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Empresários e trabalhadores diante da regulamentação da terceirização no Brasil.

É possível um acordo mínimo?

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Empresários enfatizam a importância da focalização, especialização, produtividade e competitividade; os trabalhadores destacam a perda de empregos, redução de salários e precarização do trabalho.

A terceirização não é propriamente uma novidade no mundo empresarial. Ela já estava presente, por exemplo, no chamado sistema de putting out, no início da Revolução Industrial inglesa, no século XVIII. Naquele sistema, os mercadores deixavam as matérias-primas com os trabalhadores-artesões, que, em suas casas, com ferramentas próprias ou arrendadas e a ajuda de auxiliares iniciantes, produziam artigos têxteis, vestuários e calçados. Estes produtos eram entregues novamente aos mercadores que os comercializavam. Além da valorização mercantil, o sistema permitia o aumento da superexploração do trabalho, por meio do controle direto dos auxiliares, posto que muitos dos artesãos recebiam incentivos para que seus colaboradores não se "dispersassem" no trabalho1. Vê-se, assim, que também não é novo o pêndulo da terceirização em favor do capital nas relações de trabalho.

É de longa data a existência da terceirização nas relações entre empresas e no processo produtivo. De uma maneira abrangente, pode-se afirmar que o ato de terceirizar é indissociável do próprio processo de divisão social do trabalho. Em qualquer sistema econômico baseado na divisão do trabalho – seja ele capitalista ou não – a terceirização será elemento constitutivo, já que a divisão do trabalho resulta sempre em especialização e troca.

Há algo, contudo, que diferencia e caracteriza a terceirização nas últimas três décadas. A terceirização, que foi adotada e difundida em praticamente todos os setores da atividade econômica (indústria, agricultura, comércio, serviços, sistema financeiro, administração pública, entre outros), guardou estreita relação com a abertura de mercados, a globalização, os sistemas de comunicação e os meios de transporte. A rapidez nos fluxos de mercadorias e serviços constituiu-se em um indubitável incentivo à terceirização.

A atual terceirização foi também impulsionada pelas mudanças do sistema capitalista, que resultaram em crescente instabilidade econômica e acirramento da concorrência. Neste contexto, as empresas procuram formas de aumentar sua flexibilidade e de reduzir custos totais. A transferência de serviços e atividades produtivas para "terceiros" é uma das possibilidades que a empresa tem para atingir estes objetivos. Transformando-se em "contratante de serviços", ela pode ajustar sua compra de serviços terceirizados às oscilações de seu próprio faturamento, e desta forma transformar custos fixos em custos variáveis.

Os defensores da expansão da terceirização argumentam, à maneira microeconômica, que, se cada empresa centrar-se no foco de sua atividade (atividade-fim), e transferir para empresas terceiras especializadas parte ou todas as atividades que não pertencem à sua área de atuação principal, o aumento da produtividade será generalizado.

No Brasil, a redução de custos por meio da terceirização é potencializada pela enorme heterogeneidade existente no mercado de trabalho do País. São grandes as diferenças de salários, benefícios, jornadas de trabalho, condições de trabalho e organização sindical, que se verificam entre as grandes, médias e pequenas empresas; entre as multinacionais e nacionais; entre as regiões do País; entre os setores de atividade. Neste quadro, a terceirização pode, de fato, significar para a empresa que terceiriza acentuada redução de custos.

Contudo, o mesmo ato de terceirizar que representa redução de custos para a empresa contratante significa, não raro, a precarização do trabalho no País. Isto porque, a terceirização freqüentemente traz consigo a redução de salários e benefícios, o aumento das jornadas, a diminuição do poder dos sindicatos mais fortes. Em vários setores, a difusão da terceirização também está correlacionada com o aumento dos acidentes de trabalho e as doenças profissionais. Por tudo isto, os sindicatos brasileiros têm grande resistência em relação ao tema da terceirização2.

Um caso exemplar de como acontece este processo de precarização é o do setor financeiro. Os trabalhadores diretamente contratados pelos bancos e que fazem parte da categoria dos "bancários" estão regidos por um acordo coletivo nacional relativo às relações de trabalho nos bancos. Todavia, os trabalhadores terceirizados que prestam serviços aos bancos são enquadrados em sindicatos mais frágeis e regidos por outros acordos, via de regra, com pisos salariais, jornadas, benefícios etc muito inferiores aos dos bancários. Dissertação de Mestrado de SANCHES (2006) verificou que trabalhadores terceirizados que exerciam atividades anteriormente realizadas por bancários - como, por exemplo, nas funções de caixa e escriturário - recebiam salários em torno de 53% inferiores às remunerações dos trabalhadores efetivos. Por sua vez, nos setores de retaguarda e compensação, a jornada diária contratual dos terceirizados era 46% superior (6h diárias entre os trabalhadores efetivos dos bancos e 8h e 48 min entre os terceirizados). Em muitos dos casos, os trabalhadores terceirizados têm auxílio refeição inferior a 50% do que recebem os efetivos; e não recebem auxílio alimentação, creches e Participação nos Lucros e Resultados – o que acaba aumentando de modo muito significativo a diferença entre ambos os tipos de trabalhadores, haja vista que estes benefícios costumam ser relativamente altos entre os bancos.

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Como conseqüência desta acentuada diferença, expandiu-se aceleradamente a terceirização também no sistema financeiro brasileiro3, como mostra a tabela 1.

Tabela 1: TERCEIRIZAÇÃO NOS BANCOS, BRASIL, 1994-2005

1994

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Variação no período

Bancários

571.252

402.425

393.140

398.098

399.183

405.073

420.036

-26,47%

Terceirizados

140.464

150.988

161.824

169.521

172.662

177.925

196.010

39,54%

Total

711.716

553.413

554.964

567.619

571.845

582.998

616.046

-13,44%

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego. RAIS. Extraído de palestra proferida por Ana Rovaris, da Caixa Econômica Federal, em julho de 2008.


2. Breve painel da terceirização no Brasil

Não há ainda pesquisas abrangentes, regulares, detalhadas e baseadas em trabalho de campo sobre a terceirização no Brasil. Por isto, é necessário justapor informações das pesquisas existentes, que, complementarmente, possam fornecer uma fotografia preliminar do processo no País.

Uma delas constituiu-se no levantamento realizado pelo Sindicato das Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros, Colocação e Administração de Mão-de-obra e de Trabalho Temporário no Estado de São Paulo (SINDEPRESTEM), que, investigando o fenômeno pela ótica das empresas prestadoras de serviços, apontou para um total, em 2007, de quase 30 mil empresas que realizam serviços terceirizáveis no País, das quais mais de metade delas estão no Sudeste (51,8%). Também é expressiva a presença dessas empresas no Sul (21,5%) e no Nordeste (17,3%), como mostra a tabela 2.

Tabela 2: EMPRESAS DE SERVIÇOS TERCEIRIZADOS POR REGIÃO, BRASIL, 2007

Regiões

Nº de empresas de serviços terceirizados

Percentual do total

Norte

1.089

3,7 %

Nordeste

5.102

17,3 %

Centro Oeste

1.675

5,7 %

Sudeste

15.261

51,8 %

Sul

6.327

21,5 %

Total

29.454

100,0 %

Fonte: SINDEPRESTEM.

O SINDEPRESTEM constatou igualmente, como mostra a tabela 3, que a demanda de serviços terceirizados distribui-se entre os diferentes setores da atividade econômica. O segmento da indústria é o que mais contrata serviços terceirizados, seguido pelo de comércio e de serviços.

Tabela 3: Distribuição da contratação de serviços terceirizados por segmento demandante, 2006

Indústria

25,0 %

Comércio/ Varejo

21,4 %

Serviços

17,9 %

Sistema Financeiro

17,9 %

Telecomunicações

10,7 %

Setor Público

7,1 %

Total

100,0 %

Fonte: SINDEPRESTEM.

A difusão da terceirização no setor industrial foi também captada por recente pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), intitulada "Sondagem Especial: Utilização de serviços terceirizados pela indústria brasileira", divulgada em abril de 2009. A pesquisa baseou-se em uma amostra de 1443 empresas industriais, das quais, em relação ao porte, 798 eram pequenas; 433, médias; 212, grandes. A coleta das informações ocorreu no bimestre setembro-outubro de 2008.

Algumas das conclusões da pesquisa da CNI são expostas no quadro 1 a seguir.

Quadro 1: PESQUISA SOBRE TERCEIRIZAÇÃO NAS EMPRESAS INDUSTRIAIS, BRASIL, 2008

Participação das empresas que contratam ou não serviços terceirizados no total pesquisado

Terceirizam (54%); Não terceirizam (46%)

Sua empresa contrata ou contratou serviços terceirizados nos últimos três anos? (% das respostas por setor)

Edição e impressão (72%); Refino de petróleo (71%); Máquinas e equipamentos (69%); Álcool (69%); Farmacêuticos (68%); Outros equipamentos de transporte (67%); Papel e celulose (65%);Couros (64%); Calçados (63%); Indústrias extrativas (58%); Química (56%); Alimentos (51%); Vestuário (50%); Têxteis (48%); Limpeza e perfumaria (48%); Bebidas (46%); Plástico (43%);Minerais não-metálicos (42%); Borracha (39%); Madeira (29%)

Terceirização por Região do País

As empresas da região Norte são as que menos terceirizam serviços: 37%. Em seguida, tem-se a região Nordeste com 49%. As regiões Sul e Centro-oeste são as regiões com maior percentual de empresas que terceirizam serviços, 58% e 56%,respectivamente.

Razões da terceirização (% das respostas sobre as empresas que terceirizam)

Redução de custos (91%); Aumento da qualidade dos serviços (86%); Uso de novas tecnologias (75%)

Perspectivas de utilização da terceirização nos próximos anos

Manter constante a terceirização (62%); Reduzir (21%); Aumentar (17%); Não utilizar a terceirização (3%)

Impactos na competitividade, caso não fosse mais possível utilizar serviços terceirizados

Quase metade das empresas que utilizam serviços terceirizados diz que seria afetada negativamente, com impactos diferenciados entre aquelas que possuem um percentual menor ou maior de trabalhadores terceirizados. Entre as empresas que contam com até 10% de terceirizados no total de seus trabalhadores, apenas 33% teriam sua competitividade afetada. Tendo em vista que teriam mais trabalhadores a substituir, as empresas que utilizam de 25% a 50% de serviços terceirizados consideram maior o comprometimento da competitividade à terceirização. 58% dessas empresas responderam que a competitividade diminuiria ou diminuiria muito.

Elaboração própria dos autores a partir dos resultados da Sondagem Especial CNI. Terceirização: utilização de serviços terceirizados pela indústria brasileira. Abril 2009.

A tabela 4 mostra que, em relação à utilização de trabalhadores terceirizados, há uma clara diferenciação entre os segmentos industriais que fizeram parte da amostra. Alguns segmentos (como Refino de petróleo, Indústrias extrativas, Vestuário, Papel e Celulose, Metalurgia Básica) possuem percentuais elevados das respostas que apontam que a empresa possui mais de 25% de terceirizados. Por outro lado, vários outros segmentos (Minerais não Metálicos, Produtos de Metal, Limpeza e Perfumaria, Equipamentos Hospitalares e de Precisão, Alimentos, Têxteis, Máquinas e equipamentos, Couros e Móveis) possuem percentuais maiores de respostas das empresas que afirmam que possuem até 10% de terceirizados. A nosso ver, uma das explicações disto é que muitas empresas da pesquisa podem não ter contabilizado como terceirizados os chamados trabalhadores pessoas jurídicas ("PJ"). Outro motivo é que as empresas poderiam ter contabilizado como "terceirizados" apenas aqueles trabalhadores que são de empresas terceiras e que atuam no interior de suas instalações.

Tabela 4: PARTICIPAÇÃO DAS RESPOSTAS POR SETOR DE ATIVIDADE INDUSTRIAL QUANDO PERGUNTADO EM RELAÇÃO A PARTICIPAÇÃO DOS TRABALHADORES TERCEIRIZADOS NO TOTAL DA EMPRESA, BRASIL, 2008

Até 10% do total de trabalhadores

De 10% até 25% do total de trabalhadores

Acima de 25% do total de trabalhadores

Refino de petróleo

40%

0%

60%

Indústrias extrativas

57%

10%

34%

Vestuário

46%

21%

32%

Papel e celulose

48%

20%

32%

Metalurgia básica

51%

26%

24%

Calçados

41%

35%

24%

Química

62%

19%

19%

Outros equipamentos de transporte

63%

18%

18%

Bebidas

59%

25%

16%

Edição e impressão

67%

19%

15%

Madeira

86%

0%

14%

Farmacêuticos

68%

18%

14%

Materiais eletrônicos e de comunicação

43%

43%

14%

Minerais não metálicos

71%

17%

12%

Máq. e materiais elétricos

73%

17%

11%

Produtos de metal

80%

11%

9%

Limpeza e perfumaria

84%

8%

8%

Álcool

58%

33%

8%

Veículos automotores

43%

48%

8%

Equipamentos Hospitalares e de precisão

81%

13%

6%

Alimentos

71%

23%

5%

Têxteis

90%

5%

5%

Máquinas e equipamentos

74%

21%

4%

Borracha

66%

33%

0%

Plástico

63%

38%

0%

Couros

88%

11%

0%

Móveis

84%

16%

0%

Elaboração própria dos autores a partir dos resultados da Sondagem Especial CNI. Terceirização: utilização de serviços terceirizados pela indústria brasileira. Abril de 2009.

A mesma pesquisa diagnosticou que a qualidade menor que a esperada e o custo maior que o previsto constituem-se nos principais problemas enfrentados pelas empresas na utilização de serviços terceirizados. Surpreendentemente, a oposição dos sindicatos não está entre os "problemas" com maior participação percentual das respostas das empresas. Entre os segmentos cujas empresas industriais tiveram mais de 20% das respostas centradas no item "oposição dos sindicatos" estão: refino de petróleo (20%); química (26%); máquinas e materiais elétricos (24%); veículos automotores (21%); outros equipamentos de transporte (20%).

Destaca-se também a pesquisa realizada por POSCHMANN (2007), para o Sindicato dos Empregados em Empresas de Prestação de Serviços a Terceiros, Colocação e Administração de Mão-de-obra, Trabalho Temporário, Leitura de Medidores e Entrega de Avisos do Estado de São Paulo (SINDEEPRES), sob o título de "Superterceirização dos contratos de trabalho". São as seguintes as principais conclusões desse trabalho, cuja área de observação foi o Estado de São Paulo:

a) No Estado, houve a geração de 3 milhões de empregos formais no período de 1985 a 2005. Deste total, 12,1% foram de ocupações geradas nos empreendimentos envolvidos com a terceirização de mão-de-obra.

b) O número de trabalhadores formais em empresas de terceirização passou de 60.476 em 1985 para 424.973 em 2005. Isto significa que, enquanto o número de empregos formais foi multiplicado por 1,4 vezes, o total de trabalhadores em empresas de terceirização foi multiplicado por 7 vezes.

c) O número de empresas de terceirização de mão-de-obra passou de 257 para 6.308 empreendimentos.

d) O ritmo de criação de empreendimentos terceirizados foi bem mais intenso que o do total dos empregos gerados: em 2005, cada empresa de terceirização de mão-de-obra tinha em média 67 empregados contratados, contra 235 em 1985.

e) Foi também expressivo o crescimento de trabalhadores contratados na forma de pessoa jurídica (PJ). Em 2005, 33% das empresas de mão-de-obra não tinham empregados, contra menos de 5% em 1985. Em 20 anos, o número de PJs no Estado de São Paulo aumentou 174 vezes.

f) O crescimento de PJs guarda relação com a terceirização da atividade-fim das empresas. Em muitos dos casos, os terceirizados passaram a serem constituídos de gerentes, técnicos, vendedores, inspetores de qualidade, analistas e supervisores, entre outros4.

Sobre os autores
Jefferson José da Conceição

Secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo de São Bernardo do Campo. Professor Doutor da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). Ex-economista do DIEESE nas Subseções do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (1987-2003) e da CUT (2003-2008). Autor do livro "Quando o apito da fábrica silencia" (Santo André: ABCDMaior, 2008) e um dos autores do livro "O abc da crise" (São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2009).

Claudia Rejane de Lima

Psicóloga. Assessora da Secretaria Nacional de Organização da CUT, responsável pelo tema da terceirização. Mestranda em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCAR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONCEIÇÃO, Jefferson José; LIMA, Claudia Rejane. Empresários e trabalhadores diante da regulamentação da terceirização no Brasil.: É possível um acordo mínimo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2268, 16 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13517. Acesso em: 23 dez. 2024.

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