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Repouso semanal remunerado.

Periodicidade e incidência aos domingos

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Agenda 04/08/2009 às 00:00

5 A QUESTÃO DA INCIDÊNCIA DO REPOUSO SEMANAL REMUNERADO AOS DOMINGOS

Definido, conforme acima exposto, que o repouso semanal remunerado deve ser concedido de forma a que os empregados não trabalhem sete dias corridos, surge outro ponto que merece ser estudado: nas atividades autorizadas a manter empregados trabalhando aos domingos, quando é que esses empregados têm direito de coincidirem suas folgas com os domingos?

Inicialmente, será apresentado um resumo histórico das normas que tratam da matéria.

5.1 NORMAS LEGAIS QUE TRATAM DA INCIDÊNCIA DO REPOUSO SEMANAL AOS DOMINGOS

Primeiramente, a Constituição Federal de 1937, em seu artigo 137, estatuía:

Art 137 - A legislação do trabalho observará, além de outros, os seguintes preceitos:

...

d) o operário terá direito ao repouso semanal aos domingos e, nos limites das exigências técnicas da empresa, aos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local (grifo nosso);

Sob a égide desta Constituição, foi editado o Decreto 5.452, de 1º de maio de 1943, que aprovou a Consolidação das Leis do Trabalho. Nessa consolidação, apenas em relação ao trabalho da mulher, é que se dispõe sobre a incidência do repouso semanal aos domingos, nos casos em que o empregador é autorizado a manter empregados trabalhando nesse dia, conforme se depreende do artigo 386 da CLT, in verbis:

Art. 386 - Havendo trabalho aos domingos, será organizada uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical.

Observe-se que a Constituição Federal, vigente à época, era taxativa ao determinar a folga semanal coincidindo com o domingo. Todavia, a CLT previu a possibilidade de haver trabalho nesse mesmo dia da semana e, além disso, só regulamentou a necessidade de incidência da folga semanal, aos domingos, para as mulheres. Em relação aos homens, a CLT foi, e ainda é, omissa.

Já a Constituição Federal de 1946, em seu artigo 157, estatuía:

Art 157 - A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores:

VI - repouso semanal remunerado, preferentemente aos domingos e, no limite das exigências técnicas das empresas, nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local; (grifo nosso)

Essa Constituição já se referia ao repouso semanal remunerado como sendo preferencialmente aos domingos e não mais taxativamente como a anterior. Além disso, inovou em relação à Constituição anterior, ao estatuir a remuneração do repouso semanal. Até então, o empregado tinha direito ao repouso semanal, mas esse não era remunerado.

Em 1949, foi editada a Lei 605, regulamentando a concessão do direito ao repouso semanal remunerado, utilizando-se, igualmente à Constituição Federal, do termo "preferencialmente aos domingos" e, também, tratando da folga nos feriados. Assim como a CLT, a Lei 605 foi omissa em relação à questão da incidência do repouso semanal aos domingos.

Visando suprir a lacuna deixada pela CLT, o então Ministro do Trabalho e Previdência Social, por meio da Portaria nº 417, de 1966, disciplinou a incidência da folga semanal aos domingos. Em seu artigo 2º, abaixo transcrito, determinou que o empregado, no período máximo de sete semanas, tenha sua folga recaindo em um domingo.

Art. 2º Os Agentes da Fiscalização do Trabalho, no tocante ao repouso semanal, limitar-se-ão a exigir:

a) das empresas não autorizadas a funcionar aos domingos e feriados, o estrito cumprimento do artigo 67 caput da Consolidação das Leis do Trabalho;

b) das empresas legalmente autorizadas a funcionar, nesses dias, a organização de escala de revezamento ou folga, como estatuído no parágrafo único do mesmo artigo, a fim de que, pelo menos em um período máximo de sete semanas de trabalho, cada empregado usufrua pelo menos um domingo de folga.. .. (grifo nosso)

Na verdade, estranha-se o fato de a Portaria não ter feito menção apenas aos trabalhadores homens, já que havia, na CLT, em seu artigo 386, regulamentação da incidência da folga semanal da mulher aos domingos. Sendo assim, interprete-se que o disposto na portaria aplica-se somente aos homens.

Na Constituição de 1967, houve a supressão do termo "preferencialmente", dando-se a entender que os empregados, daí então, não tinham mais o direito constitucional de terem suas folgas semanais coincidindo preferencialmente com o domingo.

Art 158 - A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria, de sua condição social:

VII - repouso semanal remunerado e nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local;

No mesmo sentido, a Emenda Constitucional de 1969, em seu artigo 165, inciso VII:

Art. 165, VII - repouso semanal remunerado e nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local;

Apesar disso, continuou a vigorar a Lei 605/49, que trazia o termo "preferencialmente".

A Constituição Cidadã, de 1988, restituiu o termo "preferencialmente" em relação ao repouso semanal remunerado, in verbis:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

...

XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; (grifo nosso)

A Lei 10.101, de 2000, autoriza o funcionamento do comércio em geral aos domingos e estabelece o período máximo em que os empregados dessa atividade podem trabalhar sem terem suas folgas recaindo aos domingos:

Art. 6º Fica autorizado o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição. (Redação dada pela Lei nº 11.603, de 2007).

Parágrafo único. O repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva. (Redação dada pela Lei nº 11.603, de 2007) (grifo nosso)

5.2 A EXPRESSÃO "PREFERENCIALMENTE" E SEUS EFEITOS

A primeira questão que vem à tona é: que sentido representa o termo "preferencialmente", utilizado atualmente pela Constituição Federal?

O ilustre professor Mauricio Godinho Delgado leciona que:

A coincidência, contudo, é preferencial, e não absoluta. Há empresas autorizadas a funcionar em domingos (desrespeitando, pois, licitamente, essa coincidência preferencial). Tais empresas deverão, porém, organizar uma escala de revezamento entre seus empregados, de modo a permitir a incidência periódica em domingos de 1 d.s.r. Nessa escala, tem-se admitido que a cada 7 semanas laboradas o empregado folgue, pelo menos, em 1 domingo (critério especificado pelo art. 2º da Portaria n. 417/66, do Ministério do Trabalho [09](grifo nosso).

Como se observa dos ensinamentos do ilustre professor, mesmo aquelas empresas autorizadas a funcionar e manter empregados trabalhando aos domingos, não podem manter seus empregados trabalhando com folgas sem que nunca coincidam com domingos. Elas estão obrigadas a organizar escala de revezamento de forma que seus empregados, em uma certa periodicidade, tenham suas folgas recaindo em domingos.

Para Georgenor de Sousa [10]:

A Constituição não faz absoluta a opção pelo repouso aos domingos, que só impôs preferentemente; a relatividade daí decorrente não pode, contudo, esvaziar a norma constitucional de preferência, em relação à qual as exceções – sujeitas à razoabilidade e objetividade dos seus critérios – não pode converter-se em regra, a arbítrio unicamente do empregador.

Outro sentido que pode ser dado ao termo "preferencialmente" é que, em respeito ao princípio constitucional da máxima efetividade das normas constitucionais, as normas infraconstitucionais devem ser interpretadas de forma que se possa assegurar o máximo de efetividade das normas insculpidas na Carta Constitucional. Sendo assim, ao se interpretarem as normas infraconstitucionais que regulam a incidência do repouso semanal aos domingos, deve-se dar preferência àquelas que privilegiam o repouso nesse dia da semana. Portanto, os empregadores, mesmo aqueles autorizados a manter empregados trabalhando aos domingos, devem priorizar a folga desses empregados recaindo nesses dias da semana.

Neste sentido, o mandamento contido na Portaria 417 de 1966 de que a folga deve recair no domingo, no período máximo de sete semanas, deve ser entendido como revogado pelo disposto na Lei 10.101, de 2000, que estatui que a folga semanal deve recair nesse mesmo dia, no período máximo de três semanas. Ademais, o entendimento de que é possível que o empregado só venha a ter sua folga coincidindo com o domingo, a cada sete semanas não se coaduna com o mandamento constitucional que estatui a folga preferencialmente com o domingo. Por essa razão, defendemos que apesar de o disposto na citada lei ser restrita apenas aos empregados do ramo do comércio, deve ser aplicado por analogia aos empregados dos demais ramos de atividade.

Nesse mesmo sentido, Alice Monteiro de Barros [11] assevera que a folga semanal deve recair em domingos uma vez por mês, in verbis:

As empresas legalmente autorizadas a funcionar aos domingos são obrigadas a organizar escalas de revezamento, a fim de que cada empregado usufrua de pelo menos um domingo de folga no mês, sendo os restantes em outros dias da semana A escala de revezamento será efetuada por meio de livre escolha do empregador (art. 6º do Decreto n. 27.048, de agosto de 1949, e alínea "b" do art. 2º da Portaria n. 417, de 10 de junho de 1966).

Saliente-se que Alice Monteiro defende a incidência da folga aos domingos uma vez por mês (essa imposição legal, atualmente, encontra-se derrogada, após a edição da Lei 11.603, de 2007, que alterou a Lei 10.101. Essa lei, hoje, determina que a folga semanal deve recair em domingo a cada três semanas). Ora, Alice Monteiro, ao defender a incidência da folga aos domingos uma vez por mês, indiretamente, mesmo sem dizer de forma clara, aplica a Lei 10.101 aos empregados de todos os ramos de atividade, e não só em relação aos do comércio, como prevê essa Lei.

Todavia, não se verifica outros doutrinadores levantarem dúvida quanto à legalidade e/ou constitucionalidade da Portaria 417, de 1966. Vê-se, aliás, autores citando o disposto na Portaria 417, sem fazer qualquer ataque ao seu conteúdo ou a sua constitucionalidade ou legalidade, como é o caso da opinião de Maurício Godinho, transcrita no início deste subitem, e de Arnaldo Sussekind [12], in verbis:

A escala de revezamento do repouso semanal deve observar, em quase todas as atividades econômicas, o disposto na Portaria n. 417, de 1966, do Ministro do Trabalho, alterada pela de n. 509, de 1967: as empresas autorizadas a manter atividades contínuas, abrangendo, portanto, os domingos, deverão organizar escala de revezamento assegurando que, em um período máximo de sete semanas de trabalho, cada empregado usufrua pelo menos um domingo de folga.

Em resumo, essas seriam as duas possibilidades de interpretação quanto à incidência da folga semanal aos domingos:

a) os empregados, exceto os do ramo do comércio, têm direito de coincidir sua folga semanal com o domingo no período máximo de sete semanas, enquanto que os do ramo do comércio em geral têm o direito de que essa incidência ocorra no período máximo de três semanas;

b) os empregados de todos os ramos de atividade têm o direito de coincidir sua folga semanal com o domingo no período máximo de três semanas, sendo aplicável, portanto, o disposto na Lei 10.101 de 2000, por analogia, aos empregados dos demais ramos de atividade.

Afiliamo-nos a essa última hipótese, por entendermos ser a que melhor se amolda ao mandamento constitucional de que a folga semanal deve ser preferencialmente aos domingos.

Mas surge, então, um questionamento: tudo isso que abordado até agora aplica-se tanto a homens como a mulheres? Esse tema suscita uma grande discussão e será tratado no subitem 5.4, seguinte.

5.3 O ALCANCE DA LEI 10.101 DE 2000

A Lei 10.101 de 2000 trata, dentre outras matérias, do funcionamento dos empregadores do ramo do comércio em geral aos domingos e feriados. Essa lei autoriza o comércio em geral a funcionar aos domingos, independentemente de quaisquer outras autorizações e em feriados, mediante autorização em convenção ou acordo coletivo. No caso dos domingos, a lei determina que os empregados devem ter sua folga semanal coincidindo com o domingo, no máximo a cada três semanas.

Ocorre que algumas atividades do comércio já detinham autorização permanente para funcionar aos domingos e feriados, por força da Consolidação das Leis do Trabalho, em seus artigos 68 a 70. Essa autorização decorre, ainda, da Lei 605, de 1949, com a complementação dada pelo Decreto regulamentador n. 27.048. Nesse decreto, são listadas as atividades autorizadas permanentemente a funcionar aos domingos e feriados - dentre elas vários ramos do comércio, como é o caso, por exemplo, do comércio varejista de peixes, carnes, pão e biscoitos, frutas e verduras, aves e ovos, produtos farmacêuticos, combustíveis.

Tanto a CLT quanto a Lei 605 de 1949 referem-se a exigências técnicas, como elemento justificador do funcionamento de empresas aos domingos e feriados. Já o artigo 5º dessa mesma lei, em seu parágrafo único define que são exigências técnicas: "as que, pelas condições peculiares às atividades da empresa, ou em razão do interesse público, tornem indispensável a continuidade do serviço" (grifo nosso).

Surge, então, o questionamento: as disposições da Lei 10.101 terão reflexos, também, nas atividades do comércio que já detinham autorização para funcionarem em dias de domingo e feriados?

São três os possíveis reflexos da Lei 10.101 de 2000:

O primeiro refere-se à autorização do funcionamento do comércio nos domingos. Em nossa opinião, aparentemente a Lei 10.101 apenas aumentou o leque de ramos de atividade do comércio autorizados a funcionar aos domingos. Sendo assim, para aquelas atividades anteriormente autorizadas, em nada afetaria seu funcionamento, continuando a ser aplicável o regramento previsto na Lei 605 de 1949. O reflexo decorrente, então, é: aquelas atividades que não detinham autorização passaram a tê-la, como é o caso das lojas de comércio de roupas, eletrodomésticos, autopeças etc.

O segundo reflexo refere-se à incidência da folga semanal aos domingos. Pelas mesmas razões expostas no parágrafo anterior, também não haveria quaisquer alterações em relação aos empregados que laboram naquelas atividades que já detinham autorização para funcionar aos domingos, ou seja, a incidência de suas folgas semanais aos domingos seguiria a regra geral, que é de sete em sete semanas, conforme dispõe a Portaria 417/66 (no nosso entender, essa incidência deve ocorrer no período de três em três semanas, conforme exposto no subitem anterior).

O terceiro reflexo seria em relação ao funcionamento das empresas em dias feriados. Aquelas atividades que já detinham autorização permanente para funcionar em feriados terão, após a edição da Lei 10.101 que se submeter à necessidade de autorização em convenção ou acordo coletivo? Ou essa exigência aplica-se, apenas, às atividades que passaram a se beneficiar da possibilidade de funcionar em feriados após a edição da lei? Igualmente ao exposto em relação aos dois reflexos anteriores, somos da opinião de que as empresas empregadoras que já detinham autorização permanente para funcionar em feriados não seriam obrigadas a obterem autorização por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho.

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As duas possibilidades de interpretação em relação aos efeitos da Lei 10.101 decorrem da possibilidade de a Lei 10.101, ao tratar do funcionamento do comércio em geral em dias de domingo e feriados, ter revogado a Lei 605, de 1949, em relação às empresas do ramo do comércio, por tratar-se de norma de igual hierarquia e ser mais nova.

Primeira hipótese de interpretação: a Lei 10.101, ao referir-se ao comércio em geral, sem fazer qualquer ressalva às atividades previstas no decreto regulamentador da Lei 605 de 1949, passou a ser aplicável a todas as empresas do setor do comércio em geral, continuando, porém, a vigorar as disposições da Lei 605 de 1949 e de seu decreto regulamentador apenas em relação às atividades relacionadas no decreto, que não sejam do ramo do comércio. Dessa forma, em relação a todas as empresas do comércio em geral, seriam aplicáveis as disposições da Lei 10.101 de 2000, sendo necessária a autorização por meio de convenção ou acordo coletivo para o funcionamento dessas empresas em dias feriados e os empregados que laboram nesse ramo de atividade teriam direito de coincidirem suas folgas semanais com o domingo a cada três semanas. Pode-se argumentar, ainda, que, diante de duas normas tratando da mesma matéria, há de se aplicar a que se revela mais favorável aos empregados.

O Parecer Conjur 31 de 2008, aprovado pelo Excelentíssimo Senhor Ministro do Trabalho e Emprego, em despacho publicado no DOU de 14 de fevereiro de 2008, na Seção 1, pg. 57, aponta no sentido de que deva ser dada essa primeira interpretação. Segundo o parecer, a Lei 10.101, por tratar-se de norma especial (pois trata apenas do trabalho no comércio), revoga a Lei 605 (que trata do trabalho em todos os ramos de atividade).

Assim dispõe o item 16 do parecer, que bem resume o entendimento esposado, in verbis:

16. Já em relação ao trabalho nos feriados, a norma o facultou previamente, independentemente de qualquer ato estatal, "desde que autorizado em convenção coletiva de trabalho" e observado direito local (art. 6º-A da Lei no 10.101, de 2000, com a redação dada pela Lei no 11.603, de 2007). Nesse sentido, a literalidade do dispositivo não deixa margem de dúvida quanto ao seu alcance, devendo ser previamente autorizado em convenção coletiva o trabalho em dia feriado no comércio em geral. Portanto, inaplicáveis, por incompatibilidade com a nova legislação, todos os dispositivos do Decreto no 27.048, de 1949, que autorizavam, independentemente de previsão em convenção coletiva, o trabalho nos dias feriados.

A outra hipótese de interpretação baseia-se no argumento de que as atividades que sempre detiveram autorização para funcionar aos domingos e feriados representam setores da economia em que a necessidade pública encontra-se presente, como é o caso, por exemplo, dos hospitais, empresas de transporte de passageiros, distribuidoras de água e energia elétrica, continuam a ter seu funcionamento em dias feriados baseados na Lei 605 de 1949 e em seu decreto regulamentador. Não é a toa que as atividades relacionadas no anexo ao decreto regulamentador foram escolhidas. Elas o foram em razão da sua natureza, que demanda seu funcionamento em dias de domingos e feriados, seja em razão de necessidades técnicas, seja em função da necessidade pública.

Contrariamente ao que defende o parecer acima referenciado, entendemos que a lei especial não é a Lei 10.101 e, sim, a 605. Enquanto a Lei 10.101 trata do funcionamento do comércio em geral, a 605 trata especificamente de alguns ramos de atividade que, por sua natureza, onde se encontra presente a necessidade pública, urge funcionar em dias de domingo e feriados. O regramento da Lei 10.101 seria aplicável, apenas às empresas do ramo do comércio, que não detinham autorização anterior, ou seja, que foram beneficiadas pela Lei 10.101.

A lei, ao mesmo tempo em que concedeu a autorização para novos ramos do comércio para funcionar aos domingos e feriados impôs algumas restrições, somente se aplicando a esses novos ramos, não alcançando as que não se beneficiaram da Lei 10.101.

Pode-se argumentar, ainda, que o art. 852-I da CLT, em seu § 1º, estatui que "O juízo adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e as exigências do bem comum" (grifo nosso). Sendo assim, o intérprete deve dar um sentido à norma que atenda aos fins sociais e às exigências do bem comum. No caso, reconhecer-se-á que as atividades que já detinham autorização com base na Lei 605 de 1949 continuam a dela extrair essa autorização.

Além disso, o artigo 8º, também da CLT, ao prever a aplicação da jurisprudência, analogia, eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, prescreveu que "nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público".

Todavia, tendo o Parecer Conjur 31 de 2008 sido aprovado pelo Excelentíssimo Senhor Ministro do Trabalho, o entendimento nele esposado vincula a administração pública e, em decorrência, a auditoria-fiscal do trabalho, que tem de lhe dar cumprimento, sendo assim, esta deve exigir dos empregadores do ramo do comércio em geral, sem exceção, que obtenham autorização, por meio de convenção e acordo coletivo, para que possam funcionar em dias feriados, sob pena de autuação. Em relação à incidência da folga semanal aos domingos, tal incidência deve ocorrer no máximo em três semanas trabalhadas.

Pedimos vênia para discordar e filiarmo-nos à segunda hipótese de interpretação, defendendo que as atividades já anteriormente autorizadas a funcionar aos domingos e feriados não precisam obter a autorização por meio de negociação coletiva de trabalho.

Além dos argumentos jurídicos já expostos, damos um argumento prático: o funcionamento de algumas empresas do comércio (algumas vitais para a sociedade) ficaria dependendo da vontade dos sindicatos em aceitar a negociação coletiva, o que nos parece um absurdo. Por exemplo, uma empresa do ramo de farmácia, se não obtiver autorização do sindicato, estaria impedida de funcionar em dias feriados, deixando a população desprovida de medicamentos, indispensáveis ao restabelecimento da saúde das pessoas. Imagine-se um caso de uma pessoa que venha a morrer na madrugada de um dia feriado e o seu sepultamento ocorrer nesse mesmo dia, o seu caixão estaria sem qualquer coroa de flores, a não ser que as lojas desse ramo tivessem obtido êxito em uma negociação coletiva e, então, houvesse sido celebrada uma convenção ou acordo coletivo autorizando o funcionamento dessas empresas em dias feriados. Registre-se que, enquanto a empresa funerária detém a autorização permanente, por classificar-se na categoria "serviços funerários", a floricultura enquadra-se na categoria "comércio de flores e de coroas", ambas previstas no anexo ao Decreto 27.048. Sendo assim, somente a funerária poderia funcionar no feriado, enquanto que o funcionamento da floricultura dependeria da autorização de convenção ou acordo coletivo.B

Por fim, se a Lei 10.101 veio representar um avanço, ao aumentar o rol de ramos de atividade autorizados a funcionar aos domingos; não pode representar um retrocesso, ao submeter a autorização para o funcionamento, em feriados, de atividades vitais para a sociedade ao crivo de entidades sindicais.

Em resumo, admitir que o interesse da sociedade deve ficar refém da vontade dos atores da relação de emprego e sindicatos, acerca da possibilidade de funcionamento de determinadas atividades, vitais para o bom funcionamento da vida social é, no mínimo, insensato.

5.4 TRABALHO DA MULHER

A Constituição de 1988, em seu artigo 5º inciso I, igualou os direitos das mulheres aos dos homens:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

Apesar de alguns defenderem que se trata de uma discussão já passada, ainda persiste, por parte de outros, a polêmica: em respeito ao princípio da igualdade de direitos das mulheres em relação aos dos homens, as normas que cuidavam de disposições especiais em relação ao trabalho da mulher foram recepcionadas pela Constituição Federal?

São conhecidas, pelo menos, três correntes acerca do assunto:

A primeira defende que se unificaram todos os direitos, estando, portanto, revogados todos os dispositivos legais que tratam do trabalho da mulher, garantindo-lhe direitos especiais, justificando-se apenas a permanência das disposições relativas à maternidade e à força muscular. A aplicação dos demais dispositivos legais, tratando de direitos especiais apenas em relação às mulheres constitui-se tratamento discriminatório, proibido pela Constituição Federal.

Ilustrativamente, apresentem-se opiniões da doutrinadora Vólia Bomfim [13], que se alia a essa corrente:

Discordamos desta posição, já que, após a Constituição Federal de 1988, as mulheres passaram a ter os mesmos direitos do homem e, com isso, não podem usufruir desse benefício mais favorável a elas. Com isso, entendemos que o art. 386 da CLT, criado na época em que a mulher ainda era considerada relativamente capaz, não foi recepcionado pela Carta de outubro de 1988.

No livro "Instituições de Direito do Trabalho", no capítulo escrito por Segadas Viana e atualizado por João de Lima Teixeira Filho [14], encontra-se a seguinte opinião deste último doutrinador:

A Lei n. 7.855/89 revogou os arts. 374, 375, 379 e 380 da CLT. A Lei 10.244, de 27.6.2001, revogou expressamente o art. 376 da CLT, que alguns autores sustentavam sequer ter sido recepcionado pela CF de 88, em razão de seu art. 5º inciso I, assegurar a igualdade de todos perante a lei. Assim, na não mais prevalecem as seguintes regras que tratavam especificamente do trabalho da mulher:

...

Permanecem eficazes apenas as seguintes tutelas especiais:

a) a proibição de trabalhos que exijam força muscular, com a remoção de pesos superiores a 20 quilos, se o trabalho for contínuo, ou 25 quilos se o esforço não for contínuo (art. 390 da CLT);

b)os dispositivos de proteção relativos à gravidez, maternidade e parto (arts. 391 a 400 da CLT).

Entretanto, em que pese a opinião acima esposada, no mesmo livro e capítulo, em parte do capítulo não atualizado por João de Lima, o autor Segadas Viana [15] defende que "Na hipótese de haver trabalho autorizado aos domingos deverá haver uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical (art. 386)".

Para a segunda corrente, ao igualar os direitos das mulheres aos dos homens, a Constituição preservou os direitos da mulher que já eram mais benéficos aos dos homens, como por exemplo, o direito de ter sua folga coincidindo com os domingos a cada 15 dias. Ou seja, o tratamento diferenciado da mulher não fere o princípio da igualdade.

Simbolizando a atualidade da questão atinente à recepção, ou não, dos artigos que tratam diferenciadamente do trabalho da mulher, aponte-se que o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho julgou recentemente incidente de inconstitucionalidade (IIN-RR-1540/2005-046-12-00.5), por maioria de votos, reconhecendo que o artigo 384 da CLT encontra-se em vigor e que a concessão de condições especiais à mulher não fere o princípio da igualdade entre homens e mulheres contido no artigo 5º da Constituição Federal. Transcreve-se a ementa do referido acórdão:

Horas extras. Intervalo de 15 minutos antes do labor extraordinário previsto no artigo 384, da CLT. Direito do trabalho da mulher. Inexistência de ofensa ao princípio da igualdade previsto no artigo 5º, I, da Constituição Federal.

Já a terceira corrente sustenta que os dispositivos legais, que dispunham sobre condições especiais em relação ao trabalho da mulher, em respeito ao princípio da igualdade, não devem ser interpretados restritivamente em relação às mulheres e, sim, em relação aos homens também. Exemplificando, o disposto no artigo 384 estatui que, havendo extrapolação de jornada de trabalho, deve ser concedido um intervalo de 15 minutos antes do período extraordinário, e isso deve ser interpretado como sendo aplicável, também, em relação aos homens. Para essa corrente, o tratamento discriminatório ocorreria se fosse interpretado apenas em relação às mulheres.

Sérgio Pinto Martins [16] defende essa tese, conforme transcrito abaixo:

É discriminatório o preceito em comentário em relação ao homem, pois não há o mesmo tratamento para aquele na legislação. Deveria, portanto, ser estendido também ao homem, pois é bastante razoável a sua determinação, visando que de 15 em 15 dias o homem tivesse o repouso aos domingos. De 15 em 15 dias, portanto, o repouso semanal da mulher deverá coincidir com o domingo

Voltando à primeira corrente, aponte-se uma a Instrução Normativa 1, de 12 de outubro de 1988, editada no mesmo mês e ano da promulgação da Constituição, pelo então Secretário de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho, visando unificar e padronizar os procedimentos de fiscalização, cujos trechos são adiante transcritos:

INSTRUÇÃO NORMATIVA SRT Nº 01, DE 12 DE OUTUBRO DE 1988

(DOU 21.10.1988)

Dispõe sobre a ação a ser desenvolvida pelos Fiscais do Trabalho em face da nova Constituição Federal

...

II - DISPOSIÇÕES ESPECÍFICAS

...

2. TRABALHO DA MULHER

O artigo 5º da Constituição Federal preceitua que todos são iguais perante a lei e que não deve haver distinção de qualquer natureza.

Por outro lado, o inciso I do referido artigo preconiza que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações", sendo que o inciso XXX, do artigo 7º, proíbe diferença de exercício de funções, de critério de admissão e de salários, por motivo de sexo.Face a esses dispositivos constitucionais, não cabe ao Poder Executivo, em especial ao Ministério do Trabalho, criar restrições ao trabalho da mulher.

Assim, no que concerne à jornada, seja quanto à hora extra ou compensação de horas, seja quanto ao trabalho noturno, aplicam-se à mulher os dispositivos que regulam o trabalho masculino. Devem-se observar as restrições ao trabalho da mulher apenas quando menor, conforme item 3, desta Instrução. (grifo nosso)

Quanto às normas de proteção à maternidade, continuam em vigor os dispositivos consolidados, observando-se, em especial, o que dispõe o item 4 desta Instrução.

Certamente, a norma acima citada foi a responsável pela disseminação do entendimento que se vê na prática, de que os dispositivos que tratam especialmente de direitos restritos às mulheres não foram recepcionados pela Constituição Federal.

Mas, como visto acima, essa não é a linha que vem adotando o TST. Esse tribunal julgou ter sido o artigo 384, que prevê a concessão do intervalo de 15 minutos para a mulher que vai prorrogar sua jornada de trabalho, recepcionado pela Constituição Federal.

O próprio Ministério do Trabalho e Emprego, por meio da Secretaria de Inspeção do Trabalho, aprovou, em 24 de fevereiro de 2003, parecer emitido pela Consultoria Jurídica desse ministério, em que se emite a seguinte conclusão: "Por todo o exposto, em que pesem as manifestações em contrário, é forçoso concluir no sentido da recepção do art. 386 da CLT pela Constituição Federal de 1988". Aparentemente, o conteúdo do parecer aprovado entra em choque com a Instrução Normativa 1 de 1988, mas se verifica tratar-se de aprovação advinda da Secretaria de Inspeção do Trabalho, à qual são subordinados tecnicamente os auditores-fiscais do trabalho, enquanto que a Instrução Normativa 1 de 1988 foi emanada da Secretaria de Relações do Trabalho.

Na verdade, a questão reside no fato de se aferir se o artigo 386 da CLT, que prevê para a mulher o direito de ter sua folga semanal coincidindo com o domingo a cada 15 dias está ou não em vigor. Para alguns, o artigo encontra-se em vigor, pois visa proporcionar à mulher, que inegavelmente cumpre dupla jornada, uma oportunidade maior de conviver com seus filhos ou parentes nos dias de domingo, data em que a maioria dos trabalhadores usufruem de suas folgas. Por essa razão, justifica-se o tratamento diferenciado da mulher.

Alice Monteiro de Barros [17] defende que o regime jurídico da mulher deve ser o mesmo que o do homem, sob pena de se restringir suas possibilidades de contratação. Para ela, são desnecessários os artigos da CLT que tratam especificamente do trabalho da mulher.

Não é demais lembrar-se que a Lei 10.101, de 2000, autoriza o funcionamento do comércio aos domingos e ao estabelecer que os empregados têm o direito de coincidirem suas folgas com o domingo, no período máximo de três semanas, fez a ressalva: "respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho". Ora, pode-se entender que a Lei apenas disciplinou a incidência da folga aos domingos somente em relação ao homem, já que ressalvou as demais normas de proteção ao trabalho, dentre elas o artigo 386, que dispõe para a mulher a coincidência de sua folga semanal com o domingo de 15 em 15 dias. Sendo assim, o disposto na Lei 10.101, em relação à incidência da folga em domingo, não se aplicaria à mulher. Se não fosse assim, por qual razão teria o legislador feito a ressalva? Poderia a lei ter apenas estatuído a incidência em domingo a cada três semanas.

Se assim tivesse feito, na verdade, estar-se-ia diante de um impasse: a existência de duas normas especiais: a primeira, que trata da folga dos empregados do ramo do comércio e a outra que trata da folga das mulheres. A lei de introdução ao código civil, dispõe que a norma especial prevalece sobre a geral, mas no caso da mulher que trabalha no comércio, que norma seria aplicada? A mulher teria direito de ter sua folga aos domingos a cada 15 dias (previsto no artigo 386 da CLT, que trata do trabalho da mulher) ou a cada três semanas (previsto na Lei 10.101, que trata do trabalho no comércio)? Mas não foi isso que fez o legislador. Ele já ressalvou as demais normas de proteção ao trabalho. Não seria preciso, portanto, que se adentrasse na análise de que norma especial seria aplicável, já que o próprio legislador já fez a ressalva. Sendo assim, no caso da mulher, continuaria a ser aplicado o disposto no artigo 386 da CLT.

Todavia, com a promulgação pelo Brasil, em 1984, da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, pelo Decreto 89.640 de 1984 e posteriormente com a retirada de algumas reservas, pelo Decreto 4.377, de 13 de setembro de 2002, temos a opinião de que o artigo 386 e demais normas que trazem tratamento diferenciado para as mulheres, exceto quanto à maternidade e força muscular, estão revogados. Sendo assim, a disposição contida na Lei 10.101 de 2000 seria aplicada a trabalhadores e trabalhadoras do ramo do comércio. A citada Convenção tem, como já argumentado neste trabalho, status de norma supra legal. Veja-se o que diz o artigo 1º da citada Convenção:

Artigo 1º

Para os fins da presente Convenção, a expressão "discriminação contra a mulher" significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.

O artigo 1º define o que é discriminação contra a mulher e o artigo 4º, adiante transcrito, ressalva que as medidas especiais destinadas a proteger a maternidade não se considerará discriminatória.

Artigo 4º

1. A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como consequência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados.

2. A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais, inclusive as contidas na presente Convenção, destinadas a proteger a maternidade, não se considerará discriminatória.

Veja-se que a Convenção somente ressalvou a proteção à maternidade, não o fazendo em relação a outros direitos. Aliás, tratou a convenção de medidas especiais de caráter temporário, destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher, mas que não deve implicar a manutenção de normas desiguais ou separadas, devendo essas medidas cessarem quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento tiverem sido alcançados.

Sendo assim, somos da opinião de que o conteúdo dos artigos 384 e 386 da CLT, por exemplo, estão revogados, embora não expressamente por nenhuma lei em sentido estrito. Registre-se que apesar de tais artigos terem restado incólumes após a edição das Leis 7.855 de 1989 e 10.244, de 2001 que revogaram vários artigos os quais tratavam do trabalho da mulher, sucumbiram frente à promulgação, pelo Brasil, da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, em 2002.

Ademais, não temos convicção de que a aplicação do artigo 386 da CLT apenas em relação às mulheres lhes traz realmente benefícios ou lhes traz restrições no mercado de trabalho. Será que os empregadores, sendo obrigados a conceder às mulheres folgas semanais aos domingos, de 15 em 15 dias, não optarão por deixar de contratá-las e preferirão contratar homens?

Essa certamente é uma questão importante a ser analisada: o tratamento diferenciado da mulher, previsto, por exemplo, no artigo 386 da CLT, traz dificuldades à mulher no mercado de trabalho? Tal discussão, com certeza, não é nova e já ocorreu quando a Constituição Federal aumentou o período da licença-gestante para 120 dias.

Para corroborar nosso entendimento, trazemos os ensinamentos de Thereza Cristina Gosdal [18]:

De todo o exposto, observa-se que a postura do Direito do Trabalho em relação ao trabalho da mulher sofreu uma alteração de tendência, de um caráter protetor, para um caráter de promoção de igualdade, como resposta às alterações da vida econômica e social e também às pressões do movimento feminista.

Acrescenta, ainda, a autora, na mesma obra:

As poucos as normas que eram compreendidas como protetoras da mulher, mas que, em verdade, restringiam seus direitos e possibilidades, vão sendo revogadas e substituídas por outras, consentâneas aos novos padrões nas relações de gênero.

Como já dito acima, todavia, existe uma corrente que defende o entendimento de que o artigo não foi revogado tacitamente, mas o intérprete deve interpretar o artigo utilizando a interpretação conforme a Constituição e, assim, estender a obrigatoriedade de concessão de folga semanal coincidindo com o domingo não só para as mulheres, mas também para os homens. Sendo assim, haveria a obrigação dos empregadores de coincidirem a folga semanal com o domingo a cada 15 dias, tanto para mulheres, quanto para homens, desaparecendo, portanto, o aparente privilégio das mulheres.

Todavia, o entendimento jurisprudencial majoritário aponta no sentido de que a mulher permanece com o direito previsto no artigo 384 da CLT, que determina para a mulher o gozo de um intervalo mínimo de 15 minutos antes do início de trabalho extraordinário. Não encontramos recentes posicionamentos do Tribunal Superior do Trabalho acerca do artigo 386 da CLT, mas os fundamentos utilizados na decisão acerca do artigo 384 apontam para que seja dado o mesmo tratamento no caso do artigo 386. Ou seja, o TST, no julgamento recente de processo tratando do artigo 384, não aplicou a Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, embora ela tenha sido ratificada pelo Brasil em 2002.

No item seguinte, será tratada a questão da intercessão da obrigação de se conceder a folga semanal, no máximo, no sétimo dia trabalhado e da incidência da folga semanal aos domingos.

5.5 A INTERCESSÃO ENTRE A FOLGA, NO MÁXIMO, NO 7º DIA E A INCIDÊNCIA DA FOLGA AOS DOMINGOS

Sendo o empregador obrigado a conceder a folga semanal aos empregados, no máximo, no sétimo dia trabalhado, surge a questão da confluência desse mandamento com o da incidência da folga aos domingos.

Regra geral, não se vislumbra problema para o empregador cumprir a obrigação de conceder a folga semanal coincidindo com o domingo a cada sete semanas, pois ele pode organizar a escala, por exemplo, chamada "5 x 1", em que o empregado trabalha cinco dias seguidos e folga um dia. Nessa escala, o empregado folga, por exemplo, em um domingo e, na próxima semana, no sábado, assim sucessivamente, na sexta-feira, quinta-feira, quarta-feira, terça-feira, segunda-feira, recaindo novamente no domingo na sétima semana.

O problema aparece, todavia, se o empregador optar por adotar qualquer escala diferente da "5 x 1", como é o caso de se conceder sempre a folga semanal em dia fixo, diferente do domingo, por exemplo. Na sétima semana, o empregador estaria diante de um impasse: a necessidade de conciliar as duas normas: concessão de folga no máximo no sétimo dia trabalhado e a concessão da folga coincidindo com o domingo, no máximo, na sétima semana.

Apresenta-se o problema, também, e aí com maior intensidade, no caso do empregado do ramo do comércio, pois sua folga semanal deve recair em um domingo, no máximo, na terceira semana, ou seja, o empregado não pode trabalhar em três domingos seguidos.

Não só no caso dos empregados do ramo do comércio, como no de outros ramos de atividade, apresentam-se, no mínimo, duas hipóteses de interpretação possíveis. A primeira, mais rígida, determina que o empregador cumpra as duas normas, concomitantemente, enquanto que a segunda solução adota uma linha mais flexível e permite que, especialmente, na semana limite para a concessão da folga aos domingos, ocorra a extrapolação do sétimo dia trabalhado.

Detalhem-se as duas hipóteses de solução:

Como já dito, a primeira delas seria a de não se reconhecer conflito algum e se impor que os empregadores teriam de aplicar as duas normas concomitantemente, ou seja, por exemplo, no caso do empregador do ramo do comércio, na terceira semana, o empregado teria direito a duas folgas, uma para atender à necessidade de concessão de folga, no máximo, no sétimo dia trabalhado e outra folga para que não ocorra trabalho no terceiro domingo seguido, conforme demonstramos no quadro abaixo:

 

S

D

S

D

S

D

           

X

         

X

         

X

   

X

Obs: o "X" indica o dia de descanso do empregado

Ora, nesse exemplo, se, na terceira semana, o empregado teria direito de folgar no domingo, mesmo assim, o empregador está obrigado a conceder a folga na quinta-feira, sob pena de se configurar trabalho em mais de sete dias corridos.

A mesma situação ocorreria se o empregador adota a folga em dia fixo, uma quarta-feira, por exemplo. Na terceira semana, o empregado teria direito de além de ter sua folga na quarta-feira, ter a folga no domingo, para que o empregador não incorra na infração administrativa de manter o empregador trabalhando em três domingos seguidos, conforme demonstramos na ilustração abaixo. Na terceira semana, se o empregador não concedesse a folga na quarta-feira e deixasse apenas para conceder a folga no domingo, restaria configurado o trabalho em mais de sete dias corridos, o que, para essa primeira corrente, se configuraria infração trabalhista, gerando efeitos patrimoniais para o empregado e infração administrativa.

 

S

D

S

D

S

D

     

X

           

X

           

X

     

X

Obs: o "X" indica o dia de descanso do empregado

A situação se agravaria no caso de prevalecer o entendimento de que a mulher tem o direito de coincidir sua folga com o domingo a cada 15 dias (e o homem também, caso se firme o entendimento de que a obrigatoriedade de se conceder a folga coincidindo com o domingo seria aplicável, também, aos homens). Conforme demonstrado abaixo, a trabalhadora teria a seguinte situação, no caso de dia de folga em dia fixo, por exemplo:

 

S

D

S

D

S

D

     

X

           

X

     

X

   

X

       

Obs: o "X" indica o dia de descanso do empregado

Observe-se que, a cada duas semanas, a mulher trabalhadora teria direito a uma folga extra. Com certeza, conforme dito anteriormente, tal fato iria provocar dificuldades no mercado de trabalho para a mulher. Apresentou-se, aqui, o exemplo de folga em dia fixo, mas a situação ocorreria com qualquer outro tipo de escala. Isso porque, a cada duas semanas, haveria necessidade de se conceder uma folga além da normal, para que a empregada não trabalhe em mais de sete dias corridos.

O argumento utilizado para embasar o entendimento de que o empregador tem de conjugar as duas normas é que a decisão de manter empregados trabalhando aos domingos é de sua conveniência e, por isso, tem de arcar com o ônus de conceder folgas aos empregados de forma a que não incorra em infração a nenhuma norma reguladora de folgas semanais. Ocorre que há empregadores cuja manutenção de empregados trabalhando aos domingos não decorre apenas da vontade do empregador e, sim, por imposição do interesse público, como é o caso de hospitais, empresas de transporte de passageiros, distribuidoras de água e energia etc. Não há, todavia, quaisquer ressalvas nas normas e a imposição de se conceder as folgas da forma como descrito acima seria imposta a todos os empregadores. Embora, particularmente, tenhamos o entendimento de que as normas, sobretudo as Convenções da OIT 14 e 106, ratificadas pelo Brasil, impõem a obrigação de concessão de folga semanal, no máximo no sétimo dia, não temos convicção de que essa deva ser a interpretação que venha a prevalecer na jurisprudência pátria, tampouco na doutrina brasileira.

Não se pode deixar de reconhecer, também, que a obrigação de se conceder a folga, no máximo, no sétimo dia, coaduna-se melhor com a possibilidade de que essa folga recaia em um dia de domingo a cada sete semanas, conforme prevê a Portaria 417, de 1966 (talvez por essa razão ela esteja se sustentando por tanto tempo, sem sofrer questionamentos), mas com o advento da Lei 10.101 de 2000, a qual determina que, para o empregado do ramo do comércio, deve ser concedida, no máximo, na terceira semana e prevalecendo o entendimento de que a mulher tem o direito de gozar sua folga semanal coincidindo com o domingo a cada 15 dias, a situação acima demonstrada surge. Assim, faz-se necessário que a jurisprudência ou doutrina firme o entendimento acerca da aplicabilidade, ou não, do posicionamento acima descrito.

Convém, também, observar que, apesar de ter havido a demonstração na primeira parte deste trabalho da ilegalidade do entendimento esposado no Precedente Administrativo n. 46, a sua aplicação elimina a situação acima descrita, pois o empregador não estaria adstrito à necessidade de conceder a folga no máximo no sétimo dia e, sim, no decorrer do período entre uma segunda-feira e um domingo e, assim, poderia, no caso do comércio, conceder a folga recaindo em um domingo na terceira semana, ou no caso da mulher, uma semana sim, outra não, conforme demonstrado abaixo:

 

S

D

S

D

S

D

Comércio

     

X

           

X

                 

X

Mulher

     

X

                 

X

     

X

     

Obs: o "X" indica o dia de descanso do empregado

Observe-se que em nenhum período entre uma segunda-feira e um domingo o empregado deixou de ter sua folga semanal e, no caso do empregado do comércio, não trabalhou em três domingos seguidos. No caso da mulher, essa também não trabalhou em dois domingos seguidos.

Mas, como já dito, conforme demonstrado na primeira parte deste trabalho, esse entendimento, a despeito de equacionar a situação do "conflito" entre as duas obrigações, não encontra eco na jurisprudência e doutrina majoritárias, além de afrontar as Convenções 14 e 106 da Organização Internacional do Trabalho – OIT.

A segunda solução possível é se admitir que o empregador pode, na semana em que tenha de conceder a folga coincidindo com o domingo, deixar de cumprir a obrigação de conceder a folga no máximo no sétimo dia. Apesar de não se verificar respaldo nas convenções internacionais, já estudadas, para esse entendimento, encontra-se na doutrina a opinião da professora Vólia Bomfim [19], que aponta como sendo viável essa solução, in verbis:

Se a atividade do empregador está autorizada a funcionar aos domingos e feriados e, em virtude disto, há uma escala de revezamento de modo a permitir que cada empregado possa fazer coincidir uma folga com um domingo a cada sete semanas (como regra geral), é possível que naquela sétima semana o empregado só tenha sua folga após o 7º dia de trabalho. Logo, o desrespeito é eventual e ocorreu para dar cumprimento ao comando legal.

É interessante observar que a solução apontada pela professora Vólia permite, apenas na semana em que o empregador tenha de conceder a folga coincidindo com o domingo, poder-se extrapolar o sétimo dia trabalhado, o que difere do entendimento esposado no Precedente Administrativo 46, o qual não vê problema em que essa extrapolação ocorra em qualquer semana, e não apenas naquela em que o empregador precisa coincidir a folga com o domingo.

Ilustrativamente, a diferença entre essas duas possibilidades seria a seguinte:

 

S

D

S

D

S

D

Precedente

X

                     

X

             

X

Vólia

         

X

         

X

               

X

Obs: o "X" indica o dia de descanso do empregado

A diferença básica entre as duas hipóteses é que, na primeira, admitida pelo Precedente Administrativo 46, o empregado trabalhou por 12 dias seguidos, teve sua folga em um dia de sábado, voltou a trabalhar, dessa vez, por sete dias e só aí é que teve sua folga recaindo em um domingo. Na hipótese admitida pela professora Vólia, o empregado trabalhou em cinco dias corridos, teve sua folga, voltou a trabalhou por cinco dias corridos e aí trabalhou por oito dias para ter sua folga recaindo em um dia de domingo. Observe-se que apenas nessa última semana o empregado trabalhou por mais de sete dias corridos.

Pode ser argumentado, em favor da solução defendida pela professora Vólia, que haveria uma ponderação entre as duas normas: qual é a mais importante? a que determina conceder a folga, no máximo, no sétimo dia ou a que determina a concessão da folga em um domingo, para os empregados do ramo do comércio, no máximo, na terceira semana, ou para as mulheres, no máximo de 15 em 15 dias? Optou-se, nessa solução, pela prevalência da norma que trata da incidência da folga aos domingos, em detrimento da que preceitua a concessão da folga, no máximo, no sétimo dia trabalhado. Isso ocorre, certamente, porque a folga em dia de domingo, como é comum à grande parte da massa trabalhadora, propicia um melhor aproveitamento do dia, no qual são oferecidas mais possibilidades de lazer, descanso e diversão.

5.6 A EXCEÇÃO À REGRA DE INCIDÊNCIA DA FOLGA SEMANAL AOS DOMINGOS

Outra questão que merece análise é relativa à existência de exceção ao preceito legal de que a folga deve recair, ainda que esporadicamente, aos domingos.

A CLT, em seu artigo 67, parágrafo único, aponta uma única exceção à incidência da folga semanal aos domingos. Sendo assim, tal incidência só pode deixar de acontecer em relação aos empregados que integrem elencos teatrais.

Ocorre que, modernamente, empregados são contratados em tempo parcial, para trabalharem, por exemplo, apenas aos sábados e domingos, em um restaurante cujo movimento sofre um expressivo aumento nesses dias. A pergunta que se faz é: esses empregados podem trabalhar sem que nunca gozem suas folgas aos domingos? Haveria, na lei, amparo para essa situação?

Uma resposta a ser dada, conforme acima exposto, é que não há na lei amparo para tal situação, ou seja, os empregados até podem ser contratados para trabalhar em sábados e domingos, mas, em uma certa periodicidade (de sete em sete semanas ou de três em três semanas, conforme o entendimento que venha a prevalecer) têm de usufruir uma folga no domingo. Aplica-se, nesse caso, o entendimento de que exceções devem ser interpretadas de forma restritiva e, se a CLT só fez a ressalva em relação aos elencos teatrais, não há como se expandir a ressalva a outras atividades.

Outra resposta é, em que pese inexistir norma permitindo o trabalho em todos os domingos, os empregados, contratados sob a modalidade de contrato em tempo parcial, estariam excluídos da imperatividade legal de que os empregados devem ter folgas em dias de domingo, em uma determinada periodicidade.

Outro exemplo que pode ser dado é uma empresa que tem um vigia contratado, trabalhando de segunda-feira a sábado e folgando aos domingos. Essa empresa precisa contratar um folguista (empregado encarregado de trabalhar em dias de folga do empregado principal) para esse vigia, que só trabalharia aos domingos. Seria legal essa situação? Saliente-se que, caso não seja possível o trabalho desse folguista em todos os domingos haveria, então, a necessidade de a empresa contratar um folguista para o folguista.

Em que pese a situação aparentemente esdrúxula, somos optantes pela prevalência do entendimento de que os empregados, salvo os enquadrados na exceção prevista no artigo 67, parágrafo único, têm de, em uma determinada periodicidade, folgar em dias de domingos.

Talvez a solução passe por uma alteração legislativa ou pela sedimentação do entendimento por parte da doutrina e jurisprudência ou, até mesmo, por uma negociação coletiva.

Sobre o autor
Luiz Antonio Medeiros de Araujo

Auditor-fiscal do trabalho. Bacharel em Direito e em Bacharel em Direito pela Universidade Potiguar (UnP)e em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Especialista em Direito e Processo do Trabalho, na UnP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Luiz Antonio Medeiros. Repouso semanal remunerado.: Periodicidade e incidência aos domingos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2225, 4 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13238. Acesso em: 22 nov. 2024.

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