Conclusões
1.A evolução histórica da maioridade penal, bem como do Direito da Criança e do Adolescente como um todo, permite claramente a inferência de que, hodiernamente, em nosso ordenamento jurídico, seguido como regra no âmbito internacional, vigora o princípio da proteção integral, que preconiza, entre outras diretrizes, efetiva prioridade e total respeito à dignidade das crianças e dos adolescentes.
2.A plena adoção do princípio da proteção integral possui como corolário necessário o entendimento de que as crianças e os adolescentes, antes tidos como objetos de direito, são, no atual contexto jurídico, sujeitos de direito. De tal conclusão, emerge uma conseqüência de indiscutível importância: a criança e o adolescente são sujeitos de direitos fundamentais e merecem proteção contra violações de tais direitos;
3. Verificamos que a Constituição Federal de 1988 não foi precisa ao tratar do tema "direitos e garantias fundamentais", ora utilizando o termo "direitos e garantias individuais" (visto, por exemplo, no art. 60, § 4°, inc. IV), ora empregando a terminologia "direitos e garantias individuais" ( verificado, por exemplo, na epígrafe do Título II, e art. 5°, § 1°)".
4. A doutrina constitucionalista majoritária concorda que, não obstante a imprecisão terminológica adotada pela Lei Máxima de 1988, as normas que tratam dos direitos e garantias fundamentais estão espraiadas por toda a Carta Magna, como corolário necessário de sua principiologia e regime. Com relação, especificamente, à criança e ao adolescente, temos capítulo próprio na Lei Fundamental que trata de direitos e garantias desses indivíduos.
5.Vimos, ademais, ao estudarmos a estrutura dos direitos e garantias fundamentais, que neles existe um núcleo intangível que deve ser mantido caso se pretenda dar unidade e segurança à Constituição. Esses núcleos, basicamente, constituem-se em princípios constitucionais. A norma pode ser alterada, mas os princípios norteadores imiscuídos nela não podem ser suprimidos. Na garantia imposta pelo art. 228 da Constituição Federal de 1988, protegem-se, por exemplo, princípios como o da proteção integral, princípio da isonomia, princípio da proporcionalidade, entre outros. Importa saber que a supressão ou a alteração tendente a abolição desses princípios constitui-se em verdadeira violência à ordem constitucional.
6. Ao estudarmos o sistema de garantias constitucionais, verificamos que elas geralmente são compostas por um verbo seguido de uma inviolabilidade. O artigo 228 da Constituição Federal segue a referida fórmula ao propor: "São" (verbo) "inimputáveis" (inviolabilidade) "os menores de dezoito anos (...)". Portanto, não resta dúvidas de que a Carta Máxima trouxe uma garantia expressa de inimputabilidade penal ao menor de dezoito anos, garantindo-lhes uma posição jurídica subjetiva: de inimputáveis, pois, perante o sistema penal geral.
7. Constatamos que o princípio da não-tipicidade ou de cláusula materialmente aberta dos direitos e garantias fundamentais preconiza que as normas assecuratórias de eficácia e proteção de tais direitos e garantias não estão previstas exaustivamente no rol do art. 5º da Constituição Federal. Portanto, a referida relação de direitos e garantias positivadas não possui caráter taxativo (numerus clausus) e não exclui outras normas decorrentes dos princípios e regime adotados pela Carta Magna. Um exemplo bem claro de tal "abertura interpretativa" é verificado na garantia constitucional prevista no art. 228 da Lei Fundamental.
8.Ressaltamos, outrossim, a necessidade de reformas periódicas à Constituição Federal, até por questões de acompanhamento histórico-evolutivo da sociedade, todavia, a fim de que seja mantida a ordem jurídico-constitucional, devem ser respeitados certos limites de tal reforma. Vimos, portanto, que a modificação de alguns núcleos essenciais não significariam uma reforma propriamente dita, mas sim a edição de uma nova Constituição. É imprescindível a manutenção de núcleos essenciais para a garantia da unidade constitucional e para que sejam evitados vilipêndios de ordem cada vez maiores. Se fossem autorizadas modificações ilimitadas, a Constituição perderia completamente a sua eficácia e se transformaria em "letra morta".
9.O constituinte originário de 1988, preocupado com a manutenção da ordem constitucional, explicitou certos limites ao poder de reforma. Para o caso em destaque, no art. 60, § 4, inciso IV, preconizou que não serão objeto de deliberação propostas de emenda à constituição tendentes a abolir direitos e garantias individuais (fundamentais). Vimos que o direito à liberdade é de conotação fundamental, portanto, erigido à categoria de norma intangível. A garantia contra a restrição da liberdade do menor de dezoito anos, ressalvada a aplicação da legislação especial, foi esculpida no art. 228 da Constituição Federal.
10.O princípio da isonomia possui semântica muito mais ampla do que alguns pretendem imaginar. Na verdade, consoante constatado em linhas anteriores, o princípio possui um acentuado caráter axiológico, qual seja: o ideal de justiça, de eqüidade. A tentativa de incluir os menores de dezoito anos no sistema penal geral desconsidera a diferença notória entre pessoas que se encontram em situações desiguais; de um lado encontram-se aqueles que estão em fase de desenvolvimento sócio-cultural (crianças e adolescentes), de outro, aqueles que, em regra, são dotados de pleno desenvolvimento. É claro que exceções existem, como de adolescentes de 17 anos com pleno desenvolvimento cultural, mas exceção, como o próprio nome pressupõe, não pode servir de fundamento para ser erigida à categoria de regra.
11.Podemos reputar, portanto, sem sombras de dúvidas, que o artigo 228 constituiu garantia individual (fundamental) à criança e ao adolescente. Em conseqüência disso, as propostas de emenda à Constituição que tramitam no Congresso Nacional deveriam ser incontinenti sustadas, posto que, consoante preceito do art. 60, § 4º, inciso IV, nem sequer deveriam ser motivo de deliberação.
12.Quanto à legitimidade e proporcionalidade dos argumentos pela redução da idade penal, vimos que são totalmente inverossímeis. A escolha da idade de dezoito anos para imputabilidade penal segue tendência mundial majoritária, principalmente nos países tidos como desenvolvidos. Portanto, se em países tidos como de "1º mundo", em que os adolescentes são teoricamente mais cultos, mais desenvolvidos sócio-culturalmente, fixa-se a idade penal em dezoito anos, por que em um país como o Brasil, poço de aculturação social, no qual a maioria da população não possui efetiva educação, pretende-se diminuir a idade penal para dezesseis anos (ou menos)?
13.Reduzir a idade penal não diminuirá os índices de violência juvenil, pelo contrário, trará uma conseqüência devastadora para a sociedade, tão logo as crianças e adolescentes incluídos no falido sistema penitenciário (verdadeiras escolas do crime), voltem ao convívio social, dessa vez, muito mais violentos e algozes. Aqueles que preconizam a diminuição da idade penal não consideram, ou por ignorância simplesmente desconhecem, que a legislação especial aplicável aos menores, quando efetivamente posta em prática, mostra-se deveras eficaz no aspecto da reinserção dos infratores na sociedade. A idéia de que o Estatuto da Criança e do Adolescente é um escudo da impunidade é fruto do desconhecimento e do descaso.
14.Em verdade, a redução da idade penal será uma forma de punir a própria vítima, pois, restou-se demonstrado que a delinqüência juvenil no Brasil é corolário da crítica situação social em que vivem nossas crianças e adolescentes. Totalmente abandonados pelo Estado e pela sociedade, ficam jogados à própria sorte, sem educação, sem estrutura familiar, sem moradia e sem afeto. São recebidos pela criminalidade como única forma de "ascensão" social e, depois de parcialmente corrompidos, a mesma sociedade que o inseriu nesse sombrio caminho, pretende corrompê-lo ainda mais, inserindo-o no falido e criminógeno sistema penitenciário.
15.De tudo o que foi exposto, reputa-se que as tentativas de redução da idade penal são inconstitucionais não somente por violar garantias fundamentais das crianças e dos adolescentes, mas por não considerarem a legitimidade e proporcionalidade de tais propostas reducionistas.
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