RESUMO
A presente monografia tem por objetivo geral o estudo detalhado acerca do cheque pós-datado, haja vista ser este um instituto que, embora largamente utilizado no comércio brasileiro, ainda não possui normatização legal. A partir do conceito de que o cheque pós-datado é o título no qual emitente e beneficiário realizam um acordo extracambiário, onde se aposta no mesmo uma data ficta e posterior à da emissão, surge-se a problemática da apresentação do cheque antes da referida data previamente acordada: enseja ou não indenização por danos morais e materiais em favor do emitente? Dessa forma, vislumbra-se também a necessidade de estudo detalhado acerca dos institutos dos danos morais e materiais, a fim de se observar a caracterização ou não de ambos em decorrência da apresentação antecipada do cheque com data posterior à da emissão. A relevância do presente trabalho se dá pela ausência de estudos acadêmicos no sentido de analisar a ocorrência ou não de danos morais e materiais em virtude da apresentação antecipada do cheque pós-datado. Ademais, vale ressaltar que não obstante este corresponder a um título de crédito amplamente difundido no meio em que vivemos, o mesmo é baseado apenas no direito costumeiro e jurisprudencial, na medida em que a nossa legislação ainda não prevê regulamentação específica para ele. Assim, a presente monografia se baseia principalmente em entendimentos jurisprudenciais e doutrinários acerca do tema, haja vista a ausência de previsão expressa da legislação para o cheque pós-datado, se dando o presente trabalho por concluído ao se constatar que a apresentação antecipada do cheque pós-datado, nos termos das jurisprudências atuais, dá sim ensejo à reparação por danos sofridos, desde que efetivamente comprovados.
Palavras-chave: cheque; pós-datado; danos.
ABSTRACT
The present thesis has as its overall objective a detailed study on post-dated check, taking into consideration that even though it is frequently used in our commercial transactions, there aren’t any regulatory legal schemes on how it is supposed to be conducted. Starting from the concept that post-dated check is a document in which the payor and the payee agree that the check will become payable and negotiable only on a future and specified date, a current problem might occur if the post-dated check is deposited or cashed early. Will the payor be qualified to receive any indemnities for material or moral damages? Thus, it is imperial to make a detailed study on the institutes of material and moral damages in order to observe their application on this issue. The relevance of this work can be acknowledged due to the absence of other academic deliberations on the matter. Furthermore, even though the post-dated check is broadly used nowadays, it is solely based on jurisprudence and customary law in view of the fact that there aren’t any rules of law on our legislation disposing about it. Therefore, this thesis is constructed especially on jurisprudence and doctrine, and recognizes that an early deposit or cash of the post-dated check will ensure the payor indemnity for the proved suffered damages.
Keywords: check; post-date; damage.
SUMÁRIO: RESUMO. ABSTRACT. INTRODUÇÃO.. .1. CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO CHEQUE PÓS-DATADO.. .1.1. Conceito.. . 1.2. Evolução histórica do cheque pós-datado no comércio.. . 1.3. Natureza jurídica.. . 1.4. Cheque pós-datado e cheque pré-datado.. . 1.5. Formas de pós-datação.. . 1.6. Licitude do cheque pós-datado. 1.7. Pressupostos para a emissão.. . 1.8. Requisitos legais do cheque pós-datado.. . 1.9. Prazos para a apresentação do cheque pós-datado.. . 1.10. O endosso do cheque pós-datado.. . 1.11. A importância do cheque pós-datado na sociedade atual.. . 2. CONFIGURAÇÃO DO INSTITUTO DO DANO MORAL.. . 2.1. Necessária explanação inicial acerca do dano em sentido amplo.. . 2.2. Considerações gerais acerca do dano moral.. . 2.3. Conceito de dano moral. 2.4. Distinção entre dano moral e mero aborrecimento. 2.5. Necessidade de reparação dos danos morais... 2.6. Formas de reparação dos danos morais.. . 2.7. Legitimidade passiva: responsabilidade pela indenização dos danos morais causados.. . 2.8. Legitimidade ativa: direito à recepção da indenização pelos danos morais sofridos.. . 2.9. A fixação do quantum indenizatório.. . 3. CONFIGURAÇÃO DO INSTITUTO DO DANO MATERIAL.. . 3.1. Considerações gerais acerca do dano material.. . 3.2. Conceito de dano material.. . 3.3. Necessidade de comprovação do prejuízo material para a comprovação dos danos. 3.4. Possibilidade de cumulação de danos morais e danos materiais. 4. APRESENTAÇÃO ANTECIPADA DO CHEQUE PÓS-DATADO: FATO GERADOR DE DANOS MORAIS E MATERIAIS?.. . CONCLUSÃO.. . REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..
INTRODUÇÃO
O cheque pós-datado, comumente denominado de pré-datado, constitui um instrumento de pagamento amplamente difundido no comércio brasileiro já há alguns anos. Sua utilização é de extrema importância para um país no qual o poder aquisitivo da população em geral é baixo e inversamente proporcional ao desejo de consumir. Logo, os consumidores precisam parcelar as suas compras de forma proporcional ao que percebem mensalmente.
Por isso, a possibilidade dada pelos empresários ao consumidor de dividir o valor total de sua compra em várias parcelas constitui em evidente atrativo. As formas mais comuns de oferecer ao consumidor esse atrativo são, portanto, o cartão de crédito, o boleto bancário e o cheque pós-datado, sendo os dois primeiros mais recentes que este último.
Com relação ao cheque pós-datado, a jurisprudência atual é majoritária no sentido de aceitar essa forma de pagamento, entendendo até mesmo que a colocação de data posterior de vencimento não descaracteriza o documento como cheque em si, atribuindo-lhe apenas uma nova natureza jurídica, qual seja a natureza contratual, representada pelo acordo firmado entre emitente e beneficiário, em detrimento de ser o cheque pós-datado, teoricamente, uma ordem de pagamento à vista decorrente de sua natureza cambiária.
Não obstante a pacificidade do entendimento jurisprudencial nesse sentido, notório é o fato de que são raros os trabalhos acadêmicos a respeito do assunto em questão, pelo que foi despertada a curiosidade de pesquisa nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial, com destaque para este último, com o objetivo de desenvolver o presente trabalho monográfico acerca de um instituto de vital importância comercial, como o é o cheque pós-datado.
A partir do reconhecimento jurisprudencial de que o cheque pode sim ser emitido com data posterior, eis que surgem questionamentos a respeito dos efeitos da apresentação antecipada do mesmo, o que certamente constituirá prejuízo ao emitente, ante o desrespeito ao contrato por parte do beneficiário.
Assim, o presente trabalho visa colocar em questão a natureza jurídica predominante do cheque pós-datado, diante da possibilidade de apresentação do mesmo antes da data previamente estipulada entre emitente e beneficiário, decorrente de sua natureza cambiária.
Ocorre que, tendo em vista sua natureza também contratual, surgem os seguintes questionamentos: caso o cheque pós-datado seja apresentado antes da data previamente estipulada entre emitente e beneficiário, caberá a este indenizar àquele por danos morais e materiais decorrentes de tal atitude? Se positivo, qual a verdadeira extensão dos danos? As respostas serão cuidadosamente explanadas ao longo do presente trabalho, o qual se encontra didaticamente dividido em quatro partes.
No primeiro capítulo, é feita uma explanação geral acerca do instituto do cheque pós-datado, com o simples intuito de demonstrar que, embora não exista regulamentação legal para o referido título de crédito, o mesmo é consagrado na prática comercial brasileira, sendo inclusive reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência.
No segundo capítulo, é tratado de forma mais detalhada o instituto do dano moral, o qual vem ganhando notória importância no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista que constitui um dos principais pontos atualmente discutidos no âmbito da responsabilidade civil, sendo de vital importância ao deslinde do presente trabalho.
No terceiro capítulo, faz-se um breve estudo acerca do instituto do dano material, conceituando o mesmo, afirmando a inafastável necessidade de comprovação do efetivo prejuízo material para a configuração do dano, bem como a possibilidade de sua cumulação com o dano de ordem moral.
E, ao final, no quarto e último capítulo, é explanada minuciosamente a problemática da apresentação antecipada do cheque pós-datado, com o intuito de demonstrar se tal prática dá ou não ensejo à reparação civil por danos morais e materiais em favor do emitente prejudicado, em virtude do desrespeito ao pacto previamente firmado.
1. CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DO CHEQUE PÓS-DATADO
Primeiramente, antes mesmo de entrar no conceito e conseqüente estudo mais detalhado do cheque pós-datado, faz-se necessário conceituar, ainda que rapidamente, o cheque lato sensu, haja vista que este é gênero do qual aquele é espécie, sendo imprescindível para que se estude o cheque pós-datado fazer ao menos algumas considerações iniciais sobre o cheque em sentido amplo.
Embora a lei 7.357/85 determine os requisitos necessários para que um título de crédito seja considerado cheque, a mesma não conceitua o instituto em si, quedando-se omissa nesse ponto. Dessa forma, consolidou-se na doutrina o entendimento de que o cheque seria uma ordem de pagamento à vista, conferida a um banco ou instituição financeira semelhante, por alguém que tenha fundos suficientes no mesmo, em favor próprio ou de terceiro. [01]
Com relação aos sujeitos envolvidos no instituto, diz-se que a pessoa que emite o cheque é chamada de emitente, o banco ou a instituição financeira semelhante recebe o nome de sacado e a pessoa em favor de quem é dada a ordem de pagamento é o tomador ou o beneficiário, comumente denominado simplesmente de portador.
Não obstante o artigo 32 da lei 7.357/85 [02] afirmar que o cheque é uma ordem de pagamento à vista, Carvalho de Mendonça aduz que surgiu no início do século passado a figura do cheque pós-datado, popularmente chamado de pré-datado, que consiste em um cheque emitido com data posterior à data em que foi de fato emitido, com a finalidade de que o portador do título somente faça utilização do mesmo na referida data determinada, a qual fora previamente estipulada pelo mesmo em convenção com o emitente. [03]
Com o intuito de ampliar o conceito de cheque pós-datado, trazendo o entendimento majoritário da doutrina a respeito do assunto, tem-se que Sérgio Covello afirma que o mesmo corresponde ao título de crédito emitido com cláusula de cobrança em determinada data futura previamente estipulada, aposta no canto inferior direito do cheque, indicada também em geral como a data da emissão do título. [04]
Assim, não demorou muito para que o cheque pós-datado ganhasse ampla aplicabilidade no comércio brasileiro, o qual passou a se utilizar largamente da possibilidade de emissão do cheque com data posterior à da sua emissão, afinal, evidente é o benefício tanto para os empresários como para os consumidores.
Aos empresários é vantajoso porque lhes permite vender mais em função do prazo estendido para a efetuação do pagamento, prazo este que atrai, inquestionavelmente, a atenção dos consumidores, uma vez que estes podem comprar os produtos desejados e somente pagar em data posterior, conforme combinado previamente com o vendedor.
Com o advento do cheque pós-datado no comércio, evidente foi o incentivo dado pelo mesmo às transações, na medida em que o comprador não precisa esperar o dia do pagamento para efetuar as suas compras desejadas, possibilitando ainda ao mesmo ajustar informalmente com o vendedor as datas posteriores para os pagamentos das outras eventuais parcelas, sendo comum inclusive a possibilidade de emissão de vários cheques com data futura, cada qual correspondente a um mês respectivo.
Portanto, tem-se que o cheque pós-datado se firmou na sociedade brasileira através do costume, porque perante a lei o cheque ainda é definido simplesmente como uma ordem de pagamento à vista, constituindo-se o cheque pós-datado como uma prática rotineira no comércio e nas transações em geral, sendo de grande valia e ampla utilidade no comércio brasileiro, que já se utiliza do instrumento cotidianamente.
1.2. Evolução histórica do cheque pós-datado no comércio
Segundo entendimento de Carvalho de Mendonça, o cheque pós-datado não é uma invenção da própria sociedade brasileira, uma vez que, já no início do século passado, era constatada a existência desse tipo de cheque na prática comercial da sociedade norte-americana, muito antes inclusive do instituto chegar ao Brasil. [05]
Com o advento do cheque pós-datado no comércio brasileiro, a antiga e revogada lei 2.591/12 previa a hipótese de emissão do cheque com data falsa, ocasião em que deveria ser devidamente punido o emitente com uma multa de 10% caso assim procedesse, o que constituiu um claro obstáculo ao desenvolvimento do instituto.
No mesmo norte, a já revogada lei 4.961/66 penalizava não só o emitente do cheque com data falsa, mas também aquele que o aceitasse, levando a responsabilidade também para o portador. Entretanto, a referida punição não tinha qualquer característica de medida disciplinar, pois tinha o mero objetivo de impedir a sonegação do imposto do selo, vigente à época no Brasil.
Assim, percebe-se que as primeiras tentativas de regulamentação do cheque pós-datado foram relativamente precárias, as quais não perduraram, tampouco surtiram o efeito necessário à assimilação do instituto na sociedade. No entanto, é evidente que tais tentativas foram de grande importância para a posterior fixação costumeira do mesmo, haja vista que, até a presente data, tal título continua sem regulamentação jurídica na esfera brasileira.
A mais concreta regulamentação legal do cheque pós-datado que vigeu até a presente data, surgiu com o aparecimento da Lei Uniforme do Cheque, promulgada pelo Decreto 57.595/66 [06], do então presidente da república Castello Branco, onde finalmente ficou normatizada a apresentação do aludido título mesmo antes da data nele consignada, com o principal objetivo de se evitar algum tipo de extorsão por parte do emitente.
No entanto, tal regulamentação, apesar de ser um marco histórico do direito comercial brasileiro, não vingou para se tornar de fato uma lei específica regulamentadora do cheque pós-datado, uma vez que o mesmo continua sendo de uso costumeiro ainda nos dias de hoje no Brasil, ressalvando o reconhecimento da doutrina e da jurisprudência.
Tal normatização da apresentação foi perfeitamente acolhida pela lei 7.357/85, atual Lei do Cheque, em seu artigo 32, parágrafo único [07], regra esta que continua vigendo até nos dias atuais, pois permite que o beneficiário possa apresentar o cheque, ainda que a data seja posterior à previamente estabelecida.
Dessa forma, a data posterior não invalida de forma alguma o instituto do cheque, tampouco o torna ineficaz, do que se permite concluir que tanto a antiga Lei Uniforme do Cheque quanto a lei 7.357/85 não proíbem o uso do aludido cheque, que vigora atualmente com prática rotineira na sociedade mundial.
1.3. Natureza jurídica
Em uma leitura compassada da lei 7.357/85, percebe-se claramente que a mesma, embora não traga expressa previsão para a utilização do cheque pós-datado, também não veda a utilização do aludido instrumento, o que torna o mesmo perfeitamente válido, operando como um título de crédito exigível extrajudicialmente, nos estritos termos do artigo 585, inciso I, do Código de Processo Civil vigente. [08]
É exatamente nesse sentido que apregoa categoricamente Pontes de Miranda a respeito do assunto, "o cheque pós-datado existe, vale e é eficaz". [09]
Na prática, a pós-datação do cheque gera uma forma de obrigação contratual entre as partes acordantes, uma convenção entre emitente e tomador, pela qual este se obriga a somente apresentar o cheque na data estipulada, mesmo podendo fazê-lo a qualquer tempo, com base na própria Lei do Cheque. Ademais, por ser um acordo firmado entre emitente e tomador, seus efeitos não atingem diretamente, ainda que na teoria, o banco depositário, sendo válida a sua eventual compensação perante o mesmo.
Assim, notória é a natureza contratual do cheque pós-datado, na medida em que o mesmo representa nada menos do que um contrato de confiança celebrado entre emitente e tomador, que deverá ser respeitado, conforme o citado entendimento de Pontes de Miranda.
Entretanto, imediata é a conclusão de que a natureza cambiária do cheque não se desnatura com a pós-datação, pois quando o mesmo é levado ao bando sacado, é pago integral e imediatamente, o que também faz preservar a sua característica cambial, qual seja, a ordem de pagamento à vista.
Dessa forma, tem-se que o cheque pós-datado é um instituto possuidor de duas naturezas, uma cambiária e outra contratual, esta correspondente a um acordo de vontades em que as partes estipulam o modo de pagamento daquilo que foi acordado, inclusive podendo se dar em várias prestações, mantendo-se, ainda, a qualidade cambiária do título, que preserva a sua maior característica, qual seja, a ordem de pagamento à vista, pois ao ser apresentado, o cheque deve ser pago imediata e integralmente pelo sacado.
Assim, apenas com o intuito de demonstrar que, embora a doutrina e a jurisprudência atuais entendam de forma majoritária ser a natureza contratual do cheque pós-datado sobressalente à cambiária, esta também resta perfeitamente preservada no aludido instituto, cumpre citar o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que afirma o seguinte:
APELAÇÃO CÍVEL. CHEQUE PÓS-DATADO. ENDOSSO. PECULIAR CIRCUNSTÂNCIA DE TER SIDO O ENDOSSATÁRIO QUE APRESENTOU O TÍTULO A PAGAMENTO ANTES DA DATA NELE ESTABELECIDA. AÇÃO DE REGRESSO AJUIZADA PELO BENEFICIÁRIO-ENDOSSATÁRIO QUE FORA CONDENADO A INDENIZAR O SACADOR. (...) Cheque é pagável à vista, qualquer menção em contrário é tida como não escrita, e, na hipótese de ser apresentado para pagamento antes do dia indicado como data de emissão, é pagável no dia da apresentação. Cheque pós-datado é uma convenção entre o emitente e o beneficiário, que por eles deve ser observada. (...) Desprovimento do recurso. [10]
Portanto, mesmo restando preservada a natureza cambiária do cheque pós-datado, conforme julgado acima transcrito, o entendimento geral que vem sendo pacificando em nosso país é no sentido de patentear o direito costumeiro com a finalidade de lhe atribuir maior segurança jurídica, no sentido de garantir a sobressalente natureza contratual do cheque pós-datado, em detrimento de ainda não existir uma legislação específica que o regulamente.
1.4. Cheque pós-datado e cheque pré-datado
O cheque pós-datado é popularmente conhecido na sociedade moderna como cheque pré-datado, termo este considerado pela maior parte da doutrina como incorreto, todavia, é notório que o mesmo é consagrado no comércio cotidiano.
Como ensina Othon Sidou, o qualificativo para o cheque emitido com data posterior ao dia em que foi criado constitui, para não dizer vício de linguagem, um modismo brasileiro, na medida em que, se cuidadosamente verificada a origem terminológica das expressões, restará clara a diferença entre ambas. [11]
Assim, tem-se que a expressão pré é um afixo que denota anterioridade, antecipação, o qual é contraposto à expressão pós, que indica um ato ou fato futuro. Portanto, o cheque pré-datado seria aquele em que a data lançada é anterior a da efetiva emissão, o que não constitui claro benefício para as partes, vez que o prazo para apresentação resta diminuído.
Em contrapartida, o cheque pós-datado corresponderia àquele em que é lançada uma data futura em relação à que o cheque fora de fato emitido, o que traz certamente várias vantagens para as partes, com o advento do aumento do prazo de apresentação, o que possibilita as transações rotineiras no comércio. Nesse sentido, cumpre mostrar o entendimento jurisprudencial dominante no Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. CHEQUES PÓS-DATADOS. REPASSE À EMPRESA DE FACTORING. NEGÓCIO SUBJACENTE. DISCUSSÃO. POSSIBILIDADE, EM HIPÓTESES EXCEPCIONAIS. A emissão de cheque pós-datado, popularmente conhecido como cheque pré-datado, não o desnatura como título de crédito, e traz como única conseqüência a ampliação do prazo de apresentação. Da autonomia e da independência emana a regra de que o cheque não se vincula ao negócio jurídico que lhe deu origem, pois o possuidor de boa-fé não pode ser restringido em virtude das relações entre anteriores possuidores e o emitente. (...) Recurso especial não conhecido. [12]
Dessa forma, o cheque pré-datado tem pouca importância na sociedade atual, haja vista que somente tem reflexo no prazo de apresentação, que fica diminuído. Já o pós-datado, este merece especial atenção para o direito comercial, ante sua larga utilização no comércio e, não obstante não existir previsão legal para o mesmo no Brasil, é instrumento pacificamente reconhecido tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência.
1.5. Formas de pós-datação
Duas são as formas de se pós-datar um cheque, a saber: ou colocando-se uma data futura no espaço reservado para a data real da emissão do título ou preenchendo-se corretamente o campo reservado para a data da emissão, mas lançando-se a data futura convencionada para a apresentação do mesmo junto com a expressão bom para, no canto inferior direito do cheque.
Ressalte-se que, atualmente, a primeira opção é comumente mais utilizada no comércio brasileiro do que a segunda, ante a sua maior praticidade.
Na primeira hipótese, a data interfere diretamente em alguns aspectos do título, tais como: a prorrogação do prazo de apresentação; a perda da preferência, quando forem apresentados dois ou mais cheques simultaneamente e não houver fundos disponíveis para o pagamento de todos, haja vista que o pós-datado terá data maior que os outros apresentados; dificulta saber, em caso de morte ou perda da capacidade do emitente, se o mesmo era vivo e capaz quando da emissão do cheque.
Por outro turno, na segunda hipótese, verifica-se o problema quanto ao prazo de apresentação, visto que, segundo a lei 7.357/85, o prazo contará da data que constar no espaço reservado para tal finalidade. Assim, conforme leciona o já citado caput do artigo 32 da lei supra, a data de emissão aposta junto com a expressão bom para é considerada não escrita.
Ressalte-se que as duas formas de pós-datação citadas acima são feitas no corpo do próprio título, contudo, a pós-datação pode se dar em separado, prática que já foi muito utilizada no comércio, mas atualmente deveras ultrapassada, que consiste em anexar um lembrete ao cheque informando a data em que este poderá ser apresentado ao sacado para pagamento. Tal prática caiu em desuso pelo fato dos lembretes serem facilmente extraídos do título, o que descaracterizaria de pronto a pós-datação do cheque.
Dessa forma, haja vista que o cheque pode ser apresentado ao sacado antes da data convencionada entre emitente e tomador, essa forma de pós-datação leva total insegurança ao emitente, pois o beneficiário poderá, usando de evidente má-fé, retirar o lembrete e antecipar a apresentação do cheque, o que poderá certamente ocasionar diversos problemas ao emitente, como, por exemplo, dificultar a prova do descumprimento do acordo celebrado entre os envolvidos, o que por si só já torna raquítica essa forma de pós-datação.
Logo, ante a praticidade e maior segurança em relação aos outros meios de se pós-datar o cheque, é evidente que a forma mais utilizada de pós-datação é a que se posta uma data futura no campo destinado à própria data de emissão do título, data futura esta que deverá ser devidamente obedecida pelo tomador, que somente efetuará o desconto ou depósito do cheque na data convencionada, a fim de que o contrato celebrado entre as partes seja respeitado e o instituto preservado.
1.6. Licitude do cheque pós-datado
Consoante entendimento já citado de Pontes de Miranda, é pacífico atualmente o entendimento de que o cheque pós-datado existe, vale e é eficaz, não cabendo mais tanta discussão acerca da licitude do aludido título de crédito, ante sua larga utilização no cotidiano.
A lei 7.357/85, em seu texto, não veda expressamente a possibilidade de utilização do cheque pós-datado, o que o torna o referido instituto perfeitamente válido e lícito por exclusão, não sendo plausível se discutir a licitude de um instrumento pacificamente aceito pela jurisprudência e pela doutrina, ainda mais pelo fato do mesmo não possuir legislação específica que vede sua utilização.
Embora o parágrafo único do artigo 32 da lei supracitada torne ineficaz a pós-datação perante o banco sacado, pois este deve pagar o cheque imediatamente quando lhe for apresentado, garantindo a qualidade cambiária do mesmo (ordem de pagamento à vista), sob pena de descaracterização do instituto, a lei não interfere no acordo das partes, pois este pacto é válido e deve ser sempre respeitado, vez que é oriundo da própria natureza dos contratos.
Assim, cumpre colacionar abaixo o entendimento jurisprudencial a respeito do assunto, apenas para corroborar com o já transcrito entendimento de Pontes de Miranda, no sentido de que o cheque pós-datado é válido e eficaz:
CHEQUE. EMISSÃO PARA PAGAMENTO FUTURO. É válido e eficaz o cheque ante-datado ou pós-datado, pois ainda permanece como ordem de pagamento à vista, não desconfigurada a sua cartularidade, ainda que desviada de sua função. Irregularidade que não lhe retira a validade. Defesa extra cartular. Terceiro endossatário de boa-fé. Impossibilidade de oposição pelo emitente de exceção causal. Ações e exceções que se originam do negócio subjacente: cambiária e não-cambiária. Diferenças e efeitos. Embargos desacolhidos em 1º grau. Decisão mantida. [13]
Do julgado acima transcrito, resta evidente que o entendimento jurisprudencial é no sentido de reconhecer a existência, a validade e a eficácia do cheque pós-datado, uma vez que, muito embora eleve o cheque à qualidade de um instrumento contratual, o título não fica com a sua cartularidade desconfigurada, ocupando cada vez mais espaço no dia-a-dia do comércio na sociedade brasileira.
1.7. Pressupostos para a emissão
Por ausência de previsão legal para tanto, o cheque pós-datado possui os mesmos requisitos para a sua emissão que o cheque em sentido amplo, ou seja, a realização do saque do respectivo valor em um banco ou em uma instituição financeira semelhante e a provisão de fundos suficientes para tal saque, os quais devem sempre ser verificados.
Com relação ao saque do valor do cheque pós-datado no banco sacado, tem-se que este pressuposto é lógico, na medida em que o sacado está obrigado a efetuar o pagamento do respectivo montante quando da própria apresentação do título, ante a natureza cambiária.
Já com relação à provisão de fundos e à disponibilidade do valor do cheque quando da sua emissão, esta constitui matéria controversa, haja vista que, na maioria das vezes, o emitente do cheque pós-datado não possui fundos disponíveis junto ao sacado no momento da emissão, o que se faz normalmente em data próxima à que constar como data para apresentação, a fim de respeitar o acordo celebrado.
Nesse sentido, atualmente é consagrada a idéia de que a ausência de fundos disponíveis do emitente junto ao sacado, quando da emissão do cheque, não prejudica a validade do referido título, pois a verificação da existência de fundos no sacado somente se deve fazer quando o cheque é apresentado para pagamento, nos estritos termos do artigo 4º, parágrafo 1º da Lei 7.357/85. [14]
Afinal, caso assim não se proceda, estar-se-á claramente infringindo o princípio da liberdade de contratar, inerente à própria natureza dos contratos, uma vez que, embora não se possa jamais esquecer a natureza cambiária do cheque pós-datado, é evidente que a sua natureza contratual é muito mais sobressalente e muito mais transparente quando se trata de cheque pós-datado.
1.8. Requisitos legais do cheque pós-datado
A emissão do cheque pós-datado é a oportunidade para que seja observada a existência dos seus requisitos legais, quais sejam, a denominação de cheque no corpo do título, a ordem de pagar uma quantia determinada ao beneficiário, o nome do banco sacado, o lugar onde ocorrerá o respectivo pagamento, a data da emissão, e, por último, a assinatura do emitente ou de seu mandatário com poderes especiais, sob pena do referido documento não ser reconhecido como cheque em si, consoante afirma o artigo 1º da lei 7.357/85. [15]
Atualmente, o cheque pós-datado deriva unicamente da simples alteração da data de emissão, que passa a ser não mais a data da emissão em si, mas a data em que ocorrerá a apresentação para pagamento, em razão da convenção firmada entre o beneficiário e o emitente, devendo ser observadas todas as já regulamentadas regras do cheque comum, por não haver grande diferença entre ambos os institutos.
Entretanto, como já visto neste estudo, a alteração da data, que constitui um dos requisitos essenciais do cheque, não torna o referido título de crédito ineficaz, pois, quanto ao seu preenchimento, a única exigência é que a mesma exista e seja preenchida de forma completa, contendo o respectivo dia, mês e ano, pouco importando se a data aposta foi de fato a da emissão ou a que em se espera seja realizada a apresentação, haja vista que a própria Lei do Cheque em seu artigo 2º, prevê tal situação. [16]
Apenas para corroborar com tal interpretação, tem-se o entendimento de Carlos Fulgêncio da Cunha, que afirma que a lei, via de regra, permite o preenchimento posterior do requisito data, mas não a sua ausência. Afirma ainda que, faltando esse elemento na ocasião da apresentação, o título não é considerado cheque, mas, em contrapartida, se for completado antes de ser apresentado ao sacado ele é perfeitamente válido e eficaz. [17]
1.9. Prazos para a apresentação do cheque pós-datado
Não obstante a pós-datação do cheque não impedir que o mesmo seja apresentado antes da data convencionada, a mesma interfere diretamente, entretanto, no prazo de apresentação do cheque, afinal, o prazo de apresentação deverá ser contado a partir da data aposta no referido título, o qual ficará imediatamente prorrogado em virtude da pós-datação, vez que serão incluídos os dias que antecedem à referida data.
Conforme leciona Fran Martins, tendo em vista que o pagamento do cheque deve ser feito no dia da sua apresentação, mesmo na hipótese de pós-datação, considera-se que o prazo de validade do cheque foi consequentemente aumentado, juntando-se os dias anteriores à data contida no cheque aos dias que se contam na data constante do cheque ao termo da apresentação do mesmo. [18]
Apenas para corroborar com o entendimento do supracitado autor, cumpre transcrever o entendimento jurisprudencial atual do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que indica a ampliação do prazo de apresentação na hipótese em tela, nos termos do julgado abaixo transcrito:
EMBARGOS À EXECUÇÃO. CHEQUE PÓS-DATADO. APRESENTAÇÃO. A contagem dos prazos de apresentação e prescrição tem como marco inicial a data convencionada pelas partes. A circunstância de haver sido aposta no cheque data futura traz como conseqüência a ampliação do prazo de apresentação. Precedentes do STJ. Litigância de má-fé. Alteração da verdade dos fatos. Inteligência do art. 17, II, CPC. [19]
Logo, pelo julgado acima transcrito, resta claro que a contagem do prazo de apresentação do cheque pós-datado se inicia da data convencionada pelas partes, o que certamente provoca a extensão do mesmo, trazendo assim benefício para ambas as partes.
1.10. O endosso do cheque pós-datado
Também por omissão da lei, que mais uma vez quedou-se falha, tem-se que nenhum obstáculo é causado ao portador pela pós-datação do cheque, mesmo quando este deseja endossar o referido título. Dessa forma, deverão sempre ser observadas subsidiariamente as regras previstas na Lei 7.357/85 para o endosso do cheque comum, nos termos dos artigos 17 a 28 do aludido diploma legal.
No que pertine ao endosso do cheque pós-datado, Othon Sidou ensina que nada impede que o portador do título o ponha em circulação no comércio, haja vista que se trata de um documento de natureza originalmente cartulária, da mesma forma como o cheque em sentido amplo. [20]
Ademais, tendo sido devidamente realizado o endosso do cheque pós-datado, o endossante transfere ao endossado o direito de apresentar o título ao banco sacado para pagamento, todavia, o sacado fica adstrito à mesma obrigação de que dispunha o endossante quando recebera originalmente o cheque, qual seja, a de respeitar a data aposta no mesmo.
Assim, ante a sobressalente natureza contratual do cheque pós-datado, o portador do cheque pós-datado que o recebeu através de endosso somente poderá o apresentar quando da data constante como de emissão, sob pena de infração ao contrato firmado anteriormente entre o emitente e o endossante, cabendo ao banco sacado a obrigação de efetuar o pagamento quando da apresentação do título.
1.11. A importância do cheque pós-datado na sociedade atual
Na sociedade atual, o cheque pós-datado é muito bem aceito de uma forma geral, pois é prático, barato e, principalmente, alavanca as vendas, sendo patente sua importância tanto para o empresário quanto para o consumidor, promovendo inclusive uma maior viabilização dos negócios jurídicos.
Outrossim, tornou-se prática usual de estabelecimentos comerciais fazerem propaganda ostensiva de que seus produtos podem ser adquiridos por intermédio do pagamento através de cheque pós-datado, como forma de atrair consumidores. No entanto, tal informação ou publicidade em relação à forma de pagamento perpetrada integra o contrato a ser celebrado, o qual normalmente é bem aceito e respeitado tanto pelo emitente como pelo beneficiário, salvo exceções, obviamente.
Nos termos dos ensinamentos de Luiz Vicente Cernichiaro, é evidente o incentivo às transações dado pelo cheque pós-datado. Afinal, o comprador não precisa esperar o dia do pagamento para efetuar a compra desejada e, ainda, fica amoldada a transação, pois se permite o ajuste entre vendedor e comprador, das datas de vencimentos das parcelas. [21]
Portanto, o cheque pós-datado surgiu e se firmou através do costume, porque perante a lei 7.357/85 o mesmo é definido simplesmente como uma ordem de pagamento à vista (caput do artigo 32 do aludido diploma legal), constituindo-se hoje como uma prática rotineira no comércio nacional e nas transações em geral, tendente a se firmar cada vez mais, concorrendo paralelamente com o advento dos cartões de crédito.
Assim, resta esclarecida a extrema importância atribuída ao cheque pós-datado na sociedade brasileira atual, na medida em que, apesar da ausência de previsão legal, é instituto largamente utilizado na prática comercial, sendo de grande valia tanto para o emitente quanto para o tomador, na medida em que é garantida a sua validade como se fosse um próprio instrumento de contrato pactuado entre as partes, restando inteiramente resguardada ainda a sua cartularidade.