Capítulo I – O Aquecimento.
Sexta-Feira 13 ou "Friday the 13th" é uma longa série de filmes de horror dos EUA criada pelo diretor Sean S. Cunninghan.
O primeiro filme é de 1980. Todos os outros, exceto o primeiro e o quinto, estrelam Jason Voorhees como o matador em série. O personagem acabou por se tornar um ícone dos filmes de horror. Sua principal característica é a utilização de uma máscara de hóquei para não expor a terceiros seu horrível rosto.
Jason Voorhees supostamente fora afogado na lago "Crystal Lake", próximo do "Camp Crystal Lake" por negligência dos monitores que estavam fazendo sexo. Pamela era a cozinheira do acampamento. Então, no dia 13 de junho de 1958, à noite, Pamela Voorhees, num ato de vingança, executou os dois conselheiros (Claudette e Barry) e mais sete monitores. Porém, uma das perseguidas consegue decapitar a mãe de Jason (no primeiro filme da série Sexta-feira 13, quem matava as pessoas não era Jason e sim Pamela). Reza a lenda que, vendo sua mãe decapitada, ele volta para aniquilar todos que cruzam seu caminho. A cada vez que Jason retorna, ele volta mais forte. [01]
Aproveitando o mote, a torcida do São Paulo Futebol Clube - equipe que começou mal o campeonato brasileiro de futebol deste ano, trocou de técnico e foi se recuperando aos poucos, fazendo "vítimas" a cada partida, terminando a 19ª rodada do campeonato em 4º lugar, a quatro pontos do líder – começou uma brincadeira que logo se espalhou pelos estádios: os torcedores se apresentam caracterizados com a máscara de Jason, comparando o time ao personagem do filme "Sexta-feira 13", que voltava para aterrorizar suas vítimas quando achavam que já estava morto. É a chamada "Jason Mania".
Capítulo II – 1º tempo: A proibição
O narrador Sílvio Luiz diria: "Acerte o seu aí que eu arredondo o meu aqui; está valendo!".
Na contramão da empolgação dos torcedores são-paulinos, a Polícia Militar do Estado de São Paulo proibiu o uso das máscaras por medida de segurança, sob o fundamento de que o acessório atrapalha no reconhecimento de infratores.
"Sabemos que é uma alusão ao time, ao momento do time. Mas o torcedor pode entrar com o intuito de fazer só uma simbologia, mas na hora da saída ele pode arrumar um problema e ai não conseguiremos identificá-lo por estar com a máscara", explicou o Tenenete-Coronel Policial Militar Almir Ribeiro, Comandante do 2º Batalhão de Choque da PM, responsável pelo policiamento interno nos estádios.
A prevalecer o entendimento da autoridade policial, não será permitida a presença de torcedores usando máscaras cirúrgicas em estádios do futebol paulista, mesmo em tempo de ataque do vírus H1N1 (gripe suína).
Voltando ao tema central, imediatamente, vozes se levantaram a favor e contra a medida tomada pela Polícia Militar do Estado de São Paulo. A própria diretoria do São Paulo Futebol Clube manteve contato com a cúpula da polícia paulista, a fim de equacionar a questão.
A medida adotada tem um objetivo louvável: coibir a violência que abala o futebol e afasta a família dos estádios. Busca evitar que os maus torcedores, incentivados pela impossibilidade de serem reconhecidos, participem das "guerras" entre as torcidas, embates selvagens que, muitas vezes, terminam em mortes.
No entanto, a proibição do uso da máscara teria efetividade como medida preventiva da violência entre as torcidas? Respeitaria os direitos fundamentais dos cidadãos? As respostas a tais indagações são o centro do presente estudo.
Ainda hoje é possível puxar pela memória que, muito antes da "Jason Mania", a violência das torcidas organizadas fez inúmeras vítimas. Aqueles que acompanham o futebol se recordam da morte de um torcedor são-paulino, no ano de 1995, após a final da Supercopa dos Campeões da Copa São Paulo, jogo que ficou marcado pelas imagens dramáticas da batalha campal promovida por facções de torcedores após o jogo. Mais recentemente, a partida entre Corinthians e Vasco da Gama foi precedida de uma briga generalizada, quando torcedores do time paulista cercaram os ônibus dos cariocas que chegavam à capital paulista e o saldo foi um torcedor morto.
Exemplos como os acima referidos são vários, infelizmente, todos muito antes do uso da máscara. Naqueles episódios, como em vários outros, os torcedores estavam de "cara limpa" e pouquíssimos foram identificados, embora numerosa a turba de selvagens.
A proibição do uso da máscara parece estar fadada ao mesmo destino de outras medidas pouco eficazes tomadas pelos responsáveis pela segurança do futebol paulista [02]. Já vai longe a proibição de bandeiras com mastros e instrumentos musicais; de lá para cá as arquibancadas ficaram mais tristes e burocráticas e o número de vítimas da violência não para de crescer. Os torcedores paulistas sentem inveja dos colegas cariocas e mineiros, que, a cada jogo, protagonizam verdadeiros espetáculos de cor e som para saudar o time do coração.
Benjamin Back, colunista do diário esportivo "Lance!", escreveu que o problema não está no "Jason". "...quantas confusões já não aconteceram com as câmeras filmando tudo, mostrando o rosto dos hooligans tupiniquins e simplesmente nada aconteceu? A demagogia impera." [03]
Guilherme Gomes, no mesmo periódico, concorda com seu colega: "Um dado é alarmante: Nunca um torcedor foi identificado e punido pelas imagens de circuito interno e de TV. É preciso cobrar maior eficiência das autoridades nesse quesito. Será Jason o grande vilão da segurança pública e do futebol?". [04]
Valdomiro Neto, colunista do mesmo periódico, também demonstra insatisfação com o ocorrido. "Bandeiras e instrumentos musicais foram banidos na década de 90. Para reprimir os vândalos, apaga-se a luz do salão. E nas entrelinhas fica o recado: não temos como coibir a violência sem punir a fanfarra". [05]
Divergindo das opiniões acima, Marcos Marinho, o "Coronel Marinho", que já foi responsável pelo policiamento nos estádios em São Paulo, declara: "Esse tipo de manifestação da torcida infelizmente contribui para o anonimato do torcedor dentro do estádio". [06]
A questão está posta e o conflito identificado: de um lado, os defensores da proibição do uso do adereço, de outro os defensores da alegria nas arquibancadas. Duas opiniões em conflito, tal como duas equipes prontas para disputar uma partida.
Para resolver o conflito, no caso, não basta uma partida de futebol entre os partidários de uma e de outra opinião. Deve-se buscar na ciência do Direito uma solução para o conflito de interesses.
Capítulo III – Segundo tempo: o Direito.
Em uma democracia e mais precisamente na plenitude do Estado Democrático de Direito, é direito conferido ao cidadão pela Constituição Federal, no inciso IV, do art. 5º, manifestar-se, articulando seu pensamento, restringindo a lei somente o anonimato.
Na mesma esteira, registra-se que Constituição Federal também assegura a livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, vale dizer, que para tal manifestação, ninguém precisa pedir autorização a quem quer que seja, conforme previsto no inciso IX, ainda do art. 5º.
Assim, não há dúvida quanto ao direito do cidadão em poder manifestar-se.
No que diz respeito ao anonimato, a proibição da anonímia não se aplica ao caso em tela, uma vez que o eventual transgressor poderá, uma vez detido e retirada a máscara, ser identificado. A parte final do inciso IV, do art. 5º, da Constituição Federal, dirige-se, especificamente, às manifestações escritas.
Celso Bastos [07] ensina:
O pensamento pode ser expressado por várias formas. Uma delas é a de expressar-se para pessoas indeterminadas, o que pode ser feito através de livros, jornais, rádio e televisão. É fácil imaginar que esse direito exercido irresponsavelmente tornar-se uma fonte de insegurança para a sociedade. Entre outras coisas, a veiculação de informações inverídicas, inevitavelmente causaria danos morais e patrimoniais às pessoas referidas.
Assim, a prática adotada pela torcida do São Paulo Futebol Clube, de se apresentar caracterizada com a máscara de Jason, comparando o time ao personagem do filme "Sexta-feira 13", que voltava para aterrorizar suas vítimas quando achavam que já estava morto, a chamada "Jason Mania", tem pleno amparo constitucional, haja vista a garantia ao direito fundamental de livre expressão do pensamento.
Certo é que mesmo um direito fundamental pode conhecer limitações.
Por restrição de um direito fundamental entende-se a limitação ou diminuição do âmbito material de incidência da norma concessiva, tornando mais estreito o núcleo protegido pelo dispositivo constitucional, interferindo diretamente no conteúdo do direito fundamental a que a norma visa a proteger.
A característica da limitabilidade não é indispensável à existência dos direitos fundamentais, mas decorre de uma necessidade externa ao direito, a de compatibilizar os direitos de diferentes indivíduos, como também os direitos individuais e os bens coletivos. [08]
Os direitos fundamentais, embora detentores da característica da imprescritibilidade, não são direitos absolutos, pois, no ordenamento jurídico, como sistema que é [09], todas as posições jurídicas são limitadas, por se encontrarem em relação próxima entre si e com outros bens constitucionalmente protegidos.
A modernidade, segundo Boaventura de Souza Santos, [10] confinou-nos numa ética individualista, uma microética que nos impede de pedir, ou sequer de pensar responsabilidades por acontecimentos globais, como a catástrofe nuclear ou ecológica, em que todos, mas ninguém individualmente, parecem poder ser responsabilizados. A inadequação de uma teoria tradicional dos direitos fundamentais reside justamente nesta questão: os direitos são considerados a partir de uma ética individualista, que está em choque com uma sociedade que exige uma macroética, na qual as responsabilidades e as relações mostram-se essencialmente coletivas.
Os direitos e as garantias individuais não mais podem ser apreciados a partir de uma esfera absoluta de titularidade individual, pois as ações da humanidade, bem como suas conseqüências, estão centradas na esfera do difuso, onde se mostra impossível a determinação específica das titularidades das pretensões: crimes da macrocriminalidade; invasão da privacidade por meio da "Internet"; agressões contra o meio ambiente; criminalidade organizada internacional; catástrofes nucleares etc. [11]
Nesse pensar, vislumbra-se a possibilidade de serem impostas limitações aos direitos fundamentais.
Referidas restrições podem ser de duas ordens:
- restrições ou limites expressos na Constituição, englobando as restrições diretamente constitucionais (previstas expressamente na Constituição) e as restrições efetuadas pela legislação infraconstitucional com expressa autorização da Constituição (restrições indiretamente constitucionais), e
- restrições ou limites imanentes, que decorram da convivência dos direitos e que, portanto, não se encontram expressos na Constituição, mas decorrem de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico como um todo.
O primeiro grupo de restrições aos direitos fundamentais é composto da seguinte maneira: [12]
A - Restrições que decorrem direta e expressamente da Constituição: a própria Constituição, ao conferir o direito, estabelece a hipótese de restrição. Ou seja, o direito é conferido agregado a sua restrição. Exemplos: a liberdade de expressão, prevista no artigo 5º, inciso IV [13]; a inviolabilidade de domicílio, sendo que o próprio texto da Constituição Federal restringe tal direito em caso de flagrante delito, ou desastre, ou para prestar socorro [14]; o direito à propriedade cuja utilização pelo Poder Público é permitida no caso de iminente perigo público. [15]
B - Restrições cuja imposição pela lei infraconstitucional está autorizada pela Constituição: nessa hipótese restritiva, a Constituição expressamente autoriza que a restrição ao direito fundamental seja imposta pela legislação infraconstitucional, sendo o controle da constitucionalidade dessas restrições efetuado pelo princípio da proporcionalidade. Exemplos: a liberdade no exercício de trabalho, ofício ou profissão prevista no artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Federal [16] e artigo 8º, da Lei 8.906/94 (Estatuto dos Advogados), que torna obrigatória a aprovação no exame de Ordem para exercício da advocacia; a pessoalidade da pena criminal, permitindo-se à legislação infraconstitucional que estabeleça o cumprimento, pelos sucessores, da reparação de danos e do perdimento de bens, prevista no artigo 5º, inciso XLV [17].
C - Restrições cuja imposição pelo Poder Judiciário está autorizada pela Constituição: essa hipótese de autorização constitucional para limitação aos direitos fundamentais embasa-se no poder conferido diretamente pela Constituição ao magistrado, na qualidade de agente político integrante de um dos Poderes da República. A peculiaridade dessa espécie de autorização reside no fato de que cabe ao Poder Judiciário, no exercício de sua função típica (jurisdição), preencher, no caso concreto, respeitadas as garantias constitucionais, os elementos fáticos e jurídicos autorizadores da mitigação dos direitos fundamentais. A Constituição, ao prever a possibilidade da restrição ao direito, descreve, abstratamente, os pressupostos de sua incidência, delegando ao magistrado a adequação concreta desses postulados. A restrição somente pode ser constatada a partir da junção de dois fenômenos distintos, quais sejam, a previsão constitucional abstrata e a fundamentação concreta do juiz. Exemplos: o direito à inviolabilidade do domicílio e a possibilidade de, durante o dia, por ordem judicial, ser limitado o direito (artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal); o direito à liberdade, passível de restrição em caso de, no que interessa ao estudo do presente tópico, ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente (artigo 5º, inciso LXI, da Constituição Federal). [18]
Examinados os casos de possibilidade de restrições ou limitações expressas na Constituição Federal, resta analisar, agora, os casos de restrições ou limites imanentes, que decorrem da convivência dos direitos e que, portanto, não se encontram expressos na Constituição, mas decorrem de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico.
A concepção teórica dos limites imanentes possui estreita ligação com o caráter de princípio dos direitos fundamentais. Os princípios são mandados de otimização que são caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus, e que a medida devida de seu cumprimento não somente depende das possibilidades reais senão também das jurídicas, não contendo mandados definitivos senão somente prima facie.
Dessa idéia decorre que os direitos fundamentais, em sua maioria, não são previamente limitados (existência de uma norma restritiva), senão que as limitações decorrem de questões ligadas a aspectos externos a sua concepção original, em virtude da necessidade concreta e prática de convivência com outras esferas, individuais ou coletivas, constitucionalmente protegidas.
Como já referido anteriormente, quando dois princípios jurídicos entram em colisão irreversível, um deles obrigatoriamente tem de ceder diante do outro, o que não significa que haja a necessidade de ser declarada a invalidade de um dos princípios, mas sim apenas que, sob determinadas condições, um princípio tem mais peso ou importância do que outro, ao passo que, em outras circunstâncias, poderá ocorrer o inverso.
Em se tratando de restrições (limites) imanentes aos direitos fundamentais, a ponderação entre os bens em conflito é um método constitucionalmente adequado à preservação dos respectivos núcleos essenciais. A ponderação de bens, no caso concreto, é um método de desenvolvimento do Direito que se presta a solucionar colisões de normas, bem como para delimitar as esferas de aplicação das normas que se entrecruzam e, com isso, concretizar os direitos cujo âmbito ficou em aberto, estabelecendo-se uma clara prevalência valorativa dos bens tutelados pela Constituição Federal, o que determina que a lesão de um bem não deve ir além do que é necessário ou, pelo menos, "defensável", em virtude de outro bem ou de um objetivo jurídico reconhecido como de grau superior em determinada situação levada ao conhecimento do intérprete. [19]
A ponderação ou o balanceamento de bens para a solução de conflitos de bens constitucionais, segundo J. J. Gomes Canotilho, [20] pressupõe a existência de, pelo menos, dois bens ou direitos cujos suportes fáticos e jurídicos se entrecruzem de modo a impedir a realização de seus objetivos em toda a sua intensidade. Ou seja, o intérprete se depara com uma colisão entre dois ou mais direitos constitucionais, traduzindo uma impossibilidade de convivência em sua plenitude dos respectivos núcleos protegidos. Como segundo elemento para a aplicação da ponderação, de acordo com o mesmo autor, é necessária a inexistência de norma abstrata prevendo a prevalência de um dos direitos em conflito, pois nesse caso o balanceamento e a opção sobre a ascendência hierárquica teriam sido resolvidas pela própria norma constitucional.
Por fim, são indispensáveis a justificação e a motivação da regra de prevalência parcial assente na ponderação, tendo-se presente o princípio da segurança jurídica.
Ou seja, a fundamentação sobre a necessidade e a extensão dos limites a serem impostos aos direitos fundamentais, bem como o resultado da aplicação da ponderação (elegendo-se o princípio de maior valor no caso concreto), são requisitos inafastáveis, pois conferem racionalidade ao método.
Não há uma lista abstrata estabelecendo a prevalência de alguns princípios sobre outros, mas em cada situação concreta é possível efetuar-se a hierarquização para o caso, conforme os pesos prevalecentes, devendo a situação ser resolvida pela máxima da unidade da Constituição, segundo a qual todas as normas contidas numa Constituição têm igual dignidade abstrata.
De acordo com o princípio da proporcionalidade, sempre que haja restrições colidentes com direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, o intérprete deve atuar segundo o princípio da justa medida, vale dizer, deve atuar escolhendo, dentre as medidas necessárias para atingir os fins legais, aquelas que impliquem o sacrifício mínimo dos direitos dos cidadãos. As restrições que afetem os direitos e interesses destes têm como limite a imprescindibilidade da garantia do interesse público, não devendo ser utilizadas medidas mais gravosas quando outras que o sejam menos forem suficientes para atingir os fins da lei.
Em seu sentido amplo, portanto, quer significar o princípio da proporcionalidade a proibição do excesso, o que equivale a dizer que as restrições a direitos somente podem ser efetuadas se houver estrita necessidade para a preservação de outras posições constitucionalmente protegidas. O Poder Público deve agir estritamente na busca do interesse público. A finalidade, e não a vontade, é que preside a ação da autoridade pública. [21]
De todo modo, consagrando-se a liberdade e a justiça como escopo final desse princípio, é de se ver que ele é constitucionalmente determinado, em muitos momentos, ainda que de forma implícita.
Inicialmente, depreende-se-o no próprio preâmbulo da Constituição brasileira, o qual, em particular, distingue-se do de outras constituições por apresentar duas partes distintas, a primeira firmando a legitimidade formal do Estado e a segunda referindo uma série de fins e objetivos a serem perseguidos por esse Estado. Revelando-se como princípio orientador de Justiça, pode-se afirmar que o princípio da proporcionalidade se mostra como um princípio implícito no preâmbulo da Constituição.
No Brasil, o princípio da proporcionalidade não é disposto de forma expressa.
Com minoritária discordância, os autores pátrios, ladeados pelo Supremo Tribunal Federal, entende ser ele previsto pelo artigo 5°, inciso LIV [22], da Constituição Federal. Dessa forma, a sedes materiae do princípio da proibição do excesso encontrar-se-ia caracterizado na idéia do due process of law.
O princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso, limitando o poder do Estado, constitui um princípio geral do Direito Público, o qual rege o estabelecimento e a aplicação de toda a sorte de medidas restritivas de direitos e de liberdades, obrigando, assim, a uma necessária ponderação entre a gravidade da conduta imputada, o bem jurídico protegido e as subseqüentes conseqüências jurídicas.
Percebe-se que seu conteúdo é múltiplo, podendo ser dividido em vários momentos. Inicialmente, poder-se-ia vislumbrar uma necessária proporcionalidade abstrata ou legislativa, em que ocorre a seleção qualitativa dos direitos postos em situação de confronto.
Num segundo momento, percebe-se um princípio de proporcionalidade concreta ou judicial, segundo o qual o magistrado, quando do julgamento de uma dada causa, valorará os direitos em conflito e, finalmente, ter-se-ia a aplicação de um princípio da proporcionalidade executória, que corresponderia, de fato, à opção do magistrado por tal ou qual direito na situação posta em exame.
Faz-se mister breve incursão sobre a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no Direito Constitucional.
Segundo tais princípios, cabe ao Poder Judiciário, ao examinar certas restrições de direitos, apreciar até que ponto são elas justificadas pelo interesse público, admitindo-se-as como legítimas ou não.
Luís Roberto Barroso [23] analisou o assunto, mostrando que o princípio da razoabilidade teve, tradicionalmente, sua incidência no âmbito do Poder Executivo, voltado que estava para o exercício do poder de polícia na área do direito administrativo e para os limites da interferência do Estado na vida privada.
Embora a Constituição Federal de 1988 não tenha feito referência expressa ao princípio da razoabilidade, tal princípio integra o direito constitucional brasileiro, podendo ser aplicado pelo intérprete da Constituição, "integrando de modo implícito o sistema, como um princípio constitucional não-escrito" ou, ainda, poderá ser extraído da cláusula do due process of law (art. 5º, LIV), em razão do caráter substantivo que se deva emprestar à cláusula. [24]
A restrição de um direito fundamental depende de dois pressupostos, que são a existência de conflito entre direitos fundamentais ou interesses constitucionalmente assegurados e a verificação da possibilidade de aplicação do princípio da proporcionalidade, interpretação sutil do princípio da igualdade, segundo o qual todas as disposições jurídicas que importem em restrições devem ser pertinentes ao ordenamento jurídico, sendo necessárias e proporcionais para a obtenção da finalidade pretendida.
Havendo um conflito entre duas liberdades públicas, sem que haja explícita credencial constitucional, dever-se-á proceder à ponderação ou concordância prática dos direitos fundamentais em confronto, mediante a conciliação de ambos. [25]
Analisando o assunto, o "Animal" [26] Gilmar Ferreira Mendes formula sustentação semelhante ao aduzir que a validade da medida que produza limitação do direito fundamental depende da verificação de proporcionalidade entre os fins e as conseqüências observadas. Posto isso, toda restrição ao exercício de direitos fundamentais dever ser adequada ou idônea e não gravosa ou necessária. [27]
Cotejando as doutrinas acima com o caso concreto, a limitação imposta pela Polícia Militar do Estado de São Paulo vai de encontro ao direito fundamental de livre expressão do pensamento.
Primeiro porque não se trata de restrição ou limite expressos na Constituição, Segundo porque não se trata de restrição ou limite expressos em lei infraconstitucional. Terceiro porque não se trata de imposição do Poder Judiciário, agindo nos termos ditado pela Constituição.
Finalmente, também não se trata de restrições ou limites imanentes, que decorrem da convivência dos direitos, já que a limitação policial militar sucumbe à ponderação ou ao balanceamento de bens para a solução de conflitos, de vez que a limitação do direito fundamental depende da verificação de proporcionalidade entre os fins e as conseqüências observadas. No caso concreto, a finalidade perseguida não será alcançada com a restrição, haja vista a até hoje inexistente identificação de pessoas envolvidas em tumulto em estádios de futebol antes do uso do adereço.