Resumo: O estudo aborda a natureza da taxa de ocupação, o quê gera a obrigação de pagá-la, como e quando deve agir a União para o seu recebimento. Analisando as leis de regência foi possível identificar o rumo a ser trilhado. Quem se aproveita de um terreno de Marinha deve responder pela obrigação de pagar a respectiva taxa de ocupação. Para essa cobrança, a União deve lançar mão de procedimentos administrativos, os quais devem ser distintos para quem já está inscrito e para aqueles que ainda não foram. Para tanto, há necessidade de obedecer aos prazos decadencial e prescricional.
Palavras-chave: Terrenos de Marinha. Taxa de ocupação. Efetiva ocupação. Procedimento de cobrança. Prescrição.
Sumário: Introdução. 1. Natureza jurídica da taxa de ocupação e fato gerador. 2. Procedimento de inscrição e de cobrança. 3. Prazos da prescrição e da decadência. 4. Início do prazo prescricional. Conclusão. Referências bibliográficas.
Introdução
A taxa de ocupação é uma retribuição devida pelo aproveitamento de terreno de Marinha. Dentre as várias controvérsias judiciais acerca do tema, foram escolhidas para abordagem neste texto as relativas ao seu fator gerador, ao procedimento de cobrança e à prescrição (prazo de ocorrência e seu início).
Controvertem-se as decisões se a inscrição no Serviço de Patrimônio da União (SPU) é suficiente para manter a obrigação de pagamento, bem como se o prazo prescricional anterior à Lei n. 9.636/1998 é de cinco ou de vinte anos.
Com relação ao início do prazo prescricional, há necessidade de se averiguar a devida aplicação dos termos dispostos na legislação.
O texto tem a finalidade de delimitar o que leva à sujeição da cobrança da taxa de ocupação, quais os procedimentos que devem ser seguidos para a cobrança, qual o tempo que a Administração dispõe para tanto e quando é que ele se inicia.
1. Natureza jurídica da taxa de ocupação e fato gerador
A taxa de ocupação não tem natureza tributária (Lei n. 4.320/1964, artigo 39, § 2º). Trata-se de receita patrimonial em virtude da utilização de um bem de propriedade da União, por um terceiro.
O Decreto-lei n. 9.760/1946 estabeleceu que mesmo os ocupantes sem título são obrigados ao pagamento anual da taxa de ocupação (artigo 127). Para a cobrança, há necessidade de inscrição administrativa dos ocupantes, mediante processo administrativo específico (Lei n. 9.636/1998, artigo 7º, § 3º), o qual deve ser feito a) ex officio ou b) a pedido do ocupante (Decreto-lei n. 9.760/1946, artigo 128). Os ocupantes devem ser notificados do cadastramento e a cobrança retroage ao início da ocupação (redações original e atual do artigo 128 do Decreto-Lei n. 9.760/1946).
A inscrição da ocupação é ato administrativo precário e pressupõe efetivo aproveitamento do terreno pelo ocupante (Lei n. 9.636/1998, artigo 7º).
Disso se conclui que é o efetivo aproveitamento (posse) do terreno de Marinha que dá causa à obrigação de pagar a taxa de ocupação. Esse entendimento serve tanto para o período anterior 01, quanto ao posterior à Lei n. 9.636/1998 02, uma vez que esta acrescentou o § 4º ao artigo 3º do Decreto-Lei n. 2.398/1987 03, dispondo que cabe ao adquirente requerer ao Serviço de Patrimônio da União (SPU) a alteração dos registros cadastrais.
Desta forma, nas hipóteses em que não tenha havido a devida comunicação ao SPU por parte do adquirente, não pode a pessoa ainda cadastrada como ocupante ser responsável pelo pagamento da taxa, pelo simples fato de ainda restar a inscrição em seu nome. Se à União é reconhecido o direito (dever) de cobrar a taxa desde o início da ocupação, ao tomar conhecimento, por qualquer modo, de que houve a transferência de fato da ocupação, deve abrir processo administrativo, de ofício, para inscrição do novo ocupante. Este será responsável pela taxa desde a data do início da ocupação que, obviamente, coincidirá com o final da ocupação do anterior.
O fato de a União não ser cientificada acerca da transferência entre particulares não modifica a disposição legal que determina a incidência da taxa para quem efetivamente se aproveita do terreno, impondo que faça a cobrança desde quando se iniciou a ocupação. Adotar o entendimento de que a ausência de alteração da inscrição é, por si só, geradora da obrigação de permanecer pagando a taxa de ocupação, poderia levar a cobrança de duas taxas de ocupação relativas ao mesmo exercício, resultando em duplicidade de recebimento (locupletamento indevido).
Portanto, em eventual execução fiscal ajuizada contra o ainda inscrito, em que haja a prova de que houve a transferência e que o alienante não fez qualquer informação à SPU, os embargos devem ser julgados procedentes para reconhecer a ilegitimidade daquele. No entanto, não deverão ser fixados honorários advocatícios em favor do executado, utilizando-se o mesmo raciocínio dos embargos de terceiro sem resistência 04.
2. Procedimento de inscrição e de cobrança
Em relação ao procedimento de cobrança, dispõe o § 6º, do artigo 7º, da Lei n. 9.636/1998, que os créditos originados da ocupação serão lançados após concluído o processo administrativo correspondente. A visualização da notificação DPU/DCR/SC n. 290/96, de 18/06/1996 (integrante dos autos do processo n. 2003.72.08.011797-8) permite comprovar na prática esse dispositivo: ela informa ao ocupante o deferimento do pedido de inscrição de ocupação, com a apuração de taxas desde o início da ocupação, fazendo acompanhar-se de um DARF para o respectivo pagamento.
Depois de ter havido a inscrição, o ocupante recebe anualmente a guia bancária para pagamento da taxa de ocupação referente ao respectivo exercício. Não paga na data fixada, a Gerência Regional do Patrimônio da União notifica o ocupante, por correio ou por edital, para que apresente o comprovante de pagamento ou liquide o débito, sob pena de inscrição no CADIN e na Dívida Ativa (dados colhidos nos autos do processo n. 2008.72.08.000869-5).
Portanto, são duas situações distintas no procedimento administrativo de cobrança: a) quem ainda não estava inscrito; b) quem já está inscrito. Na primeira hipótese, há necessidade de processo administrativo para se definir seus elementos (pessoal, material, espacial e temporal), notificando-se o ocupante para o pagamento. Na segunda, o procedimento anualmente resume-se à atualização 05 do valor (se for o caso) e à emissão das guias que são enviadas aos ocupantes.
3. Prazos da prescrição e da decadência
Antes da Lei n. 9.636/1998, não havia dispositivo expresso acerca da prescrição dos créditos decorrentes da ocupação. Esta lei passou a viger em 18/05/1998 e fixou no artigo 47 que o prazo seria de cinco anos 06.
Com a Medida Provisória n. 1787, publicada no DOU de 30/12/1998, criou-se um prazo de decadência para constituição do crédito e manteve-se o prazo de prescrição de cinco anos 07. Referida norma foi reeditada e, posteriormente, revogada pela MP n. 1.856-7/1990, a qual foi convertida na Lei n. 9.821/1998 08, com vigência a partir de 24/08/1999.
Por força da Lei n. 10.852/2004 (DOU de 30/03/2004), o artigo 47 foi novamente alterado para fixar prazo decadencial de dez anos, mantendo-se o prescricional de cinco anos 09.
Com relação ao período anterior à Lei n. 9.636/1998, ou seja, anterior a 18/05/1998, existem decisões afirmando que, como não havia fixação expressa de prazo para a prescrição, deve ser adotado o prazo do Código Civil de 1916 (20 anos) 10.
No entanto, outras decisões proclamam o caráter de Direito Administrativo da cobrança e aplicam o prazo prescricional de cinco anos, com base no artigo 1º do Decreto n. 20.910/1932 11. A própria Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça tem precedente nesse sentido, cujo julgamento ocorreu quatro meses antes daquele indicado acima 12.
Entendo que a razão está com aqueles que proclamam a utilização do Decreto n. 20.910/1932 e não o Código Civil de 1916, pois nítido o caráter administrativo e não o privado. Ensinava Hely Lopes Meirelles 13:
A prescrição administrativa opera a preclusão da oportunidade de atuação do Poder Público sobre a matéria sujeita à sua apreciação. Não se confunde com a prescrição civil, nem estende seus efeitos às ações judiciais [...], pois é restrita à atividade interna da Administração e se efetiva no prazo que a norma legal estabelecer. Mas, mesmo na falta de lei fixadora do prazo prescricional, não pode o servidor público ou o particular ficar perpetuamente sujeito à sanção administrativa por ato ou fato praticado há muito tempo. A esse propósito, o STF já decidiu que "a regra é a prescritibilidade". Entendemos que, quando a lei não fixa o prazo da prescrição administrativa, esta deve ocorrer em cinco anos, à semelhança da prescrição das ações pessoais contra a Fazenda Pública (Dec. 20.910/32), das punições dos profissionais liberais (Lei 6.838/80) e para cobrança do crédito tributário (CTN, art. 174).
Para outros créditos não-tributários, o STJ tem entendido que o prazo prescricional, quando não há previsão específica, é de cinco anos, com base no Decreto n. 20.910/1932 14. Além disso, há uma padronização pelo Legislador quando estabelece prazos específicos para cobrança de créditos administrativos, sempre estabelecendo o prazo de cinco anos 15, o que vem contrariar ainda mais a ideia da adoção do prazo vintenário para o período anterior à Lei n. 9.636/1998. Sendo assim, temos o seguinte quadro acerca dos prazos 16:
Períodos |
Prescrição |
Decadência |
Antes de 18/05/1998 (Dec. 20.910/1932) |
5 anos |
Sem previsão |
18/05/1998 (Lei 9.636/1998) até 29/12/1998 (MP 1787) |
5 anos |
Sem previsão |
30/12/1998 (MP 1787) até 29/03/2004 (Lei 10.852/2004) |
5 anos |
5 anos |
30/03/2004 (Lei 10.852/2004) |
5 anos |
10 anos |
Em relação ao aumento do prazo decadencial, este somente pode atingir as situações ocorridas durante a vigência da norma que o estabeleceu, conforme decidiu o STJ 17.
4. Início do prazo prescricional
Com Agnelo Amorim Filho 18 ficou esclarecido que a decadência diz respeito aos direitos potestativos 19, os quais estão presentes nas ações constitutivas (positivas ou negativas) 20. Já a prescrição envolve os direitos a uma prestação (positiva ou negativa), pois somente eles são suscetíveis de lesão ou de violação. Assim, diz respeito às ações condenatórias 21.
Com base nas lições de Savigny e Câmara Leal, Agnelo Amorim Filho conclui que a ameaça ou a lesão ao direito é o termo inicial do prazo de prescrição, pois são o que dão origem a uma ação 22. Com o Código Civil de 2002 positivou-se que a prescrição atinge a pretensão (artigo 189) 23.
No caso da taxa de ocupação, quando ocorre a lesão ao direito da Fazenda Pública?
A redação do artigo 47 da Lei n. 9.636/1998 não fazia menção ao início do prazo prescricional. Com a redação dada pela Lei n. 10852/2004, seu inciso II estabelece a contagem a partir do lançamento. O Legislador deve ter buscado inspiração no artigo 142 do Código Tributário Nacional 24. Mesmo não se tratando de crédito tributário, não há inconveniente em adequar o entendimento que se tem do lançamento tributário para este caso de crédito não-tributário.
Tratando sobre o lançamento tributário, importante e pertinente a distinção feita por JAMES MARINS 25:
Embora revestido de finalidade estritamente tributária, o lançamento é ato administrativo. Este ato, como visto, será muitas vezes precedido de procedimento preparatório, que é denominado de procedimento de lançamento. Este ato administrativo tributário reveste-se de vários atributos, como o de estancar a fluência do prazo decadencial, e tem a virtude de ensejar a exigibilidade administrativa e, subseqüentemente, uma vez inscrita a obrigação lançada em dívida ativa, propiciar a exeqüibilidade (que é necessariamente judicial) da obrigação tributária. [...] A locução genérica lançamento oculta duas realidade jurídicas distintas. Ato e procedimento administrativo não se confundem, assim como não se podem confundir o procedimento de lançamento (ou, mais precisamente, procedimento preparatório do ato de lançamento) com o ato de lançamento propriamente dito. O procedimento de lançamento é em muitos casos o pressuposto objetivo do ato de lançamento, e incluirá diligências fiscalizatórias e apuratórias que servirão de suporte ao ato de lançamento. Nem sempre o ato de lançamento será precedido de procedimento, pois há casos em que a autoridade administrativa serve-se de elementos pré-fixados que dispensam procedimento próprio para a individualização da obrigação tributária. Isso ocorre, por exemplo, nos lançamentos ex officio de IPTU [...] em que o agente lançador simplesmente aplica aritmeticamente alíquotas a valores preexistentes em planta de valores, não se podendo, com propriedade, identificar procedimento.
Trazendo esta lição para a taxa de ocupação: 1 para os casos de processo de inscrição (de ofício ou a pedido) o lançamento terá que ser precedido do procedimento de lançamento; 2 para quem já é inscrito, por já ter a autoridade os elementos pré-fixados, dispensa-se o procedimento de lançamento, simplesmente sendo feita a atualização do valor (se for o caso) e o envio da guia de recolhimento ao ocupante (a exemplo do IPTU).
A notificação para pagamento, no primeiro caso, e a remessa da guia, no segundo, são os atos que dão eficácia ao mencionado lançamento 26. O raciocínio, para este, é o mesmo do IPTU, para o qual, o encaminhamento do carnê de recolhimento é suficiente para considerar o contribuinte notificado do lançamento 27.
O que não se pode admitir é, após vencido o prazo sem o pagamento (em qualquer das duas hipóteses), enviar uma notificação (geralmente envolvendo vários exercícios) e, somente a partir desta querer contar o prazo prescricional.
Se a credora utiliza de procedimentos administrativos para cobrança extrajudicial 28, este fato, por si só, não interfere no prazo prescricional. A inscrição de dívida não-tributária em Dívida Ativa somente suspende a prescrição pelo prazo máximo de cento e oitenta dias, ou até a distribuição da execução fiscal (se esta ocorrer antes) 29.
Embora a lei estabeleça o lançamento como sendo o termo para início do prazo prescricional, entre essa data e a apontada para o respectivo pagamento, o crédito não pode ser exigido judicialmente 30. Contar a partir do lançamento atenta contra a natureza 31 do início da contagem do prazo da prescrição – actio nata. Com a ausência de pagamento ocorre a lesão ao direito da União, pelo descumprimento da prestação, fazendo surgir a pretensão e, consequentemente, o prazo prescricional.
Assim, somente a partir do vencimento é que começa a fluir o prazo prescricional.
Conclusão
A taxa de ocupação não tem natureza tributária, o que não impede que alguns institutos tributários possam ser utilizados para dar harmonia ao seu entendimento.
A efetiva ocupação (posse) e não meramente a inscrição nos cadastros da SPU é que gera a obrigação de pagamento.
Há necessidade de se distinguir as situações dos ocupantes ainda não cadastrados, daqueles já cadastrados, para fins de procedimentos administrativos prévios à cobrança (diferença de lançamento para cada um deles) e o consequente prazo de prescrição.
O prazo decadencial passou para dez anos por força da Medida Provisória n. 1787, publicada no DOU de 30/12/1998.
Antes de 18/05/1998 o prazo prescricional para cobrança da taxa de ocupação é de cinco e não de vinte anos. Mesmo após a Lei n. 10.852/2004, o início do prazo prescricional é a partir do não pagamento no vencimento, pois este é o momento da lesão ao direito da União (actio nata) e não o mencionado lançamento.
Referências bibliográficas
AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis . Revista dos Tribunais, ano 49, vol. 300, outubro de 1960.
MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (administrativo e judicial): 4.ed. São Paulo: Dialética, 2005.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 23.ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Distinção científica entre prescrição e decadência. Um tributo à obra de Agnelo Amorim Filho. Revista dos Tribunais, ano 94, vol. 836, junho de 2005.