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Responsabilidade civil do médico

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Agenda 07/01/2010 às 00:00

3 – RESPONSABILIDADE CIVIL DO HOSPITAL

O ordenamento jurídico brasileiro não agasalha legislação específica sobre a responsabilidade civil dos estabelecimentos hospitalares que acabam por seguir o preceito constitucional da responsabilidade objetiva. Nestas, as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso. [78]

Logo, pode-se considerar a lição de Neri Tadeu Camara Souza, em que o autor enquadra um estabelecimento hospitalar como fornecedor de serviço, quer se trate de pacientes internos, ou não, que segue, portanto, as normas do Código de Defesa do Consumidor [79] para imputar indenizações decorrentes da má prestação de serviços desses estabelecimentos.

O Código Civil Brasileiro estabelece que são responsáveis pela reparação civil o empregador ou comitente pelos atos de seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele. [80]

Tal entendimento foi sumulado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal aduzindo que "é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto" [81].

Portanto, por ser objetiva e contratual a responsabilidade do hospital, ela pode ser regida, também, pelo Código de Defesa do Consumidor, que o obriga a provar, em face da aplicação do art. 6º, VIII [82] do referido CDC, que não agiu com culpa. Assim, suportará o ônus de provar em juízo que não é o responsável pelos danos causados a um determinado paciente que o acusa [83], ao contrário da responsabilidade do médico que deverá ser provada pelo paciente.

Entretanto, os tribunais têm analisado a questão com uma certa cautela, não generalizando a imputação da responsabilidade aos hospitais como objetiva, pois, aos médicos, mesmo como empregados do estabelecimento, deve ser verificada a culpa, porquanto, nas demais atividades propriamente de atribuição do hospital e não dos profissionais médicos, como serviços de enfermagem, acomodações, nutrição, controle de infecção hospitalar, recepção e transporte de doentes, deve ser orientado pelo caput do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. [84]

Logo, se o dano for decorrente de um suposto erro, causado por atuação de um médico do estabelecimento, há que se verificar a culpa. Por outro lado, se o erro for por defeito em um dos serviços ditos próprios do hospital, o que norteará a responsabilização do hospital será a teoria da responsabilidade objetiva. [85]

Em recente julgado, o Colendo Superior Tribunal de Justiça entendeu que a responsabilidade civil do hospital, em caso da atuação técnico-profissional, é subjetiva no que tange à atuação do médico, exemplificando, por outro lado, os casos em que a responsabilidade será apurada de forma objetiva conforme aresto abaixo:

CIVIL. INDENIZAÇÃO. MORTE. CULPA. MÉDICOS. AFASTAMENTO. CONDENAÇÃO. HOSPITAL. RESPONSABILIDADE. OBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE.

1 - A responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação técnico-profissional dos médicos que neles atuam ou a eles sejam ligados por convênio, é subjetiva, ou seja, dependente da comprovação de culpa dos prepostos, presumindo-se a dos preponentes.

Nesse sentido são as normas dos arts. 159, 1521, III, e 1545 do Código Civil de 1916 e, atualmente, as dos arts. 186 e 951 do novo Código Civil, bem com a súmula 341 - STF (É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto.).

2 - Em razão disso, não se pode dar guarida à tese do acórdão de, arrimado nas provas colhidas, excluir, de modo expresso, a culpa dos médicos e, ao mesmo tempo, admitir a responsabilidade objetiva do hospital, para condená-lo a pagar indenização por morte de paciente.

3 - O art. 14 do CDC, conforme melhor doutrina, não conflita com essa conclusão, dado que a responsabilidade objetiva, nele prevista para o prestador de serviços, no presente caso, o hospital, circunscreve-se apenas aos serviços única e exclusivamente relacionados com o estabelecimento empresarial propriamente dito, ou seja, aqueles que digam respeito à estadia do paciente (internação), instalações, equipamentos, serviços auxiliares (enfermagem, exames, radiologia), etc e não aos serviços técnicos-profissionais dos médicos que ali atuam, permanecendo estes na relação subjetiva de preposição (culpa).

4 - Recurso especial conhecido e provido para julgar improcedente o pedido. [86]

Destarte, pode-se concluir que a responsabilidade civil do hospital é objetiva quando o erro for oriundo de procedimentos inerentes à atividade do hospital e subjetiva quando o erro ocorrer por serviço médico-preposto do estabelecimento.

3.1 – Infecção hospitalar

Infecção hospitalar "é aquela adquirida após a admissão do paciente e que se manifeste durante a internação ou após a alta, quando puder ser relacionada com a internação ou procedimentos hospitalares." [87] Sua prevenção e controle envolvem medidas de qualificação de assistência hospitalar, de vigilância sanitária e outras, tomadas no âmbito do Estado, do Município e de cada hospital, atinentes ao seu funcionamento, levando em consideração que as infecções hospitalares constituem risco significativo à saúde dos usuários dos nosocômios. [88]

Infecção comunitária, por sua vez, é aquela já constatada ou em incubação no ato de admissão do paciente, desde que não se relacione com internação anterior no mesmo hospital, tampouco esteja associada à complicação ou extensão da infecção já presente na admissão, a menos que haja troca de microorganismos com sinais ou sintomas fortemente sugestivos dessa aquisição de nova infecção. Também se arrola no caso a infecção em recém-nascido, cuja aquisição por via transplacentária é conhecida ou foi comprovada, tornando-se evidente logo após o nascimento. [89]

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No contexto do dano causado ao paciente, "a infecção hospitalar é fator considerável na elevação do número de pessoas que sofrem danos irreversíveis ou perdem a vida durante o período em que permanecem internadas" [90]

Sua origem pode estar na falta de cuidados fundamentais de higiene daqueles que mantêm contato físico ou se aproximam do paciente, na omissão de assepsia durante o procedimento cirúrgico e, principalmente, na ausência de assepsia dos materiais utilizados pelo médico e nas dependências do nosocômio. [91]

Rui Stoco ensina que o desenvolvimento e a multiplicação oportunista de seres inferiores no organismo debilitado do paciente, em decorrência de intervenção cirúrgica ou da ação de medicamentos, podem resultar em consequências nocivas ao paciente, em grau maior ou menor, podendo mesmo conduzir ao óbito ou a lesões graves.

Fica patente que os microorganismos causadores de patologias no organismo humano estão presentes em qualquer local, devendo ser combatidos veementemente e com maior atenção nos estabelecimentos hospitalares, evitando-se os riscos de infecção nos pacientes em tratamento. A simples presença desses microorganismos gera presunção de culpa, traduzida em conduta omissiva, desidiosa ou negligente do hospital. [92]

Em 1998, o Ministério da Saúde determinou a criação da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) em cada unidade, como parte da execução do Programa de Controle de Infecções Hospitalares (PCIH) que visa a redução máxima possível da incidência e da gravidade das infecções hospitalares. A CCIH elabora, implementa, mantêm e avalia o programa de controle de infecção hospitalar que seja adequado às características e às necessidades da instituição. [93]

Não basta, porém, a presença da Comissão para o hospital se eximir da responsabilidade por eventual dano. É preciso que o nosocômio atente para as normas básicas editadas pelo Ministério da Saúde a fim de combater os riscos de infecção hospitalar, pois, sendo a infecção provocada por germes localizados em suas dependências, restará definida a responsabilidade civil do estabelecimento pela inequívoca demonstração do liame gerador do dever de recomposição. [94]

Caracterizado o dano, é imputada ao hospital a responsabilidade em indenizar o paciente, salvo se comprovar que a infecção foi por ele trazida quando da internação ou que ele próprio, pela de conduta inadequada como falta de higiene pessoal, deu causa ao surgimento da moléstia. [95]

Do contrário, a responsabilidade civil do hospital por infecção hospitalar será sempre objetiva, pois esta decorre do fato da internação e não da atividade médica em si. [96]

Por fim, quanto à responsabilidade solidária do médico acerca da infecção hospitalar, esta só terá embasamento se o implicado agir com negligência ao realizar procedimento cirúrgico consciente de que o local não oferece condições ideais, assumindo ele próprio o risco de internar ou manter o paciente. [97]


4 – RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO À LUZ DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

A questão relativa à responsabilidade civil dos médicos tem gerado enorme debate acerca do interesse de pacientes que se transformam em vítimas de erros médicos e suas consequências. Corrobora para o interesse, o atual nível de esclarecimentos da população sobre seus direitos oriundos da conduta danosa do médico, traduzindo-se em inúmeros processos judiciais, visando indenizações que, na maioria, são estratosféricas.

Antes do Código de Defesa do Consumidor [98], a responsabilidade civil do médico era regulada pelo art. 951 do Código Civil [99], que a caracterizava como culpa contratual.

Porém, Ruy Rosado de Aguiar Jr., citado por Rui Stoco, já advertia que a responsabilidade médica não obedece a um sistema unitário, podendo ser contratual, quando derivada de um contrato estabelecido livremente entre paciente e profissional, e extracontratual, quando, não existindo o contrato, as circunstâncias da vida colocarem frente a frente médico e doente. [100]

O Código de Defesa do Consumidor, por ter qualificação de ordem pública, tem seus preceitos prevalecendo ainda que contra a vontade das partes, dando eficácia ao comando constitucional contido no art. 5º, XXXII [101] da Constituição Federal, que agrupa legislações esparsas contidas em outros diplomas. [102]

Houve inovação quando introduziu-se a responsabilidade civil objetiva por danos causados aos consumidores pelos fornecedores de serviços que, na seara da responsabilidade civil do médico tem-se como consumidor [103] o paciente, e como fornecedor [104] os médicos e hospitais. Contudo, o dispositivo legal ressalvou a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais, condicionando esta à verificação de culpa [105].

Jerônimo Romanello Neto adverte sobre as conclusões quanto à responsabilidade civil objetiva dos médicos, porquanto o § 4º do art. 14 dispõe que ela não se aplica aos profissionais liberais, pois a esses continuará prevalecendo, em tese, a responsabilidade civil subjetiva, ou seja, deverá ser provada a culpa do médico para lhe ser atribuída a responsabilidade pelo dano causado. [106]

Destarte, pode-se concluir que restou consagrada a teoria da responsabilidade civil subjetiva quando imputada ao médico conduta produtora de resultados danosos, com surgimento do dever de recompor os prejuízos causados unicamente, se demonstrada a culpa na atuação que se apontou como causadora da lesão que se pretende ver indenizada. [107]

Portanto, como a responsabilidade do médico pela prestação de serviços passou a ser apurada mediante verificação da culpa, por força de exceção prevista no art. 14, § 4º do Código de Defesa do Consumidor, a distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual, para tal efeito, perdeu o significado e a razão de ser, posto que se ampliou, para o médico, o espectro probatório, cabendo ao Autor provar-lhe a culpa, ainda que o serviço prestado tenha sido pactuado entre eles. [108]

A principal inovação do Código de Defesa do Consumidor, no que tange à responsabilidade civil do médico, é a possibilidade de inversão do ônus da prova [109] que é de grande valia, pois o consumidor/paciente não pode ter a incumbência de, sozinho, sustentar técnica e cientificamente a culpa do médico. Essa inversão deve ser usada com bom senso pelo juiz quando o pedido for absolutamente contrário à lei, inverídico e absurdo. [110]

O referido Código trouxe, também, a existência da responsabilidade solidária, já prevista no art. 942 [111] do Código Civil Brasileiro, vez que, comprovada a culpa do médico e a vinculação do hospital ao evento danoso, seja de forma subjetiva ou objetiva, será imputada aos dois a responsabilidade em indenizar, resguardadas as devidas proporções.

Por conseguinte, com o advento do Código de Defesa do Consumidor, os direitos dos consumidores ficaram mais explícitos e de fácil acesso. Ressalte-se que cabe ao Poder Judiciário a obrigação de analisar profundamente cada caso acerca de evento danoso causado por suposto erro médico, a fim de que ações descabidas com pedidos de indenizações vultosas não sejam corriqueiras no ordenamento jurídico brasileiro.

É bom lembrar que, apesar de o tema ser tratado como relação de consumo, o médico, durante toda sua formação, não trata seu ofício como tal.


5 – DIREITO COMPARADO

Feita a abordagem sobre o instituto de responsabilidade civil na área médica, importante trazer à baila como o tema é tratado em legislações alienígenas.

5.1 – Direito Italiano

No Direito Italiano, a ilicitude é tratada no Título IX do livro quatro que trata das obrigações. Sobre a responsabilidade civil, o fato culposo que acarreta um dano injusto enseja a obrigação de reparação conforme o disposto no art. 2.043 do Código Civil Italiano:

Art. 2043 Risarcimento per fatto illecito - Qualunque fatto doloso o colposo, che cagiona ad altri un danno ingiusto, obbliga colui che ha commesso il fatto a risarcire il danno.

A imputabilidade por fato danoso depende de avaliação da culpa conforme art. 2.046:

Art. 2046 Imputabilità del fatto dannoso - Non risponde delle conseguenze dal fatto dannoso chi non aveva la capacità d''intendere o di volere al momento in cui lo ha commesso (Cod. Pen. 85 e seguenti), a meno che lo stato d''incapacità derivi da sua colpa.

Logo, em breve passada sobre a legislação, sem aprofundar sobre a corrente doutrinária e jurisprudencial italiana, nota-se que o instituto da responsabilidade civil italiana se aproxima da forma como é tratada no Brasil.

5.2 – Direito Argentino

No Direito Argentino, o tema também é tratado de forma semelhante ao brasileiro.

Kfouri Neto informa que, na Argentina, e demais países latinos, os danos resultantes da atividade médica obrigam à reparação civil, como os demais atos ilícitos.

Jorge Mosset Iturraspe leciona que o ato médico, do ponto de origem da responsabilidade civil, deve-se revestir de antijuridicidade quando, por ação ou omissão, o médico causar dano ao paciente, surgindo, na esfera civil, a obrigação de indenizar. [112]

5.3 – Direito Português

O Direito Português trata a responsabilidade civil de forma, também, muito semelhante à do Brasileiro.

A responsabilidade civil, expressa na seção V do Código Civil Português, é conceituada no art. 483:

ARTIGO 483º (Princípio geral)

1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.

Quanto ao ônus da prova, este é incumbido ao ofendido, ressalvado o caso de presunção de culpa:

ARTIGO 487º (Culpa)

1. É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.

Por último, o Direito Português aplica a responsabilidade solidária com ressalva do direito de regresso.

ARTIGO 497º (Responsabilidade solidária)

1. Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.

2. O direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis.

Importante trazer a lição dos doutrinadores lusos Jorge Figueiredo Dias e Jorge Sinde Monteiro, citados por Kfouri Neto, sobre a responsabilidade civil do médico em Portugal. Para eles, quanto ao nexo causal, vige o princípio da causalidade adequada, incumbindo ao Autor o encargo de demonstrá-lo, provando objetivamente que não lhe foram prestados os melhores cuidados possíveis, sobrevindo o dano. [113]

A aplicação da responsabilidade civil ao médico, portanto, orienta-se pelo critério de verificação da culpa.

5.4 – Direito Francês

Primeiramente, convém ressaltar que a disciplina da responsabilidade civil no direito brasileiro foi elaborada sob a influência direta da lei francesa, principalmente sob o Código de Napoleão.

O Direito Francês, nos casos em que há culpa do médico, aplica a ‘teoria da perda de uma chance". Portanto, se não ficar comprovado o nexo causal entre a culpa e os danos sofridos pelo cliente, a indenização fixada não será integral. [114]

Fato curioso é a divisão da competência que trata da responsabilidade civil, trazida por João Monteiro de Castro na lição de Jean Penneau. Nela, a competência para o médico particular é a da jurisdição civil, todavia, as jurisdições repressivas são igualmente competentes para decidir sobre a ação civil, à medida que resulte de dano decorrente de infração penal. Por outro lado, em princípio, a responsabilidade pelo exercício da medicina em estabelecimento público é de competência do juízo administrativo. [115]

Sobre a culpa, assim como no Brasil, o Direito Francês aplica à responsabilidade civil do médico o critério subjetivo de aferição.

Sobre o autor
Rafael Minaré Braúna

Advogado em Brasília, sócio do escritório Minaré Braúna Advogados Associados s/s

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAÚNA, Rafael Minaré. Responsabilidade civil do médico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2381, 7 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14114. Acesso em: 22 nov. 2024.

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