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Portaria de instauração de processo administrativo disciplinar:

a descrição das acusações implica, de per si, impedimento da autoridade administrativa subscritora do ato para o julgamento do feito?

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Agenda 18/08/2009 às 00:00

5. Sistema disciplinar no direito federal brasileiro

No direito positivo federal pátrio, modelo reproduzido em quase todas as unidades federadas brasileiras, o processo administrativo disciplinar e a sindicância contra servidores públicos são regrados na Lei n. 8.112/1990, suplementada pelas disposições da Lei Geral de Processo Administrativo da União (Lei federal 9.784/99), vigorando o sistema semi-jurisdicionalizado, em que comissão processante, composta de três servidores estáveis, colhe as provas e formula acusação, se o caso, para julgamento pela autoridade administrativa competente, a qual pode, ou não, ser a mesma que instaurou o feito.

É assegurada ampla possibilidade de defesa ao acusado, o qual tem o direito de conhecer as acusações provisórias iniciais e os fatos contra ele articulados, sendo citado para acompanhar o processo punitivo, propor provas e contraprovas, participar da instrução ativa e passivamente, ser interrogado ao final da atividade instrutória e, sendo alvo de um juízo condenatório pelo colegiado disciplinar, deverá ser indiciado mediante peça (indiciação: art. 161, Lei federal n. 8.112/1990) em que serão deduzidos, em artigos, os pontos acusatórios, com a indicação das provas e fatos fundamentadores.

Segue-se a abertura de prazo para apresentação de peça escrita de defesa, a qual é apreciada, juntamente com todo o conjunto fático-probatório dos autos, pelo conselho trino, que oferecerá um relatório conclusivo com a proposta de julgamento à autoridade competente, a qual tem liberdade para formar seu convencimento, desde que com base nos elementos constantes do autuado, ainda que contrarie e deixe de acolher o juízo da trinca de disciplina.

Sucede ao ato decisório a absolvição ou a imposição da penalidade cabível, deferindo-se prazo para o oferecimento de pedido de reconsideração e/ou recurso administrativo, admitida, outrossim, a revisão do processo originário mediante processo revisional específico, autuado em apenso ao original, se surgirem novas provas ou circunstâncias que apontem para o erro no julgado administrativo sancionador, observadas as demais regras legais pertinentes.

Sendo assim, nota-se, salvo melhor juízo, que a autoridade administrativa, no modelo brasileiro de rito disciplinar, ao formular a descrição dos fatos objeto de apuração contra o servidor, não incorre em parcialidade, mas cumpre seu dever de dar a conhecer ao acusado o teor dos pretensos ilícitos cometidos, a bem do desforço defensório lastreado no conhecimento das teses de acusação.

Se o ato de instauração do processo administrativo disciplinar não distoa desse postulado, cingindo-se a autoridade administrativa, sem exaurir seu convencimento irreversível e peremptoriamente pela culpabilidade do servidor, atendo-se a fazer referência a fatos em tese, pretensa, suposta e possivelmente cometidos, não se antolha procedente o juízo de que a exposição inicial dos fatos teria logrado o condão de suprimir a imparcialidade do hierarca administrativo que deflagrou o feito sancionador, o qual, na verdade, se limitou a cumprir estritamente seu dever de mandar apurar as ocorrências.

Sendo assim, a hipótese se subsume ao entendimento jurisprudencial, no sentido de que o estrito cumprimento do dever legal do hierarca administrativo quanto à apuração dos fatos não determina a perda de imparcialidade da autoridade subscritora do ato deflagrador de processo disciplinar. Estabeleceu o Superior Tribunal de Justiça [29]:

Não configura o impedimento previsto no artigo 18 da Lei nº 9.784⁄1999 quando a atuação de quem se tem por impedido decorre do estrito cumprimento de um dever legal e não evidencia qualquer interesse direto ou indireto no deslinde da matéria.

Decidiu o Supremo Tribunal Federal [30]:

A simples circunstância de a comissão sugerir a remessa de pecas ao Ministério Público para exame do cabimento de ação penal não revela, por si só, parcialidade. No âmbito da Policia Federal, trata-se de providência imposta pela norma do artigo 427 do Decreto n. 59.310/66.

É mister que eventual alegação em contrário, no sentido de que a autoridade administrativa incorreria realmente em suspeição ou impedimento, seja cabalmente demonstrada, na esteira do entendimento jurisprudencial do colendo Superior Tribunal de Justiça, o qual enuncia que a alegação de falta de imparcialidade da autoridade instauradora ou da comissão do processo administrativo disciplinar

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deve estar comprovada de plano, não bastando sugestivas afirmações desprovidas de qualquer suporte fático. O simples indeferimento de produção de prova testemunhal e documental não é suficiente para caracterizar a perda da imparcialidade dos julgadores. [31]

110. Decidiu também o egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região [32]:

15. Se desprovida de comprovação, não prospera a argüição de suspeição de membros de comissão sindicante ou processante, apenas porque não investigaram ou indiciaram servidores hipoteticamente envolvidos no ilícito administrativo.


Conclusão

De todo o exposto, conclui-se que, no modelo disciplinar do direito federal pátrio, o mero cumprimento do dever da autoridade administrativa, instauradora do processo administrativo disciplinar, de expor os fatos objeto de apuração no feito sancionador, para fins de exercício do direito de contraditório e ampla defesa por parte do acusado, não implica, de per si, perda da imparcialidade do hierarca subscritor do ato vestibular.


REFERÊNCIAS

BARROS JÚNIOR, Carlos S. de. Do poder disciplinar na administração pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972.

BIELSA, Rafael. Derecho administrativo. Sexta edición, Buenos Aires: La Ley, 1964, tomos I a IV.

CAETANO, Marcelo. Manual de direito administrativo. 10ª.ed., Coimbra: Almedina, vol. I e II.

CARVALHO, A. A. Contreiras de. Estatuto dos funcionários públicos interpretado. 2a. ed., São Paulo e Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, vol. II, 1961.

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da administração pública. Brasília: Fortium, 2008.

COSTA, José Armando da. Teoria e prática do processo administrativo disciplinar. 2a.ed., Brasília: Brasília Jurídica, 1996.

______. Teoria e prática do processo administrativo disciplinar. 3ª.ed. rev. atual. e ampl., Brasília: Brasília Jurídica, 1999.

______. Teoria e prática do processo administrativo disciplinar. 5ª.ed. rev. atual. e ampl., Brasília: Brasília Jurídica, 2005.

HAURIOU, Maurice. Précis de droit administratif. Paris: Librairie du Recueil Sirey, 1933 et de droit public.

LAUBADÈRE, André. Traité Élémentaire de droit administratif. Paris: Librairie Générale de droit e de jurisprudence, 1953.

STASSINOPOULOS, Michel. Le droit de la dèfense devant les autorités administratives. Paris: Librairie Générale de droit e de jurisprudence, 1976, p. 185.

Vieira, Antônio. Sermões escolhidos. São Paulo: Martin Claret, 2005.

WALINE, M. Droit administratif. 8ª ed., Paris: Éditions Sirey.

ZAGO, Livia Maria Armentano K. Processo administrativo disciplinar. In: MEDAUAR, Odete (coordenadora). Processo administrativo: aspectos atuais. São Paulo: Cultural Paulista, 1998.


Notas

  1. Vieira, Antônio. Sermões escolhidos. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 60.
  2. COSTA, José Armando da. Teoria e prática do processo administrativo disciplinar. 2ª.ed., Brasília: Brasília Jurídica, 1996, p.133, 190-191.
  3. Lei 8.112/90: "Art. 172. O servidor que responder a processo disciplinar só poderá ser exonerado a pedido, ou aposentado voluntariamente, após a conclusão do processo e o cumprimento da penalidade, acaso aplicada." A jurisprudência dos Tribunais pátrios, todavia, tem limitado a impossibilidade da concessão de aposentadoria a pedido somente até o prazo máximo para conclusão do processo administrativo disciplinar: cento e quarenta dias, contados da publicação do ato de instauração, como se tratará em item deste capítulo infra.
  4. Curso de direito administrativo, p. 233.
  5. Op. cit., p. 234-235.
  6. CRUZ, José Raimundo Gomes da. O controle jurisdicional do processo disciplinar. São Paulo: Malheiros Editores, 1996, p. 300.
  7. KAFKA, Franz. O processo. Trad. Modesto Carone. 6ª ed., São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 82.
  8. SIMÕES, Luso Arnaldo Pedreira. Anotações sobre o processo administrativo disciplinar. In: Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo. São Paulo: Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, n. 16, junho-1980, , p. 263.
  9. Obra citada, p. 127.
  10. DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Processo administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 72.
  11. CAETANO, Marcelo. Manual de direito administrativo. 10ª.ed., Coimbra: Almedina, vol. I e II, p. 854.
  12. FILHO, Romeu Felipe Bacellar. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 205, 208, 222, 233-234.
  13. CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Manual de processo administrativo disciplinar e sindicância: à luz da jurisprudência dos tribunais e da casuística da administração pública. Brasília: Fortium, 2008, p. 292 ss.
  14. BIELSA, Rafael. Derecho administrativo. Sexta edición, Buenos Aires: La Ley, 1964, tomos I a IV, p. 361-362.
  15. CARVALHO, A. A. Contreiras de. Estatuto dos funcionários públicos interpretado. 2a. ed., São Paulo e Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, vol. II, 1961, p. 220.
  16. ZAGO, Livia Maria Armentano K. Processo administrativo disciplinar. In: MEDAUAR, Odete (coordenadora). Processo administrativo: aspectos atuais. São Paulo: Cultural Paulista, 1998, p. 379-401, p. 390-391.
  17. Op. cit., p. 363
  18. CAETANO, Marcelo. Manual de direito administrativo. 10ª.ed., Coimbra: Almedina, vol. I e II, p. 824.
  19. Obra citada, p. 824.
  20. COSTA, José Armando da. Teoria e prática do processo administrativo disciplinar. 5ª.ed. rev. atual. e ampl., Brasília: Brasília Jurídica, 2005, p. 367.
  21. WALINE, M. Droit administratif. 8ª ed., Paris: Éditions Sirey, p. 807-808.
  22. HAURIOU, Maurice. Précis de droit administratif. Paris: Librairie du Recueil Sirey, 1933 et de droit public, p. 762-764.
  23. LAUBADÈRE, André. Traité Élémentaire de droit administratif. Paris: Librairie Générale de droit e de jurisprudence, 1953, p. 709.
  24. Obra citada, p. 715-716.
  25. WALINE, M. Droit administratif. 8ª ed., Paris: Éditions Sirey, p. 808-809.
  26. CARVALHO, A. A. Contreiras de. Estatuto dos funcionários públicos interpretado. 2a. ed., São Paulo e Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, vol. II, 1961, p. 215-216.
  27. STASSINOPOULOS, Michel. Le droit de la dèfense devant les autorités administratives. Paris: Librairie Générale de droit e de jurisprudence, 1976, p. 185.
  28. JÚNIOR, Carlos S. de Barros. Do poder disciplinar na administração pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972, p. 163-165.
  29. RECURSO ESPECIAL Nº 585.156 - RN (2003⁄0158109-3), RELATOR: MINISTRO PAULO GALLOTTI, RECORRENTE : JOÃO MARIA DE ANDRADE LIMA, ADVOGADO : RIVANDI FREITAS DE MELO E OUTRO, RECORRIDO: UNIÃO, Sexta Turma, por unanimidade, Brasília (DF), 02 de outubro de 2008 (data do julgamento), DJe: 24/11/2008
  30. MS 21297/DF - DISTRITO FEDERAL, MANDADO DE SEGURANÇA, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Julgamento: 27/11/1991, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação DJ 28-02-1992 PP-02170, EMENT VOL-01651-02 PP-00233, RTJ VOL-00138-02 PP-00488..
  31. MS 8877/DF, 2003/0008702-2, relator o Ministro felix fischer, 3ª Seção, julgamento de 11.06.2003, DJ de 15.09.2003, p. 232.
  32. AC - APELAÇÃO CIVEL – 200434000194737, Processo: 200434000194737 UF: DF, Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA, Data da decisão: 03/09/2008, DJ de 16/09/2008, PAGINA: 66, Relator(a) DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ AMILCAR MACHADO, por unanimidade.
Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Portaria de instauração de processo administrativo disciplinar:: a descrição das acusações implica, de per si, impedimento da autoridade administrativa subscritora do ato para o julgamento do feito?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2239, 18 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13348. Acesso em: 18 nov. 2024.

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Título original: "A descrição das acusações, na portaria de instauração de processo administrativo disciplinar, implica, de per si, impedimento da autoridade administrativa subscritora do ato para o julgamento do feito?"

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