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Duplicata virtual e crise dos títulos de crédito cartulares

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Agenda 01/11/2009 às 00:00

CAPÍTULO III – DESMATERIALIZAÇÃO DA DUPLICATA

Atualmente, o homem é atingido por uma quantidade de informações muito grande em todos os níveis do conhecimento. Isso mostra quão complexa é a sociedade em que vivemos. Em um mundo onde decisões devem ser tomadas rapidamente, o computador se torna um grande aliado. A facilidade de acesso aos recursos disponibilizados pela informática é um fator decisivo na geração da informação.

Na Idade da Pedra, a dificuldade encontrada pelo homem contribuiu para uma pequena incidência de inscrições relatando o cotidiano de sua comunidade. A descoberta do papel facilitou o registro e a manutenção da informação, e a invenção da imprensa, no século XV, levou à sociedade a se apoiar fortemente no seu uso. [68]

Deve-se ressaltar que é impossível calcular o volume de informação existente desde quando o ser humano passou a exprimir suas vontades por meio de inscrições rupestres, representando cenas diárias nas paredes das cavernas.

O desenvolvimento acelerado da informática nas ultimas décadas, ocasionou o surgimento de novas tecnologias para geração e manutenção das informações. Atualmente, estão disponíveis programas de computador com recursos sofisticados de editoração, correção gramatical instantânea, meios magnéticos e ópticos capazes de armazenar grandes volumes de dados em um pequeno espaço físico.

Então nos deparamos com uma questão: com tamanha quantidade de papel, e igual ao número de decisões, será possível filtrar a melhor saída em um curto espaço de tempo?

Essa resposta se dá com o auxílio e a praticidade da informática. Dessa forma, para se organizar racionalmente informações como documentos, contratos e, porque não, títulos de crédito, a informática se mostra bastante útil. Corrobora com tal assertiva a afirmação de Christiano Vítor de Campos Lacorte:

O volume de informações com que se lida atualmente, o acesso a elas, a necessidade de agilidade na sua distribuição, de forma que estejam disponíveis sempre que necessárias, são fatores que têm determinado essa migração para o documento digital. [69]

O papel tem cedido cada vez mais espaço ao meio eletrônico. Diversas razões podem ser elencadas, dentre elas o pouco espaço físico que o último ocupa e a mobilidade que oferece, pois podemos levar várias informações (que se impressas, ocupariam um armário) dentro do bolso. Ao querermos encontrar certo documento armazenado em um computador, podemos acionar um mecanismo de busca e, em frações de segundos, nos é mostrado o objeto de procura.

Mas mesmo com o surgimento destas novas tecnologias de tratamento da informação, o papel ainda tem uso preponderante. Quanto mais fácil se torna o tratamento dos dados, mais informações são geradas, e mais papel é utilizado para armazená-las. [70]

Curiosamente, estamos diante de um paradoxo, pois:

[...] quanto mais intensamente se tem utilizado a informática, mais fácil torna-se o tratamento dos dados, mais informações são criadas e mais papel é gerado. Somente nos Estados Unidos, que é o país mais informatizado do mundo, geram-se em torno de 1 bilhão de páginas de papel por dia, além de 234 milhões de fotocópias. [71]

Nesse contexto, é inevitável que essas inovações atinjam o Direito, especificamente os títulos de crédito.

O traço dinâmico e ágil da informática na sociedade moderna tem as mesmas características da gênese do título de crédito. Na Idade Média, este "surgiu com o fim específico de fazer circular com mais agilidade e segurança o crédito [...]." [72]

Dessa forma, os títulos de crédito não poderiam ficar à margem desse processo. Devido à crescente informatização das atividades comerciais, impulsionada principalmente pelo advento do comércio eletrônico e aliada ao extraordinário desenvolvimento do setor bancário, acelera-se o fenômeno da desmaterialização dos títulos de crédito, que é liderado pela duplicata. Eversio Donizete de Oliveira ensina que:

A confiança emprestada às relações de crédito é muito mais nítida nos negócios eletrônicos, em que velocidade e a fluidez põem, definitivamente, em xeque as transações documentadas em papel. O documento escrito expressa a vontade do declarante. Antes concebida em papel, pergaminho, em sua forma material; com o avanço da Internet, admite-se como corpórea a sua apresentação por meio telemático. [73]

Ao lado da crescente popularização do uso de computadores, dois fatores contribuem para a substituição progressiva do papel por meios informatizados: o custo de envio das informações e o aumento da consciência ecológica [74].

Em relação ao custo, pode-se ter como exemplo o de uma grande empresa com várias filiais espalhadas pelo país. Se há a necessidade de enviar um informativo sobre uma política de descontos para todas filiais, pelo meio tradicional, teria que se imprimir uma tabela para cada estabelecimento, o que geraria certo custo. Mas por meio eletrônico essa despesa seria reduzida sobremaneira. Além do custo direto de impressão, há o custo de envio de informações. Se enviado por meio eletrônico, o informativo chega a todas as lojas instantaneamente, ao passo que pela modalidade tradicional, isso levaria alguns dias.

Já com relação ao aumento da consciência ecológica, quando utilizado o meio informatizado, nenhuma folha de papel seria usada, e, dessa forma, algumas árvores poderiam ser preservadas.

3.2 Documentos digitais e sua validade jurídica

Houve um grande problema em relação à validade desse novo documento que não tem o papel como suporte. Dessa forma, faz-se necessário conceituar documento.

Ligia Paula Pires Pinto conceitua documento como "qualquer registro que expresse um pensamento capaz de influenciar a cognição do juízo acerca de um dado fato em um determinado processo." [75] No magistério de Luiz Guilherme Marinoni, documento se compõe de dois elementos: o conteúdo e o suporte. [76] O conteúdo é a informação que se quer representar e, portanto, preservar. Tal dado se encontra totalmente ligado a um determinado suporte físico que, via de regra, é o papel.

Partindo de um conceito amplo, documento seria um conteúdo (descrevendo uma compra e venda mercantil através de uma duplicata, por exemplo) que se encontra repousando em um suporte físico. Desde que se trate de um elemento real, pouco importará sua natureza específica.

Vale lembrar que a larga utilização do papel como suporte físico dos documentos se deu em virtude de não haver, até então, outra forma viável de se registrar e se armazenar um conteúdo durante certo período de tempo.

Contudo, com o desenvolvimento da informática, há o meio digital como um novo suporte para as informações. Desta forma, existe a necessidade de se ampliar o conceito de documento, devendo ser deixada de lado a base convencional na qual se fixa o conteúdo. Deve ser privilegiada a finalidade do documento, que é a de arquivar uma informação ou um fato. É nesse sentido o pensamento de Katiucia Yumi Tadano:

Diante da evolução da sociedade deve-se tender cada vez mais para a flexibilização dos conceitos. Por isso, um documento é qualquer meio capaz de representar um significado compreensível, não sendo necessário que seja escrito a mão ou por quaisquer outros meios mecânicos. Seu suporte não é o mais relevante, que o que interessa, realmente, é seu conteúdo. [77]

Na mesma direção está Christiano Vítor de Campos Lacorte. Em seu magistério, ciente da amplitude dos documentos, afirma que estes constituem, acima de tudo, "um registro de um fato." [78]

A principal característica dos documentos digitais reside justamente na desvinculação entre o conteúdo e o suporte do documento. A informação registrada poderá mudar de suporte sem que o conteúdo seja perdido.

O documento digital, concretamente, hoje em dia, explica-se a partir de um certo modelo técnico e de uma determinada realidade tecnológica, podendo ser conceituado como uma dada sequência de bits que, captada pelos nossos sentidos com o uso de um computador e um software específico, nos transmite uma informação [79].

O documento físico, por si só, é uma prova um tanto quanto inexpressiva. Porém, se junto a ele se fizerem presentes outros elementos, sua eficácia como meio probatório tende a aumentar expressivamente. A validade, ou seja, a eficácia probatória, de um documento dependerá de sua autencidade, e o que dá esse caráter a assinatura, segundo prevê o art. 368 do CPC [80]. Luiz Guilherme Marinoni, analisando tal artigo, explica que "Assim é porque se presume que o autor (intelectual) do documento particular é, precisamente, o sujeito que elaborou e assinou, ou somente o assinou após mandar fazê-lo" [81].

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A assinatura, segundo Francesco Carnelluti, possui três funções fundamentais: indicativa, declarativa e probatória. Na primeira função, aponta-se quem é o autor do documento; na segunda, o autor assume a autoria do que assinou, concordando, dessa forma, com o conteúdo; na terceira, concretizam-se materialmente as funções anteriores, de modo que podem ser verificadas por outrem. [82]

A causa para a inseparabilidade em relação ao conteúdo e seu suporte no documento materializado reside no fato de que a assinatura é aposta no mesmo meio físico em que está registrada a informação, e uma vez que essa marca é também inseparável, ela passa a validar apenas aquele conteúdo ali descrito. Nesse diapasão, podemos concluir que a assinatura é o elo entre o conteúdo e o autor do documento.

Nos documentos materializados, a integridade, a autenticidade e a tempestividade são identificadas através do exame do continente, isto é, do papel que contém a informação. Já nos documentos eletrônicos, os elementos de validação devem estar vinculados ao conteúdo, e não ao suporte. A verificação depende da tecnologia, afinal os documentos não podem ser assinados no modo tradicional.

Em razão disso, é impossível que eles, por si só considerados, assumam o mesmo valor de qualquer documento elaborado sobre um suporte de papel. Além disso, um documento eletrônico normal é algo extremamente volátil, alterável, que não guarda nenhum vestígio das modificações que sobre ele sejam efetuadas [83].

O artigo 10 da Medida Provisória nº 2.200-02 de 2001 [84], prevê a validade dos documentos eletrônicos no ordenamento jurídico brasileiro. O parágrafo 1º deste artigo equipara os documentos digitais assinados em conformidade com a Infra-Estrutura de Chaves Públicas ICP-Brasil aos documentos com assinatura manuscrita, fazendo referência expressa ao artigo 131 do Código Civil de 1916, o referido dispositivo legal corresponde ao artigo 219 do atual Código Civil [85].

No tocante ao disposto no parágrafo segundo do mesmo artigo, Christiano Vítor de Campos Lacorte observa que:

[...] a citada Medida Provisória não se restringiu apenas aos documentos digitais assinados no âmbito da ICP-Brasil. O parágrafo 2º do artigo 10 faz menção expressa à utilização de outros meios de comprovação de autoria e integridade de documentos digitais (no dispositivo legal chamados de "documentos em forma eletrônica"), inclusive para a utilização de certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que esse meio de comprovação seja admitido pelas partes como válido, ou ainda que seja aceito pela pessoa a quem for oposto o documento [...] [86]

Dessa forma, há possibilidade de haver outras formas de mecanismos para dar validade a documentos desmaterializados além das que foram criadas e mantidas pelo Poder Executivo Federal.

3.3 Assinatura digital

Como não se pode apor a assinatura autógrafa em um documento imaterial, surge um problema acerca da autenticidade e do valor probatório dessa nova modalidade de documento. Quando as informações são enviadas por meio do computador, tanto o remetente quanto o destinatário devem ter certeza de que não houve alterações durante o percurso entre as máquinas.

É impossível que o documento digital, por si só considerado, assuma o mesmo valor de um documento assinado sobre um suporte de papel, visto que a assinatura carrega as três funções fundamentais anteriormente mencionadas (indicativa, declarativa e probatória).

Para dirimir essa celeuma e garantir a segurança, foi criada a técnica da assinatura eletrônica, que utiliza a criptografia para identificar o signatário e reconhecer a autenticidade das informações [87].

Nas palavras de Christiano Vítor de Campos Lacorte, a assinatura digital "é o instrumento por meio que se leva ao documento digital garantias de tal modo que este possa ter força probante, ou seja, é um elemento de credibilidade do documento digital, que permite a conferência da autoria e da integridade deste" [88]. Entretanto, não se pode confundir a assinatura digital com a assinatura digitalizada, pois esta "se refere a uma imagem que reproduz a assinatura escrita de próprio punho de uma pessoa, tal qual ocorre quando se envia um fax de um documento assinado a mão." [89]

Vale registrar que antes já existia a previsão da validação de um título de crédito por meio de artifícios semelhantes aos utilizados atualmente. Esclarece Mauro Rodrigues Penteado:

Quanto à assinatura, requisito material essencial do título de crédito (CC de 2002, art. 889), a equivalência entre a assinatura digitalizada e a assinatura autografa a ninguém deve surpreender, pois há mais de 30 anos nossa legislação já admite o uso de chancela mecânica (também processo técnico, como a assinatura digital), para identificar o signatário de documentos emitidos em massa. É o caso, por exemplo, da Lei 5.589, de 03.07.1970, que autoriza a utilização de chancela mecânica para autenticação de títulos ou certificados e cautelas de ações e debêntures das sociedades anônimas de capital aberto – autorização estendida aos emitentes de duplicatas, pela Lei 6.404, de 15.12.1976. [90]

A assinatura digital se dá por meio de técnicas de criptografia, que de acordo com Christiano Vítor de Campos Lacorte, "são primordiais para trazer ao documento digital os elementos capazes de lhe atribuir validade jurídica." [91]

Darlan Airton Dias lembra que processo de assinatura digital envolve o uso de duas chaves associadas entre si. A "chave privada" tem a função de criptografar a informação que se pretende transmitir. Como o próprio nome atesta, apenas o proprietário a conhece. Já a "chave pública" serve para "abrir", isto é, para decodificar as mensagens que foram criptografadas pela chave privada. [92]

O processo para se apor a assinatura digital começa com um programa de computador que gera um resumo do documento a ser assinado (conhecido como hash [93]). Em seguida, o programa aplica a chave privada do assinante ao resumo da mensagem e, a partir daí é gerada uma nova sequência de números que só pode ser revertida com uma chave pública, associada à chave privada anteriormente utilizada. O resultado é o documento criptografado, com o autor identificado, e o seu conteúdo garantido.

Para se decodificar e comprovar a autencidade do documento recebido, utiliza-se o procedimento inverso. Primeiro é usada a chave pública do signatário (que é enviada junto ao documento). Aplica-se a função hash no documento recebido e então, com a chave particular, é verificada a autoria e a integridade. Se corresponder, elas estão confirmadas, e documento poderá ser lido. Se não corresponder, ou a chave privada não é correspondente à chave pública, ou o documento foi adulterado e permanecerá codificado.

O uso do resumo (ou hash) na cifragem se explica em razão de um melhor desempenho, já que os mecanismos utilizados na criptografia são bastante complexos e, por isso, lentos [94]. A utilização do resumo no processo de cifragem com a chave privada reduz o tempo de operação para gerar a assinatura digital.

A assinatura de um documento eletrônico não é posta num espaço específico mas, envolve todo o conteúdo e, em função dele, é produzida. Eversio Donizete de Oliveira esclarece que "A assinatura digital fica de tal modo vinculada ao documento eletrônico ‘subscrito’ que uma pequena alteração pode invalidá-lo." [95] Ao contrário do que ocorre com a assinatura autógrafa, cada documento digital tem uma assinatura diferente.

Segundo Christiano Vítor de Campos Lacorte, a assinatura digital tem os seguintes atributos:

– ser única para cada documento, mesmo quando assinado por um mesmo signatário, uma vez que ela deve estar vinculada ao conteúdo, em razão da independência do documento digital com relação ao suporte em que está armazenado [...];

– permitir a identificação unívoca (e inequívoca) do assinante, inclusive garantindo o não-repúdio (garantia de que de fato só aquela pessoa poderia ter assinado o documento digital);

– assegurar a conferência da integridade do documento (se ocorrer qualquer alteração após a aposição da assinatura, esta se torna inválida). [96]

Eversio Donizete de Oliveira assevera que "Pessoas com vivência e conhecimentos técnicos na área afirmam que a assinatura digital é mais segura que a autógrafa, com maior grau de dificuldade de ser fraudada porque constituída de uma estrutura inviolável." [97] Dessa forma, é perceptível que a firma digital é mais segura que a modalidade manuscrita.

3.3.1 A Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil

Tendo-se em mente que a chave pública deve ser de conhecimento geral e será utilizada para auferir a utilização da chave privada na geração da assinatura digital, surge um problema em relação autenticidade da chave pública que cada indivíduo possui. Como explica Christiano Vítor de Campos Lacorte:

[...] uma determinada pessoa, com a intenção de realizar fraudes, cria um par de chaves e distribui a chave pública indicando como sendo de um terceiro – para isto, invade o sistema de correio eletrônico deste último, ou então cria uma conta com o nome do terceiro em algum site, por exemplo, que ofereça este serviço gratuitamente. Aqueles que recebem esta chave não têm, a princípio, motivos para desconfiar da informação, afinal a receberam pelo próprio endereço de correio eletrônico do terceiro. A partir deste momento, o fraudador pode começar a enviar documentos digitais assinados como se fosse aquela pessoa, e aqueles que os receberem utilizarão a chave pública encaminhada para validar, acreditando que de fato foi aquela pessoa que assinou, e não o fraudador. Também pode ocorrer destas pessoas enviarem documentos criptografados ao falsário, imaginando que estão enviando à pessoa em cujo nome foi gerado o par de chaves falsas, e o trapaceiro terá a chave privada capaz de decriptografar o documento. [98]

Pode-concluir que as infra-estruturas das chaves públicas (ICPs) surgiram da necessidade de se autenticar aquelas utilizadas para validar as assinaturas digitais, não existindo o risco de serem empregadas chaves falsas.

O modelo central introduzido no Brasil pela Medida Provisória nº 2.200-02/2001, denominado ICP-Brasil, possui uma estrutura hierárquica, com certificação de raiz única, ou seja, apenas um órgão é encarregado de administrar e ditar as regras sobre a certificação digital.

O Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), autarquia federal vinculada à Casa Civil da Presidência da República, é a Autoridade Certificadora Raiz (AC-Raiz) desta infra-estrutura de chaves públicas, tendo como função básica a emissão, expedição, distribuição, revogação e gerenciamento de certificados de autoridades certificadoras de nível imediatamente inferior ao seu. Também é de responsabilidade da AC-Raiz o gerenciamento da lista de certificados revogados, emitidos e vencidos, e a execução, fiscalização e auditoria das autoridades certificadoras, de registro e prestadoras de serviço de suporte habilitadas na ICP-Brasil. [99]

As demais estruturas que compõem essa rede de certificação digital são as Autoridades Certificadoras (ACs). Elas são compostas por entidades públicas ou pessoas jurídicas de direito privado credenciadas à AC-Raiz, que emitem certificados digitais vinculando pares de chaves criptográficas ao respectivo titular. E as Autoridades de Registro (ARs), que podem ser tanto entidades públicas como pessoas jurídicas de direito privado credenciadas pela AC-Raiz, sempre serão vinculadas operacionalmente a determinada AC, e incumbidas de identificar e cadastrar usuários na presença destes.

Os documentos digitais que forem assinados por chaves registradas em qualquer AC terão validade jurídica da mesma forma que um documento com firma manuscrita.

3.4 Duplicata virtual

Vencidos os conceitos introdutórios dessa novel forma de documentação, irá se demonstrar como a duplicata foi atingida, sendo também desmaterializada.

A duplicata virtual é a própria duplicata, registrada e mantida exclusivamente em dispositivo informatizado de armazenamento de dados, sob controle do sacador, podendo, potencialmente, ser materializada numa cártula. Darlan Airton Dias comenta que "não é uma nova espécie de título de crédito. Ao contrário, a duplicata virtual e a duplicata são o mesmo e único título. A qualificação ‘virtual’ provém da condição desmaterializada da duplicata." [100]

Rodney de Castro Peixoto, no mesmo sentido, define que a duplicata virtual:

[...] vem a ser o título de crédito representativo de um contrato de compra e venda ou prestação de serviços não aportado em papel, ou seja, desmaterializado. No ato do lançamento da duplicata, o comerciante não precisa elaborar materialmente o título representativo de seu crédito, desde que seja usuário de serviços de telecomunicações e informática bancária. [101]

Criada como meio de substituição da duplicata tradicional, foi a forma encontrada pelos bancos e pelo comércio para fazer o crédito circular sem a emissão de formulário, poupando, desta forma, tempo e dinheiro. E em algumas situações como em caso de inadimplemento, a duplicata deveria ser materializada, ante a inexistência de uma legislação mais esclarecedora acerca dessa novel tendência de desmaterialização.

Por fim, deve se destacar que o termo duplicata virtual é usado porque, dentre as várias denominações possíveis, essa é única que não dá uma ideia de vinculação à tecnologia empregada no armazenamento. Soaria estranho dizer que uma duplicata eletrônica ou duplicata em meio magnético foi guardada num disco ótico. Poderia ser usada a expressão "duplicata desmaterializada", contudo, por questões de sonoridade, achou-se por bem o termo "duplicata virtual" [102]. Até mesmo porque faz referência à potencialidade da duplicata que, se necessário, pode ser materializada em papel.

3.4.1 Utilização

A duplicata virtual é preponderantemente utilizada pelos empresários como meio rápido de obter capital de giro perante as instituições financeiras. Tem-se em vista que a não materialização do título dificulta a aposição de endosso, sendo improvável existir endossatário que não seja um banco. Essa operação na qual a duplicata é enviada aos estabelecimentos financeiros é denominada de desconto bancário. Marcos Paulo Félix da Silva esclarece que tal procedimento é uma espécie de:

[...] contrato por via do qual o banco (descontador), à vista de duplicatas ou de títulos de crédito outros que lhe são transferidos via endosso, deduzindo antecipadamente juros, tributos, despesas e tarifas da operação, empresta a uma pessoa (descontária) determinada importância, dela recebendo os títulos descontados, ainda não exigíveis, ou os dados que os substituam, a ser pagos por terceiros. [...] se destina a garantir o pagamento da importância mutuada, aumentando a probabilidade de recebimento do empréstimo, [...]. [103]

A sistemática para cobrança de uma duplicata virtual se desenvolve da seguinte forma: quando a negociação é efetuada, o sacador registra os dados das duplicatas em campos predeterminados no site da instituição financeira ou em um programa de computador, e os anota no "único instrumento que, pelas normas vigentes, deverá ser suportado em papel" [104], o Livro de Registro de Duplicatas [105]. A partir daí tais elementos são enviados via internet para o banco, por meio de transferência eletrônica de dados. O valor líquido apurado após o desconto é creditado na conta corrente do credor dentro das condições e do prazo previstos no contrato. Para evitar qualquer problema de saque de título sem lastro (duplicata simulada), o credor se responsabiliza contratualmente perante o banco. [106]

A instituição financeira, por sua vez, emite bloqueto de cobrança para cada duplicata descontada, para que o sacado (comprador) realize o respectivo pagamento. Em caso de não pagamento dos créditos, o banco remete ao cartório de protesto (por transmissão eletrônica) as indicações dos dados das duplicatas. Com essas informações, o cartório expede a intimação ao devedor. Não havendo pagamento no prazo legal, o Tabelião lavra e registra o protesto, expedindo-se, igualmente, o instrumento de protesto por indicações, a ser entregue ao apresentante. [107]

Assim, é dispensada a entrega física das duplicatas aos bancos. Os dados das duplicatas podem ser enviados por disquetes ou por transmissão eletrônica de dados, sendo possível ao sacador acompanhar, pelo computador, o curso do pagamento do título de crédito.

Posteriormente, a instituição bancária efetuará a cobrança do título, emitindo para o sacado um boleto bancário, que poderá ser quitado em qualquer instituição financeira. Deve-se frisar que esse boleto não é a duplicata materializada, ele sequer pode ser considerado um título de crédito [108]. Eversio Donizete de Oliveira assevera que a "atual legislação brasileira não alcança o bloqueto de cobrança, uma vez que este documento não preenche os requisitos necessários para sua caracterização com título de crédito." [109] Tal expediente trata-se tão somente de uma ordem de pagamento contendo os dados do título, e o documento eletrônico permanece imobilizado no banco.

3.5 Aceite nas duplicatas virtuais

Como já visto, o aceite é a operação pela qual a pessoa contra quem se emite o título, mediante aposição de sua firma no mesmo, o acolhe. Agora, iremos tratar do aceite relativo às duplicatas virtuais, sendo analisada a aplicação nos aceites ordinário, por comunicação e presumido.

Deve-se ter em mente que na duplicata desmaterializada não há a corporificação do título em papel. Assim, não existe a possibilidade do título de crédito ser remetido, fisicamente, para o aceite do devedor, recebendo este apenas o aviso para efetuar o pagamento (boleto bancário).

O aceite ordinário se dá quando o devedor confirma a existência da dívida, colocando sua firma no próprio título. Como a assinatura digital confere validade jurídica aos documentos eletrônicos, existe a possibilidade de haver aceite ordinário na duplicata virtual. Então, a duplicata pode ser remetida eletronicamente para o sacado, que aporá seu aceite, com assinatura digital, devolvendo-a ao apresentante [110]. No que diz respeito à concretização do negócio, isso certamente torna a duplicata virtual mais segura em relação àquela com suporte em papel. No próprio título constará a subscrição digital do sacado, eliminando qualquer controvérsia sobre a entrega da mercadoria, como ocorre quando o aceite é presumido.

No caso do aceite por comunicação em que o sacado retém a duplicada em seu poder, o seu uso também é possível nessa nova realidade da duplicata. Porém, Fábio Ulhoa Coelho faz uma ressalva: no caso específico em que as transações são efetuadas eletronicamente, a manifestação do aceite deve ser por qualquer forma eletrônica disponível, mas não se admite o e-mail [111].

Em relação ao aceite presumido, a doutrina diverge. A grande questão levantada se relaciona com a caracterização dessa presunção do aceite, pois sequer a cártula foi enviada para aceite do devedor [112].

De um lado, Fábio Ulhoa Coelho é favorável à utilização do aceite presumido, argumentando que:

Com a utilização do meio magnético para fins de registro do crédito, o aceite por presunção tende a substituir definitivamente o ordinário, até mesmo porque a duplicata não se materializa mais num documento escrito, passível de remessa ao comprador [113].

Contrariamente, Amador Paes de Almeida nega a caracterização do aceite presumido na prática de duplicata virtual, bem como nega a finalidade cambial do citado título de crédito virtual:

Em razão do princípio da cartularidade, para que se consubstancie o título de crédito, fundamental é a existência de um documento. [...] Por isso, ou seja, exatamente por faltar-lhe um documento, é que a chamada "duplicata escritural" duplicata não é, não podendo, por isso mesmo, ser vista como título de crédito. [...] A remessa da duplicata ao devedor é, pois, exigência legal, que não é atendida quando se adota a chamada "duplicata escritural. [114]

Discordamos em parte dos ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho. Como se observa, o autor entende que o aceite por presunção é o único aplicável ao título desmaterializado, sobrepondo-se até mesmo à modalidade ordinária. Não concordamos. Se o título for enviado ao sacado e esse conferir e confirmar os dados contidos, não há que se falar em presunção. A duplicata não está materializada em papel, mas tem suporte em bytes. O que pode ocorrer é a existência de ambas as espécies. Na impossibilidade de se enviar a duplicata para o devedor, ele pode ser aceito presumidamente, assim que o sacador comprovar ter entregado a mercadoria no local de destino.

O aceite ordinário tem validade diante do disposto no art. 10 da Medida Provisória nº 2.200-2/2001. É por meio da assinatura digital que se certifica a autoria e autenticidade tanto da duplicata emitida pelo credor como da confirmação da dívida por parte do sacado. O art. 889, §3º Código Civil permite a emissão de um título de crédito desde que preencha as formalidades descritas em lei. Essa é a conclusão que pode se extrair do pensamento de Ligia Paula Pires Pinto: "aqueles que dispõem da assinatura digital já podem emitir e circular títulos de crédito pela rede com a devida segurança física e, à luz do parágrafo 3° do art. 889 do Código Civil, com o embasamento jurídico necessário." [115]

Em resumo, as três formas de aceite, de modo geral, podem ser utilizadas na duplicata virtual. Apenas aquela que é feita por comunicação possui alguma restrição, não podendo ser efetuada por e-mail. As demais podem ser utilizadas livremente.

3.6 Protesto por meio informatizado

Voltemos também à questão do protesto. Da mesma forma, aqui trataremos da sua aplicabilidade na duplicata virtual.

Como já estudado, o protesto serve para resguardar alguns direitos cambiários e para constituir o devedor em mora. Ordinariamente, o título de crédito deve ser apresentado ao cartório para ser protestado. Contudo, existe a possibilidade do protesto ser feito por indicações, ou seja, quando o credor não está na posse título, este ainda assim pode ser protestado. Tal possibilidade, conforme lembra Fábio Ulhoa Coelho, se constitui como uma exceção do princípio da cartularidade, pois permite o exercício de direitos cambiários sem a posse do título [116].

Para facilitar esse tipo de protesto, a Lei nº 9.492/97, antes mesmo de existir algum aparato legal que garantisse legitimidade aos dados informáticos, inovou ao estabelecer no parágrafo único do art. 8º [117] legalidade aos protestos de duplicatas encaminhadas aos cartórios por meio do computador.

Segundo Luiz Emygdio F. da Rosa Junior:

O § único do art. 8º da Lei nº 9.492, de 10-9-97, em notável inovação, veio a permitir que as indicações a protesto de duplicatas mercantis e de prestação de serviços possam ser feitas por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados, [...]. Trata-se de reconhecimento pela lei da duplicata virtual, ou seja, não materializada em papel mas registrada em meios magnéticos, inclusive para envio aos bancos para que procedam à cobrança, desconto ou caução. [118]

José Carlos Rezende assevera que:

A Lei apenas recepcionou juridicamente uma prática já consagrada entre bancos, empresas e cartórios de protesto, dando total responsabilidade civil decorrente de danos causados ao devedor, protestado indevidamente, ao apresentante do título. [119]

A fim de diminuir o tempo para o protesto da duplicata não paga, os bancos enviam por meio de disquetes ou on-line as informações de tais títulos aos tabelionatos. Estes, por sua vez tiram o protesto obedecendo exclusivamente ao que está disposto no art. 13 §1º da Lei das Duplicatas.

Dessa forma, Fábio Ulhoa Coelho afirma que a "duplicata em suporte papel é plenamente dispensável" [120], haja vista a possibilidade do título ter seu ciclo de existência (saque, aceite, circulação, pagamento, etc.) totalmente virtual.

Sobre o autor
Matheus Rannieri Torres de Vasconcelos

Acadêmico de Direito da Faculade de Direito de Caruaru (PE), estagiário do Ministério Público Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VASCONCELOS, Matheus Rannieri Torres. Duplicata virtual e crise dos títulos de crédito cartulares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2314, 1 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13787. Acesso em: 22 nov. 2024.

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