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Algumas discordâncias sobre Honduras 2009

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Agenda 07/10/2009 às 00:00

13) Por acaso, estava claro que o presidente iria se candidatar à reeleição?

Não. Mas essa circunstância é sem relevância jurídica porque o atentado contra a Constituição é crime "de mera conduta", independe de resultado posterior. Um exemplo tirado do direito comum é a prática do ato obsceno. E, no caso, já a própria tentativa é tratada juridicamente como crime consumado, como vimos.


14) Onde e quando ele disse isso?

Não consta que o haja dito.


15) Ou só queria ele consultar o povo sobre o possível futuro após as eleições?

Pode ser, sim, que fosse só um como que levantamento público de opinião, juridicamente praticado. Mas a própria consulta, ou plebiscito etc. (atos de assuntos jurídicos) é coisa proibida, em si e por si, desde 1982. É por ser uma forma de proposta de mudança em área vedada no cerne rígido ("cláusula pétrea", arre!...).

A regra constitucional ali vigente, a respeito desses atos jurídicos, trata-os ela como crime de traição. Assim é mesmo quando se busque tão-somente o mero apoio à iniciativa posta em prática.

Temos de concordar que essa Constituição é muito rigorosa:

ARTICULO 239.-

El ciudadano que haya desempeñado la titularidad del Poder Ejecutivo no podrá ser Presidente o Designado. El que quebrante esta disposición o proponga su reforma, así como aquellos que lo apoyen directa o indirectamente, cesarán de inmediato en el desempeño de sus respectivos cargos, y quedarán inhabilitados por diez años para el ejercicio de toda función pública.

Bom seria investigar a causa histórica desse rigor, nesta matéria, da Constituição hondurenha de 1982. Consta ser de 1939 a 1ª Constituição deles, e que o país foi dirigido por "caudillos" até ao fim do século XIX, embora o 1º presidente eleito seja de 1841 (?). No século XX houve vários presidentes militares. Mais que os civis. Tiburcio Carías foi ditador até 1949; saiu por causa de uma "revolta política". Houve mais ditadura entre 1954 e 56, terminada por causa de uma "Junta". Em 1963 mais um golpe, desta vez também militar. E outro, também militar, em 1971. Outro: 1975. O regime militar durou até 1981.

A atual Constituição teve o apoio dos EUA por ser "mais democrática". Tiveram problemas políticos com guerra com vizinhos, e com guerrilheiros, e com graves violações dos "direitos humanos" (mais de 4.000) etc. Até a "Guerra do Futebol" foi lá que ocorreu (1969); Honduras ganhou de El Salvador, que não se deu por vencido. Foi necessária a intervenção da OEA; com isso os militares ficaram ainda mais fortalecidos.

Se todos estes dados são exatos, entende-se um pouco que essa gente tenha querido uma Constituição rigorosa em matéria política. E que seja aplicada, sem "ficar só no papel", como se diz vulgarmente. Mas, interpretar fatos históricos sem algum ressaibo de ideologia é difícil. Para quem quer ver "o que a coisa é" (questão de gnosiologia científica), é de mister se guarde a mantença do comando interior do espírito em fortalecimento ético constante.

Mas tornando mais diretamente ao seu assunto, advirta-se que não se pode dizer ter sido conforme ao direito local a forma como se procedeu à expulsão de Zelaya do seu país. Há unanimidade a respeito. Verdade seja, sim. Todavia com atenção à substancial diferença existente entre (1) o ato de depor e (2) os atos de executar a deposição. Houve erro jurídico na expulsão. Mas foi expulso quem já estava deposto de modo correto segundo o direito constitucional hondurenho.

Discordo, [...] quando [...] dá a entender que só o Lula viu aí um golpe. Isso dá azo a que se pense que todos os outros países americanos e do resto do mundo, com exceção do Brasil, aceitam como constitucional a deposição do presidente, e vêem na forma como se procedeu à expulsão, e só nela, um ato de exceção e de arbitrariedade.

Não foi só o Lula, mas sim quase todos os países, afora os EUA; não sei se há mais alguma outra exceção neste ponto. Disse alguém do governo norte-americano que golpe não houve, mas também que não foi correta a expulsão.

Por outro lado, contudo, não se vêem presidentes nem primeiros ministros desses países a discutirem o que mais falta: a questão jurídico-constitucional de Honduras. Não apresentam argumentos. Seguem o Lula porque ele é hoje um notável expoente de carisma no concerto das nações. Sem dúvida Lula é caso único na história do Brasil e talvez do mundo todo: popularidade de 80%. Acresce ainda — o Brasil é um dos BRIC. Não é só por ser Lula um considerável líder entre os povos (this is the guy") como também porque não convém desagradar ao Brasil em termos de bons negócios. Em política e em economia a ética cede passos de monta ao interesse, ou de todo some. Altruísmo nenhum, egoísmo intenso.

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Caindo um pouco na vulgaridade poderíamos quiçá afirmar não ser "politicamente correto" discordar do presidente Lula, e que atualmente o chique é "meter o pau" em quem não for de esquerda. (O que é ser de esquerda, porém, é conceito que não definem). Política, ideologia — são matérias complexas até ao imo mais fundo dos instintos animais (o poder exercido dentro do grupo animal). De modo que nesta questão vige o popularesco: "ninguém convence ninguém".


16) Nesse caso, só o Brasil (visto que dirigido por Lula e sob orientação do Itamarati de hoje), é bobo e se tornou o bobo da corte. Será isso verdade?

Sim e não. Não por não estar o Brasil isolado. Sim porque ou (1) agem dolosamente ou (2) estão bancando os idiotas — o presidente Lula e o seu ministro das relações exteriores. Convém ao presidente Lula unir-se a Chávez, Ivo Morales e outros para formarem um bloco latino de peso. Os EUA terão mais o que temer e, novamente caricaturando, (aí está!) o prestígio do Lula (e do seu cordão) "cada vez aumenta mais"...

Nada de individualismo egoísta em política, claro está, mas essa trama do presidente Lula cheira mal, cheira mal com velho e indesejável populismo.

Talvez cumpre pensarmos outra vez com a sabedoria do povão: "caldo de canjica e humildade não fazem mal a ninguém". É saudável a pessoa que consegue rir de si próprio. Quem não é ridículo?

Sobre populismo, aproveito o recebido de um amigo, juiz brasileiro, extraído da internet (http://pt.wikipedia.org/wiki/Populismo):

"A política populista caracteriza-se menos por um conteúdo determinado do que por um "modo" de exercício do poder, através de uma combinação de plebeísmo, autoritarismo e dominação carismática. Sua característica básica é o contato direto entre as massas urbanas e o líder carismático (caudilho), supostamente sem a intermediação de partidos ou corporações. Para ser eleito e governar, o líder populista procura estabelecer um vínculo emocional (e não racional) com o "povo". Isso implica num sistema de políticas ou métodos para o aliciamento das classes sociais de menor poder aquisitivo, além da classe média urbana, como forma de angariar votos e prestígio (legitimidade para si) através da simpatia daquelas. Esse pode ser considerado o mecanismo mais representativo desse modo de governar".

A paixão tem vencido a razão, a paixão ideológica em matéria política.


17) Será que nossos vizinhos da América são também dirigidos por bobos e assessorados por incompetentes?

Permita-se-nos repisar: 1) ou andam repletos de interesse doloso, 2) ou então são idiotas e bobos em questões jurídicas. A questão jurídica, posta em termos de ciência positiva (análise transubjetiva), é bastante simples. Não é dificultoso entender a Constituição de Honduras nas regras jurídicas acima citadas. De outro lado, porém, as relações políticas e as econômicas são as mais devastadoras nas interações sociais e no interior de todos nós, indivíduos desse meio, desse "todo". Devastadoras porque alijam do sujeito o seu equilíbrio, afastam dele a neutralidade das análises, introjetam o mandonismo no cérebro dos companheiros de vida humana. Subjugam, dominam, amassam, destroem. Deste modo o pensar não consegue ser mais neutro, menos subjetivo, chegado ao método científico-positivo. Todos nós precisamos de continuada educação religiosa, moral e estética. São os caminhos que interiorizam mais harmonia nas mentes. E as pessoas de caráter necessitam igualmente de respeito ao Direito, tão indispensável ao bom viver quanto o são os outros principais seis processos sociais de adaptação (Religião, Moral, Artes, Política, Economia e Ciência).


18) Nem se apele à ambiguidade dos USA, pois ela é típica e usual daquele país. Em um fôro dizem uma coisa, em outro falam o contrário.

Neste ponto hemos de assentir: não precisamos do exemplo norte-americano para estas discussões e vivências.

E, voltando à matéria da irracionalidade das ideologias na política e na economia, é ilustrativo comparar a leitura de duas revistas brasileiras. A "VEJA" é mais conservadora que a "CartaCapital", amiga de posições progressistas. Na VEJA de 03/10/09, escreveu-se que ali tudo foi feita dentro da lei. Está sob o título "Honduras: Enviada de VEJA mostra a situação na capital". Já a CartaCapital, no número de 07/10, estampa na capa: "Os golpistas de Honduras recuam a até cogitam reempossar Zelaya. Para o constrangimento dos defensores brasileiros do golpe". Depois, à página 26 está o título "O golpe golpeado". Na de número 30: "O Brasil está no jogo". Na página 34, Luiz Gonzaga Belluzzo encima o seu trabalho com: "Saudades das quarteladas". Ignoro qual das revistas se valeu de alguém letrado em ciência jurídica.

O homem interessado em proceder à exegese das normas de direito com o método indutivo-experimental, e em interpretar os fatos jurídicos com menos paixão (sob os auspícios sadios da ciência jurídica), resta-lhe o alívio, isolado mas alegremente libertador e mais neutro, de conseguir ver acontecimentos do mundo sem tantos ardores no Ego.

Um tanto mais do alto, medita sobre eles e julga-os — com frialdade crescente, sem tomar partido tão aprisionador.

Sobre o autor
Mozar Costa de Oliveira

Mestre e Doutor em Direito pela USP. Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Professor de Direito (mais de 30 anos na Universidade Católica de Santos). Bacharel em Filosofia pela Universidad Comillas de Madrid.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Mozar Costa. Algumas discordâncias sobre Honduras 2009. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2289, 7 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13642. Acesso em: 22 dez. 2024.

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