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A responsabilidade da administração pública pelos créditos trabalhistas decorrentes da terceirização ilícita

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Agenda 22/12/2009 às 00:00

5 EFEITOS JURÍDICOS DA TERCEIRIZAÇÃO

Primeiramente, cumpre destacar que a terceirização não pode ser implantada em detrimento dos direitos trabalhistas inerentes ao empregado terceirizado. Desta forma, mesmo a terceirização sendo lícita, a tomadora deve ser responsabilizada subsidiariamente pelos créditos trabalhistas inadimplidos, desde que componha o pólo passivo da reclamação trabalhista juntamente com a prestadora de serviços, conforme dispõe a súmula 331, IV, do TST. Este é o posicionamento que atualmente predomina na jurisprudência, conforme se vê do seguinte acórdão:

RECURSO DE REVISTA. 1. TERCEIRIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA PELOS DÉBITOS DA EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇOS. ALCANCE. 1.1. "O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.6.1993).- Inteligência da Súmula 331, IV, do TST. Estando a decisão regional moldada a tais parâmetros, não pode prosperar o recurso de revista, nos termos do art. 896, § 4º, da CLT. 1.2. Por outro lado, a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços alcança todos os direitos trabalhistas assegurados pelo ordenamento jurídico. Recurso de revista não conhecido. 2. CORREÇÃO MONETÁRIA. SALÁRIOS. TERMO INICIAL. A Lei nº 8.177/91, em seu art. 39, estatui que os débitos trabalhistas, quando não adimplidos pelo empregador, sofrem correção monetária "no período compreendido entre a data de vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento". O art. 459, parágrafo único, da CLT, por seu turno, dispõe que o pagamento do salário "deverá ser efetuado, o mais tardar, até o quinto dia útil do mês subseqüente ao vencido". Depreende-se que, até o termo a que alude a CLT, não se pode ter como vencida a obrigação de pagar salários, não se vendo em mora o empregador, independentemente da data em que, por sua iniciativa, perfaça tais pagamentos. Ultrapassado, no entanto, o limite legal, incide "o índice da correção monetária do mês subseqüente ao da prestação dos serviços, a partir do dia 1º". Assim está posta a Súmula 381/TST. Recurso de revista conhecido e provido. (BRASIL, 2009)

Impende destacar mais um acórdão do c. TST, em aplicação à Súmula 331, IV:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO TOMADOR DE SERVIÇOS. SÚMULA Nº 331, ITEM IV, DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE INSTALAÇÃO E MANUTENÇÃO DE REDE DE ACESSO. - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993)- (Súmula nº 331, item IV, do TST). Agravo de instrumento a que se nega provimento. (BRASIL, 2009)

O Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais segue a mesma linha de intelecção:

EMENTA: TERCEIRIZAÇÃO - AUSÊNCIA DE ILICITUDE. Se a atividade preponderante da reclamada é o comércio de vestuário, não há dúvida que a empresa tem a faculdade de optar por desenvolver todas as tarefas de confecção, não havendo, contudo, a necessidade de que o faça. Esta constitui uma faixa destacada da atividade produtiva que tem segmentação tradicional no mercado. Assim, ainda que se trate de faixa essencial para o sucesso do empreendimento da reclamada, não há uma ilicitude na sua contratação destacada do processo de distribuição. Entender-se diversamente significaria quebrar a possibilidade de exercício de atividades comerciais. Incide na hipótese apenas a responsabilidade subsidiária a que se refere a Súmula 331 do TST (e não a solidária impingida na sentença). (MINAS GERAIS, 2009)

Tal entendimento, se justifica pelo fato de que, uma vez que a tomadora de serviços se locupletou da força de trabalho do obreiro, deve assegurar o pagamento das verbas trabalhistas que lhe são devidas. Todavia, o vínculo empregatício fica inalterado, ou seja, mesmo a tomadora sendo responsável subsidiária pelos créditos trabalhistas, o obreiro continua sendo empregado da prestadora de serviços.

O mesmo não ocorre no que diz respeito à terceirização ilícita. Nesse caso, forma-se o vínculo de emprego diretamente com a tomadora de serviços, ou seja, em caso de contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, o vínculo se estabelece diretamente com o tomador dos serviços, assumindo este, de forma irrestrita, a responsabilidade pelas obrigações trabalhistas decorrentes do contrato, bem como retificar a CTPS do obreiro. Nesse sentido, destacam-se as seguintes decisões:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO DIRETAMENTE COMO O TOMADOR DOS SERVIÇOS. ENQUADRAMENTO DA AUTORA COMO BANCÁRIA.O Regional, ao analisar o conjunto fático-probatório dos autos, em especial a prova oral, concluiu que a terceirização foi fraudulenta, que a reclamante atuou na realidade como bancária(atividade-fim), e que restou configurada a pessoalidade e a subordinação com o banco reclamado (tomador). Entendimento contrário ao adotado pela Corte de origem, esbarra no óbice da Súmula 126 do TST, porquanto far-se-ia necessário o reexame do acervo fático-probatório existente nos autos nesta instância extraordinária. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (BRASIL, 2009)

O TRT de Minas Gerais vem adotando o mesmo entendimento:

EMENTA: TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA - ATIVIDADE-FIM - FORMAÇÃO DO VÍNCULO DE EMPREGO DIRETAMENTE COM A TOMADORA DE SERVIÇOS. Sendo ilícita a contratação de trabalhador para exercer as funções de emendador de cabos telefônicos, através de empresa prestadora de serviços interposta, o vínculo se estabelece diretamente com a tomadora, em razão da inserção do empregado em sua atividade-fim (inteligência da Súmula 331, I, do colendo TST). Nesse caso, faz jus o empregado à percepção das vantagens previstas nos instrumentos normativos das quais é signatária a empregadora. (MINAS GERAIS, 2009)

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Todavia, o problema se agrava no que tange à formação de vínculo empregatício com entes da administração pública em face terceirização ilícita, face à vedação inserta no Art. 37, II, da CF/88, o que será melhor analisado nas cessões subseqüentes.


6 A TERCEIRIZAÇÃO E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O processo de terceirização iniciou-se no serviço público na década de 1960, restrita a atividades de apoio operacional. Mas, na década de 1990, expandiu-se para as atividades nucleares de competência dos órgãos e entes públicos, em dimensão exorbitante (MARTINS, 2009).

Assim sendo, desde os idos da década de 1960, o governo vem descentralizando suas atividades com o objetivo de conferir maior autonomia às entidades descentralizadas. Esse era o objetivo do Decreto Lei nº. 200/1967.

Assim, sob a justificativa da necessidade de maior concentração da administração pública naquelas tarefas de direção, e "com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa", o referido DL n. 200/1967 exorta expressamente o administrador ao uso de subcontratação de atividades (serviços privados destinados à máquina pública): "a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato {...}". (AMORIM, 2009, p. 62)

Atualmente, o Estado já terceiriza coleta de lixo, transporte público, frota de veículos, além de várias outras atividades que são desempenhadas por meio de concessão ou permissão.

Todavia, é vedado à administração pública a terceirização de serviços que lhe são peculiares, tais como justiça, segurança pública, fiscalização, entre outros (MARTINS, 2009). Na prática, entretanto, essa regra nem sempre é observada.

Ocorre contemporaneamente uma superterceirização dos serviços públicos, ou seja, um processo de invasão da terceirização nas atividades finalísticas dos entes estatais, como assevera Amorim (2009), ao analisar dados de uma pesquisa efetuada pelo Poder Executivo federal por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU):

À luz destas considerações, no ano de 2005, por determinação do TCU, o Poder Executivo federal realizou amplo levantamento das atividades terceirizadas em aproximadamente 60% dos órgãos de sua administração pública direta, identificando, somente neste universo, um total de 33.125 trabalhadores terceirizados que desenvolvem exclusivamente funções finalísticas, essenciais às competências dos órgãos e entes públicos, não autorizadas pelo Decreto n. 2.271/1997, sem contar aqueles trabalhadores já terceirizados nas denominadas atividades acessórias ou instrumentais. (AMORIM, 2009, p. 75)

Impende destacar a relevância dos dados analisados pelo ilustre doutrinador: foram contabilizados 33.125 trabalhadores tercerizados desenvolvendo exclusivamente funções finalísticas inerentes à administração, ou seja, não foram considerados os trabalhadores terceirizados que exercem atividades de apoio, levando-se em conta que o levantamento foi realizado em apenas 60% dos órgãos da Administração Pública Direta.

Estes dados bem demonstram a evolução avassaladora da terceirização nos órgãos de cúpula da administração pública brasileira.

Em alguns órgãos e setores o número de trabalhadores terceirizados chega a representar 64% do número de servidores efetivos, como no Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), 52% na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e no Ministério das Comunicações (sede) 44% no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (sede) e 21% no Ibama. Estes números por si mesmos constituem excelente amostra da realidade que se reproduz ainda mais gravemente nos Estados federados e Municípios, cujos recursos são, de regra, muito mais escassos que os do governo federal para o atendimento de suas demandas. (AMORIM, 2009, p. 74)

Assim sendo, nota-se que a Administração Pública, no que tange à terceirização de serviços, vem tomando uma atitude no sentido contrário ao que ocorre no meio privado, onde se tem notado uma redução do número de trabalhadores terceirizados.

A Pesquisa de Emprego e Desemprego (2007) realizada pelo DIEESE em Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre, Salvador, Recife e Distrito Federal revela que, enquanto na iniciativa privada a terceirização sofreu um pequeno recuo entre os anos de 2002 e 2005 (fato atribuído à queda da qualidade de produção), no âmbito da administração pública federal, estadual e municipal o fenômeno vem tomando ainda maior impulso.

No Distrito Federal, por exemplo, o índice de trabalhadores terceirizados no Poder Público saltou de 7,1% para 26,6%, entre 1996 a 2005; na região metropolitana de Belo Horizonte, a proporção de terceirizados no Poder Público dobrou, no mesmo período, de 12% para 23%, ultrapassando, inclusive, o ramo da construção civil (21,9%), um dos setores nos quais a terceirização sempre teve uma presença orgânica. (AMORIM, 2009, p. 74)

Esta superterceirização no serviço público traz conseqüências nefastas para a ordem jurídica, como por exemplo, a desprofissionalização do serviço público, bem como a extinção de funções e esgotamento de planos de carreiras indispensáveis ao exercício das responsabilidades estatais.

No plano social, a terceirização no serviço público enseja a precarização das condições de trabalho, a fragilização da organização coletiva dos trabalhadores e a discriminação entre servidores públicos e terceirizados (AMORIM, 2009).

Assim sendo, faz-se necessária a imposição de alguns limites à terceirização no serviço público. É nesse sentido que vários juristas militantes na seara laboral, à luz da teoria da responsabilidade objetiva do Estado, vêm tentando buscar um mínimo de garantias ao trabalhador que despende sua força de trabalho aos órgãos da Administração Pública por meio de interposta empresa, ficando, muitas vezes, a mercê da própria sorte, ante as ressalvas legislativas acerca da responsabilização dos entes estatais pelos créditos trabalhistas decorrentes da terceirização.


7 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA RESPONSABILIDADE ESTATAL

Consiste a responsabilidade civil do Estado na "obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos" (DI PIETRO, 2007, p. 596). Tal responsabilidade está elencada no Art. 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988, que assim dispõe:

Art. 37 {. . .}

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (BRASIL, 2008)

A mesma noção de responsabilidade civil do estado é tratada pelo Código Civil de 2002 nos seguintes termos:

Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. (BRASIL, 2008)

Trata-se do que hoje é reconhecido como responsabilidade objetiva, que abaixo será melhor delineada. Todavia, Faz-se necessário para melhor compreensão do tema um breve escorço histórico.

Em Princípio, vigorava a teoria da irresponsabilidade do Estado, advindo do Estado liberal e da teoria do direito divino dos reis, que dava ao soberano status de intangibilidade, conforme doutrina de José dos Santos Carvalho Filho:

Na metade do século XIX, a idéia que prevaleceu no mundo ocidental era a de que o Estado não tinha qualquer responsabilidade pelos atos praticados por seus agentes. A solução era muito rigorosa para com os particulares em geral, mas obedecia às reais condições políticas da época. O denominado Estado Liberal tinha limitada atuação, raramente intervindo nas relações entre particulares, de modo que a doutrina de sua irresponsabilidade constituía mero corolário da figuração política de afastamento e da equivocada isenção que o Poder Público assumia àquela época.

Essa teoria não prevaleceu por muito tempo em vários países. A noção de que o Estado era o ente todo-poderoso, confundida com a teoria da intangibilidade do soberano e que o tornava insuscetível de causar danos e ser responsável, foi substituída pelo Estado de Direito, segundo a qual deveriam ser a ele atribuídos os direitos e deveres comuns às pessoas jurídicas. (CARVALHO FILHO, 2007, p. 488)

Entretanto, mesmo vigendo a teoria da irresponsabilidade do Estado no período Absolutista, já se admitia a responsabilidade pecuniária pessoal dos agentes da Administração. Ou seja, entendia-se que o Estado e o funcionário são sujeitos diferentes, uma vez que este último, mesmo agindo fora dos limites de seus poderes, ou abusando deles, não obrigava, com seu fato, a Administração. (DI PIETRO, 2007)

Dessa forma, o administrado, vítima de dano, poderia se insurgir apenas contra o funcionário da Administração causador do dano. O Estado jamais era demandado.  Acontece que constantemente a ação de indenização resultava frustrada ante a insuficiência econômica do agente, o que inviabilizava o ressarcimento da vítima.

Em um segundo momento da evolução, foi superada a tese da irresponsabilidade. Teve início a implantação da teoria que atribuía ao Estado a responsabilidade subjetiva pelos danos causados por seus agentes. Desta forma, ao se admitir a responsabilidade do Estado, eram adotados os princípios de Direito Civil referentes à culpa, distinguindo-se, para tanto, os atos do estado em atos de império e atos de gestão.

Essa distinção foi idealizada como meio de abrandar a teoria da irresponsabilidade do monarca por prejuízos causados a terceiros. Passou-se a admitir a responsabilidade civil quando decorrente de atos de gestão e afastá-la nos prejuízos resultantes de atos de império, da pessoa do Estado, que praticaria os atos de gestão, através de seus prepostos.

Surgiu, no entanto, grande oposição a essa teoria, que pelo reconhecimento da impossibilidade de dividir-se a personalidade do Estado, quer pela própria dificuldade, senão impossibilidade, de enquadrar-se como atos de gestão todos aqueles praticados pelo Estado na administração do patrimônio público e na prestação de seus serviços. (DI PIETRO, 2007, p. 598)

Assim sendo, esta situação ainda se apresentava muito desvantajosa para o indivíduo, ficando este, muitas vezes, sem ser ressarcido ante a impossibilidade de se distinguir as duas espécies de atos (de império e de gestão) em um caso concreto. Além disso, ainda que fosse possível separá-los, era preciso comprovar a culpa do agente administrativo, o que não raro resultava inviável.

Essas dificuldades a que era submetida a vítima do dano ou seus parentes para acionar o Poder Judiciário não se coadunavam com os ideais do racionalismo iluminista, instituidores da limitação dos poderes do Estado. A concepção civilista lançada não era suficientemente protetiva dos direitos dos cidadãos contra a indevida ingerência estatal. (DI PIETRO, 2007)

Fracassadas as tentativas de se implantar a teoria da irresponsabilidade estatal e a teoria da responsabilidade do Estado por atos tão somente de gestão, proclamou-se a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, com base nos princípios da equidade e da igualdade de ônus e encargos sociais.

Foi com lastro em fundamentos de ordem pública e jurídica que os Estados modernos passaram a adotar a teoria da responsabilidade objetiva no direito público.

Esses fundamentos vieram a tona na medida em que se tornou plenamente perceptível que o Estado tem maior poder e mais sensíveis prerrogativas do que o administrado. É realmente o sujeito jurídica, política e economicamente mais poderoso. O indivíduo, ao contrário, tem posição de subordinação, mesmo que protegido por inúmeras normas do ordenamento jurídico. Sendo assim, não seria justo que, diante de prejuízos oriundos da atividade estatal, tivesse ele que se empenhar demasiadamente para conquistar o direito a reparação dos danos.

Diante disso, passou-se a considerar que, por ser mais poderoso, o Estado teria que arcar com um risco natural decorrente de suas numerosas atividades: à maior quantidade de poderes haveria de corresponder um risco maior. Surge, então, a teoria do risco administrativo, como fundamento da responsabilidade objetiva do Estado.

Além disso, decorrente das atividades estatais em geral, constitui também fundamento da responsabilidade objetiva do Estado o princípio da repartição dos encargos. O Estado, ao ser condenado a reparar os prejuízos do lesado, não seria o sujeito pagador direto; os valores indenizatórios seriam resultantes da contribuição feita por cada um dos demais integrantes da sociedade, a qual, em última análise, é beneficiária dos poderes e das prerrogativas estatais.

Verifica-se, portanto, que os postulados que geraram a responsabilidade objetiva do Estado buscaram seu fundamento na justiça social, atenuando as dificuldades e impedimentos que o indivíduo teria que suportar quando prejudicado por condutas de agentes estatais. (CARVALHO FILHO, 2007, P. 489)

Desta forma, com base na teoria do risco, o Estado, o qual corresponde à sociedade, deveria suportar o prejuízo causado pelo funcionamento do serviço público, não mais sendo necessário questionar-se da falta de seu agente ou do próprio serviço. Assim sendo, basta que o particular demonstre o nexo de causalidade entre o ato da Administração e o dano sofrido, e que para a ocorrência do dano não tenha contribuído o particular com atitude culposa, para gerar uma responsabilização estatal.

É chamada teoria da responsabilidade objetiva, precisamente, por prescindir da apreciação dos elementos subjetivos (culpa e dolo); é também chamada teoria do risco, porque parte da idéia de que a atuação estatal envolve um risco de dano, que lhe é inerente. Causado o dano, o Estado responde como se fosse uma empresa de seguro em que os segurados seriam os contribuintes que, pagando os tributos, contribuem para a formação de um patrimônio coletivo (cf. Cretella Júnior, 1970, v. 8:69-70). (DI PIETRO, 2007, p. 599)

A responsabilidade civil objetiva surgiu, portanto, da necessidade da vítima de obter reparação do dano sem provar a culpa do agente. Isso porque a culpa tornou-se insuficiente para solucionar todos os danos, uma vez que sua prova nem sempre é possível na sociedade moderna, frente às evoluções tecnológicas e desenvolvimento industrial. Novas situações, então, que não poderiam ser amparadas pelo conceito tradicional de culpa, fizeram nascer esta responsabilidade. Descarta-se, assim, qualquer questionamento em torno da culpa do funcionário causador do dano, ou sobre a falta do serviço ou culpa anônima da Administração.

José dos Santos Carvalho Filho assim define os pressupostos para a aplicação da responsabilidade objetiva:

A marca característica da responsabilidade objetiva é a desnecessidade de o lesado pela conduta estatal provar a existência da culpa do agente ou do serviço. O fator culpa, então, fica desconsiderado como pressuposto da responsabilidade objetiva.

Para configurar-se esse tipo de responsabilidade, bastam três pressupostos. O primeiro deles é a ocorrência do fato administrativo, assim considerado como qualquer forma de conduta, comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, singular ou coletiva, atribuída ao poder público. Ainda que o agente estatal atue fora de suas funções, mas a pretexto de exercê-las, o fato é tido como administrativo, no mínimo pela má escolha do agente (culpa in eligendo) ou pela má fiscalização de sua conduta (culpa in vigilando).

O segundo pressuposto é o dano. Já vimos que não há falar em responsabilidade civil sem que a conduta haja provocado um dano. Não importa a natureza do dano: tanto é indenizável o dano patrimonial como o dano moral. Logicamente, se o dito lesado não prova que a conduta estatal lhe causou prejuízo, nenhuma reparação terá a postular.

O último pressuposto é o nexo causal (ou relação de causalidade) entre o fato administrativo e o dano. Significa dizer que ao lesado cabe apenas demonstrar que o prejuízo sofrido se originou da conduta estatal, sem qualquer consideração sobre o dolo ou a culpa... (CARVALHO FILHO, 2007, p. 496)

O mais importante no que tange à aplicação da teoria da responsabilidade objetiva da Administração é que, presentes os devidos pressupostos, tem esta o dever de indenizar o lesado pelos danos que lhe foram causados sem que se faça necessária a investigação sobre se a conduta administrativa foi, ou não, conduzida pelo elemento culpa.

Feitas essas considerações, é possível analisar melhor a responsabilidade da administração pública especificamente no que tange aos encargos trabalhistas decorrentes do processo de terceirização ilícita de suas atividades, o que será feito na próxima seção.

Sobre o autor
Leonardo Alberto Ribeiro

Calculista; Graduado em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC, campus Bom Despacho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Leonardo Alberto. A responsabilidade da administração pública pelos créditos trabalhistas decorrentes da terceirização ilícita. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2365, 22 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14062. Acesso em: 28 dez. 2024.

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