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O novo tipo penal estupro de vulnerável e suas repercussões em nossa sistemática jurídica

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4 LEI Nº. 12.015/2009 E A LEI DE CRIMES HEDIONDOS

Prevê o art. 5º, XLIII, da Constituição da República, que:

Art. 5º, inc. XLIII

- A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. (BRASIL, 1988).

Desse modo, entendendo que tais delitos constituem crimes de especial gravidade, diante de sua maior repulsividade social, uma vez que traduzem um maior desprezo pela condição humana por parte do agente, a Carta Magna recomenda que, para tais delitos, seja aplicado um tratamento normativo mais rigoroso por parte do legislador.

Assim, surge a Lei de Crimes Hediondos como forma de aplicar especial atenção a tais delitos, de forma que as normas jurídicas dessa lei impliquem em uma maior severidade, criando obstáculos para concessão de benefícios e, bem como diz o doutrinador NUCCI, 2008, pg. 600: "Impor maior aspereza no trato com essa espécie de delinqüência". Assim, a Lei 8.072/90 dispõe em seu art. 1º, o rol dos delitos considerados hediondos, devendo-se aqui ressaltar a mudança sofrida por esta com a entrada em vigor da Lei 12.015/2009.

Com a nova Lei, passou-se a incluir expressamente o estupro em sua forma simples, contida no caput do art. 213, e suas formas qualificadas, nos §§ 1º e 2º do mesmo artigo, como crimes hediondos. Revogou-se, portanto, o inciso VI, uma vez que a figura típica do Atentando Violento ao pudor não mais existe, sendo considerado como o próprio tipo penal de Estupro, havendo, desse modo, apenas uma modificação típica normativa e não o fenômeno da abolitios criminis.

Essa modificação, na realidade, trouxe-nos a solução para a celeuma doutrinária existente com relação à mens legis do inciso V do art. 1º da Lei 8.072/90, devido à redação apresentar-se dúbia, uma vez que, entendiam alguns doutrinadores, este só abarcava as formas qualificadas, enquanto outros, como Guilherme Nucci, entendiam que, na verdade, tratava tanto da forma simples, quanto da qualificada. Assim, o advento da nova lei pôs fim a estas discussões, prevendo como crime hediondo, tanto o estupro na forma simples, quanto na qualificada.

A grande inovação trazida pela Lei em questão foi à revogação do art. 224 do Código Penal, que tratava de uma extensão do conceito de violência, configurando a denominada Presunção de Violência, desde que presentes determinados requisitos estabelecidos no próprio artigo, que passaram, por sua vez, a delinear um novo tipo penal disposto no art. 217-A. Denominado de Estupro de Vulnerável, que também passou a figurar no rol dos crimes hediondos, no inciso VI, do art. 1º da Lei, tanto seu caput, quanto os §§ 1º, 2º, 3º e 4º.

Contudo, apesar das consideráveis inovações trazidas com o advento da Lei 12.015/09, ressaltando a suma importância destas, deixou o legislador a desejar, porém, em alguns pontos, em especial com relação à adaptação desta lei ao ordenamento jurídico brasileiro.

Quando da criação ou modificação de qualquer norma ou instituto jurídico, deve o legislador proceder a um amplo estudo acadêmico jurídico-social, para que assim, possa inserir tais modificações ou produções de forma lógica dentro de todo o sistema jurídico vigente, evitando, pois, situações de inadequação das mudanças decorrentes destas novas normas. Foi, todavia o que aconteceu com a revogação do art. 224, do Código Penal e a ausência de reforma expressa do art. 9º da Lei 8.072/90.

Dispõe o art. 9º da Lei 8.072/90, que:

Art. 9º

- As penas fixadas no art. 6º. Para os crimes capitulados nos arts. 157, § 3º., 158, § 2º., 159, caput e seus §§ 1º., 2º. e 3º., 213, caput e parágrafo único, 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, todos do Código Penal, são acrescidas de metade, respeitado o limite superior de 30 (trinta) anos de reclusão, estando a vítima em qualquer das hipóteses referidas no art. 224 também do Código Penal. (BRASIL, 1990).

Insta esclarecer que, com a criação do tipo penal Estupro de Vulnerável, os requisitos previstos no art. 224, do Código Penal passaram a constituir elementares do tipo incriminador previsto no art. 217-A, não mais podendo, desse modo, ser aplicado o art. 224, como causa de aumento de pena citado no art. 9º da Lei de Crimes Hediondos, sob pena de ocorrer o chamado bis in idem. Em consequência, tratando-se de Estupro de Vulnerável não incidirá, em hipótese alguma, o art. 9º da Lei 8.072/09, tendo a discussão relevância apenas para os outros tipos penais.

Como aplicar, então, o retromencionado artigo, diante da revogação expressa do art. 224, do CP, trazida no art. 7º da Lei 12.015/09 [04]? Ocorreu definitivamente à revogação tácita do art. 9º da Lei de Crimes Hediondos, ou ainda perdurará o mesmo, tendo em vista que o art. 217-A traz os mesmo requisitos do antigo art. 224 do Código Penal? Se revogado haverá sua retroatividade?

Entendemos que, uma vez que o legislador revogou expressamente o art. 224 do Código Penal, e tendo este quedado inerte não reformulando o artigo 9º da Lei de Crimes Hediondos, teve-se, como corolário, a revogação tácita da causa de aumento em questão, visto que já não existe mais o tipo penal ali indicado. Uma vez revogado, cria-se uma situação benéfica, pois não mais incidirá a causa de aumento, tanto para os réus já condenados, como para os que ainda estão sendo somente processados, sem trânsito em julgado. A retroatividade da Lei Penal mais benéfica é um direito subjetivo do acusado, sendo garantido tanto na Constituição da República, quanto no Código Penal in verbis:

Art. 5º, inc. XL, CR/88

- A Lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; (BRASIL, 1988). (grifo nosso)

Art. 2º, CP - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Parágrafo Único – A Lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. (BRASIL, 1940). (grifo nosso)

Corrobora com a Carta Magna e o Código Penal o Pacto de São José da Costa Rica, surgido por ocasião da Convenção Americana de Direitos Humanos, em 1969, que prevê em seu art. 9º:

Art. 9º

- Ninguém poderá ser condenado por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, não constituam delito, de acordo com o direito aplicável. Tampouco poder-se-á impor pena mais grave do que a aplicável no momento da ocorrência do delito. Se, depois de perpetrado o delito, a lei estipular a imposição de pena mais leve, o deliquente deverá dela beneficiar-se. (CADH, 1969). (grifo nosso)

Diante do exposto, todos aqueles que tiveram sua pena aumentada em virtude do art. 9º da Lei de Crimes Hediondos devem ter sua pena reduzida na mesma proporção, bastando que este dirija uma petição ao Juízo de Execução Penal, uma vez que caberá a este juízo a competência para a apreciação do pedido. É este o entendimento da súmula 611 do Supremo Tribunal Federal: "Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna".

Assim, apesar das acertadas e necessárias modificações trazidas pela lei 12.015/09, em especial, a tratada no art. 1٥ da Lei de Crimes Hediondos, deixando clara sua incidência no Estupro, nas formas simples e qualificada, além da presença do Estupro de Vulnerável, também nas formas simples e qualificada, no rol destes delitos considerados hediondos, há pontos ausentes na reforma, que acabaram por ensejar novas celeumas doutrinárias, tais como a incidência ou não do art. 9º da lei em questão, apesar de que, em um raciocínio lógico-sistemático, venha-se concluir pela sua revogação tácita.


5 AÇÃO PENAL DIANTE DA LEI 12.015/09

Um ponto importante a ser analisado, a respeito do Estupro de Vulnerável, diz respeito à Ação Penal cabível a este delito, ressaltando-se que estas previsões estão presentes nas Disposições Gerais dos Crimes Contra a Liberdade Sexual, abarcando, desta forma, nosso objeto de estudo.

Assim, de forma sistemática, analisaremos as consequências desta inovação de maneira geral, partindo da análise de quais e onde houveram tais mudanças, assim como os objetivos das mesmas, e, ao final, proporcionando um melhor entendimento sobre alteração da Ação Penal para o delito de Estupro de Vulnerável.

Antes da modificação tinha-se como regra geral que os denominados Crimes Contra os Costumes procederiam mediante queixa, ou seja, por uma ação penal privada, havendo, entretanto exceções, quais sejam:

- A ação seria Penal Pública Incondicionada: se o crime fosse cometido pelo sujeito com abuso do poder familiar, tutela ou curatela; se da violência empregada resultasse lesão corporal grave ou morte; ou com emprego de violência real, para os crimes de estupro, segundo súmula 608 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe da seguinte maneira: "No crime de estupro praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada".

- A ação seria Penal Pública Condicionada à Representação: se a vítima ou seus pais não pudessem prover as despesas do processo sem se privarem dos recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família.

Faz-se mister esclarecer que quando ocorre lesões corporais leves produzidas pelo delito de estupro, estas são abarcadas pelo próprio tipo legal mencionado, uma vez que enquadrava-se no seu modo de execução.

Dessa forma, entendia o legislador que um delito praticado contra a liberdade sexual de uma pessoa afetava tão profundamente a esfera íntima do indivíduo, que não caberia ao Ministério Público provocar a persecução penal para punir o ofensor, cabendo apenas a vítima ou seu representante legal; ademais, por muitas vezes, a exposição de um ofendido nesta situação poderia provocar neste, danos ou situações consideradas incômodas, de modo que o denominado "escândalo do processo" (strepitus judicii) venha a ocasionar um mau maior para a vítima do que a possível impunidade do ofensor, assim determinava o legislador que, em regra, tais delitos proceder-se-ia mediante queixa.

Todavia, o legislador, dessa forma, permitia que a vítima pudesse perdoar o acusado, abandonar a causa, renunciá-la, ocorrendo perempção, que são causas extintivas de punibilidade, tudo isto a despeito do tratamento mais rigoroso exigido pela lei para os crimes hediondos, revelando a aparente contradição operada quanto à ação penal cabível, como se pode depreender da seguinte afirmação de Prado:

Por um lado, têm-se crimes que são considerados hediondos, como no caso do estupro e do atentado violento ao pudor, merecedores de tratamento rigoroso do legislador [...] Por outro lado, permite este mesmo legislador que a ação penal fique não só ao alvedrio da vítima, ou dos seus representantes do processo (lide), perdoando o acusador (art. 105 do CP) ou abandonando a causa, dando lugar à perempção (art. 60 do CPP). (PRADO, 2002, 255).

Diante da gravidade dos delitos contra a liberdade sexual, que demonstra a necessidade de sua condenação, vez que atingem de forma reprovável não só o ofendido, repercutindo em todo o seio da coletividade, evidente, mostra-se, a necessidade na modificação da Ação Penal cabível.

Com a entrada em vigor da Lei 12.015/09, portanto, ocorreu o que se chama de Mutação da Titularidade, uma vez que para os Crimes Contra a Liberdade Sexual não se procederá, via de regra, mediante queixa, mas sim por uma ação penal Pública Condicionada à Representação. É o que diz o novo art. 225 do Código Penal, in verbis:

Art. 225

- Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação.

Parágrafo Único – Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável. (BRASIL, 2005). (grifo nosso)

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Logo, conclui-se que ocorreu uma mudança no pólo ativo da ação, ou seja, na titularidade para mover a ação penal, que caberá agora ao Ministério Público. Desse modo, o Órgão Ministerial passa da legitimidade extraordinária, no sistema anterior, à substituição processual, atuando, a partir de então, com legitimidade ordinária, uma vez que ocorreu mudança na legitimidade ad causam.

Vale ressaltar, sobre o conceito de legitimidade ad causam, o ensinamento de Capez:

É a legitimação para ocupar tanto o pólo ativo da relação jurídica processual, o que é feito pelo Ministério Público, na ação penal pública, e pelo ofendido, na ação penal privada, quanto o pólo passivo, pelo provável autor do fato [...] partes legítimas, ativa e passiva, são os titulares dos interesses materiais em conflito; em outras palavras, os titulares da relação jurídica material levada ao processo. (CAPEZ, 2009, p. 112).

É necessário observar também, que a representação é condição de procedibilidade da ação, como um requisito de autorização para que o Ministério Público possa dar início à persecutio criminis. É nos seguintes dizeres, do mesmo autor:

É a manifestação de vontade do ofendido ou do seu representante legal no sentido de autorizar o desencadeamento da persecução penal em juízo. Trata-se de condição objetiva de procedibilidade. [...] É condição específica da ação penal pública. [...] É um obstáculo ao legítimo exercício da ação penal, cuja remoção fica ao exclusivo critério do ofendido, ou de quem legalmente o represente, ou, ainda do ministro da justiça". (CAPEZ, 2009, p. 121) (grifo nosso)

Ressalta-se, ainda, que uma vez ocorrendo a morte do ofendido caberá a titularidade para a representação ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão, em igual prazo, conforme art. 31 do Código de Processo Penal.

Vale lembrar que essa representação não exige qualquer formalidade vinculada à lei, podendo se apresentar de forma escrita ou oral, conhecida através de um Boletim de Ocorrência ou por pedido mediante uma autoridade judiciária, policial ou do Ministério Público. A única exigência é que esta representação expresse uma manifestação de vontade inequívoca quanto à vontade do ofendido ou ofendida em se ter o prosseguimento da presecutio criminis.

Todavia, mais uma vez, surge uma problemática com a nova redação dada ao art. 225 do Código Penal pela Lei 12.015/09. A questão diz respeito à mudança do tipo de Ação Penal que deverá ser intentada com relação aos processos que já se encontram em tramitação, ou seja, aqueles ainda não transitados em julgado, devendo-se aferir se ocorrerá ou não retroatividade do art. 225 do CP para esses processos.

Para chegarmos a alguma conclusão, é imperioso que se determine qual a natureza jurídica da norma contida no dispositivo do artigo em questão: se este possui natureza penal, podendo retroagir para beneficiar o réu; se guarda natureza processual, não havendo a ultratividade; ou, por fim, se é mista. Afirma Capez (2008; p. 51), que: "Sempre que houver lei híbrida (misto penal e processo), a parte penal tende a prevalecer, para fins de retroatividade em benefício do agente".

O que se pode concluir dentro de uma visão hermenêutica-material da norma contida no art. 225, é que esta possui natureza jurídica processual uma vez que exige uma condição de procedibilidade da ação penal, qual seja a representação, trazendo também, entretanto, natureza penal, pois o não oferecimento dessa manifestação de vontade ocasionará a decadência e a extinção de punibilidade, que são matérias de direito penal.

Como conseqüência lógica de todo o entendimento doutrinário acerca de normas com natureza jurídica híbrida, se esta norma for benéfica para o réu, deverá retroagir. Sendo assim, há que se observar que, se a Ação Penal fora iniciada mediante queixa, não haverá nenhuma providência a ser tomada em juízo, prosseguindo a ação seu curso normal. A questão de grande relevância é se a ação intentada tiver sido Pública Incondicionada.

Ressalta-se que, necessitando o Órgão Ministerial da representação para dar início à persecução penal, essa condição de procedibilidade cria um obstáculo para o Parquet, de modo que, as ações Públicas Condicionadas à Representação são mais benéficas que as ações Públicas Incondicionadas. Desta feita, sendo o art. 225, do Código Penal uma norma processual penal material, deve esta retroagir, com fulcro no art. 5º, XLIII da CR/88 e art. 2º, CP, quando houver sido intentada uma ação penal Pública Incondicionada, nos casos em que, com a entrada em vigor da lei 12.0105/09, deveria ter sido procedida mediante ação penal Pública Condicionada à Representação. Com isso, serão esses processos principiados por iniciativa exclusiva do Ministério Público, dependendo da representação do ofendido, que será notificado para manifestar sua vontade, sob pena de decadência.

A questão a ser auferida neste ponto diz respeito ao prazo. Apesar da prematuridade da Lei dos Crimes Contra a Liberdade Sexual, alguns já têm entendido que o prazo será o definido no Código de Processo Penal, em seu art. 38 [05], qual seja de 6 (seis) meses a contar da data da notificação. Em outro sentido, já há manifestação entendendo que, em havendo lacuna, poder-se-á utilizar o art. 91 da Lei 9.099/95, que dispõe que: "Nos casos em que esta Lei passa a exigir representação para a propositura da ação penal pública, o ofendido ou seu representante legal será intimado para oferecê-la no prazo de trinta dias, sob pena de decadência". Parece-nos mais acertada a primeira posição, pois trata-se de uma condição de procedibilidade exigida e disciplinada pelo Código de Processo Penal.

Entretanto, apesar da gravidade dos delitos em questão, uma vez que estes, em regra, dependem de uma representação para que se proceda à ação penal necessária, ocorrerá à extinção de punibilidade de muitos desses delitos sexuais, pois, na maioria dos casos, após o decurso do prazo para a manifestação de vontade do ofendido (seis meses – prazo decadencial), apesar do jus puniende do Estado ainda existir, este não mais poderá promover a prestação jurisdicional; é que muitas vezes a vítima não se manifesta imediatamente, fazendo-o muito tempo depois de decorrido o prazo decadencial para a representação.

Vale salientar que, apesar de várias críticas feitas ao legislador, por ter contemplado a ação penal Pública Condicionada ao invés da Incondicionada, a nosso ver, há de se considerar ainda, a possibilidade da strepitus judicii para o ofendido, uma vez que os delitos sexuais, mesmo repercutindo no âmbito social, atingem gravosamente a própria vida íntima da vítima; logo, procedeu o legislador de forma correta agravado a situação com a modificação da ação penal Privada para ação penal Pública, evitando que ocorresse, desta maneira, tanto certas impunidades ante o perdão da vítima, quanto que ocorresse a perempção, como colocado anteriormente.

Insta esclarecer que, a despeito de ser a ação penal Pública Condicionada à Representação, a ação devida para os crimes Contra a Liberdade Sexual, proceder-se-á por ação penal Pública Incondicionada nos delitos enquadrados no parágrafo único do novo art. 225, ou seja, nos casos de Estupro de Vulnerável, objeto deste estudo, e Mediante Fraude.

É evidente a necessidade de tratamento mais rigoroso para as situações acima mencionadas, diante da maior vulnerabilidade dos sujeitos passivos, e, portanto, de uma maior exigência de proteção, ademais configurarem delitos de reprovabilidade social de maior extensão. Com relação a estes casos, faz-se mister a exposição dos motivos presentes no Projeto de Lei nº 253/04, que deu origem a Lei 12.015/09:

Sem dúvida, a eficácia na proteção da liberdade sexual da pessoa e, em especial, a proteção ao desenvolvimento da sexualidade da criança e do adolescente são questões de interesse público, de ordem pública, não podendo em hipótese alguma ser dependente de ação penal privada e passível de das correlatas possibilidades de renúncia e de perdão do ofendido ou ofendida, ou ainda de quem tenha qualidade para representá-los. Na prática, as qualidades da ação penal privada, no caso de violação de criança ou adolescente, têm contribuído para resguardar cumplicidades, intimidar e, assim, consagrar a impunidade. (SENADO FEDERAL, PLS nº 253, 2004).

Ademais todas as considerações feitas sobre as modificações introduzidas no art. 225 do Código Penal, restam-nos ainda alguns apontamentos, os quais consideramos de enorme relevância, entre elas a omissão do legislador nos casos antigamente previstos no inciso II, do art. 225, que tratava do crime cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padastro ou curador, que se procedia mediante ação penal Pública Incondicionada.

Isto ocorria dado ao fato de que como bem afirma, Nucci:

É natural que, nessas hipóteses, torne-se muito difícil para a pessoa ofendida representar ou patrocinar um advogado para ajuizar queixa-crime contra a pessoa que deveria representá-la em juízo, defendendo seus interesses. Assim, é interesse público punir o sujeito que desvirtua sua função protetora, atacando a pessoa de quem deveria cuidar. (NUCCI, 2007, p.847).

A nova lei não abarcou essa situação como causa de ação penal Pública Incondicionada, determinando que se proceda mediante ação penal Pública Condicionada à Representação. Tal fato ocorre, uma vez que já se contemplou no mesmo artigo penal que, se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos, a ação deverá ser a Pública Incondicionada; nunca haverá um maior de idade sendo representado em juízo, a não ser que seja curatelado, em virtude de alguma doença ou falta de discernimento, situações essa também abarcadas pelo conceito de vulnerável. Sendo assim, apesar da aparente incoerência trazida com a modificação do art. 225 do Código Penal, vê-se que, na verdade, as situações da antigo inc. II já foram abrangidas pelas hipóteses do Parágrafo Único do artigo supracitado.

5.1 Quadro Sinótico da Ação Penal

ANTES DA NOVA LEI 12.015/09

COM A ENTRADA EM VIGOR DA LEI 12.015/09

Em Regra

Mediante Ação Penal Privada

Mediante Ação Penal Pública Condicionada à Representação

Violência Real

Mediante Ação Penal Pública Incondicionada

Mediante Ação Penal Pública Condicionada à Representação

Menor de 18 Anos e Vulnerável

Mediante queixa, salvo os incs. I e II, do art. 225 do CP

Mediante Ação Penal Pública Incondicionada

Vítima sem Condições de Arcar com as Despesas do Processo

Mediante Ação Penal Pública Condicionada à Representação, tendo em vista o inc. I, do art. 225 do CP.

Mediante Ação Penal Pública Condicionada à Representação, vez que se enquadra na regra geral

Crime Cometido com Abuso do Pátrio Poder, ou da qualidade de Padrasto, Tutor ou Curador

Mediante Ação Penal Pública Incondicionada

Mediante Ação Penal Pública Condicionada à Representação

Legitimidade Ordinária

O Ofendido

O Ministério Público

 

O Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito, tendo como características a submissão à lei, a separação dos poderes e o respeito aos direitos e garantias fundamentais. Desta forma, qualquer conduta atentatória a esses direitos, cujo caráter é indisponível, estará indo de encontro à ordem constitucional.

Estando a Constituição Federal no ápice do ordenamento jurídico brasileiro, todas as normas infraconstitucionais devem seguir suas orientações e diretrizes, sob pena de serem declaradas inconstitucionais. Sendo assim, o Direito Penal brasileiro somente pode ser concebido à luz dos Princípios Constitucionais do Estado Democrático de Direito.

Desse importante princípio emergem diversos outros que serão os norteadores da atividade legislativa e da aplicação da lei ao caso concreto.

O Direito Penal, portanto, deve ser orientado em conformidade com a ordem constitucional sob pena de torna-se um instrumento de repressão, contrário ao perfil constitucional brasileiro.

6.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

A Dignidade da Pessoa Humana, fundamento da República Federativa do Brasil, é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana apresenta-se em três dimensões: a dimensão fundamentadora, que consiste em um núcleo informativo e uma diretriz de todo ordenamento jurídico; a dimensão orientadora, que traça metas que devem ser seguidas, tornando ilegítima qualquer disposição normativa distinta; e a dimensão crítica, que é o parâmetro para auferir a legitimidade da produção legislativa.

Com relação ao Direito Penal, essas orientações devem ser analisadas de forma ainda mais cuidadosa, tendo em vista que aquele exerce um controle social, aplicando sanções aos membros da coletividade.

Com relação à figura penal do art. 217-A do CP, o Estupro de Vulnerável, introduzida pela Lei n° 12.015/09, é necessário verificar se o seu grau de reprovação é proporcional à pena aplicada, visto que tipos penais que revelam desproporção entre a efetiva potencialidade lesiva e a pena aplicada atentam contra a Dignidade da Pessoa Humana.

Nesse contexto convém lembrar a lição de Mello:

Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um especifico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comando. E mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido representa a ingerência contra todo o sistema, subversão de valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura. (MELLO, 1994, p.451).

Como se pode compreender de tal afirmação, o tipo penal deve obedecer a critérios formais e materiais, pois de nada adiantará estar haver previsão legal que afronte valores basilares de toda a ordem jurídica, dentre eles o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Diante do exposto, o art.217-A, do CP (Estupro de vulnerável) atende a um critério formal, pois descreve a conduta típica em lei, atendendo ao princípio da legalidade, porém não leva em consideração a sua potencialidade lesiva. Este despreza a potencialidade lesiva ao bem jurídico, quando admite haver crime mesmo sem violência ou grave ameaça e com anuência da vitima no ato. Sendo, portanto, inquestionável a afronta a dignidade da pessoa humana.

Aplica-se a justiça, quando observa-se não apenas critérios formais, mas a interpretação fundada em valores superiores, como os adotados pela sociedade como norma moral de conduta, pela qual regem seus atos, sem que possa ser considerado um fato típico.

O princípio da dignidade da pessoa humana faz, portanto, um controle da qualidade do tipo penal, ou seja, de seu conteúdo, diante de cada contexto fático, tendo em vista, a constante evolução social em contraste com a estagnação normativa

6.2 Princípio da Adequação Social

Para que possa atingir verdadeiramente os fins sociais do Estado Democrático, o Direito Penal deve tipificar, unicamente, condutas que tenham relevância social. O legislador ao selecionar tais comportamentos, tem obrigação de escolher aqueles que tutelem bens jurídicos importantes para a convivência social, sendo necessário, além disso, que estes sejam atentatórios e nocivos ao interesse público.

O tipo penal Estupro de Vulnerável tutela, sem dúvida, um bem jurídico importante em uma sociedade democrática. No entanto, esta proteção foi tratada de forma equivocada pelo legislador, quando incrimina toda e qualquer prática sexual com menores de 14 anos e doentes mentais, considerando de todo irrelevante o consentimento da vítima.

Essa tipificação atenta flagrantemente ao Princípio da Adequação Social, de modo que se encontra desvinculado da realidade social brasileira, pois é inegável que os jovens iniciam sua vida sexual cada vez mais cedo, nos dias atuais, sendo esta uma prática já inserida no contexto social com as transformações dos valores e costumes.

Este é o entendimento compartilhado pelo Ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 73.663, que trata da conjunção carnal com vítima menor de 14 anos:

Assim é que, sendo irrestrito o acesso à mídia, não se mostra incomum reparar-se a precocidade com que as crianças de hoje lidam, sem embaraços quaisquer, com assuntos concernentes à sexualidade, tudo de uma forma espontânea, quase natural. Tanto não se diria nos idos dos anos 40, época em que exsurgia, glorioso e como símbolo da modernidade e liberalismo, o nosso vetusto e ainda vigente Código Penal. (STF, HC 73.662 – MG, 2ª T., rel. Marco Aurélio. 21/05/1996)

Acrescenta ainda em seu voto:

Nos nossos dias não há crianças, mas moças de doze anos. Precocemente amadurecidas, a maioria delas já conta com discernimento bastante para reagir ante eventuais adversidades, ainda que não possuam escala de valores definida a ponto de vislumbrarem toda sorte de conseqüências que lhe podem advir. (STF, HC 73.662 – MG, 2ª T., rel. Marco Aurélio. 21/05/1996)

Por este motivo, no tocante à idade especialmente, deve-se fincar a interpretação penal à realidade, buscando manter o equilíbrio jurídico na aplicação da lei.

Outro ponto conflitante no dispositivo em apreço, quando se remete à questão do consentimento da vítima, é que este seja considerado absolutamente inválido, em conflito com as próprias disposições do Estatuto da Criança e Adolescente. O ECA deixou determinada a distinção entre criança e adolescente, nos termos do art.2°: "considera-se criança, para efeitos desta lei, a pessoa até 12 (doze) anos incompletos, e adolescente entre 12 (doze) e18 (dezoito) de idade".

Nestes termos, tanto a criança quanto o adolescente são considerados inimputáveis, ou seja, não praticam crime ou contravenção penal, consequentemente não se aplicando a eles o Código Penal. Entretanto, o mencionado dispositivo considera que, quando a criança ou adolescente pratica uma figura típica, essa conduta é um ato infracional (art.105, ECA), sendo punido de acordo com suas determinações.

Sendo assim, às crianças aplicam-se as medidas de proteção, e aos adolescentes as medidas socioeducativas, que são mais gravosas que as anteriores. Essa medida mais severa aplicada aos adolescentes é o reconhecimento de sua capacidade de discernimento e compreensão em relação a suas atitudes e escolhas.

Tal entendimento é compartilhado pelo juristaCapez:

Um fato não pode ser definido como infração penal e, ao mesmo tempo, ser aplaudido, tolerado e aceito pela sociedade. Tal antinomia fere as bases de sistema que se quer democrático. (...) Com apoio nessa premissa básica construiu-se a teoria da adequação social, para excluir do âmbito de incidência típica algumas condutas que são socialmente toleradas, praticadas e aceitas pela sociedade. Faltava, nesse caso, uma elementar implícita, não escrita, que está em todo modelo descritivo legal, que é o dano de repercussão coletiva. (CAPEZ, 2008; p.128-129)

O reconhecimento da relevância da adequação social na jurisprudência e na doutrina pátria é um forte indício de que a legislação penal deve adequar-se aos anseios e valores sociais e aos princípios fundamentais que regem todo o arcabouço jurídico.

6.3 Princípio da Proporcionalidade

No âmbito internacional, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, traz expressamente o princípio da proporcionalidade, nos seguintes termos, art.15: "a lei só deve cominar penas estritamente necessárias e proporcionais ao delito" (grifo nosso). Na legislação pátria, este princípio vem disciplinado em vários dispositivos da Constituição Federal [06]·, para oferecer equilíbrio entre as limitações impostas à sociedade e os benefícios por ela auferidos.

No que concerne ao Direito Penal, toda vez que o legislador cria um novo tipo penal, ou faz alteração em seu conteúdo para tornar a resposta estatal mais gravosa, impõe um ônus à sociedade, que conseqüentemente sofre uma limitação em seu poder de agir. Em contrapartida, a sociedade deve ser compensada pela vantagem de proteção do bem jurídico.

Segundo o Princípio da proporcionalidade, quando o ônus imposto for superior a vantagem auferida, o tipo penal será inconstitucional, visto que fere a Dignidade da Pessoa Humana e, por conseguinte, a própria razão de ser do Estado Democrático de Direito.

O tipo penal Estupro de Vulnerável (art. 217-A do CP) fere, deste modo, o Princípio da Proporcionalidade, na medida em que traz mais limitação do que beneficio à sociedade, visto que a pena cominada no delito traz desproporção entre a extensão do dano se comparado com o de outros delitos considerados mais reprováveis pela sociedade.

Tomando-se como exemplo, se for comparada a resposta estatal (pena) para o Estupro de Vulnerável àquela aplicada ao Homicídio Simples, observa-se ser flagrante o desequilíbrio. Isto porque, a pena para o Homicídio Simples é de 6 a 20 anos de reclusão, enquanto que a pena para o Estupro de Vulnerável é de 8 a 15 anos de reclusão, sendo considerado, inclusive, crime hediondo, o que torna a sanção ainda mais gravosa. Agindo assim, o legislador considerou mais grave a prática sexual consentida com uma pessoa de 13 anos, do que matar uma pessoa.

Verifica-se também violação a esse princípio, a diferenciação da resposta estatal, em relação à vítima com 14 anos completos, que não pode ser enquadrada no tipo penal do art.217-A, do CP, em virtude da elementar típica "menor de 14 anos". Dessa maneira, se o crime for cometido mediante grave ameaça ou violência será enquadrado no tipo do art.213, do CP (estupro), que tem pena de reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos, enquanto que se o fato for consentido pela menor será atípico.

Tais exemplos deixam claro a desproporção do tipo penal em apreço em relação a outros delitos do ordenamento jurídico brasileiro. A doutrina já tem se posicionado contra essas contradições que o legislador comete no exercício de suas funções. Neste sentido, pode-se citar a lição de Bitencourt:

O campo de abrangência, e por que não dizer de influencia do princípio da proporcionalidade, vai além da simples confrontação das conseqüências que podem advir da aplicação das leis que não observam dito princípio. Na verdade, modernamente a aplicação desse princípio atinge inclusive o exercício imoderado do poder, inclusive do próprio legislativo no ato de legislar. (...) Na verdade, a evolução dos tempos tem nos permitido constatar, com freqüência, o uso abusivo do "poder de fazer leis had hocs", revelando, muitas vezes contradições, ambigüidades, incongruências e falta de razoabilidade, que contaminam esses diplomas de inconstitucionalidades. (BITENCOURT, 2006, p.310).

Esses excessos não podem ser admitidos em um Estado Democrático de Direito, cominando penas iguais para crimes de lesividade distintas, pois frustra um de seus postulados, a garantia a direitos inalienáveis como a liberdade.

6.4.Princípio da Culpabilidade

Antes de discorrer mais especificamente sobre o princípio da culpabilidade, faz-se necessário, uma breve explanação sobre o conceito de crime na doutrina.

Crime pode ser definido da várias maneiras, porém, neste estudo, nos interessa o aspecto analítico, que é aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do conceito de crime.

Parte da doutrina considera que crime é todo fato típico e ilícito, tendo como elementos integrantes apenas a tipicidade e a ilicitude. Entendimento do jurista Capez, que adota a Teoria Bipartida:

Sob esse ângulo, crime é todo fato típico e ilícito. Dessa maneira, em primeiro lugar deve ser observada a tipicidade da conduta. Em caso positivo, e só neste caso, verifica-se se a mesma é ilícita ou não. Sendo fato típico e ilícito já surge a infração penal. A partir daí, é só verificar se o autor foi ou não culpado pela sua prática, isto é, se deve ou não sofrer um juízo de reprovação pelo crime que cometeu. (CAPEZ, 2008, p.113). (grifo nosso)

Outra parte da doutrina discorda deste posicionamento, incluindo a culpabilidade como elemento integrante do conceito de crime, adotando a Teoria Tripartida. Neste sentido, pode-se citar Noronha:

A ação humana, para ser criminosa, há de corresponder objetivamente à conduta descrita pela lei, contrariando a ordem jurídica e incorrendo seu autor no juízo de censura ou reprovação social. Considera-se, então, o delito ação típica, antijurídica e culpável. Ele não existe sem uma (compreendendo também a omissão), a qual se deve ajustar à figura descrita na lei, opor-se ao direito e ser atribuível ao indivíduo a titulo de culpa lato sensu. (NORONHA, 1986, p.94). (grifo nosso)

Verifica-se que independentemente da concepção adotada, a culpabilidade demonstra fundamental importância para o estudo da conduta delituosa. Sendo assim, segundo o princípio da culpabilidade não há crime ou imposição de pena sem culpabilidade, a depender da concepção adotada.

O princípio da culpabilidade contrapõe-se à Responsabilidade Objetiva, que se caracteriza com a simples produção do resultado, sem analisar o seu contexto fático, estando, por esse motivo, praticamente erradicada do Direito Penal contemporâneo.

O ordenamento jurídico brasileiro adota a responsabilidade subjetiva, considerando que nenhum resultado pode ser atribuído a quem não o tenha produzido por dolo ou culpa, sendo, portanto, inconstitucional qualquer lei que despreze esse preceito.

O que ocorre, porém, ao analisar o tipo penal Estupro de Vulnerável, "Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15(quinze) anos", o legislador não levou em conta a responsabilidade subjetiva, tendo em vista que basta realizar a conjunção carnal ou o ato libidinoso com uma pessoa menor de 14 anos para configurar o crime, não importando as circunstancias fáticas em que foi realizado, ou se a vitima consentiu com a prática, uma vez que o critério objetivo é cometê-lo com "menor de 14 anos".

6.5 Princípio da Individualização da Pena

Pelo princípio constitucional criminal da Individualização Punitiva, a pena deve ser adaptada ao condenado, considerando as características do sujeito ativo. Assim, a imposição da pena depende do juízo de culpabilidade do agente (censurabilidade de sua conduta).

Dessa forma, o art. 217-A do Código Penal se demonstra novamente contrário as garantias constitucionais e ao próprio art. 59 do CP, tendo em vista que o novo tipo penal não permite ao aplicador do direito valorar as particularidades de cada pessoa, nem a conduta do agente, bastando a configuração do fato, sem importar-se com o comportamento da vítima, seu consentimento ou se o agente usou de violência.

Caracteriza-se, de tal modo, flagrante o desrespeito ao Princípio da Individualização da pena, vez que o sujeito que praticar a conduta com o consentimento da vítima sofrerá a mesma sanção que aquele que o cometer com violência ou grave ameaça, se, neste último caso, o crime não deslanchar em sua modalidade qualificada.

6.6 Princípio da Presunção de Inocência

A Constituição Federal, em seu art. 5°, inc. LVII, estabelece que "Ninguém será considerado culpado até o transito em julgado da sentença penal condenatória", consagrando a Presunção de Inocência como um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, e do Direito Processual Penal.

A Presunção de Inocência é juris tantum, exigindo um mínimo de provas colhidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa para ser afastada, materializando-se o devido processo legal.

Quando o tipo penal Estupro de Vulnerável estabelece que ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos é crime, está implicitamente admitindo que o agente é culpado, sem considerar em que condições a conduta foi praticada, a intenção do agente ou o comportamento do vitima. Basta, portanto, para a comprovação da materialidade a autoria e a idade da vítima, sem a necessidade de comprovação da existência de dano ou dissenso da vítima, uma vez que, são irrelevantes para a tipificação.

Isto, como se pode depreender das declarações feitas ao longo desta produção, é uma afronta clara à Presunção de Inocência e à Teoria da Responsabilidade Subjetiva adotada pelo Código Penal, pois é inadmissível que alguém possa ser responsabilizado, sem que reúna todos os requisitos da culpabilidade, sejam eles: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude, exigibilidade de conduta diversa. Sendo, assim, o agente só será considerado culpado se preencher todos esses requisitos; faltando qualquer um deles, não haverá culpabilidade.

Sobre as autoras
Júlia de Arruda Rodrigues

Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

Larissa Ataide Cardoso

Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

Lina Marie Cabral

Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

Marina Dantas Pereira

Graduanda em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Júlia Arruda; CARDOSO, Larissa Ataide et al. O novo tipo penal estupro de vulnerável e suas repercussões em nossa sistemática jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2338, 25 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13908. Acesso em: 24 nov. 2024.

Mais informações

Elaborado sob orientação da Professora Ana Alice Ramos Tejo Salgado - Mestra em Ordem Constitucional pela UFC; professora da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas (FACISA) na disciplina de Direito Penal.

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