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Redução da idade penal em face da Constituição Federal.

Apontamentos jurídicos acerca das tentativas de redução da idade para imputação criminal do menor de 18 anos

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30/12/2009 às 00:00
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Capítulo III

No capítulo anterior, encerramos a discussão acerca da inconstitucionalidade da redução da idade penal no que toca especificamente ao aspecto da estrita obediência à legalidade constitucional, ou seja, verificamos se há impeditivo de reforma constitucional positivado na própria Constituição Federal (art. 60, § 4°, inc. IV) e se a inimputabilidade penal do menor de 18 anos é considerada garantia individual contra a persecução penal geral.

No presente capítulo, trataremos da celeuma sob o prisma da legitimidade, ou seja, verificaremos se as justificativas para a redução da idade penal, consoante preconizam seus defensores, são idôneas ao fim que propõem, que é o de redução dos índices de criminalidade.

Como ensina Gilmar Mendes (2004, pp. 49- 50):

(...) a doutrina constitucional moderna enfatiza que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal), mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade. Essa orientação, que permitiu converter o princípio da reserva legal (gesetzesvorbehalt) no princípio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhältnismässigen Gesetzes), pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos (geeignetheit) e a necessidade de sua utilização (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit). O subprincípio da adequação (Geeignetheit) exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos. O subprincípio da necessidade (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit) significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos.

Para aqueles que defendem a plena possibilidade de mutabilidade constitucional em virtude da necessidade ditada pelos anseios sociais, verificaremos se há, realmente, necessidade e/ou adequação nas tentativas de se reduzir a idade penal e se tal redução reflete o legítimo interesse público. Analisaremos, portanto, a constitucionalidade das propostas de redução da idade penal no aspecto da legitimidade, tendo sempre em mente o principio da proporcionalidade (necessidade/adequação) [31].

2- Discussão do tema no Congresso Nacional. Argumentações a favor da redução da idade penal.

Nesse ponto, trataremos das principais Propostas de Emenda à Constituição Federal que tramitam no Congresso Nacional com o intuito de alteração no art. 228 da referida Carta Republicana. Externaremos os argumentos propostos pelos que defendem a redução da idade penal para posterior análise de legitimidade de tais proposituras [32].

Proposta de Emenda à Constituição n° 03, de 22 de março de 2001 [33]

Altera o art. 228 da Constituição Federal, reduzindo para dezesseis anos a idade para imputabilidade penal.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda constitucional.

Artigo 1º- O art. 228 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 228. São penalmente inimputáveisos menores de dezesseis anos, sujeitos às normas da legislação especial.

Parágrafo único. Os menores de dezoito anos e maiores de dezesseis anos são penalmente imputáveis na hipótese de reiteração ou reincidência em ato infracional e quando constatado seu amadurecimento intelectual e emocional, na forma da lei. (NR)"

Justificação:

O menor de dezoito anos e maior de dezesseis anos, embora possa ter a capacidade plena para entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se segundo esse entendimento, é considerado inimputável, pois, devido ao déficit da idade, de acordo com a regra vigente, se presume, de modo absoluto, que não possui o desenvolvimento mental indispensável para suportar a pena.

A idade de dezoito anos é um critério puramente biológico, que marca legalmente o amadurecimento da pessoa.

Embora a presente proposta reduza, no caput do art. 228, a idade de dezoito para dezesseis anos, mantendo o critério temporal, cria outros critérios para se determinar a imputabilidade do menor de dezoito e maior de dezesseis anos, qual seja a reiteração ou reincidência do ato infracional e o amadurecimento intelectual e emocional, a ser definido em lei ordinária.

É certo que haja um limite temporal para a imputabilidade. Mas é preciso atender às diferenças existentes entre as pessoas, a exemplo do Código Civil, que estabelece formas de alteração da capacidade civil abaixo dos vinte e um anos de idade, seja pela emancipação precoce, seja pela perda parcial ou total da capacidade nos casos que enumera.

No Direito Penal deve prevalecer a verdade real, factual. Note-se que a pessoa com mais de dezoito anos pode ser considerada inimputável se não tiver capacidade de entender os reflexos de suas ações, de acordo com o art. 26 do Código Penal. Há, porém, um vazio na lei no que se re fere à pessoa precocemente amadurecida ser responsabilizada por seus atos.

A experiência tem demonstrado que, em muitos casos, o cumprimento de medidas sócio-educativa de internação não tem sido eficaz para a recuperação de adolescentes envolvidos com atos in fracionais de grave ameaça ou violência à pessoa, sendo necessário a adoção de outras medidas que possam inibir a reiteração nesse tipo de delito.

O adolescente, por ser uma pessoa em formação, não tem plena consciência dos atos que pratica, motivo pelo qual não pode sofrer as mesmas penalidades impostas às pessoas adultas, no caso de cometimento de infrações penais. Avalia-se ainda, que ao adolescente infrator, pelo mesmo motivo, deve ser dada a oportunidade do cumprimento de medidas sócio-educativas voltadas para a sua recuperação e sua reinserção no convívio social.

Dessa forma, propomos a diminuição para dezesseis anos de idade o limite para a imputabilidade, determinando, também, critérios de amadurecimento intelectual e emocional, a serem definidos em lei, para os menores de dezoito anos e maiores de dezesseis anos.

Nesse sentido é que estamos reapresentando a nossa proposta, pois não podemos ser condescendentes com a prática reiterada de crimes. A alteração proposta visa coibir a reiteração e a reincidência de crimes, porque acreditamos que a legislação atual cria uma expectativa de impunidade para o menor infrator.

Isto posto, conclamamos os ilustres pares para aprovação desta pro posta, que busca adaptar a Constituição à realidade do nosso País.

Proposta de Emenda à Constituição n° 26, de 22 de maio de 2002 [34]

Altera o art. 228 da Constituição Federal, para reduzir a idade prevista para a imputabilidade penal, nas condições que estabelece.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:

Art. 1º O art. 228 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:

Art. 228. ................................................

Parágrafo único. Os menores de dezoito e maiores de dezesseis anos responderão pela prática de crime hediondo ou contra a vida, na forma da lei, que exigirá laudo técnico, elaborado por junta nomeada pelo Juiz, para atestar se o agente, à época dos fatos, tinha capacidade de entender o caráter ilícito de seu ato;

Art. 2º Esta Emenda entra em vigor na data de sua publicação.

Justificação:

A Constituição Federal de 1988 repete os termos do Código Penal, de 1940, que considera inimputáveis os menores de dezoito anos de idade. Não nos parece necessário, no âmbito desta proposição, alertar os Senhores Congressistas sobre a necessidade de que sejam tomadas medidas mais firmes no combate à criminalidade e delinqüência que grassam em nosso País.

Mas considero essencial, para ressaltar a conveniência e oportunidade do debate que ora propomos, recordar os Membros do Parlamento para o fato de que, nos últimos sessenta anos, ocorreu um processo de inegável amadurecimento dos nossos adolescentes.

No mais das vezes e, sobretudo, nos centros urbanos, um jovem de dezesseis anos, nos dias atuais, detém informações, conhecimento, experiência de vida que lhe permitem discernir sobre a natureza lícita ou ilícita de seu comportamento. Conhece a realidade e tem condições de comportar-se, diante dela, com senso de responsabilidade.

Apesar desse quadro ser para nós evidente, não estamos propondo, simplesmente, a redução da inimputabilidade penal para dezesseis anos, como outros colegas parlamentares o fizeram, em outras oportunidades.

Limitamo-nos a sugerir que, na hipótese do cometimento de crime hediondo ou contra a vida, quando o laudo técnico de uma junta especializada, nomeada pelo Juiz, concluir pela capacidade do agente de perceber, à época dos fatos, a natureza criminosa de seu comportamento, poderá o agente responder ao processo criminal pertinente, em que lhe será possibilitada ampla defesa.

Consideramos a presente proposta a expressão da busca de um entendimento quanto a esse assunto tão polêmico e que, conforme registra a história recente do Congresso brasileiro, costuma dividir opiniões. De um lado, não nos omitimos diante do aumento da criminalidade; de outro, preservamos os jovens de idade entre dezesseis e dezoito anos da imputabilidade penal genérica, buscando assim uma solução negocia da.

Por tais razões, conclamamos os Senhores Congressistas a discutir e, de assim entenderem, aperfeiçoar esta Proposta de Emenda à Constituição, a qual, a nosso ver, expressa a justa preocupação do Parlamento brasileiro com relação ao necessário combate à delinqüência e criminalidade em nosso País.

Proposta de Emenda à Constituição n° 90, de 25 de novembro de 2003 [35].

Inclui parágrafo único no art. 228, da Constituição Federal, para considerar penalmente imputáveis os maiores de treze anos que tenham praticado crimes definidos como hediondos

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As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º, do art. 60, da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:

Art. 1º Inclua-se no art. 228, da Constituição Federal, o seguinte parágrafo único.

"Art. 228. ..............................................

Parágrafo único. Os menores de dezoito anos e maiores de treze anos que tenham praticado crimes definidos como hediondos são penalmente imputáveis. (NR)"

Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

Justificação:

A presente emenda constitucional tem por objetivo reduzir a maioridade penal para treze anos, quando o agente houver praticado qualquer dos crimes definidos pela lei como hediondos.

A noção de crime hediondo foi introduzida pelo legislador constituinte originário que os qualifica como inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia. Hediondos, ou horrendos são os crimes que, por seu alto grau de lesividade, causam imensa repulsa à sociedade e que devem, portanto, ser apenados com maior severidade.

São considerados hediondos, pela Lei nº 8.072, de 1990, os seguintes tipos penais:

I – homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art.121, § 2º, I, II, III, IV e V);

II – latrocínio (art. 157, § 3º, in fine);

III – extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º);

IV – extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ 1º, 2º e 3º);

V – estupro (art. 213 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único);

VI – atentado violento ao pudor (art. 214 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único);

VII – epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º).

VIII – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B, com a redação dada pela Lei nº 9.677, de 2 de julho de 1998).

IX – genocídio (arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956, tentado ou consumado).

Na esfera penal, poucos temas despertam acalorados debates quanto à questão da redução da maioridade penal. Sobre o assunto, incontáveis monografias, livros e artigos foram escritos, uns defendendo a manutenção da imputabilidade criminal em 18 anos, outros advogando a necessidade da redução dessa idade.

Os que defendem a manutenção da maioridade penal em 18 anos costumam argumentar que, abaixo dessa faixa etária, o jovem não tem consciência plena de seus atos, e que a redução da idade de imputabilidade não representará garantia de que haverá diminuição nos indicadores de violência.

Alinhamo-nos entre aqueles que acreditam que o jovem de 13 anos de idade é perfeitamente capaz de reconhecer a gravidade de certas condutas delituosas, especialmente as mais graves.

Não é factível que no atual estágio da civilização, com as informações disponíveis nos diversos meios de comunicação de massa, uma pessoa de 13 anos não tenha consciência do sofrimento que se abate sobre uma vítima de estupro, ou da dor suportada por uma família cujo pai, mãe ou filho tenha sido assassinado.

Os órgãos de imprensa noticiam, diariamente, uma infinidade de crimes praticados por menores de 18 anos. Recentemente, contudo, chamou a atenção da população, pela premeditação, frieza e crueldade, o assassinato do jovem casal no Município paulista de Embu-Guaçu, que contou com a participação ativa de um menor. Autores de crimes tão graves, como esse, devem ser punidos de modo exemplar, não havendo argumento que dê sustentação à tese de que o menor não sabia o que estava fazendo.

Assim, para que a sociedade brasileira não mais continue a assistir, indefesa e passivamente, aos terríveis crimes praticados por jovens que, de antemão, sabem que não serão alcançados pelos rigores da Lei Penal, contamos com o apoio dos ilustres Membros do Congresso Nacional à presente Proposta de Emenda à Constituição, que reduz a maioridade penal para 13 anos, no caso do cometimento de crimes hediondos.

Proposta de Emenda à Constituição n° 09 de 16 de março de 2004 [36].

Acrescenta parágrafo ao art. 228 da Constituição Federal, para determinar a imputabilidade penal quando o menor apresentar idade psicológica igual ou superior a dezoito anos.

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional: Artigo único. O art. 228 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo:

"Art. 228. ..............................................

Parágrafo único. Nos casos de crimes hediondos ou lesão corporal de natureza grave, são imputáveis os menores que apresentem idade psicológica igual ou superior a dezoito anos, sendo capazes de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento."

Justificação:

A Sua Excelência Sr. Juiz Rommel Araújo de Oliveira, diante da vasta experiência na 2ª Vara Criminal de Macapá, há seis anos, tem observado que os menores de dezoito anos que participam de ilícitos graves em companhia de pessoas maiores recebem tratamentos diferenciados, por força do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas que tal diferenciação fundamentada apenas na faixa etária não deve perdurar. É consabido que, com a evolução dos meios de comunicação, um adolescente com dezesseis ou dezessete anos, por exemplo, tem uma idade psicológica superior à sua idade cronológica, podendo compreender facilmente o caráter ilícito de sua conduta.

A Promotoria da Infância e da Juventude do Distrito Federal traçou o perfil dos jovens infratores, indicando que entre 1997 e 2001, 16.254 adolescentes com idade entre 12 e 17 anos cometeram 31.314 atos infracionais. Esses adolescentes, em sua grande maioria, eram do sexo masculino, tinham idade de 16 e 17 anos, e mostravam-se mais amadurecidos do que as meninas para o cometimento dos atos infracionais graves. Estas tinham a idade de 12 e 13 em percentual mais elevado e praticavam atos menos violentos, a exemplo de lesões corporais e envolvimento com drogas.

Demais disso, é de assinalar que a ação dos jovens criminosos não só aumentou, como tornou-se mais cruel, conforme dados do Distrito Federal – DF. A média mensal de latrocínios cresceu de 1,75 casos em 1998, para 4, nos primeiros noves meses de 2003.

Levantamento do Governo Federal indica que o DF lidera as estatísticas de roubo e furtos no país, e figura em segundo lugar em tentativa de homicídios, cometidos por menores de dezoito anos. Em 2002, a taxa de roubo por 100 mil habitantes foi de 1.107,3 no DF, 811,1 em São Paulo, e 779,1 no Rio de Janeiro.

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É preciso que nós, legisladores, atentemos para a gravidade dos fatos cometidos por menores de dezoito anos que são noticiados na mídia e a ineficácia da legislação atual, no que se refere à proteção da sociedade contra esses delinqüentes. Os fatos impelem-nos a rever conceitos concebidos sem consideração do desenvolvimento intelectual dos jovens e as necessidades de aprimoramento da segurança e justiça da sociedade democrática.

Destarte, contamos com o apoio do ilustres pares para aprovação desta proposta de emenda à constituição, que visa imprimir maior rigor no julgamento dos crimes cometidos por menores que apresentem a idade psicológica igual ou superior a dezoito anos e sejam capazes de entender o caráter ilícito de suas condutas, e, conseqüentemente, ofertar maior paz à comunidade.

Das propostas de emenda à Constituição transcritas, além de outras já arquivadas [37], poderíamos extrair os principais argumentos que fundamentam a pretensão de redução da idade penal. Em suma, os principais argumentos daqueles que defendem a rebaixamento são:

a) em virtude dos avanços tecnológicos e culturais que vivenciamos hodiernamente, a idade cronológica dos adolescentes não corresponde à idade mental (os adolescentes maiores de dezesseis anos possuem plena capacidade de entendimento e autodeterminação, diferentemente daqueles de 1940, quando do início da Vigência do Código Penal);

b) O Estatuto da Criança e do Adolescente não alcança seus escopos de prevenir e reprimir a prática de atos infracionais entre os adolescentes;

c) O adolescente infrator é tido como "irresponsável penal", o que fomenta a sensação de impunidade perante a sociedade;

d) É comum a utilização de adolescentes como "instrumentos" para o cometimento de crime, ou seja, maiores de dezoito utilizam-se de menores, porquanto inimputáveis, para cometer crimes (autoria mediata). A redução da idade de inimputabilidade penal diminuirá tal prática;

e) A redução do limite constitucionalmente imposto diminuirá a violência e a criminalidade;

f) O menor de dezoito anos e maior de dezesseis já pode votar, o que denota sua capacidade de discernimento.

Estes seriam, em sucintas linhas, os principais argumentos daqueles que advogam pela redução da idade penal na Constituição Federal. Para uma análise de constitucionalidade sob o aspecto da legitimidade, verificaremos se tais proposições são verossímeis, se são legítimas.

3- Apontamentos específicos acerca da legitimidade das tentativas de redução da idade penal.

3.1- A idade de 18 anos como critério definidor da inimputabilidade penal.

Antes de qualquer apontamento, mister ressaltar que a escolha da idade penal como critério de inimputabilidade é um juízo de política criminal, ou seja, tal escolha não recai sobre critérios eminentemente jurídicos ou ideológicos, e sim por motivos político-filosóficos que permeiam uma determinada sociedade (CORRÊA, 1998, p. 187).

Somos reconhecedores de que, sem dúvida, o legislador penal de 1940 tinha sob sua égide uma realidade completamente distinta da ora vigente e, por óbvio, ao estabelecer a inimputabilidade penal para os menores de dezoito anos, agiu em consonância com as circunstâncias da época. Não é correto, no entanto, o argumento daqueles que afirmam ter sido a inimputabilidade penal do menor de 18 anos fruto de um vetusto juízo, datado ainda da década de 1940 (início da vigência do Código Penal).

Em 1988, a Assembléia Constituinte, em capítulo específico acerca das crianças e dos adolescentes, teve mais uma oportunidade de escolher a idade utilizada como critério definidor da inimputabilidade penal e elevou à categoria de garantia fundamental escolha no art. 228 da Constituição Federal. Portanto, não é correto afirmar que a fixação da idade penal em 18 anos é corolário tão somente do anacrônico Código Penal de 1940, porquanto, como vimos, a Lei Fundamental de 1988, ainda recentíssima quando comparada a outras constituições do mundo, retomou a discussão e preconizou serem inimputáveis aqueles indivíduos.

É claro que a maturidade emocional e psíquica não é uma referência estática diretamente relacionado à idade biológica. Por tal motivo, não podemos excluir a possibilidade de muitos adolescentes de dezessete anos possuírem suficiente desenvolvimento para os fins de imputabilidade penal. Da mesma maneira, não se pode afirmar categoricamente que um jovem de dezenove anos tenha completo desenvolvimento na sua capacidade de autodeterminação. A imputabilidade penal, conforme ressalta Márcia Milhomens Corrêa (1998, p. 188), "é uma presunção legal, que, em nosso ordenamento, é absoluta. Ora, presunção não se confunde com certeza. Em todo caso existe a necessidade do estabelecimento de uma idade limite".

São muitos os países do mundo que adotam a idade de dezoito anos como limite mínimo para imputabilidade penal, por exemplo, a Áustria, Dinamarca, Finlândia, França, Colômbia, México, Peru, Uruguai, Equador, Tailândia, Noruega, Holanda, Cuba, Venezuela, etc. Outros estabelecem como marco a idade de vinte e um anos, como é o caso da Suécia, Chile e Ilhas Salomão, etc (MIRABETE, 2005, p. 216).

Para Newton e Valter Fernandes (2002, p. 436), "o crime varia com a idade e nada é mais natural. É sabido que as paixões são mais violentas, e menos controláveis, na mocidade que na chamada idade madura, e as paixões figuram como motivo determinante". Entretanto, os mesmos autores (2002, p. 440) ponderam que:

(...) o importante é que se registre que o dado idade, apenas sobre o ponto de vista cronológico, tem valor relativo no que se refere à criminalidade e à natureza do crime, pois outras circunstâncias interferem no fenômeno, como acontece com as condições ambientais em que vive o indivíduo, o tipo de vida que leva, as situações familiares, o fator hereditariedade, etc...

Sobre o argumento daqueles que entendem o menor de dezoito anos como total possuidor de discernimento para determinar seus atos, deveras elucidativa é a lição de João Batista da Costa Saraiva [1996]. Ensina o autor que:

Outro ponto da argumentação pelo rebaixamento diz respeito ao discernimento. De que o jovem de hoje, mais informado, amadurece mais cedo. Ninguém discute a maior gama de informações ao alcance dos jovens. A televisão hoje invade todos os lares com suas informações e desinformações,trazendoformaçãoedeformação.Considerandoodesenvolvimento intelectual e o acesso médio à informação, é evidente que qualquer jovem, aos 16, 14 ou 12 anos de idade, é capaz de compreender a natureza ilícita de determinados atos. Aliás, até mesmo crianças pequenas sabem que não se pode matar, que machucar o outro é feio ou que não é permitido tomar para si o objeto do outro. O velho Catecismo Romano já considerava os sete anos como a ''idade da razão'', a partir daquela é possível "cometer um pecado mortal".Esse raciocínio sobre o discernimento, levado às últimas conseqüências, pode chegar à conclusão de que uma criança, independentemente da idade que possua, deva ser submetida ao processo penal e, eventualmente, recolhida a m presídio, desde que seja capaz de distinguir o"bem"do"mal".O que cabe aqui examinar é a modificabilidade do comportamento do adolescente e sua potencialidade para beneficiar-se dos processos pedagógicos, dada sua condição de pessoa em desenvolvimento.
A experiência dos Juizados da Infância e da Juventude no Rio Grande do Sul tem demonstrado que, aplicadas com seriedade as medidas constantes do Estatuto, diversos adolescentes, internados por infrações gravíssimas, como homicídio e latrocínio, têm logrado efetiva recuperação, após um período de internação. Progressivamente, esses jovens têm passado da privação total de liberdade à semi-liberdade assistida. Muitos passam algum tempo prestando serviços à comunidade, numa forma de demonstrar a si próprios e à sociedade que são capazes de atos construtivos e reparadores.

De fato, consoante ressalta Márcia Milhomens Corrêa: (1998, p. 157):

Na fase da adolescência, o indivíduo não consolidou, de modo definitivo, vários valores e sofre de maneira mais acentuada as influências de seu meio de amizades. Diversas vezes, o adolescente pratica um ato infracional impelido pelos apelos do meio no qual está inserido. A par dessa realidade, as Varas da Infância e Juventude estão repletas de adolescentes oriundos de meio social absolutamente inóspito, onde reina a criminalidade. Desprovidos de qualquer orientação ética, carentes de condições dignas de existência, acostumados desde cedo ao uso de bebidas alcoólicas e de substâncias entorpecentes, estes indivíduos em formação são praticamente guiados para o caminho da prática de atos ilícitos.

Nota-se, então, que o fator idade, por si só, não é determinante no aspecto da criminalidade no Brasil, que possui um caráter predominantemente sócio-político. Reputa-se que, em regra, enquanto o adolescente criado em situações economicamente favoráveis desenvolve o intelecto de maneira construtiva, aquele criado em condições menos favoráveis seria fatalmente atraído para a criminalidade [38]. A redução da idade penal somente acentuará tal problema.

3.2- O juízo da Infância e da Juventude X Impunidade.

É comum, em tempos de elevada criminalidade, que discursos emocionados, desprovidos de caráter científico sejam divulgados por certos órgãos de imprensa e por alguns políticos. O rebaixamento da idade penal tem sido a nova "aposta" daqueles que resumem o complexo sistema de atendimento ao menor infrator em um único nome: impunidade. A visão de que os menores infratores são verdadeiros irresponsáveis penais não pode permanecer, mormente em uma sociedade educada, pelo menos em tese, por parâmetros científicos.

Como ressalta Márcia Milhomens Corrêa (1998, p. 157), esse discurso, é:

(..) fruto do absoluto desconhecimento, não apenas da legislação especializada, mas também da práxis das Varas da Infância e da Juventude. Infelizmente, o desconhecimento da realidade jurídico-operacional por parte da população em relação á legislação especializada vem sendo adrede manipulado por uma imprensa alarmista, secundando interesses contrários ao bem estar dos adolescentes e da própria sociedade.

Ademais, alega-se que o sistema preconizado pela legislação específica que rege o processamento dos atos infracionais praticados pelos adolescentes não funciona a contento. Muito pelo contrário, o sistema sócio-educativo estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente tem demonstrado, na prática, resultados consideravelmente melhores que a absoluta ineficácia do sistema penitenciário geral. A propósito, dados de 2004 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) estimam em 20 % a reincidência dentro do sistema sócio-educativo e 60 % no penitenciário (FERNANDES, J. C., 2007).

Portanto, é notória a falácia de que a inclusão do menor de dezoito anos no sistema penal geral diminuirá os índices de criminalidade e de reincidência. Pelo contrário, aqueles adolescentes "presos" por um crime contra o patrimônio, praticado sem violência, certamente sairão da penitenciária mais violentos e indesejavelmente "experientes" no aspecto criminal. João Batista da Costa Saraiva [1996], em poucas linhas, refutando a idéia de que o menor infrator submetido à legislação específica dá margem à impunidade, assevera que:

A propósito dessa medida privativa de liberdade - internação na linguagem da lei -, o que a distingue fundamentalmente da pena imposta ao maior de 18 anos é que, enquanto aquela é cumprida no sistema penitenciário que todos sabem o que é, nada mais fazendo além do encarcerar , onde se misturam criminosos de toda a espécie e graus de comprometimento -, aquela há que ser cumprida em um estabelecimento próprio para adolescentes infratores, que se propõe a oferecer educação escolar, profissionalização, dentro de uma proposta de atendimento pedagógico e psicoterápico, adequados à sua condição de pessoas em desenvolvimento. Daí não se cogitar de pena, mas, sim, medida sócio-educativa, que não se pode constituir em um simples recurso eufêmico da legislação.

No III Seminário Latino-Americano sobre Direitos da Criança e do Adolescente, cujo tema principal foi "A questão da Imputabilidade e Inimputabilidade", realizado em 1995, os participantes chegaram as seguintes conclusões encampadas pela UNICEF para o Brasil (CORRÊA, 1998, p. 190):

1- A inimputabilidade não implica irresponsabilidade e impunidade, ficando os adolescentes autores de atos infracionais sujeitos a medidas sócio-educativas, inclusive privação de liberdade;

2- O Estatuto da Criança e do Adolescente é suficientemente severo no que concerne às conseqüências jurídicas decorrentes dos atos infracionais praticados por adolescentes;

3- É necessária a imediata implantação ou implementação dos programas relativos às medidas sócio-educativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, que têm se mostrado, nos locais onde foram corretamente instalados, aptos a ser resposta social, justa e adequada, à prática de atos infracionais por adolescentes, com eficiência maior que pura e simples retribuição penal e o conseqüente ingresso do jovem no sistema penitenciário.

4- É mister, no embate à criminalidade infanto-juvenil, que sejam adotadas todas as medidas judiciais e extrajudiciais (políticas e administrativas), governamentais, no sentido da distribuição da justiça social, de modo a universalizar o acesso às políticas sociais públicas.

5- A fixação da imputabilidade a partir dos 18 anos de idade tem por fundamento critério de política legislativa adequado à realidade brasileira, manifestando-se os signatários intransigentes contrários a qualquer tentativa de redução da idade de responsabilidade penal, o que está de acordo com a normativa internacional, sendo imperiosa sua permanência em sede constitucional".

O argumento de que a redução da idade penal também diminuiria a utilização dos menores como instrumentos de crimes também cai por terra. Ainda na lição de João Batista da Costa Saraiva [1996]:

O argumento de que cada vez mais os adultos se servem de adolescentes para a prática de crimes e que por isso se faz necessária a redução da idade de imputabilidade penal se faz curioso. Ora, pretende-se estender ao "mandado" o mesmo sistema que não alcança o "mandante"? Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, regra geral do concurso de agentes. Se a questão for de eficácia de sistema; porque o mandante (de regra, "pior" que o executor direto) não é responsabilizado? Aliás, reprimido o mandante, exclui-se a demanda. Na verdade, o argumento dos arautos do rebaixamento faz falacioso. O Estatuto oferece amplos mecanismos de responsabilização destes adolescentes infratores, e, que se tem constatado, em não raras oportunidades, é que, enquanto o co-autor adolescente foi privado de liberdade, julgado e sentenciado, estando em cumprimento de medida, seu parceiro imputável, muitas vezes, sequer teve seu processo em juízo concluído, estando freqüentemente em liberdade.

De fato, não é compreensível a idéia de que a redução da idade penal seria um meio idôneo de evitar a utilização de menores de dezoito anos na atividade criminosa. Se reduzirmos a idade penal para dezesseis anos, em breve surgirão aqueles que defenderão a redução para 14 anos de idade (em virtude do recrutamento para o crime daqueles pertencentes a nova faixa de inimputabilidade). Tais condutas certamente culminariam com uma infindável modificação legislativa que poria em risco a segurança jurídica.

No que toca ao entendimento daqueles que vislumbram a legislação específica aplicada ao menor infrator como "escudo da impunidade", João Batista da Costa Saraiva (2005. p. 77) preconiza que:

Não se pode ignorar que o Estatuto da Criança e do Adolescente instituiu no país um sistema que pode ser definido como de Direito Penal Juvenil. Estabelece um mecanismo de sancionamento, de caráter pedagógico em sua concepção e conteúdo, mas evidentemente retributivo em sua forma, articulado sob o fundamento do garantismo penal e de todos os princípios norteadores do sistema penal enquanto instrumento de cidadania, fundado nos princípios do Direito Penal Mínimo. Quando se afirma tal questão, não se estar a inventar um Direito Penal Juvenil. Este está ínsito ao sistema do Estatuto da Criança e do adolescente, e seu aclaramento decorre de uma efetiva operação hermenêutica, incorporando as conquistas do garantismo penal e a condição de cidadania que se reconhece no adolescente em conflito com a Lei. Esse sistema, quer se goste, quer não se goste, tem um perfil prisional em certo aspecto, pois é inegável que do ponto de vista objetivo, a privação de liberdade decorrente do internamento faz-se tão ou mais aflitiva do que a pena de prisão no sistema penal. Basileu Garcia que o elemento fundante do conceito de pena seria seu caráter de aflitividade. Do ponto de vista das sanções, há medidas sócio-educativas que têm a mesma correspondência das penas alternativas, haja vista a prestação de serviços à comunidade, presta em um outro sistema, com praticamente o mesmo perfil. O que pode ser mais aflitivo a um jovem de 16 anos do que a privação de liberdade, mesmo que em uma instituição que lhe assegure educação e uma série de atividades de caráter educacional e pedagógico, mas da qual não pode sair?

Reputa-se que "o "arsenal" de recursos postos à disposição da sociedade pelo Estatuto da Criança e do Adolescente prescinde da anacrônica proposta de redução da idade de imputabilidade penal para o enfrentamento da questão atinente à criminalidade juvenil. "Para tanto, o que necessitamos é de compromisso com a efetivação plena do Estatuto da Criança e do Adolescente em todos os níveis - sociedade e Estado fazendo valer este que é um instrumento de cidadania e responsabilização de adultos e jovens" (SARAIVA, [1996]).

Julio Fabbrini Mirabete (2005, p. 216), corroborando o entendimento, defende que:

A redução do limite de idade no direito penal comum representaria um retrocesso na política penal e penitenciária brasileira e criaria s promiscuidade dos jovens com delinqüentes contumazes. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, aliás, instrumentos eficazes para impedir a prática reiterada de atos ilícitos por pessoas com menos de 18 anos, sem inconvenientes mencionados.

O que se faz necessário, enfim, e com urgência, no âmbito do combate à criminalidade juvenil, é a implementação de políticas efetivas do que está preconizado no Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê, se cumprido devidamente, a completa e positiva reinserção do adolescente infrator no meio social em que vivia; ou melhor, se cumprido efetivamente o ECA, o menor de dezoito, em regra, nem sequer cometerá o ato infracional.

3.3- A falência do sistema penal geral.

É corriqueira entre o senso-comum a idéia de que incluir o menor de 18 anos no sistema penitenciário diminuirá os índices de violência e criminalidade. Esta conclusão é conseqüência da falsa premissa de que a exacerbação das penas trará a solução para o sistemático problema da criminalidade. Acerca da falência do sistema penal geral, Evandro Lins e Silva (1991, p. 40), lecionam que:

Prisão é de fato uma monstruosa opção. O cativeiro das cadeias perpetua-se ante a insensibilidade da maioria, como uma forma ancestral de castigo. Para recuperar, para ressocializar, como sonharam nossos antepassados? Positivamente, jamais se viu alguém sair d um cárcere melhor de que quando entrou. E o estigma da prisão? Quem dá trabalho ao indivíduo que cumpriu a pena por crime considerado grave? Os egressos do cárcere estão sujeitos ainda a uma outra terrível condenação: o desemprego. Pior que tudo, são atirados a uma obrigatória marginalização. Legalmente, dentro dos padrões convencionais, não podem viver ou sobreviver. A sociedade que os enclausurou, sob o pretexto hipócrita de reinserí-los depois em seu seio, repudia-os, repele-os, rejeita-os. Deixa, aí sim, de haver alternativa, o ex condenado só tem uma solução: incorporar-se ao crime organizado. Não é demais martelar: a cadeia fabrica delinqüentes, cuja quantidade cresce na medida e na proporção em que for maior o número de presos e condenados. Os fariseus de todos os matizes, não podendo deixar de reconhecer a evidência dos malefícios da prisão, bradam que a pena tem caráter intimidativo e serve como retribuição do mal causado pelo infrator da norma penal. O fator intimidativo pode ser exercido por outras formas de punição, que não a cadeia, e, quanto à retribuição, seria um retorno à pena de castigo, anticientífica, verdadeiro talião patrocinado pelo Estado.

Ainda a propósito do tema, Michel Foucault (2002. p. 222) já ensinava que:

A prisão não pode deixar de fabricar delinqüentes. Fabrica-os pelo tipo de existência que faz os detentos levarem: que fiquem isolados em celas, ou que lhes seja imposto um trabalho inútil, para o qual não encontrarão utilidade, é de qualquer maneira não "pensar no homem em sociedade; é criar uma existência contra a natureza inútil e perigosa"; queremos que a prisão eduque os detentos, mas um sistema de educação que se dirige ao homem pode ter razoavelmente como objetivo agir contra o desejo da natureza? A prisão fabrica também delinqüentes impondo aos detentos limitações violentas; ela se destina a aplicar as leis, e a ensinar o respeito por elas; ora, todo o seu funcionamento se desenrola no sentido do abuso do poder: o sentimento de injustiça que um prisioneiro experimenta é uma das causas que mais podem tornar indomável o seu caráter.

Ainda nesse sentido, o renomado mestre italiano Luigi Ferrajoli (2006, p. 378) assenta que:

A pena privativa de liberdade, que na época moderna tem constituído a alternativa mais importante frente às penas ferozes e o principal veículo de mitigação e de racionalização das penas, já não parece, por sua vez, idônea- enquanto não pertinente ou desnecessária – para satisfazer nenhuma das duas razões que justificam a sanção penal: nem a prevenção dos delitos, dado o caráter criminógeno das prisões destinadas de fato, como nos dias de hoje é unanimemente reconhecido, a funcionar como escolas de delinqüência e de recrutamento da criminalidade organizada; nem a prevenção das vinganças privadas, satisfeita na atual sociedade dos mass media bem mais pela rapidez do processo e pela publicidade das condenações do que pela expiação da prisão.

Continua o autor, asseverando que (2006, pp. 379- 380):

A prisão é, portanto, uma instituição ao mesmo tempo antiliberal, desigual, atípica, extralegal e extrajudicial, ao menos em parte, lesiva para a dignidade das pessoas, penosa e inutilmente aflitiva.

Acerca da falência do hodierno sistema penal latino-americano, reputando-o como discriminatório (funciona apenas para os mais carentes), o professor Argentino Eugênio Raúl Zaffaroni (1991, p. 25) acrescenta que:

Os órgãos do sistema penal exercem seu poder militarizador e verticalizador-disciplinar,quer dizer, seu poder configurador, sobre os setores mais carentes da população e sobre alguns dissidentes (ou "diferentes") mais incômodos ou significativos.(...) Em síntese, e levando-se em conta a programação legal, deve-se concluir que o poder configurador ou positivo do sistema penal (o que cumpre a função de disciplinarismo verticalizante) é exercido à margem da legalidade, de forma arbitrariamente seletiva, porque a própria lei assim o planifica e porque o órgão legislativo deixa fora do discurso jurídico-penal amplíssimos âmbitos de controle social punitivo.

No caso brasileiro, especificamente, é notória a falência do sistema penal, sobretudo daqueles subtipos voltados à restrição de liberdade dos indivíduos (sistema penitenciário) [39]. Se o sistema é notadamente falho quanto à reintegração de pessoas consideradas, pelo menos em tese, de "plena formação sócio-cultural", o que esperar daqueles seres humanos considerados em fase de desenvolvimento?

3.4- O direito de sufrágio como critério definidor de discernimento suficiente à imputabilidade penal.

Não são poucos os que argumentam que o Constituinte de 1988 definiu um critério de discernimento por meio da idade quando, no art. 14, § 1°, inciso II, alínea c, da Constituição Federal, preceituou que aos maiores de 16 anos é facultado o exercício do sufrágio. Tal dispositivo constitucional serviu para que alguns criticar o fato de que o maior de 16 anos seria apto para traçar o destino do país, mas não o seria na hora de cumprir com suas obrigações penais. Tal argumento nem mereceria destaque não fossem seus inúmeros defensores. João Batista da Costa Saraiva [1996], sobre o tema, ensina que:

Dizer-se que se o jovem de 16 anos pode votar e por isso pode ir para a cadeia é uma meia verdade (ou uma inverdade completa). O voto aos 16 anos é facultativo, enquanto a imputabilidade é compulsória. De resto, a maioria esmagadora dos infratores nesta faixa de idade sequer sabem de sua potencial condição de eleitores; falta-lhes consciência e informação. A questão de fixação de idade determinada para o exercício de certos atos da cidadania decorre de uma decisão política e não guarda relações entre si, de forma que a capacidade eleitoral do jovem aos dezesseis anos - FACULTATIVA - se faz mitigada.

Há pelo menos dois pontos divergentes entre a FACULDADE de votar e a IMPUTABILIDADE PENAL. O primeiro ponto é o que toca ao elemento volitivo: enquanto no direito de votar existe uma mera faculdade (que quase sempre não é exercida, o que comprova a imaturidade dos eleitores menores de dezoito anos), na imputabilidade penal há uma imposição legal, compulsória, ou seja, aquele que infringir a norma penal é responsabilizado ainda que não concorde.

O segundo ponto que pode ser destacado concerne à própria essência dos institutos, já que o direito de sufrágio, como o próprio nome nos indica, é um direito subjetivo, desde que manifestada a vontade do menor de exercitá-lo; já a imputabilidade penal é um ônus suportado pelo indivíduo que infringir determinada norma penal.

Um outro ponto que deve ser destacado é que não há sistematização constitucional no que concerne a idade como critério definidor de uma maioridade absoluta, portanto, não há que se falar em padrão de discernimento fixado em idade "x" ou "y". Por exemplo, consoante a Carta Republicana de 1988, um adolescente pode trabalhar a partir de 14 anos, na condição de aprendiz (art. 7°, XXXIII); já no plano eleitoral, a Lei Fundamental estabelece a idade mínima de 18 anos para concorrer ao cargo de vereador (art. 14, §3°, VI, d); no âmbito de defesa da pátria, impõe-se o serviço militar obrigatório aos homens maiores de 18 anos (art. 143).

Ademais, devemos considerar que tanto o direito de voto como o direito a inimputabilidade foram estabelecidos pela mesma Carta. Márcia Milhomens Corrêa (1998, p. 200) reforça que:

Tal constatação, por si só, indica a compatibilidade entre ambos os direitos. Se é verdade que um dos cânones da hermenêutica constitucional é a unidade de sentido da Constituição, então tanto a faculdade de voto quanto a inimputabilidade penal, nos padrões estabelecidos, devem ser tomados como preceitos integrados num sistema unitário de regras e princípios e compreendidos harmonicamente.

Basta aceitarmos, para por fim à celeuma, que a escolha da idade como critério de inimputabilidade é de caráter político-criminal, e que é de boa praxe a fixação da idade penal em 18 anos (TOLEDO, 1991, p. 320).

3.5- Redução da idade penal como forma de punir a própria vítima

A vida das crianças e dos jovens sofre a poderosa influência da sociedade, sobretudo se esta estiver atormentada por um consumismo convalescente, por uma distribuição de riquezas injusta e perversa. O bem-estar, imprescindível a todos, exibe uma imensurável distancia entre a classe rica e a classe pobre. Esse "distanciamento é diametralmente antípoda, pois de um lado se depara com o pauperismo paroxisticamente exacerbado, com total miserabilidade, e, de outro, com o enriquecimento esbanjador, sub-reptício ou escancarado, muitas vezes conseguido desonestamente e às custas dos menos afortunados" (FERNANDES; FERNANDES, 2002, p. 486). De um lado vemos a miséria extrema, do outro encontramos a riqueza esbanjadora; entre os extremos há uma criança ou adolescente, nascido e criado em ambiente hostil, lutando pela sobrevivência.

É bastante salutar invocar o que Léon Michaux (apud FERNANDES; FERNANDES, 2002, p. 440), em seu livro "A Criança Delinqüente", questiona acerca do tema:

Que esperar de crianças que vivem em favelas infectas, em promiscuidade com elementos de toda ordem, vendo as cenas mais deprimentes, os gestos mais acanalhados, os procedimentos mais ignominiosos? Que esperar de crianças que em pleno período de formação dormem ao relento, sentindo frio, debaixo de pontes, à porta de casas comerciais, lado a lado com toda espécie de marginais adultos? Que esperar de crianças que prematuramente conhecem os horrores da fome e que se alimentam de migalhas jogadas fora ou da caridade pública? Quando uma criança dessas chega a lançar mão do que é alheio, podemos, temos o direito de chamá-las de delinqüentes?

Consoante já exposto, a pobreza é um fator social extremamente relevante para a acentuada criminalidade no Brasil, principalmente entre os jovens. Newton e Valter Fernandes (2002, p. 389), sobre a pobreza como fator social da criminalidade aduzem que:

De enfatizar, por ser a expressão da verdade, que os assaltantes, em sua quase totalidade, são indivíduos rudes, semi-analfabetos e pobres, quando não miseráveis. Sem formação moral adequada, eles são parias da sociedade, nutrindo indisfarçável raiva e aversão, quando não ódio, por todos aqueles que possuem bens de certo modo ostensivos, especialmente automóveis de luxo e mansões, símbolos inquestionáveis de um status econômico superior. Esse sentimento de revolta por viver na pobreza não deixa de ser um dos fatores que induz o indivíduo ao crime (contra o patrimônio, especialmente), adquirindo, não raro, um sentido de violência delinqüencial muito grande. De fato, assaltantes adultos ou jovens, agindo isoladamente ou em quadrilhas, não se apiedam de suas vítimas, matando-as, às vezes, pelo simples esboço de um gesto qualquer de pavor ou de instintiva e desarmada defesa.

Completam os autores, afirmando que o ódio ou aversão daqueles que vivem na pobreza contra os possuidores de bens "age como verdadeiro fermento, fazendo crescer o bolo da insatisfação, do inconformismo e da revolta das classes mais pobres da sociedade, que se tiverem a temperar o bolo algum hipertensor da violência e agressividade humanas, infalivelmente as levarão ao cometimento de alentado número de atos anti-sociais" (FERNANDES; FERNANDES, 2002, p. 389).

Pode-se reputar que, especialmente em países subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil, "entre os fatores que influem na criminalidade o mais importante, o predominante, é o econômico sem sombra de dúvida" (FERNANDES; FERNANDES, 2002, p. 388). Voltando ao aspecto específico das crianças e dos adolescentes que crescem em meio inadequado à boa formação social, não é possível fechar os olhos à crescente violência na qual esses pequenos indivíduos estão envolvidos. Na verdade, não se pode negar a participação de adolescentes e mesmo crianças em assaltos, latrocínios e diversas outras infrações violentas, até mesmo de natureza sexual, além daquelas relativas ao uso e tráfico de drogas. Por outro lado, também é sabido que o "fenômeno da anti-socialidade do menor, sob o ponto de vista psicossosiológico, resulta de desajustamentos projetados em condutas desviantes, desajustamentos inerentes à desorganização pessoal, familiar e comunitária que grassam notadamente nos países subdesenvolvidos" (FERNANDES; FERNANDES, 2002, p. 487).

Um dos males que hodiernamente aflige nosso país certamente é a criminalidade, sempre em escala crescente; a delinqüência é cada vez mais precoce, consoante se observa nos noticiários cotidianos, dando conta de ações e crimes praticados ou com participação de menores, cuja perversão causa assombro e pena. Aliás, parece fácil para aqueles nascidos em boa família, com educação adequada e excelente logística comunitária, apontar negativamente para as crianças e adolescentes infratores que, em sua grande maioria, nasceu em ambiente completamente diverso daqueles que os criticam. "Quantos delinqüentes adultos não chegariam a essa situação, se tivessem tido oportunidade de ser membros úteis da sociedade, se tivessem alguém que impedisse que a semente do mal medrasse ao redor do caminho por onde iriam passar?" (FERNANDES; FERNANDES, 2002, p. 501). A resposta a essa pergunta parece apontar o verdadeiro culpado (se é que podemos chamar assim) da alta criminalidade entre as crianças e os adolescentes; estes, na verdade, são vítimas do descaso e abandono; são frutos daquilo que a própria sociedade semeou.

A propósito, Newton e Valter Fernandes (2002, p. 502) ainda acrescentam que:

Abandonar as crianças aos seus instintos, às induções perniciosas do mau exemplo, deixá-las sozinhas para resistir à influência do meio e da rua, deixá-las isoladas para enfrentar os germes mórbidos que já levam em si, fruto de taras hereditárias é, sem sombra de dúvida, ajudar a destruir a sociedade, é um anarquismo passivo muito mais cruel e aterrorizante, que o daqueles que sonham com sangrentas conquistas pretendendo explodir bombas de hidrogênio para a obtenção de novas terras, extraviados e insensatos, que desconhecem a verdadeira finalidade do homem na vida que é distribuir amor e com isso ajudar a união de todos os povos. Enquanto o Estado e a sociedade permanecerem inertes e eqüidistantes da problemática infantil, como que perfunctotiamente se alinhou, toda paz social, não passará de uma quimera e os humildes e os deserdados terão sempre um motivo para justificar sua insatisfação, sua infelicidade, quando não os seus próprios rancores. Para encerrar, justo proclamar que quando nos preocuparmos com essas esquecidas criaturas; quando lembrarmos dos abandonados, que se asfixiam em um ambiente de incompreensão, de miséria e de imoralidade; quando nenhuma criança mais dormir na rua, quase sempre sem haver se alimentado; quando o descaso e a incúria estatal e social enxergarem bem suas alminhas brancas, antes que elas se encham de negritude do mal e quando os poderosos laborarem para que nelas não possa brotar o ódio, estaremos dando o passo inicial para a diminuição da delinqüência infantil. Assim, e só assim, é que poderemos construir a grandeza da pátria, erigindo a tão sonhada paz social, já que um povo só é verdadeiramente grande quando mais culto, e sua civilização resplandece fulgurante, quando triunfa o direito dos menos favorecidos, dos mais humildes, dos carentes.

Então, como pretendemos enclausurar o que criamos? Seria legítimo, proporcional, encarcerar a pobreza como uma forma de institucionalização das discriminações sociais? É óbvio que a sociedade não pode alegar a própria torpeza para defesa de certos direitos que protege (princípio do nemo propriam turpitudinem allegans).

O controle da legitimidade, no âmago da proporcionalidade, como vimos, é uma forma de controle material da constitucionalidade e de tal não podemos nos afastar, sob pena de ferirmos a integridade da Constituição Federal. Portanto, se não é legítimo, se não é proporcional incluir os menores de dezoito anos no sistema penal geral, seria constitucional tal inclusão?

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Sobre o autor
Evaldo Dantas Segundo

Servidor Público Federal, Bacharel em Direito pela Faculdade Mater Christi, pós-graduando em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS SEGUNDO, Evaldo. Redução da idade penal em face da Constituição Federal.: Apontamentos jurídicos acerca das tentativas de redução da idade para imputação criminal do menor de 18 anos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2373, 30 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14105. Acesso em: 25 dez. 2024.

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