Normalmente, a prisão está relacionada com a punição pela prática de crime. Contudo, ela nem sempre é imposta como sanção penal, existindo atualmente no Brasil quatro modalidades distintas de prisão: a penal, a administrativa, a disciplinar (militar) e a civil, sendo que as três reclusões não-penais são também conhecidas como extrapenais.
A prisão penal possui duas principais espécies: definitiva (ou prisão-pena, decorrente de sentença condenatória transitada em julgado) e a processual (prisão sem pena ou cautelar, que abarca as prisões em flagrante, temporária e preventiva). As prisões processuais decorrentes da sentença de pronúncia (art. 408, § 1º do CPP, revogado pela Lei nº 11.689/2008) ou da sentença condenatória recorrível (art. 594 do CPP, revogado pela Lei nº 11.719/2008) não são mais admitidas. Mesmo com a possibilidade da prisão processual, o art. 5º, LVII, da Constituição, salienta que ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
A prisão administrativa teve sua constitucionalidade questionada a partir da Constituição de 1988, diante da garantia assegurada pelo seu art. 5º, LXI: "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei". Por um lado, sustenta-se que são inconstitucionais, e por outro defende-se que as hipóteses legais de prisão administrativa ainda podem ser efetivadas, mas dependem de ordem judicial. A despeito do debate, ressalta-se que tal modalidade de prisão tem fundamento no art. 319 do Código de Processo Penal (para o depositário infiel de valor pertencente à Fazenda Pública, cuja prisão também é prevista no art. 4º, § 2º, da Lei nº 8.866/94, e para o estrangeiro desertor de navio de guerra ou mercante) e na Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro), que permite em seus arts. 61, 69 e 81, a reclusão (por ordem do Ministro da Justiça) de estrangeiro sujeito à procedimento de deportação, expulsão ou extradição.
Já a disciplinar, existente no direito militar, é autorizada pelo citado art. 5º, LXI, da Constituição, em duas hipóteses: transgressão militar (previstas nos regulamentos disciplinares) e crime propriamente militar (exemplificando, o art. 18 do Código de Processo Penal Militar permite a detenção do indiciado, por determinação do encarregado do inquérito policial).
As hipóteses de prisão civil também são limitadas constitucionalmente. A Constituição de 1988 lista como uma garantia fundamental a de que não poderá ser instituída no país a prisão civil por dívida, com exceção de duas situações: a do depositário infiel e a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia (art. 5º, LXVII).
Apesar da natureza civil, seu cumprimento deve observar os mesmos procedimentos e garantias existentes no direito penal. Nesse sentido, o art. 320 do Código de Processo Penal preceitua que "a prisão decretada na jurisdição cível será executada pela autoridade policial a quem forem remetidos os respectivos mandados".
A prisão civil, como todas as formas de prisão extrapenal, constitui uma medida excepcional, utilizada como um meio de coerção para o devedor cumprir a obrigação. Suas origens remontam ao Código de Hammurabi, que admitia a prisão como garantia do pagamento. A Lei das XII Tábuas romana também previa a reclusão do devedor, pelo prazo de 60 dias, findo o qual poderia ter seu corpo cortado em tantos pedaços quantos fossem os seus credores [01]. Com a Lex Poetelia Papiria, de 326 a.C., também em Roma, o pagamento da dívida passou a ser possível somente por meio da busca de bens no patrimônio do devedor, não mais admitindo a execução pessoal.
Portanto, em nosso país não se admite a prisão civil em virtude de dívida, que só é permitida, em princípio, nas situações do depositário infiel e do devedor de alimentos.
É discutida a possibilidade – ou não – da prisão civil por dívida no Brasil, especialmente a do depositário infiel. A Convenção Americana de Direitos Humanos (ou Pacto de San José da Costa Rica), tratado internacional de 1969 da Organização dos Estados Americanos (OEA), que vigora em nosso país por meio do Decreto nº 678/1992, proíbe em seu Artigo 7.7 qualquer espécie de prisão decorrente de dívida, com a exceção do inadimplemento de obrigação alimentar.
Relembra-se ainda que a Emenda Constitucional nº 45/2004 acrescentou o § 3º ao art. 5º da Constituição, dispondo que "os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais". Em outras palavras, tais tratados, desde que internalizados no Brasil desse modo, têm força de emenda constitucional, e não de lei.
Assim, como conciliar um tratado internacional de direitos humanos (que não foi recebido no Brasil com força de emenda constitucional) com uma garantia fundamental, em situação na qual aquele oferece uma proteção maior do que a norma da Constituição brasileira? Ou seja, se a Constituição permite a prisão civil do depositário infiel e do devedor de pensão alimentícia, mas um tratado internacional firmado pelo Brasil admite essa modalidade de prisão somente para o segundo, qual regra deve prevalecer?
No Recurso Extraordinário nº 466343/SP, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, de forma unânime, decidiu não ser possível, no Brasil, a prisão do depositário infiel (em qualquer modalidade de depósito), diante da interpretação da Constituição em relação ao Artigo 7.7 da Convenção Americana de Direitos Humanos.
Nesse julgamento, dois fundamentos diferentes, que chegaram a essa mesma conclusão, podem ser destacados: para o Ministro Gilmar Mendes (cuja opinião prevaleceu), os tratados internacionais de direitos humanos possuem status supralegal, ou seja, não têm força de norma da Constituição (a não ser na hipótese do § 3º do art. 5º), mas prevalecem sobre a legislação infraconstitucional com eles conflitantes (anterior ou posterior à ratificação do tratado); já o Ministro Celso de Mello apresentou três situações diferentes para resolver o conflito: 1) se o tratado sobre direitos humanos foi firmado pelo Brasil e incorporado à legislação interna antes da Constituição de 1988, tem natureza constitucional, pois recebido formalmente pelo seu art. 5º, § 2º ("Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte"); 2) os tratados de direitos humanos assinados entre a Constituição de 1988 e a EC nº 45/2004 também possuem caráter materialmente constitucional, diante da natureza de suas normas; 3) e os tratados posteriores à EC nº 45/2004 somente terão força de norma da Constituição se aprovados conforme o procedimento e o quorum do § 3º do art. 5º.
No último dia 16 de dezembro, ratificando essa posição, o Pleno do STF aprovou por unanimidade a Proposta de Súmula Vinculante nº 31, com o seguinte teor: "É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito".
Portanto, segundo a visão do Supremo Tribunal Federal, atualmente no Brasil só é permitida a prisão civil do devedor de alimentos, mas não a do depositário infiel, pois se presume que a necessidade de sobrevivência do alimentando (direito à vida) prevalece sobre o direito à liberdade do devedor-alimentante [02].
Notas
- A peça "O Mercador de Veneza", de William Shakespeare, retrata situação similar, por meio da dívida de Antônio contraída com Shylock, tendo como garantia pelo descumprimento uma libra de carne do devedor.
- Sobre a prisão civil do devedor de alimentos: CARDOSO, Oscar Valente. Prisão Civil pelo Não-Pagamento de Pensão Alimentícia. Visão Jurídica, São Paulo, nº 40, p. 42-44, set. 2009.