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Crimes sexuais. Breves considerações sobre os artigos 213 a 226 do CP, de acordo com a Lei nº 12.015/2009

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Agenda 26/08/2009 às 00:00

3. Violação sexual mediante fraude

Está assim prevista no CP:

Violação sexual mediante fraude

Art. 215.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.

Parágrafo único.  Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.

Art. 216. Revogado.

Antes da Lei 12.015/2009, tínhamos no CP os crimes de posse sexual mediante fraude (art. 215 - quando era levada a efeito conduta de manter conjunção carnal com mulher mediante fraude); e atentado violento ao pudor mediante fraude (art. 216 - quando se utilizava de fraude para conseguir ato libidinoso diverso da conjunção carnal com alguém). Atualmente, os dois artigos estão fundidos no art. 215. A pena aumentou. Eliminaram-se as qualificadoras antes previstas nos artigos 215 e 216.

3.1 Objetos jurídico e material

O objeto jurídico da infração penal em deslinde é a liberdade sexual. O objeto material pode ser tanto o homem quanto a mulher.

3.2 Sujeitos ativo e passivo

Também tanto o homem quanto a mulher podem, em regra, ser sujeitos ativo e passivo. Em se tratando de conjunção carnal, exige-se homem em um pólo e mulher no outro, pois a relação deve ser heterossexual, considerando que a conjunção carnal somente pode ocorrer com a introdução do pênis na vagina [07]. Não pode figurar como sujeito passivo menor de catorze anos, considerando que a relação sexual com pessoa nesta condição acarreta a incidência do art. 217-A do CP (estupro de vulnerável), seja a relação sexual conseguida de forma forçada, mediante fraude ou mesmo consentida.

3.3 Tipo objetivo

O delito descrito no art. 215 volta-se a reprimir as seguintes condutas: a) ter conjunção carnal com alguém mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de sua vontade; b) praticar outro ato libidinoso com alguém mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a sua livre manifestação de vontade.

Conforme já dito, conjunção carnal consiste na introdução do pênis na vagina, exclusivamente.

Ato libidinoso abarca todo ato relevante voltado à satisfação da lascívia.

O traço marcante do delito é a fraude como meio executório, daí a doutrina dar a ele o pseudônimo de "estelionato sexual". Explica Capez (2011, v. 3, p. 66) que:

A conduta do agente tanto pode consistir em induzir a vítima em erro como em aproveitar-se do erro dela. Na primeira hipótese, o próprio sujeito ativo provoca o erro na vítima; já na segunda, a vítima espontaneamente incorre em erro, mas o agente se aproveita dessa situação para manter com ela conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso. O erro pode se dar quanto à identidade do agente ou quanto à legitimidade da obtenção da prestação sexual. (Grifos nossos)

Conforme observado, a fraude faz a vítima ter uma falsa percepção da realidade quanto à identidade do agente ou quanto à legitimidade da obtenção da prestação sexual. Na primeira situação tem-se como exemplo o caso da moça que namora com uma pessoa que tem um irmão gêmeo, sendo que este finge ser o outro para que a vítima consinta com a relação sexual pretendida. Na segunda situação, cita-se o caso do curandeiro que convence mulher rústica a consentir que com ela se pratique ato libidinoso a pretexto de curar determinado mal.

A fraude empregada deve ser idônea a iludir, pois a fraude grosseira não pode ser considerada como meio executório do delito. A idoneidade da fraude deve ser averiguada no caso concreto, levando em conta as características da vítima.

Além da fraude expressamente mencionada, a Lei também considera que o delito em estudo pode ser praticado através de "outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima". O intérprete deve lançar mão da interpretação analógica para entender o que pode se enquadrar nesse "outro meio". Nesse sentido o magistério de Rogério Greco (2010, v. III, pp. 492-493):

Cuida-se, in casu, da chamada interpretação analógica, ou seja, esse outro meio utilizado deverá ter uma conotação fraudulenta, a fim de que o agente possa conseguir praticar as condutas previstas no tipo, a exemplo do que ocorre com a utilização de algum meio artificioso ou ardiloso, nos mesmos moldes previstos para o delito de estelionato.

Vislumbramos que a utilização da expressão "outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima" poderá causar confusões de interpretação, quando visualizamos que o art. 217-A, § 1º, considera estupro de vulnerável a prática de ato sexual com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.

Nesse andar, aquele que, por exemplo, dopa a vítima para manter relação sexual com ela desacordada, comete o crime do art. 217-A, § 1º, do CP, e não o previsto no art. 215 do CP.

Diante da problemática demonstrada, assim se posiciona Nucci (2009, p. 29):

Para compatibilizar os dois tipos penais, considerando-se, inclusive, a diversidade das penas, parece-nos seja a solução analisar o grau de resistência da vítima ou, sob outro ângulo, o grau de perturbação da sua livre manifestação. Quando houver resistência relativa ou perturbação relativa, logo, há alguma condição de haver inteligência sobre o ato sexual, embora não se possa considerar um juízo perfeito, poder-se-á cuidar da figura do art. 215. Entretanto, havendo resistência nula ou perturbação total, sem qualquer condição de entender o que se passa, dever-se-á tratar da figura do art. 217-A, § 1º.

Portanto, segundo o escólio transcrito, sendo totalmente eliminada a possibilidade de resistência da vítima, não há espaço para incidência do art. 215 do CP, este somente aplicável nos casos em que o outro meio fraudulento utilizado apenas reduza a sua capacidade de resistência.

No que diz respeito à conduta proscrita de praticar outro ato libidinoso com alguém mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima; importante perceber que está prevendo o tipo a incriminação da conduta do agente que "pratica" com alguém (ser humano) outro ato libidinoso nas condições explicitadas.

Diante disso, entende Rogério Greco (2010, v. III, p. 490) que se a vítima for levada, mediante fraude, a praticar ato libidinoso em si própria (p.ex.: masturbação) ou em alguém (p.ex.: felação), o fato será atípico. Por essa linha de raciocínio, portanto, para ocorrer o crime o ato deve ser praticado por alguém na vítima, e não o inverso. Confiram-se os ensinamentos de Cleber Masson (2011, v. 3, p. 40) sobre o assunto:

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Se, em razão da fraude ou expediente similar, a vítima é obrigada a praticar em si mesma atos sexuais (exemplo: automasturbação), ou então venha a praticar no agente algum ato libidinoso (exemplo: sexo oral), não se poderá reconhecer o crime de violação sexual mediante fraude.

Divergimos, em parte, desse entendimento.

Realmente a redação do art. 215 não foi das melhores. Entendemos, entretanto, ser possível harmonizar a sua interpretação com a vontade da lei (mens legis), defendendo que praticar abrange o "participar" (no sentido de "tomar parte em"); de modo que mesmo sendo passivo o comportamento do sujeito ativo no ato sexual (no caso, por exemplo, de sexo oral feito pela vítima no agente), entende-se estar ele praticando ato libidinoso.

Aliás, não é lógico entender que há crime em caso de conjunção carnal quando a vítima conduz a relação, ficando o agente passivo diante dos movimentos comandados por ela; e, de modo diverso, entendermos não haver crime no caso de sexo oral praticado pela vítima no violador. Desse modo, segundo pensamos, tanto o ter (ter conjunção carnal) como o praticar (praticar ato libidinoso) devem ser entendidos como tomar parte fisicamente no ato.

Agora, no caso de ausência de contato físico, quando a vítima, por exemplo, é levada a se automasturbar, não há como enquadramos a conduta nos termos do art. 215, que indubitavelmente exige contato físico para configuração do crime.

Por fim, ressaltamos que o art. 215 tem redação semelhante àquela constante no art. 217-A do CP. Compare-se:

Art. 215.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. (Grifos nossos)

Art. 217-A.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Grifos nossos)

Ora, quem defende não estar configurado o delito do art. 215 quando a vítima faz sexo oral no sujeito ativo; também terá que defender o entendimento (inaceitável, segundo pensamos) que será atípica a prática voluntária de sexo oral por uma criança em um adulto.

É por essa razão que, para manter a coerência, pensamos deva ser o núcleo praticar, tanto para efeitos do art. 215 quanto para efeitos do art. 217-A, entendido no sentido de "tomar parte no ato", até mesmo porque se fala, nos dois artigos, em praticar com (ou seja, juntamente com a vítima; e não apenas na vítima).

3.4 Tipo subjetivo

Defendemos que a infração penal em comento não exige elemento subjetivo do tipo específico. Há a exigência somente do dolo inerente à conduta. Não é punida a forma culposa por ausência de previsão legal. O parágrafo único diz que havendo finalidade de obter vantagem econômica com a prática do delito, deve-se aplicar, além da pena privativa de liberdade, multa.

3.5 Consumação e tentativa

O delito consuma-se, quando se tratar de conjunção carnal, com a introdução (parcial ou total) do pênis na vagina. Em se tratando de outros atos libidinosos, consuma-se com a efetiva prática de tais atos. A tentativa é perfeitamente possível.

Acaso a vítima, enganada pelo meio fraudulento utilizado, consinta com o ato sexual, e durante este perceba a fraude, mas mesmo assim resolva continuar, não haverá a incidência do art. 215 do CP. Por outro lado, se for forçada a continuar após perceber a fraude, deverá o agente responder por estupro (art. 213 do CP) [08].

3.6 Peculiaridade (calote em prostituta)

Sustentam Rogério Greco (2010, v. III, p. 498) e Cleber Masson (2011, v. 3, p. 43) que há violação sexual mediante fraude no caso do cliente que contrata prestação sexual de prostituta, porém após o ato não cumpre a promessa de pagamento antes feita.

Com a devida vênia, sustentamos posição contrária, pois no caso não houve erro por parte da suposta vítima quanto à identidade do agente nem quanto à legitimidade da relação sexual.

A prostituta se entregou espontaneamente ao cliente, de modo que o prejuízo não foi na sua liberdade sexual, mas sim em seu patrimônio (deixou de receber o dinheiro prometido). É bem diferente da situação da vítima que consente relação sexual com uma pessoa pensando que é outra, ou quando pensa que o ato consentido não tem caráter libidinoso, ou ainda, quando tem sua capacidade de resistência reduzida. Nesses casos é muito claro que não houve consciente liberdade de escolha do parceiro sexual por parte da vítima. Aí sim é cabível a reprimenda penal.

Ademais, se defendermos o raciocínio de que toda vez que houver promessa enganosa que levou a vítima a consentir relação sexual haverá violação sexual mediante fraude estaremos transformando várias situações cotidianas em criminosas. Aliás, antes das inovações introduzidas na Lei 12.015/2009 já se entendia (raciocínio que não vemos razões para reparos diante do novel diploma legal) não haver estelionato sexual no caso de falsa promessa de casamento que levou a vítima a ter conjunção carnal com o agente [09].

Do mesmo modo, não vislumbramos a ocorrência do crime, por exemplo, no caso de suposta vítima que se entrega a um agente porque este lhe prometeu um emprego, mas que depois não cumpre com o prometido.

Note-se que em todos esses casos a pessoa teve liberdade de escolha do parceiro, apesar dessa escolha ter sido motivada por um interesse pessoal não satisfeito. E isso não é suficiente, segundo pensamos, para configurar o crime do art. 215 do CP.


4. Assédio sexual

Atualmente apresenta a seguinte tipificação:

Assédio sexual

Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

Parágrafo único. (VETADO)

§ 2º  A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

A Lei 12.015/2009 apenas incluiu o § 2º no artigo em evidência, trazendo uma causa especial de aumento de pena quando a vítima é menor de idade.

4.1 Objetos jurídico e material

O tipo em foco tem como objeto jurídico a liberdade sexual, e como objeto material a pessoa (homem ou mulher) contra qual é dirigida a conduta tipificada.

4.2 Sujeitos ativo e passivo

Trata-se de crime próprio, pois somente pode ser praticado (sujeito ativo) por pessoa que está na condição de superior hierárquico da vítima ou que tem ascendência sobre esta, em ambos os casos inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. "O sujeito passivo também é próprio, exigindo o tipo uma condição especial sua, qual seja, ser subalterno do autor" (CUNHA, 2010, v. 3, p. 254).

4.3 Tipo objetivo

O núcleo do tipo é o verbo constranger, que possui significado diferente do mesmo vocábulo utilizado para tipificação do crime de estupro. Para efeitos de assédio sexual, constranger significa embaraçar, perseguir com propostas, importunar etc; pois não é meio executório de tal delito violência ou grave ameaça. Não configura o constrangimento proscrito pequenos gracejos ou mesmo convites inoportunos, mas de reduzidíssima ofensividade.

Em sentido similar, o pensamento de Pierangeli e Souza (2010, p. 47):

Indispensável, pois, que o constrangimento objetive uma vantagem ou favorecimento sexual, mas esses favores luxuriosos devem constituir algo de significação, de satisfação da libido. Caso contrário, estar-se-á sancionando a solicitação de afeto ou de companhia, o que seria uma aberração legislativa.

Que não se veja o delito de assédio sexual em um convite para um jantar, para um baile, para assistir a uma peça teatral, na entrega de um ramalhete de flores, e outros mimos e presentes, ainda que possa estar na mente de quem fez o convite um relacionamento mais íntimo.

Sem imposição ou intimidação, o delito não se integra, porque não há constrangimento, nem ameaça. Indispensável, pois, que se coloque a vítima em uma situação gravemente intimidadora, hostil ou humilhante.

Para melhor aclarar a noção de assédio sexual, veja-se a definição dada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) ao mesmo [10]:

Atos, insinuações, contatos físicos forçados, convites impertinentes, desde que apresentem uma das características a seguir: a) ser uma condição clara para manter o emprego; b) influir nas promoções da carreira do assediado; c) prejudicar o rendimento profissional, humilhar, insultar ou intimidar a vítima.

Entendemos que não podem funcionar como meio executório do assédio sexual a violência ou grave ameaça, pois se utilizados tais meios ocorrerá estupro, tentado ou consumado, conforme o caso [11]. Pode haver ameaça objetivando o contato sexual, porém esta não poderá ser qualificada como "grave".

A séria importunação deve ocorrer mediante abuso da condição superior (por hierarquia ou ascendência) do sujeito ativo em face da vítima, levando em conta relações de trabalho. Desse modo, o assédio levado a efeito por pessoa que ocupa posto laboral similar ou inferior ao da vítima não leva à caracterização do delito.

A condição de superior hierárquico prevista no tipo somente é possível no âmbito da Administração Pública, segundo posição doutrinária predominante. A ascendência tem relação com a superioridade exercida nas relações privadas de trabalho. Nesse andar Nucci (2006, p. 828) propõe a seguinte delimitação:

Superior hierárquico:

trata-se de expressão utilizada para designar o funcionário possuidor de maior autoridade na estrutura administrativa pública, civil ou militar, que possui poder de mando sobre os outros. Não se admite, nesse contexto, a relação de subordinação existente na esfera civil.

[…]

Ascendência: significa superioridade ou preponderância. No caso presente, refere-se ao maior poder de mando, que possui um indivíduo, na relação de emprego, com relação a outro. Liga-se ao setor privado, podendo tratar-se tanto do dono da empresa, quanto do gerente ou outro chefe, também empregado.

Para ocorrer o assédio sexual incriminado, deve a condição de superior do agente ser determinante para a importunação da vítima. Isso se extrai com clareza da expressão "prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função" contida na Lei. Emprego consiste em relação trabalhista privada não eventual; cargo diz respeito ao posto criado dentro da estrutura da Administração Pública; e função consiste no conjunto de atribuições inerentes ao serviço público, não correspondentes a um cargo ou emprego [12].

Afirmam Mirabete e Fabbrini (2008, v. 2, p. 422) o seguinte:

Para que haja o crime, é indispensável que o sujeito ativo se prevaleça de sua condição de superioridade, de sua relação de mando no trabalho público ou particular e que exista o temor por parte da vítima de que venha a ser demitida, que não consiga obter promoção ou outro emprego etc. pela conduta expressa ou implícita do agente.

É indispensável também para a configuração do delito que o sujeito ativo se prevaleça de sua condição de superioridade, de sua relação de mando no trabalho público ou particular.

Assim, pode ocorrer uma grave importunação por parte do superior em relação ao subalterno sem que isso caracterize assédio sexual, se tal importunação, mesmo tendo ocorrido no ambiente de trabalho, não tiver vinculação com as relações laborais. Por exemplo: se o chefe propuser para a subalterna, sem qualquer insinuação de prejuízo ou vantagem no trabalho; que acaso ela se relacione sexualmente com ele, ganhará um apartamento, isto nada tem a ver com a relação laboral (não existe, portanto, assédio sexual incriminado), mesmo que a cantada tenha ocorrido no ambiente laboral. Eis mais doutrina sobre este ponto (GRECO, 2010, v. III, p. 500):

No delito de assédio sexual, partindo do pressuposto de que o seu núcleo prevê uma modalidade especial de constrangimento, devemos entendê-lo praticado com ações por parte do sujeito ativo que, na ausência de receptividade pelo sujeito passivo, farão com que este se veja prejudicado em seu trabalho, havendo, assim, expressa ou implicitamente, uma ameaça. No entanto, essa ameaça deverá sempre estar ligada ao exercício de emprego, cargo ou função, seja rebaixando a vítima de posto, colocando-a em lugar pior de trabalho, enfim, deverá sempre estar vinculada a essa relação hierárquica ou de ascendência, como determina a redação legal.

A exigência de que o embaraço imposto tenha vinculação com as relações laborais não conduz, entretanto, ao raciocínio de que o assédio somente possa ocorrer no ambiente de trabalho, como bem esclarece Luiz Regis Prado (2008, v. 2, p. 659):

O tipo legal não alcança tão-somente o assédio sexual ambiental (praticado no ambiente de trabalho), visto que a conduta delitiva poderá ser perpetrada fora do espaço físico laboral, desde que o agente se utilize de sua condição de superior hierárquico ou de sua ascendência sobre a vítima para assediá-la.

A doutrina, conforme já largamente demonstrado, preocupa-se em distinguir a mera cantada, sem qualquer intimidação, ocorrida nas relações de trabalho entre superior e subalterno, do assédio incriminado, no qual há o abuso, o constrangimento, a violação da dignidade sexual da vítima. Para bem entender essa diferenciação, leiam-se os seguintes exemplos dados por Cleber Masson (2011, v. 3, p. 52):

a) o superior insiste à pessoa subalterna o namoro ou casamento, sem qualquer tipo de intimidação: não há assédio sexual;

b) o superior propõe à pessoa subalterna a relação sexual, sem intimidá-la: não há assédio sexual; e

c) o superior constrange a pessoa subalterna com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, mediante sua intimidação com amparo nos poderes advindos da sua posição hierárquica ou de ascendência: há crime de assédio sexual.

Nota-se, portanto, que não se deve entender que qualquer cantada dada pelo superior no subalterno, mesmo que no local de trabalho e com objetivos libidinosos, seja assédio sexual. Para que este ocorra, é imprescindível a intimidação da vítima, mesmo que seja por gestos, insinuações etc., pois o crime estudado é de forma livre (admite qualquer meio de execução).

4.4 Tipo subjetivo

Quanto ao elemento subjetivo do delito, inicialmente pondere-se que ele somente admite a forma dolosa, não havendo previsão de modalidade culposa. Há a exigência de finalidade especial do agente (elemento subjetivo do tipo específico) consistente no "intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual".

De acordo com Nucci (2006, p.827): "[...] vantagem quer dizer ganho ou proveito; favorecimento significa benefício ou agrado. Na essência, são termos correlatos e teria sido suficiente utilizar apenas um deles na construção do tipo penal, pois, na prática, é impossível diferenciá-los com segurança".

Destarte, o objetivo do agente deve ser, abusando de sua condição de superioridade por hierarquia ou ascendência, envolver o subalterno em uma prática de natureza libidinosa. Essa vantagem ou favorecimento sexual pode ser tanto para o próprio agente quanto para terceiros. Daí Fernando Capez (2011, v. 3, p. 74) tecer as seguintes ponderações:

A vantagem ou o favorecimento sexual pode ser para o próprio agente ou para outrem (p.ex., um amigo), ainda que este desconheça esse propósito do agente. Caso o terceiro tenha ciência e queira a obtenção desses benefícios sexuais, haverá o concurso de pessoas.

De fato, o terceiro beneficiado com a conduta proscrita do assediador pode responder ou não pelo delito, dependendo se colaborou ou não para sua prática, pois assim como pode atuar de boa-fé, pode também assumir a posição de concorrente (art. 29 do CP) na prática delitiva.

4.5 Consumação e tentativa

A consumação se dá com o ato de constranger a vítima (mesmo que seja um único ato, pois não exige habitualidade). Trata-se de crime formal. Ocorrendo a vantagem ou favorecimento sexual objetivados pelo agente ter-se-á o exaurimento do crime, que não pode ser confundido com a consumação, que, conforme já dito, se dá com o constrangimento do sujeito passivo [13].

A tentativa é possível, apesar de difícil ocorrência. Hipótese da modalidade tentada se dá quando o assédio é veiculado por escrito (carta, bilhete etc.), sendo o documento interceptado antes de chegar ao conhecimento da vítima, evitando-se assim que esta seja constrangida (isto porque se ocorrer o constrangimento, o crime estará consumado) [14].

4.6 Forma majorada

Está prevista no § 2º do art. 216-A, a seguinte majorante:  "A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos". Referido parágrafo foi incluído pela Lei nº 12.015/2009.

Primeiramente, cabe destacar o equívoco do legislador que incluiu um § 2º sem haver § 1º no art. 216-A. O correto seria, portanto, ter incluído um parágrafo único.

Outro problema com o dispositivo foi não estabelecer a proporção mínima de aumento. Fala-se apenas que a proporção máxima deve ser de um terço. Para corrigir essa falha a doutrina tem se posicionado no sentido de que a proporção mínima de aumento deve ser de um sexto, conforme é praxe nas demais causas de aumento previstas no Código Penal [15].

Quanto à incidência da majorante, esta se dará, conforme espelha objetivamente o § 2º, se o fato ocorrer quando a vítima ainda não tenha completado dezoito anos. Idade esta que deve ser comprovada através de documento idôneo (art. 155, parágrafo único, do CPP). Acaso o agente demonstre que desconhecia a idade da vítima, a incidência do erro de tipo poderá afastar a aplicação da causa de aumento.

4.7 Outras peculiaridades

A seguir destacamos algumas particularidades relacionadas ao delito de assédio sexual:

a) não há assédio sexual quando o constrangimento parte de professor em relação a alunos, pois estes não são funcionários do estabelecimento de ensino (o assédio pressupõe o exercício de emprego, cargo ou função por parte do assediado) [16];

b) também não ocorre a infração penal em deslinde quando se tratar de assédio de líder religioso em face de fiéis tidos como subalternos na organização religiosa [17], pois também entre eles não há relação laborativa;

c) é possível o assédio sexual do patrão em face da empregada doméstica, pois neste caso há um exercício de emprego por parte da vítima. Em se tratando de doméstica diarista, entendemos não haver essa possibilidade, pois não há exercício de emprego, visto exigir este o traço característico de trabalho não eventual [18];

d) acaso o assédio seja dirigido a pessoa com menos de catorze anos o caso será de estupro de vulnerável (art. 217-A), consumado (se o posterior ato sexual ocorrer) ou tentado (acaso haja apenas o constrangimento sem a realização do ato libidinoso pretendido) [19].

Sobre o autor
Gecivaldo Vasconcelos Ferreira

Delegado de Polícia Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Gecivaldo Vasconcelos. Crimes sexuais. Breves considerações sobre os artigos 213 a 226 do CP, de acordo com a Lei nº 12.015/2009. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2247, 26 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13392. Acesso em: 16 nov. 2024.

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