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Abuso de fiscalização x poder discricionário

Agenda 01/05/2000 às 00:00

Caio Tácito, em estudo denominado "O abuso do Poder Administrativo no Brasil", datado de 1959, dizia, a pretexto do tema apresentado, que "Autoridade e Legalidade são conceitos antinômicos que no entanto, se completam. O intervencionismo do Estado aumenta o poder das autoridades administrativas. Novos meios de ação lhes são atribuídos, mas o uso deles não pode exceder à margem da lei."

Esta premissa deve nortear a postura da fiscalização atual, pois como nos ensinava o mestre, o administrador público deve gozar de ampla área de competência para que possa agir com a esperada desenvoltura, observando, sempre, o patrulhamento das fronteiras da legalidade, de modo a vedar as excursões abusivas e manter o poder discricionário (dentre outras conceituações, um poder amplo, em virtude do qual a autoridade pode determinar medidas não estabelecidas a fim de solucionar questões de interesse público), que não pode ser confundido com poder arbitrário, que se estende o poder despótico, que extravasa a esfera da lei e não se enquadra na soma das atribuições, que se mostrem próprias e inerentes à autoridade.


A fiscalização, como ato administrativo nos apresenta dois aspectos práticos: o mérito e a legalidade, cabendo ao primeiro a análise da oportunidade e conveniência (que é a zona livre onde devem pairar as medidas administrativas), que tem por limite, justamente, o segundo, que pressupõe o limite da lei e, a nosso ver, principalmente, critérios mínimos de razoabilidade e bom senso, que não se pode prescindir, sob pena de justificável e feroz reação do contribuinte (aqui convertido de fiscalizado em vítima), na medida em que o terrorismo fiscalizatório insano confunda meios indiciários com meios incendiários (não se trata apenas de mera semântica).

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Tais considerações preliminares resultam de interessante consulta recebida de contribuinte que havia recebido solicitação telefônica (sic) da fiscalização estadual, determinando (sic de novo) que o mesmo, levantasse os conhecimentos recebidos de determinada transportadora, desde 1995, os fotocopiasse e, após a autenticação, os encaminhasse a agência de rendas, que, por sua vez, os encaminharia ao Fisco Paulista (que estava fiscalizando dita transportadora). Respondi ao nosso consulente, à luz da lei, que o contribuinte não podia se furtar a colaborar com a fiscalização, mas que a exigência, da forma colocada (não necessariamente pelo pedido em si), era bizarra, esdrúxula, equivocada, irresponsável, etc., pois o fato de devermos colaborar com a fiscalização não significa termos que efetuar o serviço a ela atribuída, devendo o contribuinte, aguardar a comunicação oficial, ou, em desejando, responder, sempre por escrito, que estava disponibilizando os referidos documentos e franqueando o acesso da fiscalização, em seu estabelecimento, para que ela efetuasse o levantamento, produzisse cópias desejadas, ou, mediante termo, recolhesse aqueles que julgasse conveniente.

Tal postura da empresa não representa obstáculos à fiscalização, notadamente, quando o volume de documentos envolvidos in casu, num levantamento apriorístico, girava em torno de 5.000 a 6.000 documentos, significando dizer que além de transferir o ônus público de levantar e fiscalizar, o Poder Público estaria transferindo um elevado ônus financeiro, pois além do custo de reprodução dos documentos, do tempo dispendido para tal pesquisa, a empresa teria que arcar com o custo da autenticação dos documentos, o que é, no mínimo, bizarro, pois, considerando-se tratar de documento que expressa valores, num simples cálculo aritmético, considerando-se que o custo da autenticação, por documento, gira em torno de R$ 3,60 a unidade, a fiscalização estaria impondo a este infeliz contribuinte um ônus (que é seu e os tribunais, mesmo os administrativos assim têm decidido) de, aproximadamente R$ 18.000,00.

Isto extrapola o limite da legalidade e da tolerância, sendo de bom alvitre que se respeite a fiscalização como importante para o exercício da autoridade pública, mas é urgente que se aproveite o momento e se eleja como o presente da moda o bom senso, pois infelizmente este não é um opcional de fábrica.

Sobre o autor
José Julberto Meira Junior

Advogado; Mestre em Direito Empresarial pelo Programa de Pós-Graduação do Centro Universitário Curitiba (2018) e especialista em Direito Tributário (1999) pelo IBEJ/FESP; Professor Universitário nos cursos de especialização da UNICENP, FAE BUSINESS, FESP, ABDCONST (Curitiba), FAG (Cascavel e Toledo), CTESOP (Assis Chateaubriand); UniOPET EAD (Curitiba); Instituto Navigare / Faculdade Stª Fé (São Luis – Maranhão), UFPR/Ciências Contábeis (Curitiba), PUC (Curitiba); com estágio docente realizado na Universidade de Santiago de Compostela (USC/Espanha); Membro do Comitê Tributário da OAB/PR; membro honorário do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT); membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná (IDT); membro do Comitê de Estudos Tributários, Fiscais e Contábeis do CRC/PR e do Conselho Temático Tributário da Federação das Indústrias do Paraná (FIEP). Lattes: http://lattes.cnpq.br/2581196308704093 E-mail: julberto@consult.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEIRA JUNIOR, José Julberto. Abuso de fiscalização x poder discricionário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1328. Acesso em: 22 dez. 2024.

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