então, o melhor momento para o julgador determinar a inversão do ônus da prova é o que compreende a atividade instrutória, mais especificamente na decisão saneadora do processo, porque ainda há prazo para: i) as partes exercerem o contraditório e a ampla defesa, exercendo o direito de interferir na formação do convencimento que irá embasar a decisão; ii) o julgador fundamentar sua decisão final sem que haja senões, sem abrir oportunidade para questionamentos acerca do bom andamento do processo; e, enfim, iii) que sejam preservados direitos e garantias de todos os demandantes.

Sobre o autor
Fernando César Borges Peixoto

Advogado, Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória-ES; e em Direito Público pela Faculdade de Direito de Vila Velha-ES.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEIXOTO, Fernando César Borges. Momento processual propício para determinar a inversão "ope judicis" do ônus da prova.: Análise à luz da Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2212, 22 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13202. Acesso em: 23 dez. 2024.

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