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Precedentes sobre a prática de aborto no direito norte-americano de 1973 a 2007

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Agenda 03/08/2009 às 00:00

O presente estudo tem o objetivo de realizar uma análise pormenorizada sobre as principais decisões da Suprema Corte norte-americana sobre o aborto. É necessário esclarecer inicialmente que o presente trabalho não tem a pretensão de adentrar nas intrincadas questões filosóficas, religiosas e éticas que cercam o assunto. Inicialmente, observou-se que o direito ao aborto é um dos temas mais controversos já enfrentados pela Suprema Corte dos Estados Unidos. Tal assunto causa tanta polêmica que gerou a divisão da sociedade norte-americana em basicamente duas correntes de pensamento. A primeira corrente é denominada de Pro-life. Ela apresenta forte viés religioso e é contrária a prática do aborto, em quaisquer circunstâncias, com o argumento de que deve sempre prevalecer o direito à vida. Já a 2ª corrente, denominada de Pro-choice, defende que o direito ao aborto é um autêntico desdobramento do direito à liberdade individual da mulher de poder dispor a respeito de seu próprio corpo. [01][02][03][04]

Inicia-se, portanto, a presente discussão com a análise do mais importante caso que envolveu o direito ao aborto nos Estados Unidos, que é o famoso caso Roe v. Wade (1973). [05] O caso teve início quando uma mulher de nome fictício "Jane Roe" desafiou a constitucionalidade de uma Lei do Estado do Texas, que tratava sobre a prática de aborto. A norma estadual estabelecia que a prática de aborto era crime, a não ser que ele fosse praticado com o claro propósito de salvaguardar a vida da gestante. [06]

Quando o caso chegou ao conhecimento do Excelso Tribunal norte-americano, a Suprema Corte estabeleceu que as Leis estaduais sobre aborto, que permitiam a interrupção da gravidez apenas com o intuito de salvar a vida da gestante, eram inconstitucionais, por violação ao disposto na Emenda nº 14 à Constituição norte-americana. [07] A referida emenda, de acordo com o entendimento do Tribunal, protegia a ação do Estado contra a privacidade dos cidadãos e o direito da mulher de interromper a gravidez, desde que fossem observadas determinadas condições. [08]

Ademais, a Corte estabeleceu um critério trimestral para definir o momento em que a gestação poderia ser interrompida. Até o fim do 1º trimestre, a decisão do abortar deveria ficar a cargo unicamente da gestante e de seu médico. Após o 1º trimestre de gravidez, os Estados poderiam regular o procedimento de aborto, levando-se em consideração a saúde materna. Em um terceiro momento, após a determinação da viabilidade fetal, o Estado poderia realizar uma escolha legislativa, no sentido de proteger a vida potencial do feto, com a possibilidade de regular e até mesmo proibir a prática do aborto, a não ser nos casos em que houvesse risco à saúde da gestante. [09]

Em síntese, no caso Roe v. Wade (1973), a Suprema Corte norte-americana estabeleceu que as mulheres tinham o direito ao aborto, como consequência do direito à privacidade protegido pela Emenda nº 14 à Constituição norte-americana. A decisão declarou a inconstitucionalidade da Lei estadual do Texas e conferiu as mulheres uma total autonomia para interromper a gravidez durante o 1º trimestre de gestação. Admitiu-se, ainda, a existência de alguns critérios de limitação aos abortos praticados nos 2º e 3º trimestres de gestação. De uma forma geral, pode-se dizer que a decisão da Suprema Corte afetou quase a totalidade das Leis estaduais que disciplinavam a prática do aborto nos Estados Unidos. [10]

É importante destacar que, no mesmo ano, ainda sob os holofotes do julgamento do caso Roe v. Wade (1973), surgiu outra discussão judicial no Estado da Georgia. Trata-se do caso Doe v. Bolton (1973). O caso teve início quando uma Lei do Estado da Georgia determinou que o aborto somente fosse realizado quando a continuação da gravidez pudesse colocar em risco a saúde ou a vida da gestante, ou nos casos de má-formação do feto ou, ainda, nos casos de gravidez resultante de estupro. Além disso, a norma estadual determinava que o paciente apresentasse um comprovante de residência no Estado da Georgia e que o aborto fosse praticado por um hospital credenciado, após a aprovação de um Comitê formado pelos médicos do referido Hospital. [11]

Posteriormente, uma mulher residente no Estado da Georgia com nome fictício de "Doe", que teve negado seu pedido de aborto depois de completar 08 (oito) semanas de gravidez, ajuizou uma pretensão em que questionava a constitucionalidade da Lei estadual da Georgia. Quando a questão chegou ao conhecimento da Suprema Corte, o Excelso Tribunal estabeleceu que o direito ao aborto não era absoluto, conforme decidido no caso Roe v. Wade (1973). Por outro lado, a Corte considerou que a necessidade de um requerimento destinado ao Comitê de Médicos do Hospital era inconstitucional, por violação da emenda nº 14 à Constituição norte-americana. Além disso, conforme o caso Roe v. Wade (1973), a interrupção da gravidez no 1º trimestre de gestação não poderia ser impedida ou dificultada. Também era inconstitucional a exigência da norma de que outros 02 (dois) médicos aquiescessem com a prática do aborto, pois tal dispositivo limitava o direito de seu médico exercer livremente a sua profissão. Por fim, a Corte entendeu que a exigência de comprovação de residência no Estado da Georgia para a realização do aborto violava o disposto na Emenda constitucional nº 14, ao estabelecer distinções entre cidadãos residentes e não residentes não permitidas pelo texto constitucional. [12]

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Já no caso Bigelow v. Virginia (1975), uma Lei do Estado da Virginia determinou que nenhum meio de comunicação deveria promover a prática de aborto. Um cidadão chamado Bigelow, Editor do Jornal Virginia Weekly, foi condenado por ter colocado uma publicidade no jornal em nome de uma organização que indicava clínicas e hospitais que realizavam procedimentos de aborto no Estado de Nova York. Bigelow recorreu à Suprema Corte dos Estados Unidos com a tese de que a Lei estadual da Virginia violava as Emendas nº 1 [13] e 14 à Constituição norte-americana. O Excelso Tribunal, ao enfrentar a questão, firmou o posicionamento de que a Lei estadual violava o disposto na 1ª Emenda à Constituição. A Corte, ainda, lembrou o precedente New York Times v. Sullivan (1964), em que se decidiu que a regulação dos anúncios publicitários não era permitida pela proteção conferida pela Emenda nº 1 à Constituição dos Estados Unidos. [14]

Outro caso interessante é o precedente Planned Parenthood of Central Missouri v. Danforth (1976). Dois médicos do Estado do Missouri questionavam a constitucionalidade da Lei estadual de Missouri sobre a prática de abortos, no que tange ao conceito de viabilidade do feto. A Lei estadual definia viabilidade como o estágio de desenvolvimento fetal, em que a vida do feto pudesse continuar de forma indefinida fora do útero materno, seja por meio natural, seja por meio artificial. Questionava-se, ainda, a necessidade estabelecida pela lei de que antes de se submeter a um aborto, a mulher assinasse um consentimento informado, em que afirmasse ter consentido de forma livre para o procedimento e que não havia sido forçada ou coagida para praticar o aborto. A Lei estadual também exigia uma autorização por escrito dos pais ou dos representantes legais da gestante para a prática do aborto em mulheres menores de idade e, ainda, o consentimento do cônjuge para mulheres maiores de idade. [15]

O caso, então, foi submetido à Suprema Corte que estabeleceu que a definição de viabilidade da Lei do Estado do Missouri não conflitava com o precedente do caso Roe v. Wade (1973), pois manteve a flexibilidade do termo viabilidade. Ademais, a Corte também decidiu que o consentimento informado da gestante também não era inconstitucional, pois a decisão de abortar precisava ser bem feita e o consentimento informado por escrito da gestante poderia se fazer necessário. [16]

Por outro lado, a Corte entendeu que a necessidade de consentimento pelo marido da gestante era inconstitucional, uma vez que o Estado não poderia delegar para o marido da gestante o poder de vetar o aborto, uma vez que nem mesmo o próprio Estado teria o poder de vetar o aborto no 1º trimestre de gravidez. Ademais, a Corte asseverou que o Estado não poderia impor um consentimento dos pais como condição para que mulheres menores de idade pudessem realizar o aborto no 1º trimestre de gravidez, uma vez que o caso Roe v. Wade (1973) estabeleceu que a decisão de abortar no 1º trimestre de gravidez deveria ficar apenas a cargo do médico e da gestante. Por fim, a Corte determinou que a escolha de qual o procedimento para a realização do aborto era responsabilidade dos médicos das gestantes e não poderia ser estabelecido pela legislação estadual, uma vez que a escolha da melhor técnica cirúrgica para a realização do aborto se tratava de matéria afeta à medicina e não ao Poder Judiciário. [17]

Outro caso enfrentado pela Suprema Corte foi o caso Beal v. Doe (1977). Tal caso envolvia a constitucionalidade de uma Lei do estado da Pennsylvania que somente concedia benefícios de assistência médica para a prática de abortos terapêuticos, em que os médicos determinassem que o prosseguimento da gestação pudesse causar riscos para a saúde da gestante. A Suprema Corte norte-americana enfrentou a questão se o Estado da Pennsylvania deveria custear os abortos não terapêuticos, ou seja, os abortos realizados por vontade das gestantes. Ou seja, questionava-se se o Estado deveria custear os abortos não-terapêuticos. Por fim, o Excelso Tribunal firmou o entendimento de que os Estados poderiam excluir da cobertura dos planos de saúde os abortos não-terapêuticos. [18]

Já no caso Maher v. Roe (1977) discutia-se as regulações do Departamento de Seguridade Social de Connecticut que limitavam a assistência médica às gestantes reconhecidamente pobres apenas para os abortos terapêuticos praticados no 1º trimestre de gestação. Uma mulher pobre, de nome fictício de "Suzan Roe" ajuizou uma demanda contra o ato de Edward Maher, Chefe do Serviço de Assistência Social de Connecticut. Ao chegar o caso na Suprema Corte dos Estados Unidos, indagou-se se a Lei estadual de Connecticut violava a Emenda Constitucional nº 14, que estabelecia a cláusula da igual proteção ou do "equal protection". A Suprema Corte, em uma decisão por 06 (seis) votos a 03 (três), estabeleceu que a Lei estadual de Connecticut não criava obstáculos para a realização do aborto e, dessa forma, não retirava o direito ao aborto conferido a Roe. Sendo assim, asseverou o Excelso Tribunal que o simples fato de o Estado estabelecer um critério de ordem financeira para custear a prática de aborto não violava a proteção conferida pela Emenda 14 à Constituição norte-americana. [19]

Em Poelker v. Doe (1977), uma norma da cidade de Saint Louis proibiu a realização de abortos não-terapêuticos em 02 (dois) hospitais públicos da cidade. O caso chegou ao conhecimento da Suprema Corte, com a alegação de que a proibição de realização de abortos em hospitais públicos violava o disposto na Emenda Constitucional nº 14. Ao enfrentar a questão, a Suprema Corte firmou o posicionamento de que a política pública da cidade de Saint Louis de não permitir que hospitais públicos realizassem abortos não-terapêuticos não violava a Emenda Constitucional nº 14. Além disso, levando-se em conta o caso Maher v. Roe (1977), a Corte determinou que era preciso fazer uma distinção entre a interferência dos Estados no direito ao aborto, o que é vedada, e as políticas públicas que se mostram contrárias ao financiamento público dos abortos não-terapêuticos. [20]

Também merece destaque o caso Harris v. McRae (1980). Em 1976, o Congresso Nacional dos Estados Unidos instituiu uma norma que limitava o uso de recursos federais para custear abortos praticados por um programa de assistência médica. Inconformada com essa norma, Cora McRae litigou contra Patrícia R. Harris, Secretária de Saúde e de Serviços Humanos. Cora argumentava que a norma atacada violava o direito à privacidade e as Emendas Constitucionais nº 1 e 5 [21] à Constituição norte-americana. Em entendimento contrário, a Suprema Corte dos Estados Unidos entendeu que os Estados participantes do programa de assistência médica não eram obrigados a financiar os abortos não-terapêuticos. O Excelso Tribunal entendeu que uma coisa era a liberdade de escolha da mulher para a prática do aborto e outra coisa bem diferente era o financiamento público dos abortos não-terapêuticos. [22]

Outro precedente que merece ser estudado é o caso Akron v. Akron Center for Reproductive Health, Inc. (1983). Em 1978, o Conselho Municipal da cidade de Akron estabeleceu uma série de requisitos para a realização de abortos, quais sejam: todos os abortos praticados após o 1º trimestre de gravidez deveriam ser realizados em hospitais; a necessidade de consentimento dos pais para a realização de abortos em gestantes menores de idade; a necessidade de consentimento dos maridos para a realização de abortos em gestantes maiores de idade; a necessidade de prévio aconselhamento médico aos pacientes; o tempo mínimo de 24 (vinte e quatro) horas de espera para a realização de aborto; e os restos fetais deveriam ser descartados de acordo com normas sanitárias e humanitárias. A grande questão enfrentada pela Suprema Corte dos Estados Unidos era se as normas estabelecidas pelo Conselho da cidade de Akron violavam os direitos das mulheres de se submeterem ao aborto e, consequentemente, o disposto na Emenda nº 14 à Constituição norte-americana. A Suprema Corte asseverou que as normas do Conselho da cidade de Akron eram inconstitucionais, porque elas limitavam a liberdade de escolha das mulheres em relação ao aborto, uma vez que dificultava muito a prática dos abortos não-terapêuticos. [23]

Em 1986, no caso Thornburgh v. American College of Obstetricians & Gynecologists (1986), discutiu-se uma legislação do Estado da Pennsylvania que trazia uma série de restrições à prática do aborto. A Lei estadual exigia, por exemplo, um consentimento informado da gestante, com todas as informações concernentes aos riscos do procedimento abortivo. Além disso, a norma estadual estabelecia o uso de determinadas técnicas médicas para a prática do aborto. Ao enfrentar o tema, a Suprema Corte asseverou que o consentimento informado, da forma estatuída pela legislação estadual, sem dúvidas, se intrometia na privacidade da relação profissional-paciente e era inconstitucional. Ademais, as informações acerca da viabilidade fetal eram feitas de forma ameaçadora, consistindo num verdadeiro assédio à privacidade da gestante. Por fim, a Corte entendeu que a necessidade de uma segunda avaliação médica para a realização do aborto era inconstitucional, ao interferir na saúde da gestante, ao causar um aumento do tempo de gestação, com impacto direto nos riscos médicos para a realização do procedimento abortivo. [24]

Em 1989, outro caso chegou ao conhecimento da Suprema Corte dos Estados Unidos. Trata-se do caso Webster v. Reproductive Health Services (1989). Em 1986, o Estado do Missouri estabeleceu uma norma que criava uma série de restrições para a prática do aborto. A lei estadual estabeleceu que instalações públicas não poderiam ser utilizadas para a prática de abortos não-terapêuticos. Além disso, a norma estadual aconselhava que a prática de aborto fosse proibida. A Suprema Corte dos Estados Unidos, ao analisar a questão, em uma decisão muito apertada, estabeleceu que a norma estadual era inconstitucional. A Corte entendeu que o direito constitucional ao aborto não criava uma ação afirmativa no sentido de obrigar os Estados a realizarem abortos não-terapêuticos com seus recursos próprios. Além disso, o mero aconselhamento das gestantes não violava o direito das mulheres de realizar o aborto. Por fim, a Corte entendeu que a exigência de testes de viabilidade fetal antes da prática do aborto era uma exigência razoável, uma vez que havia o interesse do Estado de proteger a vida do feto que atingisse o ponto de viabilidade, conforme disciplinado no caso Roe v. Wade (1973). [25]

Em Hodgson v. Minnesota (1990), discutia-se uma norma do Estado de Minnesota que regulava o acesso de mulheres menores de 18 (dezoito) anos de idade ao aborto. A Lei estadual determinava que as menores de idade só poderiam ser submetidas ao aborto se ambos os pais da menor fossem notificados a respeito do procedimento com 48 (quarenta e oito) horas de antecedência. Havia exceção apenas para os casos de emergência médica e de abuso sexual praticados pelos pais. Ao analisar o caso, a Corte Suprema entendeu que a norma estadual era inconstitucional, porque exigia a notificação de ambos os pais. No entanto, a Corte entendeu ser constitucional a notificação de um dos pais e o período razoável de 48 (quarenta e oito) horas de espera para a realização do aborto. [26]

Já em Rust v. Sullivan (1991), a controvérsia era em relação a um Fundo do Governo dos Estados Unidos destinado ao planejamento familiar, que limitava recursos para atividades relacionadas ao aborto. Discutia-se, assim, se a limitação do uso de recursos para a prática de aborto não violava o disposto nas Emendas nº 1 e 5 à Constituição norte-americana. A Suprema Corte entendeu que não havia ofensa à Constituição, uma vez que o Governo norte-americano poderia subsidiar o planejamento familiar, mas isso não significava que o Governo dos Estados Unidos era obrigado a subsidiar todas as formas de procedimentos contraceptivos análogos, tais como a prática de aborto. [27]

Outra discussão interessante sobre o direito ao aborto foi o caso Planned Parenthood of Southeastern Pennsylvania v. Casey (1992). Uma Lei estadual da Pennsylvania estabeleceu uma série de requisitos para a prática de aborto. Entre eles, exigiu a necessidade de um consentimento informado e de uma espera de 24 (vinte e quatro) horas para a realização do procedimento de aborto. Outros requisitos exigidos era o consentimento de um dos pais para a realização de abortos em gestantes menores de idade, bem como as mulheres casadas deveriam notificar seus maridos de sua intenção de praticar o aborto. A Suprema Corte, em uma decisão por 05 (cinco) votos a 04 (quatro), reafirmou o precedente Roe v. Wade (1973) e estabeleceu um novo parâmetro para a análise das Leis estaduais que versam sobre o tema. Esse novo parâmetro estabelecia que as Leis estaduais sobre aborto não poderiam criar obstáculos para o caminho das gestantes que desejassem realizar o aborto. Com esse novo parâmetro, a única regra que foi julgada inconstitucional pela Suprema Corte dos Estados Unidos foi a necessidade de notificação dos maridos para a realização do procedimento abortivo. [28]

Por fim, recentemente, houve o julgamento do caso Gonzalez v. Carhart (2007). Em 2003, o Congresso Nacional aprovou o "Partial-Birth Abortion Ban Act", que proibiu o aborto praticado após o nascimento parcial do feto. O conceito de "Partial-Birth Abortion", ou "aborto de parcialmente nascidos" é definido quando a morte do feto ocorre após sua cabeça ou seu tronco sair do corpo materno. Inconformado com a Lei federal, um médico chamado Leroy Carhart ajuizou uma demanda contra a interrupção dos abortos nos casos de nascimento parcial do feto. Posteriormente, o caso chegou ao conhecimento da Suprema Corte, com o questionamento se a Lei federal que proibiu o aborto de fetos nascidos parcialmente e induzidos à morte violava a liberdade pessoal protegida pela Emenda nº 5 à Constituição norte-americana, porque a Lei federal não excepcionava a hipótese da realização de abortos terapêuticos. Em uma decisão apertada (cinco votos a quatro), a Suprema Corte entendeu que a Lei federal era constitucional e não causava lesão ao direito ao aborto, pois a lei apenas limitava a utilização de uma técnica cirúrgica de aborto que, de forma desumana, induzia à morte fetos parcialmente nascidos. [29]

Por todo o exposto, sem ter a pretensão de esgotar o tema e de entrar na discussão acerca da ética da realização do aborto, [30] percebe-se que o povo norte-americano confere grande valor às chamadas liberdades individuais, o que se observa em diversas manifestações proferidas pela Suprema Corte daquele país. Entre elas, destaca-se o direito ao aborto. Verifica-se, ainda, que a partir do famoso caso Roe v. Wade (1973), a Suprema Corte posicionou-se de forma favorável ao aborto, com a adoção da corrente conhecida como Pro-Choice, com alguns temperamentos, em detrimento da corrente Pro-Life. Por outro lado, o caso Gonzalez v. Carhart (2007) representou, sem dúvida, uma vitória da corrente Pro-Life, mas que não chegou a abalar o precedente Roe v. Wade (1973), que ainda permanece intacto em seus principais fundamentos, o que garante a liberdade de escolha das mulheres para a realização do aborto.

Sobre o autor
Bruno Fontenele Cabral

Delegado de Polícia Federal. Mestre em Administração Pública pela UnB. Professor do Curso Ênfase e do Grancursos Online. Autor de 129 artigos e 12 livros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABRAL, Bruno Fontenele. Precedentes sobre a prática de aborto no direito norte-americano de 1973 a 2007. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2224, 3 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13256. Acesso em: 22 nov. 2024.

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